quarta-feira, 17 de maio de 2006

Guiné 63/74 - P766: A contagem do tempo de tropa (António Duarte)

Texto do António Duarte, em complemento de uma mensagem anterior e em resposta a um pergunta do Manuel Cruz sobre a contagem do tempo de serviço militar para efeitos de protecção social (reforma, complemento de pensão, etc.) (1)

(Comentário de L.G.: Penso que este não é o fórum indicado para discutir os nossos problemas corporativos ou socioprofissionais, resultantes de ou relacionados com a nossa condição de ex-combantentes da guerra colonial ou do ultramar, como queiram - já não sei qual das expressões é a politicamente correcta, hoje e agora...

Em todo o caso, eu não posso nem quero impedir que, esporadicamente - e não por sistema - sejam aqui apresentados e até debatidos temas como a ajuda médica e psicoterapéutica nos casos de stresse pós-traumático de guerra ou a contagem do tempo de tropa para efeitos de reforma ou aposentação... De resto, o pessoal da caserna é quem mais ordena...Por outro lado, esta informação interessa a quase toda a gente da nossa tertúlia, com excepção dos paisanos... L.G.)


Quanto à segunda nota é de ordem prática e destina-se a responder ao Manuel Cruz, meu ex-comandante de companhia na CART 3493.

A questão da contagem de tempo para reforma dos ex-combatentes, foi uma fraude para ganhar votos. (Peço desculpa de roçar a política, mas não há volta a dar).

A legislação inicial previa a contagem do tempo de serviço militar, sendo o tempo prestado em cenários de risco ponderada a 200% (caso da Guiné), o que implicaria que a esmagadora maioria de nós teria direito a uma contagem de 5 a 5 anos e meio de tempo a contar para a reforma.

Posteriormente houve outro entendimento perfeitamente demagógico, que é o que está a ser aplicado. Quem neste momento está reformado e foi combatente recebe uma anuidade (disse bem, anuidade), à volta de € 300 a € 350. Para o efeito foram vendidas umas instalações militares com o intuito de aplicar o resultado dessa venda num fundo de pensões, destinado a suportar os pagamentos que entretanto começaram a ser pagos.

Acontece porém que o actual Ministro da Defesa já foi ao Parlamento dar nota que o fundo chegou ao fim, pois não há mais dinheiro e que importa alterar a legislação, pelo que, e segundo as últimas informações que obtive, o esquema de pagamento vai ser alterado, deixando de ser universal e só será pago a quem tenha muitas dificuldades financeiras. (De facto é uma esmola e as esmolas servem para os ricos ganharem o Céu...)

Em síntese, quem já trabalhava antes de ser incorporado, terá o seu tempo de tropa considerado mas em singelo, sem o de guerra ponderado por factores superiores a 1. Os restantes não terão direito a nada.

Ressalvo contudo que há regimes privados, como o dos Bancários que consideram o tempo todo, inclusivamente o de guerra multiplicado pelo ponderador, que poderá ser inferior a 200% (zonas de Angola, Moçambique, etc.). No entanto o ex-combatente terá de pagar, para o Fundo de Pensões associado ao Banco em causa, as importâncias que o actuário determinar, em função do salário actual e esperança média de vida do ex-combatente.

Quem quiser pode consultar os serviços citados pelo Manuel Cruz, que funcionam ainda na R. Braamcamp, junto ao Rato, em Lisboa, mas que nada dizem de concreto, limitando-se a explicar que há desentendimento entre diferentes Ministérios. O da Segurança Social só poderá considerar o tempo se foram constituídas as provisões e o da Defesa que deveria pagar, está teso.

Entretanto face ao que vai chegar na reforma da segurança social, penso que não vale a pena ter-se expectativas...

E por hoje deixo-vos com um abraço de camaradagem,

António Duarte
___________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 10 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXL : Regressei bem e sem traumas (Manuel Cruz, CCAÇ 3493)

(...) "Creio que nesta matéria [contagem dos erviço militar] haverá muitas dúvidas em alguns de nós. Como estamos? No meu, no teu caso e noutros?

"Por exemplo, eu não consigo respostas do Ministério, a várias questões mesmo utilizando os meios que o Ministério da Defesa Nacional coloca ao dispor via-mail. Também existe um balcão oficial na Rua Braancamp, 90, em Lisboa, que presta esclarecimentos, mas ainda não visitei.

"Afinal, do tempo do Ultramar sempre temos os 100% de bónus em tempo ou em euros ? Algum de vós tem respostas a estas matérias?" (...)

Guiné 63/74 - P765: Foi em plena guerra colonial que nasci de novo (Padre Mário de Oliveira)

Guiné > Mansoa > 9 de Setembro de 1974 > O Furriel de Operações Especiais Ribeiro, da CCS do BCAÇ 4612, recolhe a bandeira verde-rubra, na presença de representantes do PAIGC (incluindo a viúva de Amílcar Cabral) e de autoridades militares do CTIG. Seis anos anos, o Alf Mil Capelão Oliveira fazia uma curta passagem por Mansoa, antes de ser expulso do exército, em Março de 1968.

Foto: © Eduardo Magalhães Ribeiro (2005)

Texto do Mário de Oliveira, em resposta a um convite meu para integrar a nossa tertúlia... E, a propósito, seria escusado lembrar que na nossa tertúlia ninguém censura ninguém... Podemos (e devemos, quando for caso disso) discordar, saudavelmente, uns dos outros, mas por princípio não fazemos juízos de valor, julgamentos, públicos (e sumários), e muito menos insultos... por que isso iria coortar a nossa capacidade de reconstruir o puzzle da nossa memória (individual e colectiva) da guerra, estancar os nossos fluxos, perturbar os nossos sentimentos de pertença, pôr em causa as comunalidades das nossas vivências... Tal não significa ignorar, escamotear ou esconder as diferenças que existiram, existem e existirão entre cada de um nós!...

Em suma, somos, ou esforçamos por ser, a mais plural das casernas de todas as tropas do mundo... Aqui, a haver uma regra de proibição, é a seguinte: só é proibido proibir... E o tratamento por tu, meu caro Mário, é fortemente desejável ou tendencialmente recomendável: de facto, não dá grande jeito tratar um camarada por você... Dito isto, sê bem vindo, camarada! (LG)


Meu caro Luís:

Aqui estou a responder à sua provocação. Com alegria e paz.

Foi na Guiné que os meus olhos mais se abriram. E que iniciei o meu êxodo para a Liberdade e para a Dignidade. Quem alguma vez vai a África como ser humano, nunca mais será a mesma pessoa. E que dizer então de quem foi a África para participar numa guerra contra o seu Povo?

Tomo a liberdade de partilhar com os camaradas que visitam este site e nele participam com os seus pontos de vista, o texto que escrevi sobre uma aula que, há poucos anos, fui convidado a dar sobre a guerra colonial. O texto já está publicado no meu livro Ouviste o que foi dito aos antigos. Eu, porém, digo-vos, editado pela Campo das Letras, Porto [2004]. Com ele, partilho também o meu afecto e o abraço com todos os camaradas.

Vosso, sempre
Mário

Uma aula sobre a guerra colonial que foi um escândalo

Foi um escândalo a aula que, numa certa noite, fui partilhar sobre a guerra colonial, na Universidade Popular do Porto. Convidado expressamente pelo responsável do curso, o camarada de profissão, Jorge Ribeiro, do "JN", em vez de me limitar a fazer uma viagem ao passado, tentei trazer a guerra colonial para os nossos dias.

As perguntas que formulei, as questões que levantei, rasgaram inevitável debate. Que poderia ter sido mais saudável, se os participantes no curso, mulheres e homens, mais homens do que mulheres, tivessem tido espírito de abertura e de tolerância. Assim não aconteceu. E houve quem se escandalizasse com as minhas posições e até estranhasse que eu, depois de dizer o que disse, continue a assumir-me publicamente como padre católico da Igreja que está no Porto. Felizmente, ninguém saiu da sala, enquanto partilhei os meus pontos de vista, previamente escritos. Mas não faltou quem, já em pleno debate, tivesse dito que teve vontade de o fazer. Um dos presentes chegou mesmo a dizer que, embora não concordasse com os meus pontos de vista sobre o tema, pelo menos admirava a minha coragem física e moral.

É o texto integral dessa polémica aula, que aqui apresento de seguida. Leiam e reflictam. Discutam. Até para ver se todos aqueles que, um dia, fizeram a guerra colonial, ousam, agora, olhar para ela de frente, a fim de se desencadear no país um generalizado processo de consciencialização e de libertação do nosso povo. De contrário, continuaremos prisioneiros de medos e de mitos que nos levam a obediências acríticas e irracionais, como aquela que, com o apoio da senhora de Fátima e da hierarquia católica, a generalidade do país protagonizou, não só durante os 13 anos que a guerra colonial durou, mas também durante os quase 50 anos do regime ditatorial e fascista de Salazar!


Felizmente, houve o 25 de Abril de 1974 que pôs fim a 13 anos de guerra colonial. E nos reconciliou connosco próprios e com os povos do mundo, particularmente, com os povos africanos de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau.

Mas ainda está para aparecer quem explique, suficientemente, como é que nós, um povo tendencialmente acolhedor e fraterno, ecuménico e tolerante, consentimos que nos envolvessem numa guerra colonial, em três frentes, para mais, contra povos que nunca nos tinham feito mal, que nunca nos provocaram e a quem nós, até, durante cerca de 500 anos, impunemente colonizámos, explorámos, infantilizámos, oprimimos. Como é que, depois de tudo isto, ainda nos metemos numa guerra contra eles?

Seria salutar tentarmos, todos estes anos depois e no fecundo clima da liberdade que Abril nos proporcionou, reflectir este problema, a fim de tirarmos alguma lição da guerra, em ordem a tornarmo-nos um povo mais amadurecido, mais autónomo, mais liberto, por isso, menos sujeito a ser instrumentalizado por minorias espertalhonas que sempre as há em todos os povos. E às quais convém, activamente, resistir, sempre que os interesses delas não são os das maiorias – se calhar, nunca são! – nem são os do povo de que essas minorias fazem parte.

Durante 13 longos anos, entre 1961 e 1974, aceitámos, sem revolta de maior, que os nossos filhos, na força da vida, fossem para África, lá longe, noutro continente, de armas na mão, para fazer a guerra a povos que não conhecíamos e que apenas reclamavam o direito à autonomia e independência!

Em lugar de acolhermos e satisfazermos esta legítima aspiração – outros povos, antes de nós, já o tinham feito! – aceitámos que os nossos filhos deixassem a casa, a família, interrompessem os seus sonhos e fossem combater esses povos.

Muitos encontraram lá a morte antes de tempo. Muitos outros vieram de lá gravemente feridos no corpo e na alma. E, ainda hoje, muitos milhares deles, arrastam-se por aí sobrecarregados com o estresse da guerra, sem que o Estado português, às ordens de quem todos eles se alistaram para esse feito de lesa-humanidade, se mostre, hoje, razoavelmente sensível e disposto a assumir as suas responsabilidades até ao fim.

