sexta-feira, 6 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P1928: História de vida (3): Sérgio Neves, meu irmão: em Moçambique, o Mercenário, amigo do lendário Daniel Roxo (Tino Neves)

Moçambique > Mueda > Cart 2369 (1968/69) > 4º Grupo de Combate > A suite dos barões...


Moçambique > Mueda > CART 2369 (1968/70) > O 2º sargento miliciano Sérgio Neves junto a um mural onde se lê: "Em Mueda, os cordeiros que entram, são lobos que saiem. Adeus checas". Recorde-se que o checa, em Moçambique, era o nosso pira ou periquito.

 Moçambique > Mueda > CART 2369 > Sérgio Neves, posando junto aos símbolos da sua unidade

A caminho da Guiné, em 1964, num navio mercante (que não sabemos qual é). Pessoal da CCAÇ 674, Fajonquito, 1964/66) (presume-se). Sentado à mesa, o Sérgio está ao centro, é o 4º. a contar da esquerda.

Guiné > Zona Leste > Fajonquito > 1964 > CCAÇ 674 > O Fur Mil Neves

Fotos: © Tino Neves (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem enviada, em 13 de Fevereiro último, pelo Tino Neves, ex-1º Cabo Escriturário, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego (Gabu), 1969/71:


Camarada Luís Graça:

Por ter voltado a focar as fotos de meu irmão, junto dos Monumentos da Guiné, Bagabaga e Poilão, e na altura do seu envio não as ter comentado, como sendo do meu irmão como militar (Furriel Mecânico Auto) em Fajunquito, em 1964 (1), passo agora a fazer um pequeno comentário sobre quem foi ele:

Há falta de dados sobre ele porque tanto a correspondência como a sua Caderneta Militar que estavam em poder da minha mãe, se extraviaram. Ficaram simplesmente algumas fotos, das quais nada consta escrito no seu verso (data ou local onde foram tiradas). Ele não tinha esse costume.

Portanto, não tenho qualquer indicação sobre o Batalhão ou a Companhia pertencia, mas pesquisei através dum ficheiro em excel cedido pelo Pedro Santos, quando do nosso Encontro da Ameira. Pesquisei pelo ano do fim de comissão, unidade de mobilização (Évora) e nome do Capitão (José Rosado Castela Rio)... Fiquei com a noção de que seria a Companhia de Caçadores 674, que esteve em Fajonquito, região de Bafatá. A ser verdade, o período da comissão será 1964/1966.

Para que algum camarada de sua companhia o venha a conhecer junto algumas fotos desse tempo .


O seu Nome:

SÉRGIO FAUSTINO DAS NEVES
Furriel Miliciano Mecânico Auto
Natural de Luzde Tavira
Residia em Cova da Piedade – Almada


Ele fez mais uma comissão de serviço em Moçambique, como 2º Sargento Miliciano,
de 1968/1970, tendo passado por Lourenço Marques, Mueda, Vila Cabral , Nampula e Meponda - Lago de Niassa . Não sei exactamente por que ordem.

Camarada Luís Graça:

Vou-lhe pedir desculpa, e ao mesmo tempo um favor, apesar do blogue ser de ex-Combatentes da Guiné, gostaria que fizesse referência a este facto de Moçambique, pois é possível algum dos camaradas dele, de Moçambique, lerem o nosso blogue, e me contactarem, o que me deixaria muito feliz.

Vou contar um pouco o historial do meu irmão em Moçambique, porque da Guiné pouco sei. Só me contei alguma coisa quando eu estava na Guiné e ele em Moçambique. Um dia disse-me para ir a Bafatá a um Café, que ele frequentava muito quando lá ia, porque o dono também se chamava Neves. Fui lá mas o proprietário desse café já não era o mesmo, e não me souberam dizer para onde o senhor Neves tinha ido.

O meu irmão era da Construção Naval (Arsenal do Alfeite) e, depois da Comissão da Guiné, emigrou para França (Grenoble), tendo ido trabalhar para um Estaleiro Naval como soldador. Enquanto lá esteve, para além do frio e neve que apanhou, estava muito só e sem dinheiro. Mas escrevia-se com camaradas da recruta que lhe diziam muito bem de Moçambique, tendo lá ficado como colonos, no fim da Comissão. O Estado dei-lhes terras para se fixarem lá e eles estavam muito bem.

Ora ele começou a pensar nessa hipótese de também para lá ir. Assim o pensou e assim o fez. Escreveu para o Ministério da Guerra, a pedir para voltar para o Exército. Foi chamado e colocado nos Serviços Mecanográficos do Exército, e logo pediu para ir para Moçambique. Foi passados 8 meses para Lourenço Marques.

Em Lourenço Marques, passou por vários Serviços incluindo dar Instrução Militar aos Recrutas. E por último, em Lourenço Marques, foi para o Serviço de Intendência, Secção de Cargas, ou seja tratar das Comissões Liquidatárias das Companhias de Fim de Comissão.

Era bom, julgava eu, porque ele dizia-me que só se lembrava que era militar quando fazia de Sargento de Dia, porque na Secção dele era o único militar, e ele era o Chefe, e falava da esposa do Major Tal, da filha do Capitão tal, etc. etc.

Mas ele, como operário do ferro, para ele era um suplício a papelada e os problemas, problemas esses que, como vou contar, o fizeram sair dali.

A história começa com um Major de uma Companhia Independente que já tinha mandado regressar todos para a Metrópole, ficando ele sozinho a tratar de tudo o que dizia respeito à Comissão Liquidatária. Mas estava tudo muito atrasado, e o dito Major foi lá mandar vir junto do meu irmão, reclamando que já tinha a viagem marcada para o regresso, e que o meu irmão estava a demorar muito a dar o despacho, e por essa razão pediu para que o Comandante dos Serviços o atendesse, tendo este acedido ao seu pedido.

Sendo o meu irmão chamado ao gabinete do Comandante, mostrou-lhe todo o processo dessa tal Companhia. Conclusão: o dito Sr. Major tinha quase toda a carga da Companhia encaixotada, com a direcção de sua casa, sendo alguns dos objectos uma arca frigorífica, um barco pneumático e mais algumas coisas, todas sem valor nenhum, como devem calcular.

O meu irmão, em face disto, disse ao seu Comandante que queria ir para o mato, que aquilo não era para ele (ser cúmplice de todas aquelas roubalheiras).

O Comandante (não sei o seu nome, só sei que era muito amigo do meu irmão, segundo me dizia este), ante este pedido e tentando demovê-lo dessa intenção disse-lhe:
- Só para Mueda! - e ele respondeu-lhe:
- É para aí mesmo que eu quero ir! - ... E fizeram-lhe vontade.

Mueda era, para Moçambique, como Guileje era para a Guiné: para todos aqueles que fossem castigados, um dos castigos era serem transferidos para Mueda . E o meu irmão ofereceu-se para ir para lá, daí ficar com a alcunha de o Mercenário.




Francisco Daniel Roxo nasceu em Mogadouro, Trás-os Montes, em 1 de Fevereiro de 1933. Foi para Moçambique em 1951. Aprende a conhecer o território como ninguém, em especial o Niassa, no norte. Foi caçador profissional até 1962. Com a guerra, irá tornar-se, a partir de 1964, um lendário e temível comandante de um grupo de forças especiais de contra-guerrilha (30 homens da sua confiança), lutando contra a Frelimo, à margem das regras da guerra convencional. É conhecido como o diabo branco. Pelos seus feitos na contra-guerrilha, e embora não sendo militar, recebe das autoridades portuguesas duas cruzes de guerra e uma medalha de serviços distintos.

Depois da independência de Moçambique, e já com 41 anos, alista-se no exército da África do Sul. Faz parte de um grupo de operações especiais. Notabiliza-se na Operação Savana, no sul de Angola, na luta contra o exército angolano e os seus aliados cubanos, em Dezembro de 1975. É o primeiro estrangeiro a receber a Cruz de Honra da África do Sul (julgo que a mais alta das condecorações militares). Acabaria por morrer em 23 de Agosto de 1976, numa emboscada, no sul de Angola. Deixou uma viúva e seis filhos. Na foto acima, ele aparece com a farda do exército da África do Sul e o post de 1º sargento. Julgo que não chegou a ser militar do exército português, embora trabalhasse para (e em coordenação com) o exército português. Falta uma biografia, isenta, desta figura de português do tempo colonial que ainda hoje inflama a cabeça e o coração de muita gente que viveu em Moçambique (LG).

Fonte: Adaptado de In memory of three special forces and 32 Batallion soldiers (2005I.



Não sei se pela alcunha que tinha e ficar muito conhecido, quando foi para Meponda, zona do Lago Niassa, o meu irmão acabou por conhecer (e ficar muito amigo de) um senhor, muito mais conhecido em todo território de Moçambique. Era ele, nem mais nem menos , o famoso Comandante Roxo, o Daniel Roxo, mais tarde Sargento Daniel Roxo [do exército da África do Sul].

Eram tão amigos que, quando o Comandante Roxo ia para o mato, convidava o meu irmão para ir também, assim sem mais nem menos, como se fosse para beber um copo. E o meu irmão não se recusava, ia também, até que um dia, numa coluna militar, rebentou uma mina anticarro num Unimog, e ele foi projectado a 30 metros da viatura. Foi em Mocimboa da Praia, sendo depois transportado por helicóptero para Nampula, onde o Cmdt Roxo ia todos os dias visitá-lo. Porque, para além de ser muito amigo dele, também queria que ele (meu irmão) ficasse com o pelotão dele, pois já estava a ficar velho (dizia ele).

Pronto, fico por aqui, muitas outras estórias teria para contar.

O meu irmão faleceu em 25 de Junho de 1997, com um temor na cabeça.

Camarada e amigo Luís Graça, se achar que esta pequena estória do meu irmão em Moçambique está fora do contexto do nosso blogue (que é dedicado à Guiné), não a publique, pois só pensei no facto de algum militar de carreira que tenha estado em ambas (Guiné e Moçambique) possa ter conhecido o meu irmão. Se sim, gostava que muito me contactassem, pois também já pensei entrar em algum blogue de Moçambique.

Junto fotos da Guiné e Moçambique. Ccomo se vê nas fotos, o meu irmão Sérgio pertenceu em Mueda ao CART 2369. Junto também uma foto do Cmdt Daniel Roxo.

