sábado, 29 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2695: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (11): Iemberém, uma luz ao fundo do túnel

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez , algures entre Iemberém e Cananime, na margem direita do Rio Cacine > Simpósio Internacional de Guiledje > 2 de Março de 2008 > Visita, da parte da manhã, ao Acampamanto (Baraca) Osvaldo Vieira, de que se fará um detalhado relato em próximas notas desta viagem memorável à pátria de Cabral...

Mas agora que estou a chegar a Imberém, vindo de Guileje, ao fim de hora e meia de jipe, pela picada poeirenta e imprópria para gente com coluna vertebral (1), deixem-me pôr no ar um pequeno microfilme com o Hino da Guiné-Bissau, que um grupo de jovens, de ambos os sexos, pioneiros de qualquer coisa, irão cantar, amanhã, em pleno Cantanhez... Acho que todos os hinos nacionais são um pouco pimbas, românticos, panfletários (desculpem-me os nacionalistas, puros e duros!...), já que só há hinos nacionais porque há/houve Revoluções e Contra-Revoluções ... Mas não posso deixar de acreditar que esta é, para os guineenses, a sua Pátria Amada... Não posso duvidar da sua sinceridade.... Todos precisamos de um cantinho na terra a que chamemos nossa, a nossa casa, a nossa morança, a nossa aldeia, a nossa tabanca, a nossa nossa terra, a nossa pátria... Mesmo que seja pobrezinha. Cantada ao ar livre, sob as árvores seculares e sagradas da floresta do Cantanhez, a letra de Cabral (com música, por encomenda, de um chinoca, maoísta, que nunca terá posto os pés na Guiné) tem algo que me arrepia, ao olhar para trás, para os últimos trinta e poucos anos do pós-independência da Guiné-Bissau... Ao lançar um olhar, crítico, para a terra (Guiné-Bissau, separada de Cabo Verde, os dois ramos do mesmo tronco...), para o Continente (África), para o mundo que herdámos do Séc. XX...

Como está ainda bem longe, Cabral, o ideal por que lutaste e morreste, tu e tantos outros combatentes da liberdade da pátria (é assim que agora chamam, aqui, aos teus guerrilheiros)... Nada que tu não saibas, ou não soubesses já, que a História é fértil em exemplos de efeitos perversos, de Revoluções que devoram os seus filhos... Tudo isto, para te dizer que os jovens do teu país cantam o teu hino com o mesmo fervor do que qualquer outro jovem noutra parte do mundo, em Portugal, em Cuba, na China... Pelo menos os teus sabem a tua letra, e até a música que foi composta pelo Sr. Xiao He.

E ao mesmo há nele, no poema musicado de Cabral, algo que me emociona, positivamente, ao desejar, para estes jovens, e para os seus pais e/ou avós que aqui combateram, nalus, balantas e outros, a tão frágil paz que leva tempo a consolidar e o tão suspirado progresso que não chega, ou que é tão lento, desesperadamente lento, ou só chega para uma meia dúzia de privilegiados, a nomenclatura do poder e do dinheiro... Esta é a nossa Pátria amada Letra: Amílcar Cabral Música: Xiao He (2) Sol, suor e o verde e mar, Séculos de dor e esperança! Esta é a terra dos nossos avós! Fruto das nossas mãos, Da flôr do nosso sangue: Esta é a nossa pátria amada Refrão Viva a pátria gloriosa! Floriu nos céus a bandeira da luta. Avante, contra o jugo estrangeiro! Nós vamos construir Na pátria imortal A paz e o progresso! (repete as três últimas linhas) Paz e o progresso! Ramos do mesmo tronco, Olhos na mesma luz: Esta é a força da nossa união! Cantem o mar e a terra A madrugada e o sol Que a nossa luta fecundou, Vídeo (1' 45'): © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Alojado em: You Tube >Nhabijoes

Guiné-Bissau > Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da semana > 23 de Março de 2008. "De 1 a 7 de Março de 2008 realizou-se o Simpósio Internacional de Guiledje que contou com a participação de mais de 60 participantes vindos do estrangeiro, para contribuir para o registo da história recente da Guiné-Bissau, para recordar e confraternizar com combatentes, então de lados diferentes da trincheira e para assinalar uma página pioneira de um reencontro de companheiros que nutrem entre si uma grande amizade". Foto e legenda: AD- Acção para o Desenvolvimento (2008). Direitos reservados (com a devida vénia...)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém > Visita dos participantes do Simpósio Internacional de Guileje (1) > 2 de Março de 2008 > Monumento assinalando a passagem, por aqui, da CCAÇ 4942/72, de origem madeirense, mobilizada pelo BII 19 (Funchal).