Como se explica que tenhamos embarcado nessa aventura? Como se explica que não nos tivéssemos revoltado e resistido? Como se explica que não nos tivéssemos erguido, como um só homem, uma só mulher, contra quem, sem nos consultar, ousou dar-nos uma ordem – Para Angola, rapidamente e em força ? Como obedecemos tão cegamente, tão ordeiramente? Por que não nos opusemos? Por que não fizemos, colectivamente, o famoso manguito, tão característico do chamado Zé Povinho português? Por que nos submetemos e logo nos dispusemos a entregar os nossos filhos, os nossos maridos, os nossos pais, a esse Moloch devorador de sangue humano e de riqueza, que é a guerra, toda a guerra?

E por que é que, todos estes anos depois, continuamos tão conformados com as trágicas consequências da guerra? Por que não fazemos parar o país, para exigirmos que, concretamente, as dezenas de milhar de vítimas do estresse da guerra colonial sejam tratados como gente, sejam tratados com equidade e justiça? Por que consentimos, tão facilmente, que o Estado português continue a ser um estado prepotente, sobranceiro, irresponsável? Por que permitimos que ele nos trate com tanta sobranceria e tanto desprezo?

Não esperais, certamente, que vos traga respostas acabadas para todas estas perguntas, para todas estas questões. De resto, nem é esse o tema desta nossa conversa, esta noite.

Ainda assim, gostaria de partilhar convosco alguma luz e projectá-la sobre estas questões que levantei. É que, também eu estive na guerra colonial. Pouco tempo, é certo, mas estive. Apenas quatro meses, no termo dos quais, fui expulso, sem qualquer julgamento prévio.

Estive na guerra colonial, já ela estava em marcha, em três frentes. Estive entre Novembro de 1967 e Março de 1968. Por isso, também eu tenho o dever de reflectir estes problemas. Não só levantar estas interrogações, mas contribuir para se encontrar possíveis respostas.

Acordei para a Guerra Colonial, quando, em 1967, fui chamado ao Paço episcopal do Porto - tinha então 30 anos de idade e cinco anos de padre, na Diocese, e era professor de Religião e Moral no Liceu D. Manuel II - para ser informado, de viva voz, pelo Bispo-Administrador Apostólico, D. Florentino de Andrade e Silva, de que o meu nome já tinha sido enviado para Lisboa, pelo que, em breve, iria ser chamado a frequentar um curso de capelães militares, na respectiva Academia Militar!

Não me perguntou o Bispo se eu estava disposto a ir, se tinha alguma coisa a objectar. Não me consultou. Apenas me informou e deu-me a ordem de marcha. Como se a Igreja fosse um enorme quartel, onde a generalidade dos seus membros apenas obedece, cumpre ordens dos superiores, auto-apresentados como infalíveis, como donos da verdade, como rostos visíveis de Deus, senão mesmo, o próprio Deus na terra.

A verdade é que eu, nessa altura, embora ficasse mudo de espanto e como que apunhalado no peito, não ousei sequer contradizer o Bispo. E lá fui para a Academia Militar, com mais umas dezenas de outros padres do país, pelos vistos, todos mais ou menos incómodos, por razões as mais diversas, nas respectivas dioceses.

Ao fim de cinco semanas de curso intensivo, fui dado como apto e parti para a Guiné-Bissau, a fim de me integrar, como alferes capelão, no Batalhão 1912, que já operava militarmente em Mansoa, a 60 kms de Bissau.

Hoje, também eu me pergunto: Como é que isto foi possível? Como é que eu nem sequer me lembrei de formular objecção de consciência? Como é que fui logo obedecer a semelhante ordem?

Aconteceu comigo o que aconteceu com a generalidade do país. A mim, o Bispo mandou e eu obedeci. Aos outros portugueses, o Estado/Governo mandou e eles obedeceram. Salvas as muitas e honrosas excepções, de quantos fugiram, desertaram, deixaram o país, por muitos anos, para não terem de ir à guerra. Alguns, por medo ou covardia, a maior parte por convicção. Estavam mais politizados e não suportaram ser cúmplices do crime de lesa-humanidade que é toda a guerra colonial.

Se pensarmos bem, estará aqui uma razão, uma forte razão que ajuda a entender por que foi possível a guerra colonial.

Durante séculos, praticamente, os oitos séculos da nossa História, desde 1143 até aos nossos dias, mais propriamente, até ao 25 de Abril de 1974, fomos educados para obedecer. Ou obedecer, ou mandar. Quem não fazia parte das minorias que mandavam, integrava as maiorias que obedeciam, que tinham de obedecer.

Fomos educados para obedecer. Aos superiores. Legítimos superiores, dizia-se. Só que, lá, onde há superiores, tem de haver inferiores. Lá, onde há hierarquia, há fatalmente súbditos: Há opressão. Há subserviência. Há infantilismo. Há menoridade. Há desigualdade. Como tal, não é possível a fraternidade/sororidade.

Deveríamos ter sido educados para a liberdade, para crescer como pessoas, para a responsabilidade, e educaram-nos para a obediência. Deveríamos ser gente adulta, autónoma, responsável, habituada a enfrentar e a responder aos problemas de que é feita a vida, mas fizeram de nós súbditos, pequeninos, infantes. Um Portugal de pequeninos. Por isso, marionetes. Executantes da vontade de outrém. Anti-cidadãos!

Fomos, desde nascença, como país, um povo dominado pelo clero/padres e pelos nobres/burgueses. Nascemos à sombra da cruz e da espada, do trono e do altar. Se não nos submetíamos pela pregação terrorista, pela catequese ameaçadora do clero, pelo medo de Deus e do inferno, submetíamo-nos pelo medo da espada.

A República, em 1910, cortou, interrompeu este fado! Pôs fim a este ciclo de opressão de oito séculos. Mas veio logo a seguir a senhora de Fátima (1917) e, anos depois, o Estado Novo. Ficamos pior do que antes. Sob o domínio de Salazar e do cardeal Cerejeira. Da Pide e dos senhores abades.

É neste longo interregno, nesta longa noite do fascismo, que acontece a guerra colonial. Quando o povo ainda não era povo. Quando a liberdade ainda não tinha passado por aqui e era coisa proibida. Quando ser homem/ser mulher, ser cidadão, era crime. Quando só a subserviência e a obediência tinham voz e vez.

Abril de 1974 foi, por isso, o dia do nosso Natal e da nossa Páscoa, como povo. Nascemos e ressuscitamos para a liberdade e para a festa.

Nesse dia, como não podia deixar de ser, a guerra colonial acabou! Um povo que se liberta para a liberdade é incapaz de se alistar e de fazer alistar os seus filhos para a guerra contra povos que apenas queriam a autonomia e a independência.

Nesse dia, em vez de armas e balas, corremos a distribuir cravos vermelhos. Em vez de guerra, fizemos paz. Em vez de semearmos morte e mais morte com os nossos braços e as nossas mãos, abraçamos os povos africanos e descobrimo-nos irmãos.

Entretanto, hoje, todos estes anos depois de Abril de 1974, que fizemos da liberdade conquistada? Somos capazes de gritar, Guerra nunca mais, paz sempre? Guerra nunca mais, Direitos Humanos sempre? Ou voltamos a ter saudades do passado e medo do futuro? Ousamos ser cada vez mais responsáveis, autónomos, senhores dos nossos destinos, ou suspiramos pelo regresso de Poderes autoritários?

Como se explica, então, que, depois de Abril 74, continuemos a alimentar seitas/novas religiões/novas igrejas? Como se explica que continuemos a sustentar uma Igreja, como aquela de que sou membro, a Igreja católica romana, com tantos privilégios? Como se explica que, concretamente, continuemos a tolerar a existência duma Concordata entre a Igreja católica e o Estado português, que vem desde 1940, desde o fascismo? Como se explica que continuemos a alimentar Fátima e a sua senhora vampiresca que, com o seu paleio moralista nos leva a carteira e, sobretudo, a dignidade, a ponto de nos fazer andar de rastos no seu santuário? Como se explica que continuemos a dar do nosso dinheiro para ajudar a erguer basílicas de seis milhões de contos, onde, depois, o clero - certo clero - nos oprime e ameaça, quando nem sequer temos, a maior parte de nós, casas decentes e espaçosas para viver?

Há algumas dezenas de anos, em plena noite do fascismo, levaram-nos a fazer uma guerra colonial em três frentes de África. Felizmente, aconteceu Abril de 1974 e, com ele, a liberdade e o fim dessa maldita guerra. Foi um gigantesco passo em frente que demos, como povo. Porventura, o maior da nossa história de oito séculos.

Do que se trata, agora, é de seguir em frente. Nunca mais voltar atrás. Como diz a canção: "Somos um povo que cerra fileiras / parte à conquista do pão e da paz / somos livres, somos livres / não voltaremos atrás".

Contudo, as minorias espertalhonas não desapareceram. Nem desistiram. Hoje, estão de volta. Com falinhas democráticas.

Amolecer no combate pela nossa autonomia e independência, é morrer. Até porque com senhoras de Fátima (a original é uma senhora cega, surda e muda, que se reproduz por uma espécie de clonagem e, por isso, consegue aparecer como uma maldição geradora de medo em todas as igrejas paroquiais do nosso país e em muitas casas de família, mesmo do estrangeiro), não vamos a lado nenhum, ou vamos, mas para o abismo. Lá diz o ditado popular: Fia-te na virgem e não corras, verás o tombo que levas.
Por mim, foi em plena guerra colonial que nasci de novo, do Alto, do Espírito. O meu 25 de Abril aconteceu em Mansoa, exactamente, no dia 1 de Janeiro de 1968. Abriram-se-me os olhos (da consciência). Percebi a engrenagem em que estava metido. E da qual até era funcionário privilegiado.

Recusei o prato de lentilhas que me ofereciam. Escolhi a liberdade. A responsabilidade. A cidadania. Escolhi ser homem, em lugar de funcionário eclesiástico.

A guerra e os homens da guerra não me perdoaram e expulsaram-me, a toda a pressa, sem qualquer julgamento prévio. E, pela boca de um deles, o então bispo castrense, D. António dos Reis Rodrigues, ditaram a sentença: "padre irrecuperável".

Mal sabiam eles que esse foi o primeiro dia do resto da minha vida!

terça-feira, 16 de maio de 2006

Guiné 63/74 - P764: Fala-se em 11 mil fuzilados (Leopoldo Amado, historiador)

Guiné > Região Leste > Bafatá > Soldado ferido em operações > "Ponto de honra no terreno. Não podia ficar para trás nenhum combatente, ferido ou morto", diz o João Varanda o fotógrafo, (ex-combatente da CCAÇ 2636, Có/Pelundo e Teixeira Pinto; Bafatá, Saré Bacar e Pirada, 1969/71) .

Foto: © João Varanda (2005)


Temos o privilégio de poder inserir hoje, no nosso blogue, um texto do Leopoldo Amado, historiador, mestre em Estudos Africanos, doutorando em história contemporânea pela Universidade de Lisboa, especialista da guerra de libertação 'versus' guerra colonial na Guiné, guineense, vivendo actualmente em Portugal, editor do blogue Lamparam II, e de quem já publicámos alguns excelentes e oportunos posts (1).