Um abraço
Tino Neves
Almada

2. Comentário: Tino, como é que eu te poderia recusar um pedido destes ? A guerra bateu à porta da tua família por três vezes... Tens todo o direito a contar a estória do teu mano, e procurar camaradas que o conheceram. Boa sorte nessa pesquisa. Ah, e desculpa o atraso na publicação do teu post...

De qualquer modo, seria interessante saberes mais sobre as relações do teu irmão com o Daniel Roxo que para uns era um herói e um patriota, para outros um mercenário e um criminoso de guerra... Há inúmeros sítios na Net sobre o Daniel Roxo, e quase todos de homenagem e de admiração... No mínimo, é uma figura controversa, mas que merece ser conhecida, analisada e estudada... A história (mesmo a petite histoire) da guerra colonial também passa por homens como ele...

Vê, portanto, se descobre mais coisas sobre o relacionamento entre o teu irmão e o Daniel Roxo... O teu irmão, como militar, participou em operações de contraguerrilha com o Daniel Roxo ? Ou as suas relações eram só de pura amizade ? Por que é que o teu irmão era alcunhado de Mercenário ? Desculpa lá estas perguntas um pouco incómodas para ti, que és irmão do Sérgio, mas já que te expões, contando um pouco da atribukada vida dele, tens de tentar responder, se souberes... De qulaquer modo, cuidado, camarada, que este é um dossiê que pode estar armadilhado... Pode ser uma verdadeira caixa de Pandora ... L.G.

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Nota de L.G.:

(1) Vd post de 14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1367: Concurso O Melhor Bagabaga (3): Fajonquito (1964) (Tino Neves)

Guiné 63/74 - P1927: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (53): Ponta Varela e Mato Cão: Terror no Geba

Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné > No passado dia 20 de Junho fez uma ano que o Mério Beja Santos (a par do comandante Pedro Lauret) entrou para a nossa tertúlia (hoje, Tabanca Grande) (1). Fui desinquietá-lo ao Instituto do Consumidor (hoje, Direcção Geral de Consumidor)... O Mário começou furiosa, compulsivamente, a escrever, a reconstruir as suas memórias do Cuor, de que ele foi dono e senhor entre 1968 e 1970... O Tigre de Missirá voltou aos seus bons velhos tempos... Semanalmente publicamos um episódio da série Operação Macaréu à Vista. Hoje será o nº 53. O Mário quer publicar estes seus textos em livro. Está a negociar com uma editora. E , a levar o livro (eventualmente em dois volumes) para a frente, quer que os direitos de autor revertam para projectos de interesse comum, no âmbito da nossa tertúlia. No peisódio de hoje, ele relembra os temíveis ataques às embarcações que demandavam o Xime e Bambadinca. Estam,os em finais de Julho de 1969, quando a CCAÇ 12 ( aminha unidade) é colocada ao serviço dos barões de Bambadinca. O BCAÇ 2852 acaba de ser decapitada. Spnínola renova o comando. Pimentel Bastos, humilhado, acabou ali a sua carreira. O novo senhor da guerra chama-se agora Pamplona Corte Real.

O Mário escreve à Cristina, sua noiva: "Sinto-me hoje muito emotivo, estas belezas naturais comovem-me sem eu perceber porquê, é como se o fervor que eu já não tenho na oração o transferisse para a consagração deste reino vegetal". É um elogio ao Cuor vegetal...Não tenho nenhuma foto da época para ilustrar este estado de espírito... Fui ao meu álbum (secreto)... As flores e abelha (não assassina como as do Cuor) são portugesas e recentes (Lourinhã, Junho de 2007). É também uma pequena homenagem a um dos nossos mais activos, entusiásticos e profícuos tertulianos, a quem desejamos continuação de boa navegação na blogosfera.

Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Espectacular vista aérea do aquartelamento, tomada do lado da bolanha. Em Julho de 1969, há um novo senhor da guerra, à frente dos destinos do Sector L1 e do BCAÇ 2852, o tenente-coronel Pamplona Corte Real.

Foto: © Humberto Reis (2007). Direitos reservados.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Uma autogrua, da engenharia militar, de marca Galion, a (des)embarcar vacas no cais de Bambadinca, onde havia um pelotão de intendência, e onde ficavam armazenados muitos dos víveres e mantimentos que alimentavam as tropas da Zona Leste (Bafatá e NovaLamego).

O Rio Geba era navegável até Bafatá, mas do Xime para cima o curso do rio, sinuoso e mais estreito, só permitia a navegação de pequenas embarcações, de menor calado, militares (LDM, LDP) ou civis (por exemplo, da Casa Gouveia: a propósito, havia o mito de que as embarcações da Casa Gouveia, ligada ao Grupo CUF, e onde Luís Cabral trabalhara, como empregado antes de passar à clandestinidade, tinham livre trânsito do PAIGC, nunca sendo atacadas...) .

Esta autogrua da engenharia militar viu-se grega para chegar até aqui - estória que já contámos noutra ocasião mas que poderá ser retomada em breve. A Galion veio para reforçar os parcos equipamentos portuários existentes até então no cais de Bambadinca. E, se a memória não me atraiçoa, esse reforço coincide com o desenvolvimento do ambicioso e polémico projecto de reordenamento de Nhabijões, a que esteve ligado o Luís Moreira e outros camaradas de Bambadinca (incluindo malta da CCAÇ 12, como o Alf Mil Carlão, o Fur Mil Fernandes e o Sold Cond Soares, que aqui encontrará a morte em 13 de Janeiro de 1971).

Foto de 1970, gentilmente cedida pelo Luís Moreira, ex-Alf Mil Sapador da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), gravemente ferido numa mina anticarro em 13 de Janeiro de 1971. Tive o grato prazer de o rever e abraçar no nosso encontro em Pombal, em 28 de Abril de 2007. (L.G.).


Foto: © Luís Moreira (2005). Direitos reservados

O Geba Estreito, junto a Bambadinca. Pirogas, na margem esquerda, que faziam a cambança do rio (ligação ao Cuor: Finete, Mato Cão, Missirá...).

Foto: © Luís Moreira(2005). Direitos reservados.


Mensagem de Beja Santos, com data de 20 de Junho passado (um ano depois de entrar, a meu convite, para a nossa tertúlia):

Caro Luís, aqui vai o apontamento enviado ontem, agora devidamente corrigido. Pelas minhas contas, o primeiro volume [do livro Operação Macaréu à Vista] terminará com mais três episódios, ou seja, em meados de Agosto de 69. Vou ser recebido pela Guilhermina Gomes, editora do Círculo de Leitores, para apreciarmos o projecto.

Penso que com os créditos fotográficos não haverá quaisquer problemas, o Humberto, com quem trabalharei amanhã, não põe objecções nas suas fotos. É essa a razão também porque te reenvio uma fotografia [, uma vista aérea do quartel de Bambadinca,] que me parecia útil para este episódio. Vai separadamente. Peço-te a gentileza, quando tiveres uma aberta, de mandares os primeiros [os links dos] 50 episódios anteriores. Igualmente, quando tiveres tempo e oportunidade, seria útil promoveres o debate acerca da transformação dos meus direitos de autor no nosso bem comum. Recebe toda a amizade do Mário.

53ª Parte da série Operação Macaréu à Vista, da autoria de Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (2). Os destaques a bold e a cores são da responsabilidade do editor.


As danações de Ponta Varela
por Beja Santos


Chegou o terror sanguinolento ao Geba, para lá do Xime.


É um amanhecer luminoso e do planalto de Chicri avista-se um [Rio] Geba de prata, estuante, quase genesíaco. É um tempo invulgar para esta época das chuvas, mas desde ontem que a Mãe Natureza parece querer advertir-nos que vem aí outro tempo, de calor persistente.

Olho o relógio, o comboio de batelões já devia ter passado há cerca de meia hora, de novo assesto os binóculos para o fim do horizonte, nada, nenhum ponto se avista, certamente que houve algum atraso na saída de Bissau. Tenho um mau presságio, parece que para lá do Xime se ouvem obuses, talvez o som dilacerante dos rockets. Interpelo Mamadu Camará acerca deste fogo e ele responde que sim, é para lá do Xime, talvez uma emboscada, talvez uma flagelação, pode ser mesmo um reconhecimento de obus, são sons cavos que a distância não permite identificar. Segue-se o silêncio, sufocante. Depois olho para a estrada que bordeja toda a vareda do rio e se perde ao fundo, onde eu sei estar o que resta de Saliquinhé.

Sinto uma enorme atracção por voltar ao Enxalé, para quem não sabe, caso não houvesse esta guerra, o burrinho em cerca de hora e meia chegaria a Bissau, depois de passar pelo Enxalé, Porto Gole, Nhacra. É a mesma estrada que para cima leva ao Gambiel, e depois a Geba e a Bafatá. A minha ansiedade cresce enquanto o Geba refulge os tons de prata, para lá de Madina ouvem-se uns tiros esparsos como se nos avisassem que há território hostil à nossa espera.

É então que assoma uma embarcação ziguezagueante, estranhamente morosa. Dirijo-me, intrigado, para o ancoradouro e depois de meia hora de espera díficil, o contramestre fala comigo com o horror estampado nos olhos. Uma coluna de 5 batelões, aproveitando a correnteza do Corubal aproximara-se do Geba estreito perto de Ponta Varela. Súbito, várias roquetadas atingiram a casa das máquinas deste barco e ele mostra-me os estilhaços, os vidros partidos, vestígios de algum sangue, um dos feridos vinha ao leme. O terceiro barco foi atingido nas máquinas, vem agora rebocado ao segundo barco, vem lentamente, quase encostado a esta berma do rio. Suplica-me que não me vá embora, que espere por eles, os feridos mais graves vão já para Bambadinca.

E, de facto, quase uma hora depois o pequeno comboio de barcos atacados chega a Mato de Cão. Há sinais de pavor, dou comigo a pensar se a estratégia da guerrilha não mudou radicalmente, Ponta Varela agora é o local temível da destruição, não sei medir as consequências, mas sinto que é necessário rever a protecção desta margem do rio, mesmo em frente a Ponta Varela. Seguimos no último barco, quero ir relatar este episódio ao 2º Comandante.



Uma conversa com o novo comandante, Pamplona Corte Real


Chegado a Bambadinca, sou informado no aquartelamento que chegou o novo comandante. Dou sinal no gabinete ao lado do comando que cheguei, anunciam-me e para minha surpresa sou imediatamente recebido.