Há três locais e datas assinaladas no monumento: Mansoa, 3/2/73; Cadique, 27/3/73 (3); Jemberém, 20/4/73. O brazão da companhia era constituído por um Galo, com os dizeres Cantamos de Galo. A unidade designava-se a si prórpia como Pioneiros e Contrutores de Jemberém Também sabemos como se chamavam os seus Grupos de Combate: Os Primitivos (1º Gr Comb); Os Descavilhados (2º Gr Comb); O Zigue-Zague (3º Gr Comb); Os Tais (4º Gr Comb). O nosso camarada A. Marques Lopes já há tempos tinha referido, na lista das unidades que passaram por Barro, na região do Cacheu (onde ele esteve com a sua CCAÇ 3), a existência desta CCAÇ 4942/72, cuja actividade operacional era resumida nestes termos (1): (i) Em princípios de Abril de 1973, seguiu para Cadique, na zona de acção do COP 4, a fim de tomar parte na operação Caminho Aberto, com vista à instalação de uma subunidade em Jemberém [hoje, Iemberém]. (ii) Em 20 de Abril de 1973, após o desembarque [em LDM ou LDG ?] e ocupação daquela área, assumiu a responsabilidade do subsector de Jemberém [ou Iemberém], então criado, iniciando a construção do respectivo aquartelamento e ficando integrada no dispositivo e manobra do COP 4 e depois do BCAÇ 4514/72, e ainda, após reformulação dos limites dos sectores, do COP 5 [ que incluía Guileje]. (iii) Foi substituída no subsector de Jemberém pela CCAÇ 4946/73. (iv) Instalou-se em Barro, a partir de 23 de Fevereiro de 1974, a fim de efectuar a sobreposição e render a CCAÇ 3519. (v) Em 12 de Março de 1974, assumiu a responsabilidade do respectivo subsector de Barro, ficando integrada no dispositivo e manobra do COP 3 e depois do BART 6522/72 e ainda do BART 6521/74. Destacou ainda um pelotão para Bigene, em reforço da guarnição local. Em resumo: esta companhia - de pessoal maioritariamente madeirense (4)- chegou até Jemberém, no coração do mítico Cantanhez, numa região que o PAIGC considerava de há muito libertada, construiu aqui, de raíz, um aquartelamento (de que não há muitos vestígios, visíveis, actualmente), e depois foi substituída por uma companhia mais nova, a CCAÇ 4946/73, em Fevereiro de 1974. Guiné-Bissau > Região de Tomboli > Parque Nacional do Cantanhez > Jemberém (ou Iemberém, de acordo com a toponomia actual) é uma localidade onde a AD - Acção para o Desenvolvimento tem a sua base operacional (instalações de apoio aos projectos desenvolvidos no Cantanhez). Por aqui também passou a 1ª CART do BART 6521/72 (1972/74)... De acordo com a inscrição que se encontra na base do respectivo monumento, colocado na actual Praça IMVF [Instituto Marquês Valle Flôr-IMVF ], há também três locais e três datas-chave na história desta companhia: Pelundo, 27 Out 72; Cadique, 21 Jan 73; Jemberém, 20 Abr 73. Tudo indica que os militares da 1ª CART do BART 6521/72 (Os Nómadas) tenham sido os verdadeiros Pioneiros de Jemberém. Outra hipótese é terem estado em Jemberém em sobreposição com a CCAÇ 4942/72, na sequência da Op Caminho Aberto (Abril de 1973). Mas voltemos às notas do viajante (1): Vindos de Guileje, por volta das 17h, chegámos ao fim da tarde do dia 1 de Março de 2008 a Iemberém, para jantar e pernoitar... Ou melhor, para passar o resto do fim de semana, com regresso a Bissau, marcado para segunda-feira de manhã, dia 3. Às cinco da tarde é oficialmente aberto o Simpósio Internacional de Guileje, com conta cerca de 6 dezenas de participantes estrangeiros... De Guileje a Iemberém levámos cerca de hora e meia, por estradas más que exigem boas máquinas e melhores condutores, como o nosso Antero, balanta, que a guerra civil de 1998 trouxe à AD (até então trabalhava como motorista numa ONG sueca, que se fartou dos guiné...). Iemberém foi, para mim, para todos nós, uma caixinha de surpresas, a começar pela luz eléctrica!.. Em Bissau não há luz, à noite, a não ser nos estabelecimentos e nas casas particulares que dispõem de gerador.... Quero destacar, antes de mais, a afabilidade e a hospitalidade da população local, que nos recebeu em festa. E depois tenho que falar, mais uma vez e antes que seja tarde, na eficácia e na eficiência da equipa de apoio logístico da AD - Acção para o Desenvolvimento que tomou conta de nós, que cuidou de nós. Eles merecem um destaque especial, nestas minhas notas de viagem à pátria de Cabral (1). Foram superiormente dirigidos pelo Domingos Fonseca, que jogava em casa, uma vez que é técnico do Programa Integrado de Cubucaré (PIC), de que é director o Abubacar Serra, ocupando-se