O Leopoldo teve a gentileza de responder ao meu pedido para "pôr os guineenses a falar" sobre o conturbado e ainda mal conhecido período que foi a partida dos portugueses e a subida ao poder dos guerrilheiros do PAIGC..."Eu bem gostaria de pôr a falar os guineenses... Talvez o nosso amigo Leopoldo, o historiador, o nosso doutor, queira dar uma achega"... Estou-lhe grato pelo seu contributo altamente qualificado sobre esta matéria (LG).


Caros amigos:

No período pós-independência, os fuzilamentos dos antigos colaboradores africanos incidiram sobre os Comandos Africanos, Milícias, agentes das forças especiais, fuzileiros, cipaios, régulos, agentes da PIDE, elementos da Acção Nacional, guias, e até agentes que trabalhavam para a administração colonial.

Só no caso da Guiné, fala-se em cerca de 11.000 o número de elementos fuzilados pelo PAIGC imediatamente após a independência. Certo ou não, a verdade é que houve como que uma espécie de vingança quando os ânimos se serenaram, depois que o PAIGC assumiu a administração política do país.

Foi nesse âmbito que, por exemplo, representantes dos Comandos Africanos chegaram a encetar encontros com elementos do PAIGC nessa fase de transição, no quadro e na sequências das negociações encetadas do lado português por Carlos Fabião, e em que se aquilatou a proposta/possibilidade de os ex-soldados africanos integrarem o Exército do PAIGC, proposta essa, de resto, liminarmente refutada pelo PAIGC.

Porém, na sequência do plano de evacuação do contingente do português na Guiné, aprovado nas negociações de Argel e sequencialmente nas matas de Cantanhez por delegações do PAIGC e de Portugal e perante a recusa liminar por parte do PAIGC de proceder a integração pura e simples desses elementos no seu Exército, a generalidade das ex-soldados africanos do, como que pressentindo o que lhes poderia suceder, declararam que não entregariam as armas, nem mesmo depois da evacuação do último contingente português, como forma de pressionar as autoridades portuguesas, junto de quem, aliás, exigiam uma solução para a sua situação.

Do lado do PAIGC, esta declaração dos ex-soldados africanos, sobretudo dos Comandos Africanos, apresentava-se não somente como um desafio à sua autoridade, mas igualmente como uma ameaça, esta última, de resto, alimentada à montante pelo facto de as tropas africanas do Exército Português e essencialmente os Comandos Africanos serem sobremaneira aguerridos e igualmente pelo facto de terem criado, no decorrer da guerra, imensas dores de cabeça ao Comando Militar do PAIGC.

Pois bem, o processo de descolonização na Guiné-Bissau é normalmente caracterizado por "Descolonização por conta própria”, essencialmente devido a inaudita celeridade que o processo conheceu, mas também devido ao facto de, no decorrer do processo, praticamente o PAIGC não ter abdicado da sua posição militar privilegiada para, num ou noutro sentido, influenciar decisões importantes.

É nesse contexto que enquadra a recusa do PAIGC em proceder a integração dos ex-soldados guineenses do Exército português, mas também a recusa por parte dessa formação política-militar da proposta de Spínola no sentido de o próprio se deslocar à Guiné para presidir a cerimónia onde se reconheceria a independência da Guiné-Bissau através de uma Assembleia Magna, em que igualmente marcariam presença as outras forças políticas guineenses, algumas delas como o MDG (Movimento Democrático da Guiné), fabricadas por Spínola à última da hora, com base nos elementos que com ele colaboram na política da Guiné Melhor e nos diversas acções de acção psicológica que quase feriam de morte o PAIGC.

Efectivamente, as tentativas de Spínola de conferir um estatuto que não a da independência as ex-colónias portuguesas, mas sim de uma ampla autonomia mas no quadro de uma federação ou confederação lusa, conforme preconizava no seu Portugal e o Futuro, originou um ambiente de crispação entre este e o MFA que mais tarde havia de levar ao afastamento do próprio Spínola da presidência portugusa.

Portanto, factores de natureza interna da Guiné, na qual o PAIGC não prescindia de influenciar a agenda e o rumo dos acontecimentos e também as decorrentes da política metropolitana, sobretudo em matéria do estatuto a conferir às colónias, acabariam na Guiné por condicionar e mesmo determinar a “Descolonização por conta própria”. Doravante, a evacuação dos contingentes portugueses conheceu uma acrescida celeridade, antecipando-se mesmo, na maioria das situações, o timing aprovado nas negociações havidas. Aliás, é curioso reparar-se que todo o processo de retracção dos contingentes portugueses, concluiu-se antecipadamente em cerca de quase dois meses relativamente ao plano estabelecido.

Assim, animados pela sensação de abandono, acentuado sobretudo pela rapidez com que se processava a retracção dos contingentes portugueses, os ex-soldados guineenses endureceram as suas posições públicas, procurando de alguma forma organizar-se militarmente, não sabendo ou ignorando o facto de que o PAIGC, aproveitando-se sobretudo da sua privilegiada situação militar no período de transição, havia conseguido introduzir meios bélicos e humanos indispensáveis ao aniquilamento de qualquer tentativa de subversão, mesmo nos centros urbanos, onde aparentemente esses ex-soldados africanos dispunham de maiores vantagens.

À medida que o PAIGC ia assumindo o controle total nas circunscrições e aquartelamentos onde, em cerimónias céleres, arreava-se a bandeira portuguesa enquanto se içava a bandeira do PAIGC e da Guiné-Bissau, os ex-soldados africanos encontravam-se numa situação de completo abandono, inteiramente resignados e entregues a si e sem qualquer capacidade de reacção ou de reorganização em termos militares.

Os mais previdentes ainda tiveram tempo de galgar a fronteira com o Senegal, fazendo posteriormente o percurso terrestre até Portugal, mas a maioria foi alvo fácil da estonteante caça às bruxas, imediatamente posta em prática pelas forças do PAIGC, entretanto mobilizadas com um discurso assente na necessidade de ripostar à tentativa dos ex-soldados africanos de continuarem a lutar contra o Exército do PAIGC. Sucederam-se então autênticas razias pelos bairros de Bissau e pelas tabancas do interior onde os ex-soldados africanos entretanto se refugiaram, e onde eram presos e, em regra, fuzilados.

A mesma sorte tiveram muitos agentes da PIDE e/ou colaboradores da administração portuguesa que, em geral, após um longo período de detenção em Bissau, Mansôa, Cantchungo, Quebo, Bafatá, Jugudul e outras localidades, eram sumariamente julgados e publicamente fuzilados, sem apelo nem agravo, sem direito ao contraditório ou o direito de constituição da defesa.

Ainda no alvor da adolescência, assisti em Cantchungo [antiga Teixeira Pinto ] a um desses fuzilamentos públicos, a 10 de Março de 1976, numa sessão pública em que foram fuzilados três traidores, entre os quais o Régulo Baticã do Chão dos Manjacos e um primo meu que pertenceu aos Comandos Africanos, a quem, de resto, visitava e assistia clandestinamente na prisão, graças a colaboração de um guarda prisional, na altura meu amigo.

Hoje, é todavia possível, à distância dos anos da euforia, fazer-se uma leitura mais serena dos acontecimentos que se seguiram à independência e que conduziram ao fuzilamento de milhares de guineenses, sob a acusação de terem pertencido às forças do Exército português, na qual alegada ou pretensamente cometeram crimes e outros porque alegada ou pretensamente colaboraram a vários níveis com as autoridades colónias como PIDE ou na Acção Nacional ou ainda com a política da Guiné Melhor de Spínola.

Com efeito, podemos até compreender que em certos casos teria havido excesso de zelo, mas excesso esse de que indirectamente a Direcção do PAIGC caucionava, em virtude de um sentimento misto que dele se apoderou e que se desdobrava numa espécie da necessidade de vingança para exorcizar algum mal (sobretudo àquela de que se nutriu relativamente aos Comandos Africanos no decorrer da guerra) e igualmente a necessidade de expurgar definitivamente a ameaça (que já não era real) que os ex-soldados africanos só aparentemente representavam, sobretudo os Comandos Africanos.

Hoje, não obstante a fraca capacidade negocial que lhe era intrínseco, fruto do sentimento do derrotismo que se apossou das estruturas de comando, penso que o Exército português devia e podia, ainda na mesa das negociações, ter encontrado uma solução global de compromisso, assente no respeito dos direitos humanos e na dignidade dos guineenses que combateram no Exército colonial.

Tivesse havido vontade política, creio que o próprio PAIGC estaria interessado numa qualquer solução equilibrada relativamente aos ex-soldados guineenses, uma vez que seriam, inquestionavelmente, uma mais valia para o Exército Nacional da Guiné-Bissau, para além da importante contribuição que a sua equilibrada reintegração na sociedade proporcionariam em termos de uma maior catarse em relação às mazelas da guerra, na senda das sinergias necessárias aos esforços ciclópicos de edificação de um novo Estado.

Do lado do PAIGC, pese embora o facto de em certa medida ser compreensível a forma como o PAIGC actuou relativamente aos ex-soldados africanos, é preciso convir que teria faltado a Direcção do PAIGC a serenidade e o sangue frio necessários para, pacificamente, lá onde era possível, integrar social e militarmente os ex-soldados guineenses, sem o prejuízo de, pela via judicial, chamar à razão aqueles sobre os quais pendiam gravíssimas acusações.

Mas em situação de guerra, ou no seu rescaldo, de qualquer guerra, como foi o contexto em que milhares de guineenses foram fuzilados, é sempre possível descortinar-se, a posteriori, imensas situações absurdas. Desde logo, a razão porque se fez a guerra e porque, na sua decorrência, fuzilados ou não, morreram nela milhares de inocentes, de um e outro lado barricada.

Pior ainda: se nos abstrairmos da noção ideológica que encerra a noção politicamente correcta do direito a autodeterminação e independência a que os povos têm direito e a imoralidade que representava a colonização, do lado guineense, tudo o resto tende cumulativamente a constituir-se num grande absurdo que certamente a História se encarregará de elucidar.

Hoje, para além da independência conquistada, infelizmente o povo guineense ainda não se encontra propriamente em posição de, plenamente, poder com propriedade dizer que valeu à pena a independência por que lutaram e morreram muitos guineenses nacionalistas. Do lado português, não é igualmente por acaso que os arcaicos mitos imperiais – em nome dos quais milhares de vidas foram inocentemente ceifadas –, tendem, até hoje, não obstante os novos paradigmas, a sobressaltar a consciência colectiva da sociedade portuguesa e, particularmente, daqueles que nele directamente participaram.

Leopoldo Amado
Abril de 2006
_____________

Notas de L.G.

(1)Vd. posts de:

25 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXIX: Leopoldo Amado, guinense, historiador, novo membro da nossa tertúlia

(...)"Para mim, e para a Guiné-Bissau, é sumamente importante a compreensão dos contornos desta guerra, até para que a imprescindível catarse tenha lugar e possa curar as feridas que abriu (e são elas tantas!), pelo que proponho que me aceitem no vosso grupo de tertúlia, caso acharem que a minha presença não iria de alguma forma perturbar, na medida em que [sou] tão somente um estudioso do assunto e bem tão pouco participei na guerra, senão ouvindo os tiros de um o outro lado, que me deixavam borrado de medo (ainda era uma criança)" (...).