Jovelino Sá Moniz Pamplona Corte Real é um cinquentão robusto, ainda com farripas de cabelo louro, tem um sorriso ameninado, um olhar azul inocente, tem boas maneiras e pede-me informações sumárias sobre o Cuor. Começo por lhe falar em Mato de Cão, dou-lhe conta do ataque sofrido há horas pelas embarcações civis, repiso no conceito de que é indispensável reinstalar Enxalé no nosso sector, não se me afigura possível deslocar diariamente pelotões para Ponta Varela a partir do Xime e ao mesmo tempo montar segurança nesta margem do rio, com Enxalé seria mais fácil acompanhar os movimentos na estrada de Mato de Cão, em Missirá e Finete passaríamos a ter condições para voltar aos patrulhamentos ofensivos, pela força das circunstâncias estamos cada vez mais limitados a Mato de Cão, às emboscadas nocturnas e às colunas de reabastecimento.



Um operação com um nome mexicano para ajudar a fazer rodagem à CCAÇ 12

O novo Comandante ouve atentamente, escreve num bloco de notas, despede-se com cordialidade, remete-me para o 2º Comandante. Ainda não houve oportunidade para apresentar o Major Herberto Sampaio, voz tonitruante, procurando acamaradar mas recordando sempre a hierarquia piramidal. Fala-me sumariamente na operação Gaúcho que terá lugar ainda esta semana. Este nome mexicano, para uma ida a dois pelotões até Sancorlã, patrulhando até Salá, descendo junto da antiga tabanca de Cossarandim, emboscando no rio de Biassa, descendo por Mato Madeira até Gambaná, é um perfeito enigma. Mas quando já se participou nas operações Hipopótamo, Bate no duro, Goldfinger, Fado Hilário, por exemplo, tem pouco interesse saber porque é que uma operação se chama Gaúcho.

O que importa é que me deslocarei com um grupo de combate da CCAÇ 12 que está a chegar a Bambadinca e precisa de rodagem. Digo a tudo que sim, despeço-me, vou cumprir a burocracia com o Tenente Pinheiro, levanto material da construção civil, alguns géneros, vou comprar ao Rendeiro lâmpadas, uma toalha para a mesa das nossas refeições, camisas para os petromaxes, comemos uma bifana no Zé Maria e rumamos para a bolanha de Finete.


Um elogio ao Cuor vegetal

Ao longe, os palmeirais parecem acenar neste dia de céu luminoso que vai secando os charcos de lama que dão conta da longuíssima época das chuvas. Interrogo-me como ainda é possível receber como primeiras sensações o deslumbramento deste bissilões que agitam os seus braços frondosos, ou contemplar com pasmo as imponentes árvores de pau sangue. Antes de entrar em Finete olhos os mangais, os arrozais túrgidos, os campos de legumes, falo com mulheres e crianças que trazem quiabos, papaias, beringelas.

Procuro Fatu Cassamá, dentro de dois dias vou levá-la de novo ao David Payne [, o Alf Mil Médico do BCAÇ 2852,] depois do incêndio de 19 de Março perdeu-se todo o processo, voltámos ao ritual das deprecadas, inquéritos, questionários, exames médicos. Marco com Bacari Soncó um novo horário para a ida da população civil à enfermaria, anuncio que o burrinho irá até à berma do rio para irmos buscar mais sacos de arroz a Madina Bonco, o sol está no zénite quando galgamos a íngreme subida de Finete e me despeço, na estrada de Canturé, de duas secções do pelotão de milícias que vão patrulhar de Cansonco até Gã Joaquim

Trago cartas, com expediente da guerra e nosso correio de além-mar, vou passando em revista as actividades que nos esperam esta semana em Missirá, flanqueamos a estrada cheio de capim alto, um convite para uma boa emboscada, atravessamos os morros de baga-baga em Canturé, sinto sempre nostalgia quando vejo as estacas calcinadas das velhas moranças, dos ferros das destilarias exploradas por um cabo-verdiano e um açoreano. Depois Caranquecunda feita uma seara de capim, atravessamos o pontão por onde corre a ribeira abundante, chegamos a Missirá ao entardecer.

Quantas vezes já fui a Mato de Cão: duzentas? trezentas? Mais, menos? Mal chegados, cumpridas as formalidades das arrumações de tudo quanto foi adquirido em Bambadinca, antes mesmo de abrir o correio e saber que Bissau comunica a chegada de substitutos de outros soldados, antes mesmo de saber que três dos meus bravos vão ser condecorados, antes mesmo de abrir a carta do Batalhão de Engenharia que refere o gerador com o seu manual de instruções, sento-me à minha secretária e escrevo.

Primeiro para o Luis Zagalo [de Matos], agradecendo-lhe as suas últimas notícias, enviando-lhe fotos de alguns soldados, tal como ele pediu. Inevitavelmente, falo-lhe do que aconteceu na noite de 15 de Julho, demoro-me nas marcas da flagelação, os destroços da casa de Quebá Soncó, que também foi seu picador, falo-lhe do sinistro de Fatumana, das birras da anciã que não quer cubata quadrangular, falo-lhe das vissicitudes do processo de Abudu Cassamá e anuncio que a época seca já está a dar sinais. Despeço-me pedindo-lhe que telefone à Cristina e lanço a suposição que casaremos em breve, talvez em Lisboa.

Depois escrevo ao Ruy Cinatti, agradecendo-lhe os livros de Saint-John Perse, o Prémio Nobel da Literatura de 1960 e a beleza dos poemas Eloges e Anabase. Folheio a bonita edição da Gallimard e como se escrevesse para mim transcrevo: "Homens, gentes de poeira e de todas as maneiras, gentes de negócio e de lazer, gentes dos confins e gentes de alhures, ó gente de pouco peso na memória destes lugares; gentes dos vales e dos planaltos e das mais altas vertentes deste mundo no termo das nossas margens: farejadores de sinais, de sementes e confessores de sopros no Oeste; seguidores de pistas, de estações, levantadores de acampamentos à brisa de madrugada; ó pesquisadores de olhos de água sobre a casca do mundo; ó pesquisadores, ou achadores de razões para se ir alhures, vós não traficais com sal mais forte, quando pela manhã, num presságio de reinos e de águas mortas, altamente suspensas, por cima das fumaças do mundo, os tambores do exílio despertam nas fronteiras a eternidade que boceja nas areias".

Sim, andei a plagiar inconscientemente este mestre de fosforecências, elogios sagrados, sinais do transcendente. Mas que importância tem eu curvar-me perante a ressonância destas imagens quando elas me tocam nos cinco sentidos dos assombros da mata à volta?

Continuo a escrever para Lisboa, as páginas desalinhadas do meu diário para a Cristina. Sim, vamos recuperar a casa de Quebá Soncó, um novo chuveiro está a funcionar, tenho desgosto pela partida do Pimentel Bastos, Bambadinca está diferente, um dia de consistente ensolaramento foi a nossa companhia, prometo regressar a Bafatá dentro de dias para tratar dos nossos papéis, escrevo uma frase dilacerante: "Sinto-me hoje muito emotivo, estas belezas naturais comovem-me sem eu perceber porquê, é como se o fervor que eu já não tenho na oração o transferisse para a consagração deste reino vegetal".

Depois falo-lhe de Bambadinca e do novo comando onde se sente que as preocupações defensivas passaram a ter mais peso. Faço perguntas sobre os seus estudos e despeço-me esmagado pelas saudades. Fecho os aerogramas e então sinto o chamamento do cansaço, vou para o balneário não sem antes contemplar embevecido a abóboda celeste estrelejante, uma quase resposta ao belo dia que entrou no negrume profundo.

Ao jantar, com auxílio do Pires, falamos dos reforços dessa noite, do grupo que vai emboscar, notício sem detalhes que vamos ter a Gaúcho, fiquei a saber igualmente que em Setembro voltaremos ao Xime e ao Burontoni, ele vai partir para a emboscada, hoje não há loto nem bisca lambida, tenho que ver as contas da cantina com o Alcino e o Queiroz. Aproveito para dizer ao Teixeira que já traz uma mensagem descodificada nas mãos a anunciar que devo voltar a Mato de Cão ao meio dia, que chegará em breve um colaborador, um tal Alcino Bairrada, que ficará ferido a 16 de Outubro, em Canturé.

As horas passam, já fui ver os postos de sentinela, conversei com Mussá Mané que me fez vários pedidos em nome da população civil, fui visitar soldados com malária ou carregados de viroses, confirmo que as contas estão em ordem, o Alcino apresenta-me a lista das munições e do equipamento em falta, são assuntos para resolver para a semana.

Foi um dia intenso e preocupante. Ainda não disse a ninguém, embora o Setúbal e o Xabregas estejam desconfiados com as inúmeras perguntas que fiz à mesa sobre o estado do 404 e do burrinho. Para surpresa dos dois, saíremos amanhã, igualmente com sol radioso, para Mato de Cão e depois Enxalé. Será uma linda e comovente viagem que vai selar, mal sabia eu, a reaproximação de Enxalé ao sector de Bambadinca.

Chegou o momento de gozar a solidão, vou ler até adormecer.


A semana de Jean Cocteau

Ao longo da semana, reli ou conheci obras de Jean Cocteau, tudo graças ao Carlos Sampaio. Reli Les Enfants Terribles, uma obra prima muito próxima do surrealismo, onde não estão ausentes as sequelas do dadaísmo. É o sonho e o inconsciente, um estilo musculado, frases sóbrias cheias de contra-senso e provocação. Dois irmãos, adolescentes, vivem num quarto numa desordem inacreditável. O pai já desapareceu , a mãe vai falecer, um outro jovem amigo pede a um tio rico que ajude estes dois irmãos. A relação destas crianças paira pelo obsessivo e o freudiano, quase que somos induzidos a um estado incestuoso. No final, os dois irmãos suicidam-se quase que ao nível de uma ópera. Quando digo dadaísmo é porque esta prosa balança-se entre o ilógico e o absurdo, a denúncia da demência da guerra é um propósito descarado, feita num barroco que se veste de escândalo e falta de sentido.


Capa do livro - peça de teatro em 4 actos - de Jean Cocteau (1889-1963), La machine infernale. Paris: Bernard Grasset. 19674 (Livre de Poche, 854).

Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007).


Capa da novela de Jean Cocteu. Tomaz, o impostor. Lisboa: Livros do Brasil, s/d. (Colecção Miniatura, 51). Capa de Bernardo Marques.

Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007).
Até agora o que mais me entusiasmava no génio de Cocteau eram os seus filmes e algum do seu teatro. La machine infernale, Édipo e Jocasta, Tirésias e Antígona, sempre me pareceram soberbas reaproximações da tragédia grega. Esta peça foi representada pela primeira vez com a voz de Cocteau, e enquanto a releio imagino-o a declamar: "Regarde, spectateur, remontée à bloc, de telle sorte que le ressort se déroule avec lenteur tout le long d'une vie humaine, une des plus parfaites machines construites par les dieux infernaux pour l'aneántissement mathématique d'un mortel".

É com gosto que leio Tomaz, o Impostor, uma grande novela que ele escreveu com pouco mais de 20 anos. É igualmente um Cocteau dadaísta e surrealista, denunciando a guerra das trincheiras, a ingenuidade de um adolescente aldrabão e lunático que se move num círculo decadente e procura o heroísmo até sucumbir, vítima do mundo delirante que ele próprio urdiu. Esta guerra das trincheiras não me vai sair da cabeça tão cedo. E a lição de que não devemos engrandecer-nos com as paródias do inferno.


Um ano de Guiné

Para a semana, faz um ano que desembarquei no cais de Bissau. Não acredito que o tempo seja tão breve, tão intenso. Não acredito que tenha mudado tanto. Não acredito que tenha chegado num barco de mancarra, de saco a tiracolo, com latas de leite e pão apresuntado. Fiz a mesma viagem onde hoje faço vigilância, mais do que diária.
Um menino falou comigo durante toda a viagem. Ia visitar uns tios a Bafatá, falou-me das ilhas, anoiteceu, passámos as luzes do Xime, e em Mato de Cão o Almeida e o Pel Caç Nat 63 não sabiam que eu vinha ali. Nada tem importância, Missirá é um ponto no mapa, Finete é um encargo, a única coisa que conta em termos militares é que os barcos cheguem a Bambadinca, e todos com vida.

Não passaremos à história, mas os barcos, todos eles, vão chegar a Bambadinca, com a nossa vigilância, nesta margem do Geba. Louvado seja Deus pela coragem e pelo entusiasmo que tomam conta de mim.

___________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 20 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P887: Dois novos tertulianos: Pedro Lauret e Beja Santos (Luís Graça)

(...)" O caso do nosso camarada Beja Santos foi ainda mais célere... Comecei com cerimónias [, ao telefone,] e acabámos no tu-cá-tu-lá, voltando aos velhos tempos de Missirá, Finete, Mato Cão, Bambadinca...

(...) Amigos e camaradas: a nossa caserna fica hoje mais rica, com a entrada do Pedro Lauret e do Beja Santos... A entrada de cada novo amigo ou camarada é sempre um momento bonito... Há trinta e tal anos atrás, seria celebrado mais ruidosamente, com umas valentes rajadas de G3... Agora estamos mais calmos, mais sábios, menos folgosos, mais amigos do ambiente, mais respeitadores do erário público, quiçá mais pacifistas, seguramente mais velhos... Espero que eles se sintam em casa, nas suas sete quintas, no seu meio (aquático, terrestre, aéreo, cibernáutico...) e que continuem sobretudo com essa imensa vontade de partilhar connosco a sua excepcional experiência como homens e como operacionais...

"Mário e Pedro: É também um privilégio contar convosco!... Vocês são mais dois pesos pesados da guerra que nos calhou em sorte... Conto convosco para nos ajudarmos, uns aos outros, a reconstituir o puzzle da nossa memória colectiva... Temos essa obrigação, perante nós próprios, o povo português, o povo guineense e a nossa história parcialmente comum" (...)

(2) Vd. post de 29 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1898: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (52): O ataque a Missirá de 15 de Julho de 1969, visto pelo bravo mas modesto Queta Baldé

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P1926: Bibliografia de uma guerra (21): Pami Na Dondo ajuda-nos à reconciliação com a guerrilha (Virgínio Briote / Carlos Vinhal)


1. Mensagem do Virgínio Briote:

Caro Carlos,

Foi com muito gosto que li a história da Pami Na Dondo. Tive conhecimento do livro através do nosso blogue (1). Contactei o Mário Fitas, que gentilmente mo ofereceu. Uma obra escrita com muita sensibilidade, com abundante recurso ao crioulo, perfeito e gostoso. Como se os estivesse a ouvir falar. Os acontecimentos relatados atravessam a mata e o aquartelamento. E ajudam à nossa reconciliação com os nossos camaradas do PAIGC.

Até hoje, uma boa parte das obras escritas por camaradas nossos relatam acontecimentos tendo por base intervenções operacionais. O que não estamos muito habituados a ler é obras com vistas de um lado e outro, que, embora ficcionadas, vendo bem até não o são muito.

Parabéns ao Mário Fitas pela obra feita.

Um abraço aos camaradas tertulianos,
vb

2. Mensagem de Carlos Vinhal:


Caro Mário Fitas (Mário Vicente, autor do livro Pami Na Dondo)

Acabei de ler o teu livro e, como te prometi, vou tentar dar a minha modestíssima opinião.

No que toca à ficção, achei-o uma ternura. Soubeste tirar partido duma personagem que, sendo prisioneira de guerra, ao tentar perceber, como observadora, os nossos sentimentos e a nossa visão sobre uma guerra que não queríamos, acabou por ter um papel sublime ao gerar, por violação, um filho de um inimigo.

Pami Na Dondo acabou por recuperar a sua liberdade, graças a esta gravidez e à homenagem que um combatente português quis prestar à memória de um seu camarada e amigo, pai acidental, morto em situação de combate. Vida gerou vida, mesmo antes do destino cruel que era a morte no campo de batalha. Sentimentos de ódio, amor, interesses materiais e instintos de sobrevivência, misturam-se numa realidade por nós vivida nos nossos viçosos vinte anos. De um lado e do outro se sofreu. Uns como ocupantes, outros como ocupados lutando pela sua liberdade.

No que toca à divulgação das características geográficas e das populações do nosso ex-território que foi a Guiné, está muito bem descrito sem ser exaustivo, não era essa a intenção. Fiquei com conhecimentos que não tinha.

Finalmente, no que à vivência dos nossos militares, em teatro de guerra, diz respeito, está narrado de uma forma sucinta que não impede contudo que seja retratada a realidade, por nós demais conhecida. Quem lá esteve, sabe que era assim. Quem não esteve, fica a saber como era.

Peço desculpa por não conseguir ser mais explícito, mas mais não consigo dizer. Parabéns pelo resultado, pelas horas de prazer que me foram proporcionadas e por tornares possível reviver tempos quase imemoriais.

Recebe um abraço do camarada e admirador, Carlos Vinhal.

_________

Nota de C.V.:

(1) Vd. post de 2 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1911: Bibliografia de uma guerra (19): Pami Na Dondo, guerrilheira do PAIGC, o último livro de Mário Vicente (A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - P1925: O meu reencontro com o Arsénio Puim, ex-capelão do BART 2917 (David Guimarães)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xitole > 1970 > O Padre Puim, capelão militar, açoriano, da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) com o furriel Guimarães da CART 2716.

Devido às suas homílias, este capelão teve problemas com o comando do seu batalhão que o terá denunciado à PIDE/DGS. Acabou por ser preso e expulso do Exército, no início de 1971, tal como outros (o caso talvez mais famoso foi o do Padre Mário da Lixa, membro da nossa tertúlia).

Infelizmente, é a única foto que possuímos do ex-Padre Puím, hoje enfermeiro no Hospital de Ponta Delgada, casado e pai de filhos, segundo a informação que me chega através do David Guimarães e do Abílio Machado (1).

Foto (e legenda): © David Guimarães (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: BLogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Excerto da mensagem de David Guimarães, de 21 de Maio último (1), e a que ele deu um título bonito: Cartas a tocar os tempos de guerra, Cartas de amigos que se vão encontrando e crescendo:


Um camarada muito especial, o capelão Puim


por David Guimarães


Explorando os contactos de tantos ex-camaradas que fizeram parte do meu batalhão (BART 2917) e da minha companhia (CART 2716) (2), encontrei um que era especialíssimo, até pela arma a que pertencia, o serviço religioso... Estou-me a referir, naturalmente, ao nosso querido Capelão...

Havia uma fotografia em que estava eu e ele no Xitole [vd. foto acima]: pedi a Durães para lhe enviar. Então o Durães disse-me:
- Olha, envia-lhe tu que é mais correcto e ele ficará contente.

Efecticamente o Durães tinha razão. Em 3 de Abril último, depois de praticamente só ter enviado a fotografia pelo Durães, dei um aceno de existência ao ex- Capelão, tendo recebido o seguinte Mail:

Guimarães:

Obrigado pelo email e a fotografia, que já recebi anteriormente [Tinha-he enviado o Durães a meu pedido].

Gostei de saber que a Companhia do Xitole [, a CART 2716,] vai reunir em Fátima. Pensando ir a Lisboa, não irei a tempo de apanhar o vosso encontro. Gostaria, porém, de saber o endereço completo da casa onde este vai decorrer, assim como a
confirmação do dia e hora, para vos mandar uma mensagem.

Que fim levou a malta de Mansambo [, CART 2714,] e Xime [, CART 2715]?

Um grande abraço,
Arsénio Puim


Escrevi assim para os Açores em 4 de Abril:

Olá, meu caríssimo bom amigo (CAPELÃO). Não deixará de o ser para nós, pois a estima nunca nos faltou, e falo em nome de quase todo o Batalhão, disso aposto...

Bom, vamos responder: Restaurante Santa Luzia, Rua de Santa Ana nº 3, junto mesmo à Basílica, parte de trás, ala esquerda... O almoço está marcado com inicio às 13,30...

Uma Mensagem de Puim será por certo o melhor acontecimento, sendo certo que não chegando poderá enviar para mim por aqui, que mesmo eu a proclamarei lá com todo o gosto e em bom som...

Todos os anos vem sempre á baila o Padre Puim... O Cap Mil Espinha de Almeida [, cmdt da CART 2716,] fala sempre em si... Emfim, ainda bem que estamos aqui assim, de mãos dadas, como sempre afinal e passados 30 anos falamos das mesmas coisas... Somos muitos e amigos...