preferencialmente das acções ambientais em Cantanhez, nos domínios de eco-turismo, formação de professores das EVA (Escolas de Verificação Ambiental), recolha de plantas medicinais e identificação de percursos naturais. Sob o olhar (discreto mas atento) do Tomané Camará e do Pepito, tudo funcionou às mil maravilhas. A tarefa não era fácil: no último dia, antes do nosso regresso a Bissau, o Domingos estava visivelmente cansado... Mais quinze dias, confidenciou-me ele, e baixava... à psiquiatria (que deve ser um supremo luxo na Guiné-Bissau!). Mulher de armas, incansável, deslocada do norte para o sul, eis a Domingas Badinca. Como outros quadros da AD, foi mobilizada para o apoio ao Simpósio, e nomeadamente para a visita dos participantes ao sul. Não sei se deixou em casa marido e filhos. Disponilidade a 100%. "Há mais de um mês que AD está toda, literalmente, envolvida na realização do Simpósio. Todos os demais projectos estão parados" - confidencia-me, baixinho, quase a medo, o Patrão (leia-se, o Pepito, que espantosamente irá ter sempre um low profile durante o decorrer do Simpósio, em Bissau, no Hotel Palace... É aqui, no campo, no interior, no Cantanhez, que ele se sente como peixe dentro de água... É aqui que a gente o apanha com um brilhozinho nos olhos)... Esteve sempre omnipresente, a Domingas, desde Guileje, onde foi servido o almoço para as largas dezenas de convidados da AD, participantes do Simpósio, nacionais e estrangeiros. Com uma camioneta, com a tralha, os talheres, as geladeiras, as bebidas sempre frescas, da cerveja portuguesa à coca-cola mundial, sem esquecer as bebidas artesanais, que fizeram sucesso noalmoço de Guileje, como o Pó de Pila...) Irei novamente encontrá-la nas sessões do Simpósio, no Hotel Palace. Sempre discreta, sempre omnipresente, sempre afável, sempre hospitaleira, sempre preocupada com o bem-estar dos outros, um traço comum à mulher africana. Na equipa da AD ela é responsável dos serviços administrativos e financeiros do programa de desenvolvimento da AD-Norte, zela pelo património, organiza os relatórios de despesas e entradas de fundos e assegura os contactos organizativos com as autoridades locais. Posso - e vou seguramente - cometer a injustiça de omitir nomes da comissão organizadora, de colaboradores da AD que trabalharam anonimamente, discretamente, nas tarefas de apoio à visita ao sul, sem esperar sequer o reconhecimento público ou particular dos hóspedes da AD e do Simpósio. Digo isso por que nem sequer conheci todos ou a maior parte deles. Mas deixem-me que mencione aqui o nome da Cadidjatu Candé, que chamou a si sobretudo as tarefas hoteleiras (vulgo, os comes e bebes). Com ela, e com a Domingas, ninguém passou sede ou fome, em Guileje, em Iemberém ou em Cananime... De qualquer modo, a Candé, pela sua beleza e simpatia, também era difícil não dar nas vistas... Amanhã, domingo, dia 2 de Março, está programado visitar um centro de saúde materno-infantil (ou maternidade ?), uma rádio comunitária e - imaginem - uma TV comunitária. Para quem vem de Bissau, Iemberém não é a porta do paraíso, mas representa uma luz ao fundo do túnel, é um marco de referência, é um farol de esperança... Aqui há gente feliz, sem lágrimas, e miúdos com ar saudável. E diferentes grupos étnico-linguísticos (balantas, fulas, nalús, tandas, sossos...) coexistindo pacificammente, integrados na mesma comunidade... Amanhã de manhã, até os macacos do Cantanhez nos vêm cumprimentar... De repente, olho e vejo Iemberém transformado num acampamento... Algum pessoal (nomeadamente, motoristas dos jipes e escolta policial da ministra...) vai ter que dormir em tendas... Só o pobre do Xico Allen teve que dormir no carro!... E aqui a solidariedade devia ter funcionado e não funcionou, por falha no processo de comunicação: na casa onde eu fiquei, havia três quartos, nove camas e uma casa de banho... Eu fiquei num quarto com o Nuno Rubim e o Pedro Lauret... (Claro, mulheres de um lado, homens do outro). Ao lado, havia uma entrada, espaçosa, com sofás... O Xico, que estava hospedado no Saltinho e veio à pendura, poderia lá ter dormido, connosco... Pobre Xico, jipe não é mesmo o melhor sítio para se dormir em África, queixava-se ele, na manhã seguinte... Escrevi no meu bloco: Oxalá Iemberém se multiplique, já não digo por mil, por dez, por cem, de norte a sul, e de leste a oeste, por toda a Guiné-Bissau. Noutra crónica explicitarei melhor as razões deste elogio... (Continua)