22 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXV: Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - I Parte

(...) "Inicimos hoje a publicação de um importante texto, inédito, do historiador guineense, Leopoldo Amado, doutorando em história contempânea pela Universidade Clássica de Lisboa e membro da nossa tertúlia, sobre o significado dos acontecimentos de 3 de Agosto de 1959, na perspectiva da luta, mais recente, de libertação nacional, liderada pelo PAIGC, e da tradição, mais antiga, de resistência dos guinéus à colonização europeia (incluindo a portuguesa).

"Devido à sua extensão, o texto teve de ser repartido em várias partes. Apesar de assoberbado com os preparativos para a defesa da sua tese de doutoramento, o nosso amigo Leopoldo quis ter connosco uma especial atenção, o que muito nos honra.

"Não temos dúvida, que este seu paper, alicerçado em minuciosa investigação empírica, baseada em documentação de arquivo (incluindo os ficheiros da PIDE/DGS) e em entrevistas a actores-chaves, vem fazer luz sobre uma parte da nossa história comum recente assim muito mal conhecida, contada, analisada e explicada. Obrigado, Leopoldo! (LG)" (...).

Guiné 63/74 - P763: Do Porto a Bissau (17): Finalmente entrámos em Sinchã Jobel (A. Marques Lopes)




Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > 22 de Abril de 2006 > Bombas da Força Aérea Portuguesa que foram lançadas sobre a base do PAIGC, durante a guerra, e que não chegaram a explodir. Na foto de cima, o nosso amigo e camarada A. Marques Lopes.

Fotos: © Xico Allen (2006)

Texto de A. Marques Lopes, coronel DFA, na reforma, ex-alferes miliciano na Guiné (1967/68) (CART 1690, Geba, 1967/68; e CCAÇ 3, Barro, 1968)... Visitou recentemente a Guiné-Bissau, num viagem de grupo organizada pelo Xico Allen...

Pois, camaradas e amigos, eu e o Allen acabámos por entrar na base do IN em Sinchã Jobel, que nunca foi tomada pelas NT, nem quando eu, sem querer, lá fui em 24 de Junho de 1967 (Op Jigajoga) (1), nem em 31 de Agosto de 1967 (Op Jigajoga II), nem em 16 de Setembro de 1967 (Op Jacaré), nem 15 e 16 de Outubro de 1967(Op Imparável), nem em 27 de Outubro de 1967 (Op Insistir), nem em 28 de Outubro de 1967 (Op Instar), nem em 19 de Dezembro de 1967 (Op Invisível) e nem em 21 de Dezembro de 1967 (Op Invisível II), a última que se fez para tomar essa base, comandada durante esse período por Lúcio Soares, como ele próprio me disse (2).

A clareira de Jobel (a tal onde sofri uma emboscada) tem agora uma tabanca (vd. fotos a seguir). Como chegámos lá? Fomos, eu e o Allen, até Sare Banda [vd. carta de Banjara] e aí encontrámos um homem que nos acompanhou, indicando-nos o caminho para Sinchã Jobel.




Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > 22 de Abril de 2006 > Aspectos da actual tabanca, sita no local da antiga base do PAIGC.

Fotos: © A. Marques Lopes (2006)

Durante a guerra, Sare Banda era uma grande tabanca, fruto do reordenamento da zona, e onde esteve um destacamento da CART 1690. É agora pequena, vendo nós pelo caminho já várias outras tabancas, explicando-nos o homem que nos acompanhou que muita gente saíu de Sare Banda para formar outras tabancas. Naturalmente, é claro.

E chegámos a Sinchã Jobel, com alguma dificuldade, é verdade, pois existe para lá um simples carreiro. E eu cheguei à conclusão que seria mais fácil ter chegado à base se as NT tivessem ido por ali, apesar de a mata ser muito cerrada. Lá encontrámos o Dirami e o Mulé (2), dois ex-guerrilheiros daquela base e agora moradores na tabanca de Sinchã Jobel.


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > 22 de Abril de 2006 > A actual tabanca fica a 200 metros da antiga base do PAIGC.

Foto: © A. Marques Lopes (2006)







Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > 22 de Abril de 2006 > Antiga base do PAIGC. Está-se ainda em plena época seca.

Fotos: © A. Marques Lopes (2006)

Disse o Dirami que conseguiram rebentar várias, mas aquela que vimos não tinham conseguido... e lá está ainda. Muitas delas, eu já sabia, rebentavam nas árvores, outras batiam nelas e caíam sem rebentar, porque já não caíam da forma adequada para rebentarem as espoletas.




Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > 22 de Abril de 2006 > Vestígios ainda bem visíveis, nas árvores, dos bombardeamentos feitos pela Força Aérea Portuguesa.

Fotos: © A. Marques Lopes (2006)

Duas coisas nos indicou o Dirami:

(i) uma, está ele de cócoras, "ali em frente, no tronco daquele poilão era o posto de vigia" (as NT disseram que eles estavam em cima das árvores, mas o que sucedia é que o vigia começava logo a disparar assim que nos via entrar na clareira);


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > 22 de Abril de 2006 > Local onde se situava o posto de vigia ou sentinela dos guerrilheiros, segundo indicação do Dirami.

Foto: © Xico Allen (2006)

(ii) outra, está ele a dizer-me (vd. foto do cemitério, tirada pelo Allen), "aqui, por baixo destes arbustos está um poço, para onde lançávamos os mortos, pois não havia tempo para fazer covas individuais", e está lá o poço, coberto de arbustos e já tapado com terra;

(iii) e - eu cá para mim - que "lá estarão os corpos do soldado Agostinho Francisco da Câmara, morto em 16 de Outubro de 1967 (3), e do alferes Fernando da Costa Fernandes, morto em 19 de Dezembro de 1967 de Dezembro de 1967, corpos esses que não foi possível recuperar durante as operações feitas nessas datas" (4).


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > Local onde se situava o poço, agora tapado, para onde eram lançados os cadáveres.

Foto: © Xico Allen (2006)

E ficou-me também a pena de as cabeças pensantes que mandavam na guerra terem insistido em várias operações, a começar nas bolanhas de Sucuta e Canhagina [vd. carta de Bambadinca] e na travessia do rio Gambiel, quando teria sido mais fácil e, se calhar, eficaz terem feito o caminho que eu fiz agora, tanto mais que em duas daquelas operações entrou a tropa especializada dos comandos. Coisas.

Abraços
A. Marques Lopes
_____________

Notas de L.G.

(1) Vd. post de 30 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXXV: Uma estória de Sinchã Jobel ou a noite em que o Alferes Lopes dormiu na bolanha (1967)

(2) Vd post de 16d e Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXI: Do Porto a Bissau (16): Encontro com o IN (A. Marques Lopes)

O comandante Lúcio Soares tem agora 64 anos. Copm 25 anos, era o comandante de Sinchã Jobel, base que foi montada em maiod e 1967. O comissário político era o Gazela (que morreu há cerca de dois meses). No princípio de 1968, Lúxio Soares saíu para ir comandar a base do Morés, passando o Gazela a comandar Sinchã Jobel. Em 1970 o Gazela foi para sul, para a zona de Empada.

"Após o 25 de Abril integrou o grupo do Pedro Pires, em Londres, para negociar a formalização da independência. Mais tarde foi Ministro da Defesa no governo de Luís Cabral. Após o golpe de Nino Vieira, em 1980, exilou-se em Cabo Verde, onde esteve durante 14 anos. Regressou depois e está, agora, reformado como coronel (mantem o nome comandante porque é histórico" (...).

(3) Vd post de 3 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XL: Sinchã Jobel IV, V e VI (A. Marques Lopes)

"17. Op Imparável. 15 de 16 de Outubro de 1967:

(...) "A operação foi comandada do PCV (Posto de Controlo Volante) pelo Comandante do Agrupamento. O Agostinho Francisco da Câmara (e não Camará), morto na operação, era açoriano e do meu grupo de combate; o Armindo Correia Paulino, aqui referido, também era do meu grupo de combate, o Bigodes, como lhe chamávamos, um minhoto que foi, mais tarde, aprisionado pelo PAIGC em Cantacunda e que acabou por morrer no cativeiro, em Conakry" (...)

(4) Vd. post de 5 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XLV: Sinchã Jobel VII (A. Marques Lopes)

"22. Op Invisível. 16 de Dezembro de 1967

(...) “Começou também nessa altura o IN a fazer fogo com o Mort 82, com que abateu o alferes miliciano Fernandes. Verifiquei que nessa altura já o Dest B tinha as seguintes baixas: Alferes Miliciano Fernandes, 1º. Cabo Sousa da CART 1742 (que estava a fazer fogo com a ML MG-42), soldado metropolitano Fragata e um soldado milícia que não consegui identificar, além de vários feridos.

“Procurei trazer o alferes miliciano Fernandes para a rectaguarda, e quando o puxava pelos pés, fui surpreendido por um grupo IN, que corriam em direcção aos furriéis milicianos Marcelo e Vaz e em minha direcção gritando que nos iriam apanhar vivos. Note-se que neste grupo IN avistei elementos brancos os quais usavam o cabelo bastante comprido (a cobrir as orelhas), facto também confirmado pelos já citados furriéis milicianos. Devido a tal, tive que abandonar o corpo do alferes Miliciano Fernandes e retirar" (...).

Guiné 63/74 - P762: Sobre os fuzilamentos... e o nosso direito à tristeza e à mágoa (Jorge Cabral)

Texto do Jorge Cabral, ex-comandante do Pel Caç Nat 63 (Bambadinca, Fá Mandinga, Missirá, 1969/71), e hoje docente da Universidade Lusófona, presidente do Instituto de Criminologia, especialista na área da infância e direito penal, advogado e escritor (1)

Amigo Luís,

Porque comandei um Pelotão de Caçadores Nativos [nº 63] e fui amigo de alguns Comandos Africanos, a questão dos fuzilamentos toca-me profundamente (2).

Já sabia que militares guineenses pertencentes às Companhias e Pelotões de Caçadores haviam sofrido a mesma sorte. Do meu Pelotão foram três, e embora já me tenha referido a este assunto, em colaboração anterior, considero-me obrigado a mais uma vez reflectir serenamente e com a objectividade possível.

Compreendo, aceito e comungo da emoção sentida por todos aqueles que partilharam perigos, cansaços e medos com os africanos, caindo nas mesmas emboscadas e defendendo quartéis comuns.

A emoção porém, ou a falta dela, não nos devem obnubilar a razão ou tolher o raciocínio, contribuindo para conclusões simplistas. Não foram patriotas portugueses que foram fuzilados, nem o lixo, até porque a todo o Homem é devido o respeito pela sua dignidade, inerente à condição humana. Foram Homens que foram fuzilados!

Quero acreditar que todos somos contra a pena de morte e que também repudiamos frontalmente que alguém possa ser condenado sem julgamento. O ter pertencido ao Exército Português foi considerado facto suficiente para consubstanciar o crime de traição. Não se apuraram as culpas individuais, nem a consciência da ilicitude, num Tribunal imparcial, que garantisse o Direito de Defesa, como deve acontecer em qualquer parte do Mundo.