Sabendo que não pode estar (é natural), havemos de construir uma ponte até aos Açores. Creio que em 9 de Junho lá estará em Setúbal, eu também lá irei... Tenho que ir matar as saudades com os camaradas da CCS. Creio que também se irão juntar alguns elementos da CCAÇ 12, aquela Nativa que estava afecta ao Batalhão...

Quanto a Mansambo e Xime... O Xime tem-se reunido de dois em dois anos, creio...Tenho que os encontrar e agora estamos a fazer tudo para isso... Em relação a Mansambo teremos que tomar as mesmas acções. O meu sonho é juntar o Batalhão um dia, pelo menos os ex-quadros... O Durães está empenhado tanto quanto eu, pois eu meti-o ao barulho...

Em 2001 fui à Guiné e, sabe, valeu a pena... reconciliar com o passado maldito e abraçar aqueles que tinham combatido contra mim. Vale a pena, valeu a pena mesmo. Foi uma óptima terapia....

Entretanto no dia 28 [de Abril de 2007] vamos reunir as pessoas que escrevem no blogue de que já tem conhecimento [, Luís Graça & Camaradas da Guiné]. É 2º Encontro, é apaixonante mesmo...

Quero um dia morrer e saber que o lucro que tive na sangrenta guerra foram todos estes amigos que ora partilham comigo os mesmos sentimentos - amizade e solidariedade. Aí estará o nosso valor divino, a partir daí não servimos para mais nada ou para pouca coisa...

Um abraço e até sempre

Aproveito para lhe desejar uma óptima Páscoa na companhia daqueles que mais ama - mulher e filhos.

David Guimarães


2. Comentário do editor LG:

Meu querido amigo e camarada David:

Convivi pouco com o capelão Puim. Já não ia missa nessa idade, e muito menos na Guiné, em Bambadinca. Além disso, a malta da CCAÇ 12 tinha uma intensa actividade operacional, ao serviço do comando do do batalhão, sobrando pouco tempo para conviver com a malta da CCS. 

Levei-o, a ele, Puim, uma vez, numa das nossas colunas logísticas ao Xitole, a ele e à mulher do Carlão... (Ainda me recordo de a ver, de camuflado, e de sapatos de salto alto, vermelhos, à guarda do angélico Puim... Não sei se te recordas: o Carlão era um dos alferes da CCÇ 12, estando na altura destacado no reordenamento de Nhabijões... Alguém se recusou, por razões de segurança, a levar a mulher do Carlão. Deve ter sido o comandante da coluna, um dos nossos alferes ou o talvez Beja Santos, do Pel Cal Nat 52, já não me recordo ao certo... Julgo que a coluna ia mesmo até ao Saltinho. Já não tenho a certeza se ela acabou por ir ou por ficar. O Puim foi dessa vez, e terá sido essa uma das quatro vezes que ele te visitou, no Xitole)...

Bom, hoje estou arrependido de nunca ter ouvido uma homilía do Puim, mesmo por simples curiosidade intelectual, por solidariedade humana ou por camaradagem... 

Na altura, eu achava que todos os capelães militares eram escolhidos a dedo e estavam bem integrados no sistema. Não me dei conta que os efeitos devastadores da guerra também afectavam os homens encarregues de zelar pelo conforto espiritual dos nossos combatentes. 

Além disso, o Concílio Vaticano II mexeu profundamente com a Igreja (ultraconservadora) que nós conhecíamos, desde o nosso tempo de meninos e moços... Claro, eu tinha ouvido falar do Padre Mário de Oliveira, o Padre Mário da Lixa, também expulso do exército dois anos antes. (Esteve em Mansoa, ali perto de nós, mas só vim a conhecê-lo, pessoalmente em 1976, no dia do meu casamento, civil, em Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Caneves.)

Por outro lado, as autoridades militares de Bambadinca e a polícia política fizeram a coisa discretamente, pela calada... Poucos de nós, deram conta do que se passou, no início do ano de 1971 em que ele foi preso e levado de helicóptero para Bissau ... 

Em retrospectiva, tenho que considerar o Puim como um homem bom, vertical, coerente e corajoso, talvez o melhor de todos nós, não obstante o seu ar frágil, de menino de coro... Já não me recordo, mas tivémos seguramente conversas, no subversivo bar de sargentos, a respeito do que se passou, na altura, já que o Machado era seu e nosso amigo...

O texto do Abílio Machado, já aqui publicado (1), fez-me aumentar a minha admiração por ele: "A coragem de um padre que não abdicou de o ser lá onde era o seu sítio: o altar"... 

Poucos de nós tiveram tomates para tomar as posições que ele tomou: refiro-me àqueles de nós, como eu, que eram contra a guerra mas que a fizeram...

David: Faço questão que ele integre, de pleno direito, a nossa tertúlia... Se não te importares, faz-lhe chegar o meu/nosso convite... Infelizmente não tenho aqui o mail dele.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de:

17 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1763: Quando a PIDE/DGS levou o Padre Puim, por causa da homília da paz (Bambadinca, 1 de Janeiro de 1971) (Abílio Machado)

(...) O exemplo do padre Puim - já não é padre: quem o é nos tempos de hoje? Uma instituição caduca! – é o paradigma do que poderiam ter feito naquela situação. E não o terão pensado?

"O Puim. Outro exemplo impressivo. Memória perene. Porque há actos que, por dolorosos, queremos rejeitar, mas pelo exemplo não podemos esquecer. E ficam-nos como um padrão, ou uma tatuagem, ou um ferrete. Recortados no horizonte ou cravados na carne a frio são uma referência ou uma lembrança.

"A coragem de um padre que não abdicou de o ser lá onde era o seu sítio: o altar. Já corriam, porventura trazidos pela brisa que, vinda de certa Casa ribeirinha (4), se espalhava às vezes serena, às vezes inquieta pela parada do quartel, uns ditos de que o padre Puim se desmandava nas homílias.

"Os textos, ditos ou escritos, não eram visados pelo lápis azul. O Puim saberia disto? Não vou revelar o que penso, não quero ser inconfidente… E choveram relatórios para Bissau, por certo. Alguém que era regular nas missas.

"E chegou o dia 1 de Janeiro – Dia Mundial da Paz. Ainda é ? Era-o em 1971. Ao que me disseram (eu não ia à missa : as minhas missas com o Puim eram grandes conversas, edificantes, pela noite fora), o Puim falou sobre a Paz.

"Nessa semana, à socapa – houve um silêncio quase opressivo ou é efabulação minha? - aterrou uma DO. Alguém, discreto, fez-me chegar a nova de que algo se passava com o Puim. Fui ver. Encontro o Puim, sentado na cama, nervoso mas determinado, olhando uns sujeitos que impiedosamente lhe desmantelavam o quarto descarnado, de asceta, à cata de … Abriam, fechavam gavetas, apressados … Acabei retirado do quarto.

"E levaram-no com eles . Vi-o passar. Parecia mais sereno . Chegou-nos que teria sido mal tratado em Bissau, até pela própria Igreja. E que teria sido exilado para a sua terra: haverá coisa pior? Um exílio no próprio chão que o viu nascer?

"Ninguém é profeta na sua terra nem fazem milagres os santos que conhecemos. Mais tarde soubemos que estava de facto nos Açores. E que despira o hábito … Mas abraçara outro sacerdócio … A igreja será agora o Hospital de Ponta Delgada" (...) (3).


(2) Vd. post de 5 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1924: Convívios (20): CART 2716 (Xitole, 1970/72), em Fátima, no dia 26 de Maio último (David Guimarães)

(3) Também já aqui falámos de um outro capelão militar que deixou o sacerdócio: vd. post de 29 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1471: O tenente miliciano capelão Mário Oliveira, Catió. BCAÇ 2930 (Amaral Bernardo)

(...) "Luís: Só um esclarecimento: O Mário de Oliveira que está com o Mário Bravo não tem nada a ver com o Padre Mário de Oliveira da Lixa. É o capelão da CCS do BCAÇ 2930, sediada em Catió, sede do batalhão, a que ambos pertencemos" (...).

(4) Se bem entendo a linguagem sibilina do Machado, não terão sido os militares mas um civil, comeciante local, branco, com casa na tabanca ribeirinha de Bambadinca, a denunciá-lo à PIDE/DGS... 

A ser verdade, tratava-se de casa frequentada, com alguma regularidade, por alguns de nós, milicianos, apreciadores do famoso Chabéu de Galinha, que a esposa, africana, fazia divinamente... Constou-me até que a pessoa em causa foi acusada de ser bufo da PIDE/DGS, depois do 25 de Abril... Terá inclusive sido presa, não sei se ainda na Guiné se já cá, na Metrópole... Espero que nada disso tenha sido verdade...

Guiné 63/74 - P1924: Convívios (20): CART 2716 (Xitole, 1970/72), em Fátima, no dia 26 de Maio último (David Guimarães)

Setáubal > 9 de Junho de 2007 > 1º Encontro da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) > O David Guimarães (CART 2716, Xitole, 1970/72), ladeado por dois camaradas do mesmo batalhão a que pertenciam ainda as CART 2715 (Xime) e 2714 (Mansambo) .

Foto: © Benjamim Durães (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem do David Guimarães, com data de 21 de Maio último, que por lapso só agora é divulgada através do nosso blogue. Julgamos que não perdeu oportunidade, embora o seu impacto fosse maior se tivesse chegado, a tempo, a todos os seus potenciais destinatário, nomeadamente antes do encontro do pessoal da CART 2716 (Xitole, 1970/72) e da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) e unidades adidas (CCAÇ 12, Pel Caç Nat 63, Pel Caç Nat 52, Pel Rec Daimler 2206, etc.).

Ao David, as nossas explicações (esfarrapadas) e sobretudo as nossas desculpas sinceras. Sabemos que ele - o tertuliano nº 3 - ficou um pouco triste pelo nosso esquecimento... O Carlos Vinhal já lhe explicou que houve um lapso nosso, devido à mudança de e-mail, à entrada dele como co-editor, à falta de tempo do editor, etc. ... Mas vamos reproduzir aqui a mensagem do David e dar a notícia (sumária) do 11º encontro da CART 2716. (CV/LG).