________ Notas de L.G.: 

 (1) Vd. postes de: 8 de Março de 2008 >Guiné 63/74 - P2618: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (1): Regresso a Bissau, quatro décadas depois... 9 de Março de 2008> Guiné 63/74 - P2620: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (2): O Hino de Gandembel, recriado pelos Furkuntunda 9 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2621: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (3): Pequeno-almoço no Saltinho, a caminho do Cantanhez 11 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2625: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (4): Na Ponte Balana, com Malan Biai, da RTP África 14 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2640: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (5): Um momento de grande emoção em Gandembel 16 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2650: Uma semana involvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (6): No coração do mítico corredor de Guiledje 17 de Março de 2008 > Guine 63/74 - P2655: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (7): No corredor de Guiledje, com o Dauda Cassamá (I) 17 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2656: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (8): No corredor de Guiledje, com Dauda Cassamá (II) 19 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2667: Uma semana memorável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (9): O grande ronco de Guiledje 23 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2673: Uma semana memorável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (10): Guiledje: Homenagem ao Coronel Coutinho e Lima (2) Vd. 7 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2332: O Hino da Guiné-Bissau: letra de Amílcar Cabral e música de Xiao He (Virgínio Briote)

(3) Por Cadique, na margem esquerda do Rio Cumbijã, passou e montou tenda a CCAÇ 4540 ("Somos um Caso Sério"), de 12 de Dezembro de 1972 a 17 de Agosto de 1973: vd. poste de 25 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1876: Restos de aquartelamentos (1): Cadique, na margem esquerda do Rio Cumbijã (CCAÇ 4540, 1972/73) (Pepito) (4) Vd. poste de 8 de Janeiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2421: Em busca de... (15): Pessoal da companhia madeirense que esteve em Jemberem (1973/74) (Luís Candeias, amigo do Arsénio Puim)

sexta-feira, 28 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2694: Poemário do José Manuel (5): Não é o Douro, nem o Tejo, é o Corubal... Nem tudo é mau afinal.... Há o Carvalho, há o Rosa...



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cananime > Rio Cacine > 2 de Março de 2008 > Um grupo de participantes do Simpósio Internacional de Guileje (1 a 7 de Março de 2008) atravessam, de canoa motorizada, o Rio Cacine, entre Cananime e Cacine... De cima para baixo: o barqueiro, ao entardecer; o José Carlos Marques, jornalista do Correio da Manhã, em primeiro plano, do lado esquerdo; a discretíssima Catarina Santos, da Fundação Mário Soares, com a sua inseparável máquina fotográfica...

Fotos: ©
Luís Graça (2008). Direitos reservados.