Parece evidente que o ter sido torcionário, cortador de cabeças ou criminoso de guerra, constitui uma realidade diferente do ter servido rotineiramente, por necessidade de sobrevivência, num Pelotão ou numa Companhia de Caçadores Africanos.

Tinham todos os guineenses que integravam as tropas portuguesas a consciência de que estavam a trair a sua Pátria? Haviam todos interiorizado o conceito de Pátria? Porque serviam no Exército Português?

Ao longo dos tempos, nas Campanhas de Subjugação e Pacificação, os Portugueses contaram quase sempre com a ajuda dos Fulas, os quais combatiam ao serviço de Senhores da Guerra, enquadrados em unidades africanas, ou desempenhavam funções de auxiliares. Não lutavam por nenhuma Pátria, eram aliados dos Portugueses, contra Papeis, Balantas, Bijagós, Felupes ou Mandingas, os quais se batiam em defesa do seu chão, contra o pagamento de impostos ou o recrutamento forçado para as obras. A sede do poder e da riqueza, e a possibilidade do saque, justificava a aliança Portugueses-Fulas.

A ideia do Portugal plurirracial é contemporânea do início da Guerra Colonial. A substituição do termo Colónias pela designação Províncias Ultramarinas, foi expediente saloio, para enganar a Comunidade Internacional, e procurar legitimar a Guerra – Portugal não tinha Colónias e todos eram Portugueses. Todos sabemos que se tratava de uma ficção.

Nas Colónias vigorou o Estatuto do Indigenato, de acordo com o qual, só alguns eram considerados assimilados, usufruindo da cidadania. Os africanos foram sempre subalternizados, empregados em funções menores, ou enfeitados com cargos honoríficos como os oficiais de 2ª Linha.

Até aos anos 60, nenhum negro tinha acesso à frequência da Escola do Exército. É com a guerra que esta situação vai ser alterada. A necessidade de homens para combater determinou uma estratégia de africanização, que deu lugar à criação de unidades africanas, Companhias e Pelotões, de base étnica, e primeiramente comandadas por quadros europeus. (Quando tomei conta do meu Pelotão, tinha soldados balantas, bigajós, mandingas, papeis e fulas. No fim da comissão só existiam fulas).

A primeira Companhia, totalmente africana, foi a dos Comandos Africanos, cuja instrução acompanhei em Fá Madinga. Oficiais, sargentos, furriéis e praças, incluindo mecânicos, vaguemestres, enfermeiros, todos eram guineenses.

Entre os militares nativos do meu Pelotão, existiram os que apenas cumpriram o serviço militar obrigatório e passaram à disponibilidade, designadamente todos os cabos (Injai, Carlitos, João, Negado e outro de etnia Manjaca de que não recordo o nome). Nenhum deles era Fula. Os Fulas continuaram. Porquê? Que iriam fazer fora da Tropa? Como sobreviver? De que forma alimentariam as mulheres e os filhos? Não haviam os avós e os bisavós, combatido ao lado dos portugueses? E combatido contra quem? Contra Balantas, contra Mandingas, que agora estavam no P.A.I.G.C. Onde o conceito de Pátria? Qual Pátria?

Obviamente que o caso dos quadros dos Comandos Africanos é diferente. Para os meus amigos Saegue, Januário, Jamanca, Camará, Justo ou Sisseco, o ser oficial do Exército Português representava a ascensão social, mas também a desforra contra séculos de humilhação. Os portugueses precisavam deles. Afinal também os negros podiam comandar tão bem ou melhor do que os oficiais saídos da Academia Militar (é interessante assinalar que as reticências postas por eles à Operação Mar Verde, tiveram principalmente a ver com o uniforme. Queriam ir, mas fardados de oficiais portugueses).

Que esperavam estes comandos no fim da Guerra? Não posso falar por todos. Mas conversei sobre o assunto muitas vezes com o Saegue, que acreditava numa solução política, numa independência negociada, na sua futura integração no Exército da Guiné Bissau, ou na sua vinda para Portugal, que ele conhecia, pois estudara em Santarém.

Só uma eufórica ingenuidade, pode ter permitido tão trágico quanto negligente abandono. Bastaria ter atentado no que sucedeu ao Januário, irmão de um quadro do P.A.I.G.C., que tendo desertado em Conakry com o seu grupo de combate foi fuzilado, ele e os seus homens.

Não podemos emendar a História! E quanto à dramática morte de Amigos, ou de Homens com quem convivemos diariamente, assiste-nos o direito à tristeza e à mágoa, independentemente dos erros, que eles possam ter cometido.

Como sempre, um Grande, Grande Abraço,
Jorge
__________

Nota de L.G.

(1) Vd. post de 17 de Dexembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXXII: Vocês não tenham medo, não fujam, sou o Cabral (Fá, 1969/71)

(2) Vd. posts recentes de (entre outros):

12 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLIX: O fuzilamento do Abibo Jau e do Jamanca em Madina Colhido (J.C. Bussá Biai)

12 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLVIII: Vítimas e carrascos, amos e servos, sacanas e traidores (João Tunes)

11 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLIII: Aos nossos queridos nharros (Zé Teixeira)

10 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLII: O poilão dos fuzilamentos em Bambadinca (David Guimarães)

6 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXX: Ex-comandos africanos, 'órfãos de Pátria', reportagem na RTP 1 (José Martins)

Guiné 63/74 - P761: Do Porto a Bissau (16): Encontro com o IN (A. Marques Lopes)

Guiné-Bissau > Bissau > Restaurante Colete Encarnado > 21 de Abril de 2006 > O coronel A. Marques Lopes, o comandante Lúcio Soares e o comandante Braima Dakar. Foto: © Xico Allen (2006)



Guiné-Bissau > Bissau > Restaurante Colete Encarnado > 21 de Abril de 2006 > O A. Marques Lopes e o Lúcio Soares. Foto: © Xico Allen (2006)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > Darami Nabo, guerrilheiro do PAIGC, que esteve na base de Sinchã Jobel durante a guerra, e que hoje mora lá. É irmão do Mulé.
Foto: © A. Marques Lopes (2006)


Guiné-Bissau > REgião de Baftá > Sinchã Jobel > Mule Nabo, guerrilheiro do PAIGC, que esteve na base de Sinchã Jobel durante a guerra, e que hoje mora lá. É irmão do Darami.
Foto: © A. Marques Lopes (2006)

Texto de A. Marques Lopes, coronel DFA, na reforma, ex-alferes miliciano na Guiné (1967/68) (CART 1690, Geba, 1967/68; e CCAÇ 3, Barro, 1968)...
Comentário de L.G.: Agradeço ao A. Marques Lopes e ao Xico Allen esta oportunidade, excepcional, de conhecer o rosto daqueles a quem chamávamos eufemisticamente o IN... Pois o IN tinha rosto, eram homens (e mulheres), de carne e osso, como nós, que combatiam pelas suas razões... Reencontrá-los, apanhá-los ainda vivos e lúcidos, pô-los a falar, ouvi-los, saber por onde andaram, reconstituir a sua estória de vida como guerrilheiros, sentir a pulsão das suas emoções, paixões, alegrias e medos, mexer com a sua memória, fazer as pazes come eles... é uma tarefa urgente e imprescindível para que a nossa missão, agora de paz, se cumpra definitivamente...
Temos essa obrigação, a de dar voz (e imagem) a esses velhos guerrilheiros, caboverdianos e guineenses, que deram o melhor da sua vida e da juventude pela realização de um sonho, o sonho de Amílcar Cabral e de mais um punhado de homens e mulheres que queriam ser livres e donos da sua terra, e passar a falar connosco, em português, mas de iguais para iguais... O texto e as fotos que hoje inserimos marcam um momento muito simbólico da vida da nossa tertúlia... Perdõem-me o abuso do tempo de antena, mas eu, como editor do blogue, precisava de fazer esta pequena chamada de atenção. Obrigado Marques Lopes, Xico Allen, Lúcio Soares, Braima Dakar e irmãos Nabo... L.G.
Encontro com o IN

... Mas, desta vez, este encontro não meteu tiros, como sucedeu naquele dia 24 de Junho de 1967, durante a operação Jigajoga (1). Ao invés, tivemos que nos haver, em conjunto, com os belos pratos do restaurante Colete Encarnado, em Bissau, e isto sucedeu na noite do dia 21 de Abril de 2006, já eu e o Allen estávamos sozinhos (os restantes tinham regressado a Portugal no avião da tarde).

Através do nosso grande amigo Pepito , consegui o telefone do comandante Lúcio Soares, convidei-o para jantar e ele acedeu prontamente a estar comigo e com o Allen. Não tenham dúvidas que foi um encontro emocionante para mim, estar com o chefe guerrilheiro que montou a emboscada que me fez ficar uma noite na bolanha de Sinchã Jobel (2) e que, mais tarde, me mandou nove meses para o hospital (3).

Falámos sobre isso, e mostrou ser um homem calmo e comedido. Ele tem agora 64 anos e chegámos, pois, à conclusão que andámos aos tiros um ao outro, eu com 23 anos e ele com 25, eu mandado para lá sem quaisquer objectivos pessoais, a não ser sobreviver durante a missão que me foi imposta, e ele, como me disse, com o objectivo muito assumido de lutar pela independência da sua terra. Concordámos que foi pena as coisas se terem passado como passaram, que era melhor ter encontrado outra forma menos dolorosa de resolver o conflito imposto.

Contou-nos algumas coisas do seu percurso. As baracas foram montadas em Sinchã Jobel em Maio de 1967 e, a propósito, perguntou-me se, quando lá fui a 24 de Junho, já sabia que eles estavam lá. Esclareci-o que eu não sabia nada, mas que as cabeças pensantes tinham suspeitas disso sem me dizerem, que eu fui num jogo de cabra-cega, ao ludíbrio, que é o que quer dizer jigajoga, e por isso lhe deram o nome.

Enquanto lá esteve como comandante, o Gazela (morreu há cerca de dois meses) era o seu comissário político. No princípio de 1968 saíu para ir comandar a base do Morés, passando o Gazela a comandar Sinchã Jobel. Em 1970 o Gazela foi para sul, para a zona de Empada, mas não me soube dizer qual foi o seu substituto.

Após o 25 de Abril integrou o grupo do Pedro Pires, em Londres, para negociar a formalização da independência. Mais tarde foi Ministro da Defesa no governo de Luís Cabral. Após o golpe de Nino Vieira, em 1980, exilou-se em Cabo Verde, onde esteve durante 14 anos. Regressou depois e está, agora, reformado como coronel (mantem o nome comandante porque é histórico).

Contou-me que sofreu uma emboscada em 1968, na zona de Sambuiá (uma das zonas da minha actividade operacional, quando na CCAÇ 3 em Barro), quando se dirigia ao Senegal. Terei sido eu? Não sei.

O Braima Dakar, nome de guerra de Braima Camará, numa das fotografias, é outro comandante que esteve ligado à morte dos três majores em chão manjaco (4). Disse-me que se disseram muitas coisas sobre isso que não são verdade, que não queria falar, e não me contou nada.

O Mulé Nabo e o Darami Nabo são dois guerrilheiros do PAIGC, irmãos, que estiveram na base de Sinchã Jobel durante a guerra, em cuja tabanca moram actualmente. Perguntei ao Lúcio Soares se queria ir comigo lá, mas ele disse que não tinha disponibilidade.