Carta abaixo foi escrita e dirigida aos camaradas da CCS do BART 2917 bem como aos camaradas da CART 2716:

por David Guimarães


Eu tinha encontrado o Durães... Depois ele fez-me encontrar o resto do pessoal ...E mais encontrarei, pela certa...


Porto, 16 de Fevereiro de 2007

Bom meus amigos, cumpre-me fazer um pedacinho de propaganda àquilo que vamos fazendo em matéria de convívios. Quer dizer, da nossa guerra sobrou isto essencialmente: a amizade.

Tivemos todos problemas e alguns desentendimentos pontuais - mas porque não os haveríamos de ter se todos éramos humanos ? ! Mas sobretudo saldou-se por uma coisa importante - a solidariedade, a amizade que, enfim, sempre se vai consolidando com estes encontros em que todos damos as mãos, nos vamos reconhecendo dentro das nossas caras mais amadurecidas pelo tempo, mas mais dóceis pela vida...

Este é o 1º Encontro da CART 2716 (Xitole, 1970/72) do BART 2917... Sei que a CART 2715 (Xime) também faz estes encontros e disseram-me que bi-anuamente... Da 2714 (Mansambo) não tenho informação. Tenho um sonho, e tudo farei para que isso aconteça - unir um Batalhão em confraternização dado que a guerra foi a mesma e os nossos postos eram... SOLDADOS.

De resto, a única frase que gostei ouvir da boca do General Spínola nos seus afamados discursos de boas vindas aos militares, era esta mesmo... Em Brá, ele disse: Soldados, eu conheço-vos a todos... Ele conhecia de uma certa maneira, até entendo o discurso mais conveniente para ele, nós conhecemos-nos assim com mais autenticidade e fraternidade.. O meu voto é irmos pensar em unir tudo.

Ainda bem que no dia 9 de Junho próximo vai estar reunida a CCS do nosso Batalhão (1). Avisou-o Durães e lá estarei, claro (e creio que para estas coisas nãos será preciso convite, aparece-se e pronto). Entretanto e da lista de nomes e contactos que apanhei da CCS, já a quantos não lhes telefonei só para dizer: Que bom te ter encontrado!.... E afinal ninguém se esqueceu de ninguém. Isso importa mais que tudo... e é isso que importará mais a todos, pois prevalece a solidariedade e a amizade.- O resto passou....

David Guimarães

Ex- Furr-Mil At Art e Minas e Armadilhas
CART 2716 - XITOLE

2. Notícia: 11º Convívio da CART 2716
Companhia de Artilharia 2716, Guiné (Xitole, 1970/1972) .

No dia 26 de Maio de 2007 realizou-se o 11º Convívio, em Fátima, com início às 10h. O almoço foi no restaurante Santa Luzia.

Para o futuro aqui os contactos da malta que organizou o convívio de 2007:

Santos > 229 812 148º
Faria > 252 042 314
Rodrigues > 229 517 464
Guimarães > 227 345 236

__________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 13 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1843: Convívios (16): O 1º encontro da CCS do BART 2917, em Setúbal, 9 de Junho de 2007 (Jorge Cabral)

Guiné 63/74 - P1923: Tabanca Grande (23): Luís Nabais, ex-Alf Mil, CCS do BCAÇ 2885 (1969/71) e membro da ADFA

1. Mensagem de Luís Nabais, que passa a ser um novo membro da nossa tertúlia, ou melhor, Tabanca Grande, onde cabem todos, amigos e camaradas da Guiné:

Meu caro Luís:

Por intermédio do César Dias (1), tomei conhecimento do blogue, e cá estou.

Também estive na Guiné, de 1969 a 1971, no Batalhão de Caçadores 2885, Mansoa.


Sou um Ex Alf Mil da CCS do Batalhão, exercendo como oficial de justiça, e tive a meu cargo todos os processos, além daqueles mais tristes, de baixa em combate.


Dei aliás já uma achega sobre o Alf Martinez do Infandre, aquando da célebre emboscada de que fala o César Dias. Eu estava em Mansoa aquando da emboscada que fez os mortos no Infandre (2).
Eu fui lá pouco depois… Como Oficial de Justiça, fiz os processos…(lamentavelmente fáceis, já que, em caso de morte, bastava juntar uma cópia da operação…e dizer que morreu)!!!

Talvez possa ajudar o Afonso M. F. Sousa com pormenores…desagradáveis de ouvir, por certo.

Faço parte da ADFA, onde tomei conhecimento de UMA morada... Será, entretanto, que não há mais gente do Batalhão que dizia “Nós Somos Capazes”? E reuniões tem havido?Nunca soube…

Presentemente, apesar de reformado, continuo na ADFA (de que sou membro). Fica o meu mail: nabais.luis@gmail.com. Mando-te uma foto actual e outra tirada em 1969, em Mansoa.

Abraço a todos.

Luís Nabais

2.Mensagem de boas vindas do co-editor Carlos Vinhal:

Caro Luís Nabais:

Estou a receber-te, na nossa Tabanca, em nome do Luís Graça, restantes tertulianos ex-militares e tertulianos amigos da Guiné-Bissau, logo nossos amigos. Todos formamos a família que irás conhecendo aos poucos, mas podes saber muito mais de nós e da nossa conduta em www.ensp.unl.pt/luis.graca/guine_guerracolonial_tertulia.html

As regras são simples. Acima de tudo respeitamos as ideias de cada um, protegemos a propriedade intelectual, deixamos a política na Parada e essencialmente gostamos de falar dos nossos tempos da Guiné. Por terapia ou pelo prazer de contar estórias, escrevemos o que queremos e como sabemos. Se possível ilustramos com aquelas fotos que até há bem pouco tempo pareciam uma inutilidade.

Por agora e em nome de todos, sê bem-vindo.

Recebe aquele abraço fraterno dos camaradas e amigos da Tertúlia do Luís.

Carlos Vinhal

Carlos Vinhal
Leça da Palmeira
Telem 916032220
Ex-Fur Mil Art MA
CART 2732/Mansabá
CTIGuiné 1970/72

E-mail (1) luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com

E-mail (2) carlos.vinhal@oniduo.pt

3. Comentário de L.G.:

Encantado, caro Luís. Eramos vizinhos e da mesma época. Com a tua formação e experiência jurídicas, virás de certo enriquecer o nosso blogue. Quero que te sintas à vontade para contar as tuas estórias, mesmo que possam ser duras de ouvir... Por outro lado, podes e deves utilizar as nossas páginas para divulgar o papel e os serviços da ADFA -Associação dos Deficientes das Forças Armadas (eu trabalho ao lado da tua sede, na Av Padre Cruz, na Escola Nacional de Saúde Pública, que fica, por sua vez, junto ao Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge; um dia destes, podemos encontrar-nos).
__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de:

30 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1472: Sobrevivente do BCAÇ 2885 (Mansoa e Mansabá) (César Dias)

1 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1557: No regresso éramos menos 32 (César Dias, CCS do BCAÇ 2885, Mansoa, 1969/71)

3 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1643: A morte do 1º cabo José da Cruz Mamede, do Pel Caç Nat 58 (3): 10 mortos em emboscada com luta corpo a corpo (César Dias)

(2) Vd. post de 3 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1642: A morte do 1º Cabo José da Cruz Mamede, Pel Caç Nat 58 (2) : Em Infandre, a 13 km de Mansoa (Afonso M. F. Sousa)

"1 comentário:

"Luis Nabais disse... Salvo erro, o Alf Mil que comandava o INFANDRE era o Martinez. Um gajo à maneira, que foi proposto para louvor pelo Ten Cor Chaves de Carvalho (comandante do BCAǪ 2885), e posteriormente louvado pelo Com-Chefe da Guiné. Luis Nabais (Ex Alf Mil Mansoa)" (...)

quarta-feira, 4 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P1922: Tatuagens (1): Sangue, suor e lágrimas (Tino Neves)

Cova da Piedade / Almada > Constantino Neves > Braço tatuado: "Guiné 15-11-69"

Foto: © Tino Neves (2007). Direitos reservados.

Texto do Tino Neves , ex-1º Cabo Escriturário, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego (Gabu), 1969/71:

1. Mensagem do Tino Neves:

Olá camaradas, Luís e Vinhais:

Não venho desta vez contar propriamente uma estória, mas sim lançar mais um assunto. As tatuagens (1).

Para além de actualmente estar muito na moda fazer, ter e mostrar o seu corpo tatuado, nos anos 60 e 70, também, e principalmente os ex-Combatentes, se tinha por hábito/costume, fazer tatuagens. Julgo eu que a razão principal não era só por moda. A tatuagem, para os nossos camaradas que fizeram a guerra do Ultramar, era assim como uma espécie de selo, uma marca do seu estado de espírito na altura (... mas também um sinal da sua passagem por África e pela guerra, para que mais tarde todos vissem, na Metrópole, por onde eles passaram e o que passaram).

Achei, portanto, que seria um tema interessante para o nosso blogue, não só para que comentem as minhas afirmações anteriores, se estarão correctas ou não, ou se haverá outras razões [para explicar o fenómeno], que julgo que sim.

Desde 1970 até aos nossos dias, tenho visto tatuagens lindas e bem feitas, outras não tanto (estou a referir-me somente a tatuagens feitas durante 1963 /74, relacionadas ao que normalmente se fazia na altura em comissão de serviço no Ultramar).

Daí eu fazer o desafio/pedido para que enviem as imagens das vossas tatuagens, e comentá-las se possível, pois tenho a certeza que vamos ter uma grande colecção delas e com comentários interessantes.

E, para iniciar, envio a minha, que é muito simples, e que vou comentá-la:

O meu Batalhão desembarcou em Bissau no dia 15/11/69, e só no dia 22/11/69 se iniciou a sua deslocação para Nova Lamego (Gabú). Nesses dias que fiquei em Bissau, fui visitar um amigo pára-quedista, e logo nesse dia, ao apresentar-me um seu camarada, que na altura estava a fazer uma tatuagem, eu comentei que gostaria também de fazer uma e ele de pronto ofereceu para ma fazer.

Eu só quis que apenas escrevesse GUINÉ e por baixo a data da chegada à Guiné (15-11-69), até porque na altura não tinha tempo para fazer uma mais elaborada.