1. Mais poemas do dia, do José Manuel Lopes, da Quinta da Graça, no Douro, o José Manuel, muito simplesmente (como era conhecido em Mampatá)... Poemas de um imenso poemário, recebidos, dia a dia, ao longo de uma quinzena, de 16 a 28 de Março de 2008. Foram escritos na Guiné, um por dia.

Por detrás da máscara do José Manuel (que eu não conheço pessoalmente, nem por fotografia, só por voz e por mail), que foi Fur Mil, Op Esp, CART 6250 (Mampatá, 1972/74), há uma voz muito original, pessoal, uma surpreendente revelação da escrita poética sobre a guerra colonial na Guiné... Até agora guardada o baú do sótão...

Muitos dos poemas (assinados por josema) que temos recebido, por e-mail, todos os dias, não têm título. E alguns não estão datados. Vão-se publicando (1), ao sabor da espuma dos dias, e das remessas do poeta, e dos humores do(s) editor(es)... Que já conquistou leitores fiéis aqui, na nossa Tabanca Grande... Eu, o Torcato Mendonça e, seguramente, muitos outros camaradas... Pode morder, que esta poesia é para morder, para comer, para trincar.... (LG).


Calor, cansaço, suor
saudades de tudo
e de um rio...
mas podia ser pior
pois há ali o Corubal
com sombras e água boa
nem tudo é mau afinal
não é o Douro, eu sei
nem o Tejo de Lisboa
são outros os horizontes
falta o xisto e o granito
as encostas e os montes
mas diga-se na verdade
há o Carvalho, há o Rosa
há um hino à amizade
há o Gomes e o Vieira
a sonhar com a Madeira
há o Farinha e o Polónia
gestos e solidariedade
há o Esteves e o Pinheiro
amigos e sinceridade
há o Nina e até amor
também sofrimento e dor
há o desejo de voltar
e um apelo à liberdade.

Josema
Mampatá 1974


Ouve-se um violão
numa noite de luar
tocado pelo Gastão
p'ra algo comemorar
cantigas de Zeca Afonso
de raíz popular
põem magia no ar
mas eis
outro som a chegar
mais grave e persistente
é Guiledje a embrulhar
é a guerra noutra frente
até que o ataque acabe
a festa é interrompida
e recomeça num brinde
à vida da nossa gente.

s/d


As brincadeiras loucas
acabam por ter sentido
se as alegrias são poucas
neste cantinho perdido

já vi tourear uma cabra
entre os arames farpados
e outros ao beber água
ir pelos ares aos bocados

desde o carreiro de Uane
à estrada para Nhacubá
todo o cuidado é pouco
ninguém quer ficar por cá

chegam do patrulhamento
cobertos de pó a suar
anseiam pelo momento
de se refrescar no bar.

Mampatá 1973
josema


Guernica!
pintura
visão, mensagem, recado?
para quem e porquê?
Pearl Harbour, Hiroshima
Londres, Leninegrado
e tantas mais
Vietnam, napalm
e o mundo não reage
se espera que acalme?
se esquece Nabuangongo
Guidage, Guiledje
e as minas de Mueda
dão graças à sua sorte
os regressados
dos corredores da morte
e agora
eis a bomba inteligente
mais importante
que gente
e o mundo estúpido
consente!

s/d


Quantas batalhas e guerras
geradas pela ambição?
quantos pior que feras
mataram o seu irmão?
sem nunca se aperceberem
das causas e da razão
mortes em troca de quê?
a que preço e porquê?
a resposta está no ganho
no lucro que é tamanho.

s/d


Ao menino do papá
"É mais fácil entrar um camelo no cu duma agulha, que
um rico no reino dos céus"


Metam-lhe a agulha no cu
para ver
se ele acorda
não vá morrer de repente
e venha culpar a gente
do encontro
com belzebu.

s/d


O calor húmido nos envolve
abraça-nos a escuridão
e a noite se faz dia
c’o ribombar do trovão
cai a água em catadupa
numa suave carícia
fecho os olhos
que delícia
até sinto um arrepio
sinto-me bem afinal
até chego a sentir frio
e penso que é Natal...