Curiosamente, quando estávamos já a comer, entraram dois polícias no Colete Encarnado e ficaram numa mesa atrás. A certa altura, o Lúcio Soares foi à casa de banho e, quando voltou, deu com os polícias. Foi quando me disse que não podia ir a Sinchã Jobel e, de seguida, se levantou e se desculpou pois tinha de ir embora. Os polícias foram de seguida.

Mas eu e o Allen fomos a Sinchã Jobel. Depois conto.

Abraços
A. Marques Lopes

____________

Nota de L.G.

(1) Vd post de 30 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXXV: Uma estória de Sinchã Jobel ou a noite em que o Alferes Lopes dormiu na bolanha (1967)

(...) " Na primeira metade de 1967, o PAIGC montou uma base de guerrilha em Sinchã Jobel. Sem querer (...), fui eu que dei com ela. O responsável militar dessa base era o Comandante Lúcio Soares, que foi, depois da independência, Ministro da Defesa; o responsável político era Cabral de Almada, conhecido como Comandante Gazela, que foi Vice-Presidente da Assembleia Nacional Popular.
"Quando estive na Guiné-Bissau, em 1998, pouco antes do golpe de Ansumane Mané, tive uma conversa muito interessante com o Comandante Gazela: lembrámos muita coisa sobre Sinchã Jobel, falámos dos problemas do povo guineense, concordámos que era melhor não termos andado aos tiros uns aos outros (pediu-me desculpa por me ter mandado para o hospital, mas teve de ser assim...)... e demos um abraço de despedida" (...).
(2) Vd. post de 30 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXXVI: Na bolanha dá para pensar...


Excerto de um comentário de L.G. sobre este texto do A. Marques Lopes: "É um texto de uma grande riqueza humana e de excelente recorte literário... Um texto de cortar a respiração, ao reconstruir o inferno da guerra, o inferno físico e psicólogico daquela guerra, ao mostrar o absurdo daquela guerra e das suas razões de Estado...Fiquei com a ideia de que, mais do que uma simnples página de um diário, poderia ser o excerto de um livro em curso. Um daqueles livros que se vai construindo na cabeça de cada combatente da guerra colonial na Guiné, depois de passar à peluda. Um livro que todos nós, um dia, gostaríamos de escrever e de publicar. Ou de ter escrito e de ter publicado. Um livro que gostaríamos de dar a ler, porventura com secreto prazer mas seguramente com reserva e pudor, à nossa companheira, aos nossos filhos e netos, aos nossos pais, aos nossos irmãos e e aos nossos amigos, e até aos poucos companheiros da nossa geração que não foram à guerra. Talvez um livro, ou talvez apenas um conto, um conto de guerra, em todo o caso a merecer antologia" (...).

(3) Vd post de 30 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXXIII: A morte no caminho para Banjara

(4) Vd. post, de João Varanda, de 26 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXIII: A morte de três majores e de um alferes no chão manjaco

Guiné 63/74 - P760: Tabanca Grande: Bem vindo, alferes Torcato Mendonça da CART 2339 (Mansambo, 1968/69)

Texto do CMS (Carlos Marques dos Santos):

Luís:

É com satisfação que vejo entrar na tertúlia o nosso Alferes Torcato.

A propósito do almoço da CART 2339, no próximo dia 20, no Gerês, enviei a nossa morada tertuliana e o Torcato ligou-me de imediato. Estivemos meia hora ao telefone, recordando factos da nossa experiência vivida na Guiné.

Um dos factos dizia respeito ao Malan Mané e à emboscada que nós tinhamos preparada na sequência da acção dos fusos [ou melhor, dos paras. L.G.]

Eu estava lá, em pé, atrás de um baga-baga, atento, e vi chegar 2 batedores do Bigrupo em fuga.

A minha secção era a da bazuca e o Moreira (apontador), percebendo que a linha de progressão do IN viria concerteza atrás, disparou.

Soubemos depois que Mamadu Indjai (comandante de Sector) tinha sido ferido.

Estes factos já foram contados, mas vêm a propósito.

Um abraço, camarada Torcato, e bem vindo.

Um abraço para ti, Luís.

CMS

Guiné 63/74 - P759: Panfletos de propaganda dirigidos ao 'homem do mato'

Panfletos de propaganda política, destinados aos combatentes do PAIGG, elaborados em 1970 pelo Exército Português, escritos em crioulo. Chegaram à nossa tertúlia por mão do Manuel Mata. Foram-lhe oferecidos pelo seu amigo, o comerciante Sr. Teófilo, de Bafatá (1).

© Manuel Mata (2006) (2)

Tradução do crioulo: © Mário Dias (2006) (3)


"COMBATENTES, NÓS FOMOS ENGANADOS!

Agora nós sabemos que no PAIGC
nós lutamos só contra a felicidade do povo,
e contra o progresso da Guiné...
Agora nós vemos claro como os dirigentes do PAIG nos enganam".
Foi assim que NHATE BUIDA falou na Rádio de Bissau no dia 23 de Junho de 1970.

HOMEM DO MATO:
O Governo está a construir o progresso e a felicidade do povo.
O PAIGC só traz morte, miséria e sofrimento para o povo
e para os combatentes.

HOMEM DO MATO!
NO PAIGC TU LUTAS CONTRA O POVO

VEM JUNTAR-TE AO POVO PARA CONSTRUIR
UMA GUINÉ MELHOR.


HOMEM DO MATO !
O MOTIVO DA LUTA JÁ ACABOU

Assim disse Nhate Buida, chefe de grupo do PAIGC, de Naga,
que foi apanhado pela tropa no dia 16 de Maio de 1970.
ELE NÃO QUER REGRESSAR PARA O MATO.
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Notas de L.G.

(1) Vd. posts de:

11 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCXCIV: Panfleto de propaganda, em crioulo, do PAIGC: Irmãos...(1970)
2 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Manuel Mata) (5): Foguetões 122 mm no Gabu

(2) Manuel Mata, ex-1º cabo apontador de Carros de Combate M 47, Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71).

(3) Mário Dias, ex-sargento Comando (Brá, 1963/66)

segunda-feira, 15 de maio de 2006

Guiné 63/74 - P758: Eles apenas queriam uma pátria (Américo Marques)

Texto do Américo Marques (Ex-soldado de transmissões, 3ª CART / BART 6523, Nova Lamego e Cansissé, Junho de 1973-Setembro de 1974) (1):

Boa tarde Luis!

Aqui envio uns desabafos em jeito de solidariedade para com os nossos Camaradas Combatentes, nascidos na Guiné. Que a reportagem televisiva mostrou, e ficamos a saber que existem; o que não sabemos, é se vivem! E esse pensamento mexeu comigo como eu não pensava. Porque os nossos governantes estão sempre atentos aos problemas dos Países que falam português; porque nunca imaginei que se esquecessem destas Pessoas que também falam português e são portuguesas.

Américo Marques

Gatilhos de Aluguer

Gatilhos de aluguer... É o que me apetece dizer! Depois de ouvir com a alma e ver com emoção cabisbaixa a reportagem televisiva, sobre os Competentes e Leais Combatentes da então Província Ultramarina da Guiné. E por conseguinte, irmãos de sortes e desventuras, servidores da Bandeira das Quinas.

Por estas e por outras, no meu ponto de vista, poderemos descobrir o porquê da nossa falta de autoestima; o determinismo redutor das capacidades individual e colectiva. Assim como se cultiva roendo unhas uma grande fragilidade patriótica.

E sobre a Pátria vou escrever e vou citando. Neste caso, Zeca Afonso que cantava “não sejas tão Castelhana” . E eu, como não sei cantar, apupo: não sejas tão Madrasta! Porque Aqueles esforçados Combatentes não eram mercenários. Eram, sim, pedaços de grande Gente que recebia uns poucos pesos e uns quilos de bianda.

Porque País não é o mesmo que Nação; então só lhe terá direito e direitos quem a defendeu quando necessário, e todo o outro que a dignificou. Logicamente, e óbvio não se pode tratar nunca semelhantes pessoas como números duma estatística comum da sociedade. Universalmente têm direito ao aplauso e ao respeito. Ao fim e ao cabo, oferecer-lhes uma existência digna.

Concluindo com prosa de escuteiro: "Honraram a Pátria para Serem Contemplados mas a Pátria não Os Contemplou”. E eles apenas queriam uma pátria que fosse: Protectora; Optimista; Respeitadora;Tolerante; Uniforme; Generosa; Altruísta; Leal

Américo Marques
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Nota de L.G.

(1)Vd post de 12 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXVI: Américo Marques, o último soldado do Império (Cansissé, 1974)

Guiné 63/74 - P757: A festa do fanado ou a cruel Mutilação Genital Feminina (Jorge Cabral)

Cartaz de campanha internacional contra a Mutilação Genital Feminina, em inglês, francês e árabe, com apoio da União Europeia.

Foto: © International Campaign for The Eradication of Female Genital Mutilation (2002) (com a devida vénia...).

O Jorge Cabral, advogado e professor universitário, director do Instituto de Criminologia da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, deu há tempos uma entrevista a dois dos seus alunos (1), aceitando falar da sua condição, algo priviliegiada, de testemunha presencial de uma acto de mutilação genital feminina (MGF) na Guiné, em 1969.

Pelo contexto e época, percebemos que essa cereimónia decorreu nas imediações de Fá Mandinga, a nordeste de Bambadinca. O Jorge Cabral, branco, europeu, militar, comandante do Pel Caç Nat 63, deverá ter sido ser um dos raros homens, africanos e não-africanos, a assistir a este cruel ritual de passagem, ainda profundamente enraízado na cultura de certos povos, nomeadamente de África.

Pelo seu interesse e actualidade, voltamos a publicar esta entrevista (1), agora em post autónomo.

Entrevista ao Prof. Dr. Jorge Cabral (2)

P: Quando é que assistiu à excisão?

R: Em 1969.

P: Foi na Guiné Bissau?

R: Sim

P: Porque é que quis assistir?

R: Por curiosidade antropológica. Eu fui sempre uma pessoa extremamente curiosa. O problema da colonização portuguesa, que é o problema de qualquer colonização, é que o colonizador não fez um esforço para perceber a cultura do colonizado. A colonização é isto: partir da base que a nossa cultura é que é.Neste sentido, já que eu estava numa posição privilegiada, procurei compreender alguma coisa dessa cultura e, obviamente, a excisão fazia parte dela. Também procurei compreender o tipo de famílias, as relações familiares, perceber porque é que alguns cortavam as cabeças a outros, qual o significado de cortarem a cabeça e pô-la nos pântanos... procurei entender, embora não seja antropólogo.Eu nessa altura nunca tinha ouvido falar da excisão... em 69. Foi uma experiência sobretudo traumatizante. Se calhar tenho o trauma da excisão!

P: Mas foi lá de férias, estava de passagem...?

R: Não, não! eu estava na guerra!

P: Qual foi o tipo de excisão a que assistiu?

R: Foi a mais simples, foi a ablação do clítoris.

P: Em que condições foi feita?