Durante a Comissão não fiz mais nenhuma, em parte porque esta ficou um pouco mal feita, não só o grafismo mal desenhado e com poucas picadas de tinta da china, como duas das picadas terem infectado (Como devem lembrar, elas eram feitas com uma simples agulha de coser, molhadas num tubo de tinta da china e espetadas na pele). Não havendo muita perícia nesse manusear de agulha, por vezes entrava pela carne dentro e fazia sangrar.

Sem mais

Um abraço

Tino Neves
Almada

2. Comentário de L.G.:

Fico entusiasmado como o repto ou desafio lançado pelo Tino Neves. As tatuagens feitas no tempo da guerra colonial não têm - segundo julgo saber - a sofisticação, a técnica, a perícia, a estética, a arte das actuais tatuagens que se podem ver nos corpos dos nossos jovens. Algumas são verdadeiras obras-primas. Ontem como hoje, o seu significado sócio-antropológico é (pode ser) muito rico. Daí o reforçar o pedido do Tino Neves: descrevam as vossas tatuagens, mandem-nos fotos, digam-nos como e quem as fazia, quanto pagavam, quais as vossas motivações... Lembro-me sobretudo dos dizeres de algumas: "Guiné... Sangue, suor e lágrimas" (uma das mais populares), "Amor de mãe", "Amor de pais", "Tu & eu"... Figuras (poucas): corações com setas para simbolizar a paixão e a fidelidade...

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Nota de L.G.:

(1) Páginas sobre este tópico:

Wikipédia > Tatuagem

Tattoo Br > Tatuagem no Brasil

Guiné 63/74 - P1921: Pensar em Voz Alta (Torcato Mendonça) (6): Vidas, tantas vidas!

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 > 1968 > Fotos Falantes II > 31 > Alf Mil Torcato Mendonça e o seu papagaio amestrado.

Fotos: © Torcato Mendonça (2007). Direitos reservados.



O 1900, por Torcato Mendonça

Caro Luis Graça: Lembrei-me de te dar os parabéns (1). Os dias passam, os assuntos empurram-me de um lado para o outro e nada. Hoje li o post do jovem, transportado, quando tinha dez ou onze anos até ao Ultramar (2). Pois é, pois é… daqui se conclui que, se a História tivesse sido bem ministrada, hoje, os que lá não foram, teriam uma visão diferente. Repito-me mas digo: nós (povo português) nunca fizemos o ajuste de contas com o passado. Mesmo com o que se passou após o 25 de Abril. Por isso estamos como estamos. Não é qualquer tomada de posição politica. Isto é transversal a toda a sociedade; concordemos, discordemos, sejamos indiferentes. Procuro escrever do modo mais simples possível, não tomar qualquer posição aqui (é-me estatutariamente vedado). Só que, a memória está a ser relatada de forma diversa, em busca da verdade, com tolerância, de forma aberta e despretensiosa. Pode haver excepção. Claro, se há regra… mas cada vez há mais pessoas, mais gentes a lerem, a informarem-se, a reflectirem sobre o tema. Não sinto qualquer complexo em pertencer á geração dos últimos Guerreiros do Império, para uns ou aos tipos que entregaram as Províncias Ultramarinas ou uma parte da Pátria ao inimigo. Admito e respeito as posições. Mesmo as provenientes do raciocínio do absurdo.

Assim:

1º- Recebe os meus parabéns pelo post 1900 (já vai no 1914) e pelos 300 Mil visitantes (hoje 30 mil e seiscentos; mais de mil/dia!? (1). É obra meritória, pelos temas abordados ou tratados e, principalmente para que a verdade seja reposta. As memórias, nas diferentes maneiras de ver e recordar o passado, são descritas por quem as viveu. Está este Blogue a fazer memória futura. Renovo os parabéns!

2º- O trabalho do Editor, do Carlos Vinhal, de outros colaboradores mais directos tem sido fantástico. Seleccionar, tratar, publicar n textos e fotos diariamente é um trabalho de loucura. Só encontrei, melhor, fizeram encontrar-me o site, há um ano e pouco. Sinto contudo as diferenças. Além disso quem esteve em África, de um modo geral, não esquece a terra, os cheiros, as Gentes e a magia gerada que, a nós Europeus, ao princípio se estranha mas depois se entranha (como outro dizia) para sempre.

3º- O Jorge Cabral (3). São textos magníficos, são obras de arte em crítica com bonomia, com humor, com alívio de tensões a uma guerra estúpida, como todas, que é aqui relatada, a maior parte das vezes com um dramatismo enorme, real contudo, que nos transporta facilmente ao passado então vivido naquela terra. Ele viveu igualmente mas, com os seus escritos, alivia tensões, alegra-nos e, por momentos encaramos a realidade de outra maneira. Se estiveres com ele, dá-lhe um abraço meu, um bem-haja pelo que escreve. Eu leio e releio. Ele disse-me, em Pombal, que meia Tabanca de Fá está na periferia de Lisboa. Quantos Cabrais andarão por lá… se calhar…? Brinco… só que o meu desejo é continuar a ler os escritos do Homem de Fá.

4º- Uma das riquezas deste site, além dos temas tratados, é a diversidade, a diferente forma de descrever, quantas vezes a mesma situação. Os posts, a bold, são óptimos e tão diferentes. O Vitor Junqueira (4) tem uma forma forte e vigorosa de escrever. Deu-me com este texto, disse-o na altura, o conhecer um homem diferente do que, até aí, imaginava. O Virgínio Briote (5) com este texto fez-me parar no tempo, voltar a um passado, não da Guiné, mas talvez com ela relacionado. Depois de o ter lido, fiquei quieto a mente a retroceder… depois abri as Minhas estórias do José, procurei a Matilde, nome fictício, porque o Briote falava nesse nome, li o que escrevera então e, como não tenho a certeza, envio-te para, se um dia tiveres dois minutos, passares os olhos.

Há vidas … há tantas vidas! Perdemos parte dos nossos verdes anos, dos nossos amores e desamores. Talvez tenhamos perdido algo mais e, porque não, ganho também qualquer coisa.
Breve nota - Li agora o 1916. O Leopoldo Amado (6) merece o meu respeito, admiração e fiquei tremendamente feliz com o seu Doutoramento. Por ele, por quem lhe é querido, por todos os meninos das Tabancas do meu tempo. Por aquele Povo, pelo meu Povo, pois com ele a História será o relato em verdade do que se passou, principalmente entre 63/74.

SÓ. Simplesmente SÓ isto.

Torcato Mendonça

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Notas de L.G.:

(1) Vd.post de 1 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1905: Blogoterapia (22): Mais de 1900 posts, mais de 300 mil visitas (Luís Graça / Carlos Vinhal)

(2) Vd. post de 25 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1881: Estórias de vida (1): N.R., aliás, Nuno Rodrigues, nascido em 62, filho de sargento do BCP 12, aluno do liceu Honório Barreto

(3) Vd. post de 29 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1900: Estórias cabralianas (25): Dois amores de guerra e uma declaração: Não sou pai dos 'piquinos Alferos Cabral' (Jorge Cabral)

(4) Vd. post de 31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1475: A chacun, sa putain... Ou Fanta Baldé, a minha puta de estimação (Vitor Junqueira)

(5) Vd. post de 18 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLV: Teresa: amores e desamores (Virgínio Briote)

(6) Vd. post de 3 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1916: Álbum das Glórias (16): O Doutor Leopoldo Amado... ou a segunda derrota de Spínola (João Tunes)

Guiné 63/74 - P1920: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (A. Marques Lopes / António Pimentel) (3): O mítico Morés

Guiné > PAIGC > 1970 > O repouso dos guerreiros, algures numa zona libertada (que até poderia ser o Morés) . A foto original (entretanto editada por nós) é do repórter fotográfico húngaro Bara István (n. 1942), que acompanhou a guerrilha do PAIGC em 1969 e 1970, em Conacri e nas matas da Guiné (em circunstâncias que, em todo o caso, não conhecemos). Já o tentámos contactar por e-mail, mas até agora em vão, para obtermos autorização para divulgação de mais fotos da sua fotogaleria que funciona como uma espécie de montra do seu actual estabelecimento de fotografia e artigos fotográficos, sito em Budapeste.

Fonte / Source: Foto Bara > Fotogaleria (com a devida vénia / with our best wishes...)





Guiné > PAIGC > Morés. In: O Nosso Primeiro Livro de Leitura, p. 34-35. Departamento Secretariado, Informação, Cultura e Formação de Quadros do Comité Central do PAIGC > 1966

Fotos: © A. Marques Lopes / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.

1. Comentário de L.G.: Não sei quem é o autor dos textos deste manual escolar. Mas vê-se que há aqui o dedo do próprio Amílcar Cabral que amava a sua terra e as suas grandes florestas, como engenherio agrónomo que era, formado em Portugal, no prestigiado ISA - Instituto Superior de Agronomia, da Universidade Técnica de Lisboa, entre 1945 e 1950.

Nesta lição fala-se do mítico Morés, na região do Oio, um dos santuários do PAIGC, e um das regiões que mais resistiu à estratégia de pacificação das autoridades portuguesas, nomeadamente no tempo da I República, entre 193 e 1915, sob o comando do famigerado Capitão Diabo (2).

Há alguns textos, no nosso blogue, que falam do Morés, das gentes e da organização do PAIGC e da contra-ofensiva das NT na região. Era um nome que impunha respeito às NT. Em todo o caso, deve dizer-se que, no interior da Guiné, não se podia falar, tecnicamente, em santuários impenetráveis às NT. Todavia, só com grandes efectivos e tropa especial (páras, comandos, fuzos) é que se ia, uma vez por ano, no tempo seco, a determinadas regiões que o PAIGC considerava como libertadas... Eram regiões de difícil acesso por terra, devido à existência de floresta-galeria, rodeada de cursos de água, bolanhas e lalas... Todo o resto do ano, essas regiões eram, quando muito, bombardeadas pela artilharia e pela aviação (no caso do Morés, com napalm, inclusive, documentada na fotogaleria do Bara István) (3).