Guiné 1972
Josema


Neste imenso sofrer
pensar Nele ajuda
mas Ele parece não ouvir
então solta-se a raiva
incham as veias do pescoço
outro homem nasce
e cai-se dentro do fosso.

josema
Guiné 1972


Um ruido vem do céu
e há cabeças no ar
hoje é dia de correio
há novas para chegar
faz-se a distribuição
com chamada frente ao bar
para o Santos nada veio
será que vai desmaiar?
p'ró Zé Manel veio a Bola
com as novas do Benfica
p’ró Pinheiro uma encomenda
e alguém lhe manda uma dica
fazendo-se para a merenda
sim de correio foi o dia
não pode haver melhor prenda
é altura de alegria
retiram-se os felizardos
relêem a mesma carta
até afogar a saudade.

Mampatá 1972
josema


Quero irmas não sei onde
tudo
me parece um delírio
sem sentido nem razão
neste mundo desumano
quero fugir
mas não posso
prende-me
o sentir-me solidário
à união dos Unidos (*)
prende-me
o cheiro a mosto
prende-me
o calor de Agosto
prende-me
um regresso ao Douro
prende-me
uma família que espera
por tudo isso
não posso partir.

Bolama 1972
Josema

(*) Cart 6250, Os Unidos
________

Nota de L.G.


(1) Vd. postes anteriores:

27 de Fevereiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2585: Blogpoesia (8): Viagem sem regresso (José Manuel, Fur Mil Op Esp, CART 6250, Mampatá, 1972/74)

3 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2608: Poemário do José Manuel (1): Salancaur, 1973: Pior que o inimigo é a rotina...

9 de Março de 2008 >Guiné 63/74 - P2619: Poemário do José Manuel (2): Que anjo me protegeu ? E o teu, adormeceu ?

13 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2630: Poemário do José Manuel (3): Pica na mão à procura delas..., tac, tac, tac, tac, tac, TOC!!!

19 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2665: Poemário do José Manuel (4): No carreiro de Uane... todos os sentidos / são poucos / escaparão com vida ? / não ficarão loucos ?

Guiné 63/74 - P2693: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos (25): A festa do meu casamento, 7 de Fevereiro de 1970

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 7 de Fevereiro de 1970 >Foto 1 : “Festa do meu casamento… Nunca mais peguei numa catana para cortar um bolo...De costas, [o tenente-coronel] Jovelino de Sá Moniz Pamplona Corte Real segue os movimentos, para isso também era o 1º comandante [do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70]!” (BS)


Foto 2 > "O major [de operações, Herberto ] Sampaio pontifica, calmo porque bem jantado, o Abel [da CCAÇ 12], de costas, parece escutá-lo, estava com um ataque de paludismo, o capitão Figueiras diz uma pilhéria ao tenente Pinheiro, o já falecido Rodrigues [ da CCAÇ 12] a tudo assiste bem disposto, de costas o Augusto, o Valentim da Justiça e o Reis sapador [os três da CCS], atrás do Rodrigues, que ainda tentou uns conflitos pela noite fora" (BS)...

Foto 3: "o Tenente Pinheiro estava jocoso, coisa rara, não falou em autos nem nada que se relacionasse com secretaria, o Vidal Saraiva [ o médico,] deve ter correspondido à observação ambígua do capitão Figueiras, íamos na 1ª rodada de cervejas, eu ainda não sabia o que a noite me reservava" (BS)...

Fotos (e legendas): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.

Texto do Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), enviado, com correcções, em 15 de Janeiro de 2008:

Operação Macaréu à vista > Episódio n.º XXV > HOJE É A FESTA DO MEU CASAMENTO! (1)
por Beja Santos

(i) Conversas desgarradas entre o edifício do comando e a escola

O Moreira e eu saímos em bicos de pés do nosso quarto, o Abel tirita debaixo de dois cobertores de papa, destila os suores do paludismo, gemeu toda a noite. Tomo o pequeno almoço à pressa, tenho que levar um oficial superior de Bafatá em visita aos Nhabijões, segue-se o serviço de justiça, prometi ao tenente Pinheiro que o auto dos dois militares que se feriram recentemente na rampa de Bambadinca ficará adiantado antes de eu partir, ao anoitecer, para a ponte de Udunduma, onde ficaremos quatro dias.