R: As condições eram más... mas estavam várias miúdas para fazer a cerimónia. A cerimónia só tinha mulheres, a rapariga... era uma miudita de onze anos talvez... estava amarrada, era evidente que gritava, gritava bastante e era uma mulher mais velha que fez o corte para a ablação do clítoris.

P: Com que objecto?

R: Com uma faca e sem quaisquer condições de higiene, aliás, como era feita a circuncisão dos miúdos. Era feita com uma faca ou com uma lâmina.

P: Como é que foi feita a abordagem, como é que se proporcionou a hipótese de ver uma excisão?

R: Eu estava numa situação muito privilegiada, primeiro porque eu era chefe daquilo tudo, segundo porque estava só com soldados africanos e com população africana, cada soldado tinha as suas três mulheres, não sei quantos filhos, de maneira que eu era, pelo menos a um nível simbólico, uma espécie de chefe. Nesse sentido, por curiosidade, falei com mulheres, não falei com homens, e disse que estaria interessado. Primeiro negaram, disseram que os homens não podiam assistir e eu lá expliquei, lá entreguei dinheiro e lá consegui. A cerimónia não é feita na aldeia, é feita fora da aldeia.

P: Porquê?

R: Porque mesmo entre eles é dotado de algum secretismo, é uma cerimónia que tem alguma coisa de religioso por isso mesmo não é feita na aldeia, é feita na floresta. A rapariga não sabia como era. Há simultaneamente medo mas algum orgulho porque significa uma passagem para uma idade adulta, por isso há essa duplicidade, penso eu, ao nível das miúdas que têm medo, é evidente, porque as outras também já contaram como foi e que vão sofrer muito, mas ao mesmo tempo... se calhar é como usar o primeiro sutiã. Há efectivamente um certo orgulho.

P: Qual é a posição dos homens em relação à excisão?

R: Os homens concordam até porque eles não aceitam para mulher alguém que não seja excisada.Dentro da própria comunidade uma rapariga que não tenha passado pela excisão, dificilmente arranjará marido. Uma rapariga que não tenha feito a excisão é uma criança por isso elas submetem-se para evitarem a exclusão.Não podemos generalizar e falar da mulher africana porque mesmo na Guiné não são todas as etnias que fazem a excisão. Normalmente são os islamizados. Há excisões muito mais gravosas principalmente na Somália, na Etiópia.Há outro tipo de excisão, já agora. É uma excisão que se faz em Angola, eu ainda estou a começar a estudar isso, é uma excisão ao contrário, serve para mulher ter mais prazer durante o acto sexual. Ainda não vi nada disso escrito, li isso num romance. Já perguntei a várias angolanas e elas não sabem nada mas é uma excisão para dar mais prazer à mulher, não é como a outra. Não é a ablação do clítoris, é como um “desembaraçar” do clítoris e também é feita na pré-adolescência, aos 12, 13 anos.

P: A maior parte das pessoas é contra esta prática porque é uma violação dos direitos humanos...

R: Sim, embora isso hoje seja muito discutível há uma posição radical que diz que isto ofende os direitos humanos mas há vozes autorizadas que a defendem e eu já tive a oportunidade de assistir a uma conferência, creio que há três anos, em Valência, em que um professor dizia “O que é que nós temos a ver com isso?! Isso é um valor cultural, porque é que nós estamos sempre a ver de uma perspectiva europeia, europocêntrica o problema?”Por isso há vozes que discordam desta luta contra a mutilação sexual.

P: Mas hoje em dia há organizações e outras pessoas que trabalham no terreno, no sentido de dissuadirem as mulheres a praticar este tipo de ritual.

R: Pode ter o efeito contrário, não é?!, se é proibido...

P: O isolamento destas tribos torna muito mais difícil o acesso a qualquer alteração na mentalidade destas pessoas?

R: Será muito difícil. Se nós defendêssemos sempre os mesmo valores culturais não havia evolução. É precisamente a mesma coisa, os chineses partiam os pés às crianças, os aztecas apertavam os olhos, o meu avô tomava banho uma vez por mês... quer dizer esses são valores culturais. As coisas alteram-se.

P: O que é que a lei portuguesa diz acerca disto?

R: A lei portuguesa não prevê a excisão. Se aparecer algum caso será um crime contra a integridade física grave, se aparecer algum caso. Já me contaram um caso que apareceu num hospital em que os próprios médicos nunca tinham ouvido falar da excisão e não foi levantado nenhum processo crime. Os médicos apenas verificaram que havia uma ablação mas não sabiam mais nada.

P: A quem seria aplicada a medida?

R: Neste caso seria contra a mãe. Ela é que é responsável porque leva a criança e, também, contra quem fez isso. É evidente que os casos vão aparecer. Será inevitável que qualquer dia apareça um caso destes, em França já foram julgados alguns casos.

P: Quer dizer que não estamos preparados...

R: Claro que não! É natural que uma miúda apanhe uma infecção qualquer, vá para a Estefânia e... é natural! O que o médico devia fazer era participar imediatamente mas para isso é preciso que os médicos saibam o que é a excisão e que se pratica em Portugal .
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Notas de L.G.

(1) Mafalda Sofia Félix dos Santos; Paulo César Lino Belchior de Matos - Mutilação genital feminina. Trabalho apresentado na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias no Curso de Pós-Graduação em Criminologia. s/d.

(2) Vd. post de 17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXXII: Vocês não tenham medo, não fujam, sou o Cabral (Fá, 1969/71)

Guiné 63/74 - P756: Conferência sobre a Mutilação Genital Feminina, Hospital dos Capuchos, Lisdboa, 17 der maio de 2007, àss 16h00, com a participaçao de Jorge Cabral e Luís Graça



Mutilação Genital Feminina (MGF) > Cartaz da conferência a realizar, em Lisboa, no Centro de Formação do Hospital dos Capuchos, dia 17 de Maio de 2006, às 16h00.

Foto: Fórum de Santo António dos Capuchos (2006) (com a devida vénia...)

Convidam-se os membros da nossa tertúlia, e quaisquer outros vistantes do nosso blogue que estejam eventualmente interessados nesta problemática, a participar na sessão de apresentação e discussão do trabalho “Mutilação Genital Feminina”, de Mafalda Sofia F. Santos e Paulo César L.B. Matos (Universidade Lusófona).

Trata-se de um conferência sobre a abordagem multidisciplinar da Mutilação Genital Feminina (MGF), a realizar no Hospital dos Capuchos, Centro de Formação, no próximo dia 17 de Maio, às 16h.

Entre os comentadores figuram o editor deste blogue (Prof. Luís Graça, ENSP/UNL) bem como o nosso amigo e camarada da Guiné, o Prof. Jorge Cabral (Universidade Lusófona). Para mais informação ver o sítio Fórum de Santo António dos Capuchos.

Segundo o texto de apresentação desta confereência, a MGF provoca 3 Milhões de Vítimas por ano, de acordo com a denúncia feita no relatório da Unicef, Mudar uma convenção social nefasta: a mutilação genital feminina, publicado em 2005.

"Fenómeno social complexo, porque a sua explicação requer diferentes perspectivas de abordagem (antropológica, sociológica, religiosa, etc.), a mutilação genital feminina tem merecido a condenação dos organismos de direitos humanos, mas a prática continua violentando crianças e jovens mulheres.

"A temática escolhida para a conferência organizada pelo Fórum de Santo António, que reúne especialistas de renome, pretende evidenciar um diagnóstico e levantar pistas para a intervenção social, especialmente numa perspectiva de prevenção, dando visibilidade a um problema que muitas das vezes se apresenta escondido e clandestino".


Trata-se de uma conferência certificada, que se recomenda a profissionais, docentes e estudantes das várias profissões de intervenção social (porfissionais de saúde, técnicos de serviço social, animadores socioculturais, etc.).

Sobre este tema (que no nosso tempo, em plena guerra colonial, não mereceu qualquer atenção, interesse ou preocupação por parte das autoridades portugueses bem como dos militares portugueses), já em tempos foi aqui publicado um post de Luís Graça, com data de 4 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XII: O silêncio dos tugas face à MGF (Mutilação Genital Feminina)

Segundo dados da OMS - Organização Mundiald e Saúde, a taxa de prevalência da MGF na Guiné-Bissau seria da ordem dos 50%, atingimdo maior percenategm entre as mulheres fulas e mandingas (70% a 80%). A modalidade MGF mais praticada é de tipo II: Excisão do clitóris com parcial ou total excisão dos lábios menores...

Há um excelente dossiê do jornal Público sobre a MGF, disponível em linha.

A jornalista Sofia Branco recebeu o Prémio Mulher Reportagem Maria Lamas 2002 pelo trabalho “Mutilação genital feminina — O holocausto silencioso das mulheres a quem continuam a extrair o clítoris”, publicado em 4 de Agosto de 2002.

Guiné 63/74 - P755: Ajudar os guineenses a fazer o luto (Luís Graça)


Guiné-Bissau > Africanidades, blogue do Jorge Neto > Um tuga, da nova geração, um alentejano, que não fez a guerra colonial, que vive e trabalha em Bissau, e que dá voz (e imagem) aos guineenses que a não têm... Aqui, as crianças a caminho da escola. "25.4.06. Nós vamos à escola...e para além do caderno levamos o banco, para nos sentarmos!"... Que maravilhas, a foto e a legenda! Esta é a Guiné que queremos também a ajudar a construir...

Foto: © Jorge Neto (2006 (com a devida vénia, amigo...)

Mensagem enviada ao Jorge Neto:

Meu caro Jorge (1):

Continuo a apreciar (e a invejar...) o teu trabalho como jornalista independente, lúcido, sensível e corajoso e sobretudo o teu Africanidades, que muito nos ajuda a (re)construir uma certa ideia da Guiné, de hoje e de ontem... Tu fazes mais pela nossa cultura portuguesa e sobretudo pela lusofonia do que todos os burocratas do MNE [Ministério dos Negócios Estrangeiros] juntos e atirados ao Rio Corubal...

Desculpa-me a minha incursão pelos teus sonhos, ou melhor, a minha intempestiva intromissão, com os meus pesadelos atávicos, pela bolanha dos teus sonhos... Mas acho que, juntos, podemos de algum modo contribuir para que os velhos irãs da floresta da Guiné-Bissau se acalmem...

Quando fores para os lados de Bambadinca e do Xime, peço-te que procures almas penadas como o do Abibo Jau, o Jamanca e tantos outros, que foram meus camaradas de armas e que, enquanto guinéus, apostaram no cavalo errado (2)... Um dia destes, se fores para aqueles lados, para a região leste, procura saber notícias deles... Tal como fizeste como o Seni Candé, quando foste ao Cantanhez.

Um grande chicoração para ti.

PS - Estive há dias no teu chão e na tua terra. O Alentejo, rouxo, verde e amarelo, estava esplêndido. Tal como na Páscoa, em Abril, quando lá estiveste e fizeste umas belíssimas fotos que publicaste no teu blogue... E a tua Évora, cada vez mais menina e moça... Enfim, sabes que a beleza é um estado de espírito. Mas tu devias de gostar de atravessar o teu Alentejo no mês de Maio (3)...

Luís


2. Resposta do Jorge;

Olá Luís,

Obrigado pelo e-mail e pelas elogiosas palavras. Ainda este fim-de-semana passei por Bambadinca, mas só de passagem. Um dia que passe com tempo pararei e perguntarei por essas pessoas.