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post anteriores:

29 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1899: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (A. Marques Lopes / António Pimentel) (1): O português...na luta de libertação

1 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1907: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (2): A libertação da Ilha do Como (A. Marques Lopes / António Pimentel)

(2) Vd. post de 20 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1615: O Capitão Diabo, herói do Oio, João Teixeira Pinto (1876-1917) (A. Teixeira Pinto)

(3) Vd. posts de:

31 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74: CCLIX: Estórias do outro lado: Ana, a enfermeira do Morès (Virgínio Briote)

31 Outubro 2005 > Guiné 63/74 - CCLX: Ana/Siga ou as mulheres do PAIGC de que nunca se fala (Virgínio Briote)

6 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1154: O baptismo de fogo de um paraquedista e a morte de uma enfermeira no corredor do Morés (Victor Tavares, CCP 121)

17 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1533: De regresso a Bissorã: Uma viagem fantástica (Carlos Fortunato)

(...) "Mito e realidade do Morés:

«Penso que a função deste aquartelamento, em Braia, era fundamentalmente defensiva, pois assegurava que a ponte não era destruída, e também dava proteccção à zona entre a ponte e Mansoa, pois o rio Braia dificultava a fuga aos guerrilheiro que actuassem nessa zona. Este sistema defensivo permitia que, entre Braia/Infandre e Bissorã, o PAIGC podia facilmente movimentar-se, pois não existia (naquela altura) mais nenhum quartel entre Braia/Infandre e Bissorã, e colocava Braia/Infandre na linha da frente. Infandre gozava do apoio das armas pesadas de Mansoa, e mais tarde também de Bissorã, e poderia ser socorrida por Mansoa, que ficava a pouca distância.

"Na estrada que seguia para Bissorã, depois de Infandre, tínhamos do lado direito da estrada, a uns 10 Kms, o Morés, onde estava o QG do PAIGC para a zona norte, era um dos seus santuários, e era considerado zona libertada; do lado esquerdo da estrada, tínhamos o Queré, nele existia um bigrupo, reforçado com uma unidade de artilharia (60 a 80 guerrilheiros).

"Na altura o que se pensava do Morés, era que existiam ali estacionados 900 guerrilheiros do PAIGC, nos quais se incluiam cubanos, possuindo armas pesadas (morteiros 82). A CCAÇ 13 foi lá uma vez, com 70 homens, e não ficou com saudades de lá voltar (Operação Jaguar descrita no site da CCAÇ 13 - Os Leões Negros). O que acontecia aos aquartelamentes estacionados naquela zona eram ataques pontuais do PAIGC, e confrontos durante as patrulhas ou operações que fazíamos" (...).

6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1566: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (9): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte II

17 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1603: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (10): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte III (Fim)

19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1611: Evocando Barbosa Henriques em Guileje (Armindo Batata) bem como nos comandos e na PSP (Mário Relvas)

4 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1644: A morte do 1º cabo José da Cruz Mamede, Pel Caç Nat 58 (4): Recordando o mítico Morés (Afonso M.F. Sousa / Carlos Fortunato)

30 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1711: Tertúlia: Apresenta-se o Fur Mil Rui Silva, CCAÇ 816 (Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67)

Guiné 63/74 - P1919: Tabanca Grande (22): Gilda Pinho Brandão, uma nova amiga


Guiné > Região de Tombali > Catió > A Gilda Pinho Brandão, com sete anos, algum tempo antes de vir para Portugal, para uma família de acolhimento.

Foto: © Gilda Brás (2007). Direitos reservados

1. Mensagem da nossa amiga Gilda [Pinho Brandão], com data de 15 de Junho último:

Boa tarde meu Bom Amigo,

Que boa informação esta que acabam de me transmitir Fico muito feliz por saber que tenho mais um familiar interessado em me conhecer[vd. ponto 2].

Peço desculpa de ontem não ter contactado, regressei mais cedo das férias, pois ainda falta uns pequenos detalhes na casa e só conseguimos fazer a mudança definitiva no final da semana que vem.

Não resisto a enviar-lhe uma foto tirada poucos dias antes de vir para Portugal (está um pouco velhota, pois já tem 37 anos em cima) e, como por enquanto não encontro as caixas com os meus álbuns das fotografias, junto uma foto (prova) recente com os meus dois amores [, o meu marido Pedro e a nossa filha], para que nos conheça um pouco mais. Quando estiver instalada na minha casa, envio-lhe uma sozinha, para inserir na nossa Tertúlia.

Portugal > 2007 > A Gilda, o seu marido Pedro e a filha. Foto: © Gilda Brás (2007). Direitos reservados


Os meus contactos são: 967 983 685 [...]; relativamente à morada, prefiro aguardar mais uma semana e envio a morada correcta, a localidade chama-se Abóboda e fica na freguesia de S. Domingos de Rana.

Mais uma vez o meu muito obrigada todos os tertulianos mas, em especial a Si, ao Pepito e ao Dr. Leopoldo, pelo vosso empenho e dedicação nesta busca.

Eu sei que vocês são Amigos e Solidários, senão nunca teriam respondido ao meu pedido de ajuda.

(...) Um abraço com amizade . Gilda


2. Mensagem do Pepito/ AD - Acção para o Desenvolvimento (Bissau), também com data de 15 de Junho:

Amigo Luís:

Desde que li o pedido de apoio da Gilda Pinho Brandão, tentei contactar o meu amigo Engº Carlos de Pinho Brandão, tio da Gilda, o que consegui hoje.

Ele mostrou-se muito sensibilizado em recebê-la em sua casa se ela decidir visitar a família em Bissau. Diz que a reconheceu logo pois é muito parecida com a irmã dela que também está cá.

Para o caso de ela querer falar directamente com ele, aqui seguem os numeros de telefone: 6630623 e 7202781, antecedidos do indicativo 00.245.

O Carlos gostaria de ter os contactos dela (telefone e morada) para o caso de ir a Portugal e poder vê-la.

abraços

pepito


PS - O Carlos contou-me as circustâncias da morte do Adolfo (pai da Gilda), só imagináveis numa situação de guerra.

3. Comentário do editor do blogue: Obrigado, Pepito, pelas tuas diligências. Diz-me só se o nome do pai da Gilda está correcto: Adolfo ou Afonso ? Para a Gilda (e família) vão os nossos parabéns pela sua persistência na procura das suas raízes e da sua família guineense. Seja bem-vinda à nossa Tabanca Grande. Obrigado à malta da nossa tertúlia por, mais uma vez, se mostrar solidária e interessada por este caso que acaba por ter um final feliz...

PS - Afonso (e não Adolfo): já corrigiu o Pepito.
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Nota de L.G.:

(1) Sobre este caso, vd. os seguintes posts:

30 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1798: Região de Catió: Descendentes da família Pinho Brandão procuram-se (Gilda Pinho Brandão)

3 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1811: Vim para Portugal aos 7 anos, em 1969, e não tenho uma fotografia de meu pai, A. Pinho Brandão (Gilda Pinho Brandão, 44 anos)

5 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1817: Catió: Em busca da família Pinho Brandão (Leopoldo Amado / Victor Condeço / Armindo Batata / Gilda Pinho Brandão)

6 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1819: De Catió a Lisboa, de menina a Mulher Grande ou uma história triste com final feliz (Gilda Pinho Brandão / Luís Graça)

10 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1829: Tabanca Grande (9): À Gilda e a todas as vítimas de guerras, discriminação, racismo... (Torcato Mendonça)

Guiné 63/74 - P1918: Blogoterapia (23): Dificuldade em lidar com um turbilhão de sentimentos (Helder Sousa)


1.Mensagem de Helder Sousa (ex-Fur Mil de Transmissões TSF, Piche e Bissau, 1970/72) (1)

Pois então, caros camaradas Editor, co-Editor e todos os outros que, no fundo, enviam o recheio deste saboroso bolo que todos partilhamos, aqui vão os meus sinceros parabéns pelos números que são, de facto, impressionantes, e que já me tinham levado a pensar que, pelo andar da carruagem, não faltará muito em que será quase impossível dar seguimento ao trabalho, pelo menos nos moldes em que se tem desenvolvido.

É que, lembro-me bem, quando acedi pela primeira vez ao Blogue, em finais de Fevereiro de 2007, o número de visitantes já impressionava pois rondava, salvo erro, 195 mil (mais coisa menos coisa) e passados 4 meses cresceu 50 % (assim fosse a nossa economia...).

Isso deve-se ao interesse sempre crescente que o Blogue apresenta, com mais e mais entradas de camaradas e amigos e também de muitos visitantes que ainda não se decidiram a dar o passo de adesão, seja por eventualmente discordarem de alguma coisa (não tenho conhecimento de nenhum, mas admito a possibilidade da sua existência), seja por esperarem a sua hora, seja ainda por alguma dificuldade em superar o turbilhão de sentimentos que o blogue e o seu conteúdo tem o condão de despertar na maioria daqueles que o passam a conhecer.

Por mim, reconheço que não tenho sido muito proactivo, como agora é moda dizer-se, no sentido de enviar para aí material para publicação (se calhar ainda bem, pois já não deve haver mãos a medir...), mas tal deve-se ao facto de, por um lado, não ter sido operacional, logo não ter muitas histórias vividas nas condições que tão bem têm vindo a ser descritas pelos nossos cronistas principais, por outro, porque andei a fazer um curso (desculpem mas não resisto à piadinha, não o pude fazer só ao domingo....) e isso levou-me muito tempo ao pouco tempo de que se dispõe, pelo que só agora por estes dias talvez consiga alinhar uma ideias e enviar-vos alguns aspectos particulares da minha ida para a Guiné e da vida lá passada.

Antes de me despedir e dar os parabéns pelos 300 mil, quero dizer que sim, de facto, passei pelo velório do Zé Neto (3), deixei a minha identificação no Livro de Condolências como membro desta prestigiosa Tertúlia, estive por lá cerca de 45 minutos, na altura não me apercebi da presença de nenhum outro dos nossos camaradas e um bocado antes da saída da urna fui-me embora porque tinha uma reunião de trabalho ali perto e não podia faltar.

Até breve!

Hélder Sousa

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Notas de L.G./C.V.:

(1) Vd. post de 26 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1702: A guerra também se ganhava (ou perdia) nas ondas hertzianas (Helder Sousa, Centro de Escuta e de Radiolocalização, Bissau)
(2) Vd. post de 1 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1905: Blogoterapia (22): Mais de 1900 posts, mais de 300 mil visitas (Luís Graça / Carlos Vinhal)
(3) Vd. post de 31 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1805: In memoriam (1): Adeus, Zé Neto (1929-2007) (José Martins, Humberto Reis, Luís Graça, Virgínio Briote e outros)