À porta, espera-me o Cherno com a lista de pedidos para as compras a fazer na Europa (falei no meu casamento, entreolharam-se quando falei numa cerimónia por procuração, em África um homem quando casa vai buscar a mulher à tabanca dos pais dela). Bala, o ordenança do comando, acena-me, indicando que sou chamado ao 1º comandante. Com o oficial superior de Bafatá já a impacientar-se junto ao Unimog onde aguarda uma secção do Pel Caç Nat 52, apresento-me a Jovelino Corte Real. Segue-se na minha imaginação o diálogo travado:
- Beja, hoje não vai à noite para a ponte de Udunduma, mandei fazer uma cerimónia, jantamos, haverá bolo e espumante. Não casamos todos os dias. Amanhã de manhã junta-se aos seus soldados. Falei com o coronel Neves Cardoso, do agrupamento de Bafatá, acerca da sua licença, com carácter excepcional, ele só vê dificuldades, recomenda mesmo que não se deposite mais esperanças na iniciativa, o RDM é taxativo. Ontem lembrei-me de falar com o Vidal Saraiva, pedi-lhe a opinião sobre uma sua baixa, você aparecia em Bissau para um hipotético tratamento, ele escreveria um relatório para o Payne, simulava-se um internamento.
- Meu comandante, agradeço-lhe essa prova de consideração. Mas parece-me bastante macabro eu ir casar e ter que ir parar ao hospital. Deixe-me pensar uns dias, por favor.
- Não comece com a sua retórica. Você é punido no início de 1969, em Missirá, recorre, e muitos meses depois, mesmo com a alteração de redacção da punição, fica tudo na mesma. O RDM é mudado, ninguém que seja punido pode gozar férias a não ser dois anos depois, nessa altura você já está na Metrópole, não sei o que é que quer que lhe faça. Resolve casar-se, requer uma licença para ter casamento religioso, era o que faltava que o deixasse casar aqui na capela do aquartelamento de Bambadinca, em pleno teatro de operações. Para ir a Bissau é preciso um pretexto, em Janeiro esteve lá a tratar-se uns dias, qual é o problema de se simular uma recaída? Tem proposta melhor?
- Não tenho, meu comandante. Só que não me passou pela cabeça ir para lua de mel e ser hospitalizado. Vou só reconsiderar e agradeço-lhe o que está a fazer por mim. Permita-me agora que parta para os Nhabijões, quero estar aqui ao meio dia para falar com a minha mulher, felicitá-la em primeira mão.

Como se tratava de um dia extraordinário, ao preparar-me para subir ao Unimog, D. Violete chama-me com determinação, sem possibilidade de lhe fugir ao que tinha para me dizer. Sim, tem novidades para mim, andou a remexer nas estantes, lá em casa, encontrou uns livros do comandante Teixeira Mota e um texto sobre o islamismo na Guiné Portuguesa onde se fala da conversão dos mandingas e da islamização dos soninqués, dos beafadas, dos fulas-pretos e dos fulas-forros. E disse-me algo como isto:
- Sr. alferes, já sei de onde é que vêm os Mané, a tal família do Cuor. Li que os balantas islamizados procuram distinguir-se dos animistas adoptando o apelido Mané, que é de origem mandinga. Temos pois os Soncó, que eram beafadas, e temos os Mané que eram balantas.
Sem lhe esconder a minha satisfação pela informação, pedi-lhe licença para continuarmos a conversa depois, sugeri-lhe um encontro em breve, o oficial de Bafatá acompanhou esta conversa visivelmente intrigado.

Desempenhei-me na missão dos Nhabijões, eram dez para o meio dia quando entrei nos correio de Bambadinca. Depois de uma vozearia ao bocal, indicam-me a cabina, e começo igualmente aos gritos para Lisboa. Os senhores das Conservatória estão a chegar, a casa está cheia de familiares e camaradas da Guiné. Não preparei nenhum discurso, saiu-me tudo aos tropeções: que andava a ler Naná, de Émile Zola; que se podiam ouvir os prelúdios de Chopin, o disco estava encarquilhado pelo sol, mas uma das faces era audível; que o amytal sódico estava a dar bons resultados, mesmo na ponte de Udunduma, com os cibes em decomposição com os bichinhos tipo serradura a caírem na cama, não dava por nada, dentro do mosquiteiro; que estava a terminar a minha gerência de messe e que ia passar as contas ao Augusto, uma complexa contabilidade de queijo, conservas e bebidas alcoólicas e outras.