A situação dos antigos combatentes é de lamentar. Vamos tentar, devagarinho, alertar consciências. O problema é sensível e antigo, mas não pode ser esquecido. Sinto vergonha de ser português, quando encontro homens como o Seni [Candé], a viver como vivem!

Espero que as forças para continuar com a Blogueforanada continuem, pois tornou-se um espaço de referência para questões ligadas aos antigos combatentes e à guerra colonial (e não só)! Ainda um dia o veremos em livro, ou, se as editoras persistirem em não abrir as pestanas para certas realidades, concerteza vê-lo-emos citado em trabalhos de investigação, pois ele é uma fonte a não descurar no estudo do que foi a nossa passagem por África.

Um abraço,
JN
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Notas de L.G.

(1) Mensagem enviada no seguimento de uma outra, que mandei, sábado, 13 de Maio, ao resto da tertúlia, e que dizia basicamente o seguinte:

"Amigos e camaradas: A barra hoje está pesada... Temos que despejar o saco...Só quero lembrar que na nossa tertúlia ninguém censura ninguém: somos a mais plural das casernas de todas as tropas do mundo... Aqui só é proibido proibir... Eu bem gostaria de pôr a falar os guineenses... Talvez o nosso amigo Lepoldo, o historiador, o nosso doutor, queira dar uma achega... O meu muito obrigado ao José Carlos Mussá Biai, o nosso menino do Xime... Os teus olhos de criança já viram demasiadas coisas (más) na vida... Obrigado ao António Duarte, ao Hugo, a todos os demais tertulianos que também são capazes de falar destas merdas que nos atormentam... Obrigado também ao João Tunes, pela sua brutal franqueza... Confesso que hoje estou deprimido: levei um murro algures, no corpo e na alma, não sei onde... Vou beber um copo... Luís".

(2) Vd post de 12 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLIX: O fuzilamento do Abibo Jau e do Jamanca em Madina Colhido (J.C. Bussá Biai)

(3) Também escrevo no Blogue-fora-nada ... E Vão Dois. E às vezes sobre o Alentejo > vd. post de 14 de Maio de 2006 > Blogantologia(s) II - (26): Às vezes este país quase perfeito e sem mácula

Guiné 63/74 - P754: O Nosso livro de visitas: Joaquim Pinheiro (CCAÇ 3566, Empada/Catió, 1972/74) - Que maravilha de trabalho

Texto do Joaquim Pinheiro (CCAÇ 3566, Os Metralhas, (Empada/Catió, 1972/74) (1):

Olá, amigo Luís!

O Xico Allen já me havia falado do seu blogueforanada, mas como foi por telefone, penso que tenha deixado de anotar algo, pois não consegui acesso.

Ontem [7 de Maio de 2006], fazendo uma pesquisa sobre Empada [na região de Tombali, Catió], eis que me deparo com este seu maravilhoso trabalho! Me emocionei, pois logo á entrada reví a foto e a história da morte de um soldado na cagadeira que eu tão bem conheço (2)... e cuja história, logo que eu cheguei a Empada, uns amigos que arranjei da Companhia, Os Catedráticos, me contaram.

Juro que, como periquito, fiquei muito impressionado. Ao ponto de sempre me conscientizar que, em caso de ataque, jamais correria pra lá...

Bem.... o importante, é que agora eu conheço melhor (estou conhecendo) o seu trabalho. Muito obrigado. Pois coisas como estas, nos fazem retornar a tão longínquos tempos.... É como se, por magia, o tempo voltasse e a memória se rejuvenesce, fazendo-nos lembrar de tantos amigos, de tantos momentos (bons e ruins) e acima de tudo, fazer aflorar o sentimento que penso todos nós, independentemente da patente carregamos nos nossos corações...A SAUDADE!!!!

Vou tomar a liberdade de enviar algumas fotos que possuo, da malta da CCAÇ 3566, Os Metralhas (Empada/Catió, 1972/74).

Um abraço deste seu fã,
Joaquim Pinheiro da Silva (o brasileiro)

(Cidade de Itanhaém - S.Paulo/Brasil)
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Notas de L.G.

(1) Sobre outros camaradas da CCAÇ 3566 - Os Metralhas, vd os posts de:

16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXVI: O Xico de Empada, grande amigo dos guinéus (Albano Costa)

18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCX: O Cherno Rachid da Aldeia Formosa (Antero Santos, CCAÇ 3566 e CCAÇ 18)

(2) Vd. post de 11 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXIV: Estórias do Zé Teixeira (2): o Conceição ou o morrer de morte macaca

(...) "O Conceição era uma camarada de Lisboa, que tanto quanto eu sabia, não tinha pais e vivia com a avó. Era um moço muito alegre e passava o dia a cantar.

Já perto do fim da comissão, em Empada (...), estava na retrete ... e a cantar. Não ouviu as saídas de morteiro que nos foram enviadas do cimo da pista e controladas via rádio por alguém lá dentro ou junto ao arame farpado. Uma das primeiras rebentou no telhado da retrete e projetou-o para trás, esmagando parte da nuca contra a parede.

"Eu, logo após o ataque, dei uma volta pelo quartel. Fiquei assustado, pois cairam várias lá dentro e gritava de contente. Não havia aparentemente feridos e muito menos mortos. Nesse momento, o Furriel Pedro (actualmente muito doente, com um derrame celebral) grita-me:
- Teixeira vem aqui ! - Fiquei horrorizado com o que vi. Mais uma vez chorei de raiva" (...).

Vd. também post de 2 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DC: Poema em memória do Conceição (Zé Teixeira)

Guiné 63/74 - P753: O Nosso Livro de Visitas: Torcato Mendonça, ex-Alf Mil da CART 2339 - O Malan Mané estava vivo em Novembro de 1969 e eu abracei-o

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada Bambadinca-Mansambo > 1970 > Uma coluna auto da CCAÇ 12 a caminho de Mansambo.

Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).

Foto: © Humberto Reis (2006)


Texto do Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69):


O [Carlos] Marques dos Santos deu-me a conhecer este blogue. Há muito que a guerra acabou para mim, só que quase diariamente ela aparece…! Não resisti, fui à Net e tenho navegado pelo blogue.

Fui alferes miliciano na CART 2339 [Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69](1). Li certos eventos que os vivi: por exemplo, o Malan Mané (2) estava vivo em Novembro de 1969 e recebia tratamento no Hospital Militar de Bissau. Abracei-o, causando espanto ao fuzo que o guardava. Só que eu estive na mata com o Malan Mané, soube que foi ferido (... Eu usava como arma, quando se justificava, o dilagrama)...

Meu caro, há escritos que não tinha deles essa recordação. Vou ter que ir á História da Companhia. Agradeço-lhe este blogue, o fazer-me relembrar certas vivências e questionar-me sobre outras. A Mansambo da foto não era a do meu tempo. O Zacarias Saiegh [da 1ª Compnahia de Comandos Africanos] foi meu amigo. Era um homem extraordinário, ele e outros que foram meus camaradas e foram fuzilados. Nunca os esqueço e não sei perdoar.

Vou reler a história da CART 2339 e talvez um dia faça um escrito e lho envie. Em Madina Xaquili o meu Grupo de Combate fez escolta a uma CCAÇ… seria a 12? Estávamos no Cop 7, em Galomaro É a memória a abrir-se. Paro aqui.

Um abraço do
Torcato Mendonça
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Notas de L.G.

(1) Há cerca de 4 dezenas de referências à CART 2339 no nosso blogue. Dica: pesquisar no blogue, inserindo o termo "CART 2339" através da janela ao canto superior esquerdo (clicar depoois em "search this blog").

(2) Guerrilheiro do PAIGC, feito prisioneiro pelas NT e ferido na Op Pato Rufia, na regiãodo Xime (7 de Setembro de 1969): Vd post de 9 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - CXLVII: Malan Mané, guerrilheiro, vinte anos, mandinga

Guiné 63/74 - P752: O abandono dos comandos africanos (Paulo Reis)

Texto do jornalista Paulo Reis:

Caro Professor Luís Graça:

Tenho 'passeado' longas horas, nas últimas semanas, pelo Blogue-fora-nada. Sou jornalista profissional (carteira nº 734) há 24 anos e trabalho em regime de freelancer, actualmente.

Tenho um contrato com uma editora para fazer um livro sobre o abandono dos comandos africanos da Guiné-Bissau. É uma história com que me cruzei, ainda estagiário, em 1982, quando encontrei o alferes Bailo Jau, já falecido e o soldado Demba Embaló com quem ainda mantenho contacto.

Estive na Guiné em 1998, por duas vezes, quando da guerra do Ansume Mané. Andei por Pirada, Bafatá, Bambadinca, Mansoa, Gabú, Bissau, etc, etc. Tendo, para além disso, nascido e vivido em Angola até 1976, calcula que sinto algo mais que mera curiosidade profissional, em relação a África.

Segui com atenção o programa da RTP1 ' Órfãos de Pátria', e acho que foi fraco - a montanha pariu um rato, como dizia um dos comentários que vi, no seu blogue. Houve, de facto um processo de decisão política, da parte portuguesa, que levou ao abandono desses homens. Mas houve também a aplicação, no terreno, dessa decisão - através, por exemplo, da passagem de licenças registadas a muitos deles, com ordens para se apresentarem no quartel no dia 1 de Janeiro de 1975, já a retirada portuguesa estaria concluída há muito.

Gostaria de poder trocar algumas impressões consigo e de saber se poderei contar com a sua ajuda, tanto em matéria de contactos como de informação e documentação de que disponha e que possa ser útil para clarificar esta página menos feliz da nossa História.

Com os meus melhores cumprimentos

Paulo Reis

Comentário de L.G.:

Meu caro Paulo: O que sabemos sobre a ascensão e queda dos comandos africanos tem sido divulgado através do nosso blogue. Estamos, eu e os restantes membros da tertúlia dos amigos e camaradas da Guiné, disponíveis para trocar impressões, informação e até documentação sobre este e outros tópicos.

De qualquer modo, bom sucesso (e boa sorte) para as suas pesquisas sobre este tema, que há muito caiu no esquecimento de portugueses e guineenses... Sem querer parecer cínico ou provocador, quem no continente africano (com tantos desastres humanitários, com tantas violações dos direitos humanos, com tantos genocídios nestes últimos cinquenta anos, que foram os anos das independências, como por exemplo a tragédia do Darfur ou a hecatombe da Sida) se vai interessar pela sorte de algumas centenas de homens que escolheram o cavalo errado, servindo a bandeira dos colonialistas, e foram tratados como mercenários e traidores pelos guerrilheiros do PAIGC que substituiram os tugas no poder, em Bissau ?

Infelizmente o que sabiam (de) mais já morreram ou foram mortos. Outros, os que podiam e deviam falar,vão provavelmente morrer na cama e até, alguns, ser tratados como heróis, com direito a lugar no panteão nacional da santa terrinha... Sempre foi assim ou tem sido: são os vencedores que escrevem a história. Nós, quando muito, podemos pôr um pauzinho na engrenagem, fazendo alguns perguntas incómodas, insalubres e perigosas... (LG)