A Cristina ouvia toda esta cantilena como se fosse a coisa mais natural do mundo eu estar preocupado em dia de casamento com o inventário do fardamento, as qualidades do cabo Queirós, proposto para o prémio Governador da Guiné, depois perguntei quem lá estava, se ela se sentia feliz, ela respondeu-me a tudo, mas queria saber quando é que eu previa chegar a Lisboa.

Não sei como é que arranjei coragem para lhe dizer a verdade, informando-a mesmo que o comandante propusera qualquer coisa como uma baixa psiquiátrica para eu ir até Bissau, prometi escrever-lhe, queria saber a sua opinião. Assegurei que lhe ia telefonar novamente dentro de dias, depois as nossas vozes embargaram-se, falei de saudades, dei comigo a repetir tudo o que escrevia nos aerogramas. A cabina dos correios tinha a porta aberta, vi expressões arrelampadas, certamente não estavam à espera de assistir a um casamento por telefone.

(ii) A festa na messe de Bambadinca

O capitão Figueiras, comandante da CCS [do BCAÇ 2852], pediu-me à hora do almoço para ir levar doentes à Bantajã Mandinga e à Ponta Brandão (era uma serração de madeira, havia lá um alambique para a aguardente de cana, um dos irmãos Brandão tinha ali também um estanco) e depois a Bricama, entregando umas mercadorias no agrupamento de Bafatá e trazendo correio.
Aproveitei o resto da tarde para comunicar ao mundo o meu estado de alma, acabara de me casar. Registei no aerograma à Cristina:
“Tudo mudou, sopra um novo vento, mas estranho esta nossa vida em comum... Há momentos em que a solidão é irrecusável, ficamos entregues a um disco, a uma leitura, a uma recordação que se irá dispersar quando eu partir para Sinchã Dembel, Queroane ou Bambadincazinho. Amanhã escrevo-te mais da ponte de Udunduma. O Pires vai de férias, contar-te-á os últimos acontecimentos. Decidi recomeçar com as lições escolares, há um plano de obras na ponte, não quero parar”.
Não esqueci a ementa do jantar, pois o Gomes da messe tudo fez para que fosse uma refeição especial, até o vinho era bebível, havia pataniscas e depois bifes tenros, bem apimentados. Findo o jantar, aclimatámos à volta de uísques e cervejas, veio depois um bolo, entregaram-me uma catana para o cortar, seguiram-se discursos do Jovelino Corte Real e do major Sampaio, o Vacas de Carvalho e o Calado entoaram cantares alentejanos, cada ronda de felicitações era acompanhada de uma rodada de álcool, nas fotografias que restam vejo os sorrisos de todos, o tenente Pinheiro conseguiu nunca falar de serviço, o Abel saiu da cama, o Reis sapador tentou implicar, o calvário veio depois, tive que fazer e refazer a cama um sem-número de vezes, os ferros presos por arames, os lençóis cheios de açúcar, de manhã antes de partir para a ponte de Udunduma enxuguei-me a uma toalha cheia de sal. Assim mudara a minha vida.

(iii) Um novo serão com D. Violete

No regresso da ponte, não resisti a procurar D. Violete, ela, sempre prestável, dava as explicações que podia. Sim, Abdul Injai fora régulo do Oio (talvez tenha sido também régulo do Cuor, mas não tinha a certeza), tivera relações péssimas com a população, era um jalofo do Senegal, caíra rapidamente em desgraça, fora deportado para a Madeira mas morrera em Cabo Verde; não tinha nenhuma teoria sobre o fundamento das tensões entre os caboverdianos e os guineenses, ela própria era filha de caboverdiano, era bom não esquecer que o caboverdiano chefiava sempre, era chefe de posto, notário, conservador, professor, médico e farmacêutico, consideravam-se pessoas civilizadas (não eram indígenas como os outros), eram cristãos, sentiam um ascendente natural sobre gente que por vezes nem o crioulo arranhava, mas considerava que não havia razão especial, um dado estrutural, para se falar em racismo; quanto ao islamismo, conversa que tínhamos iniciado, de facto fora a religião de Mafoma que levara à reorganização das etnias, os mandingas e os soninqués tinham no passado empurrado os beafadas e os balantas para o litoral, vieram depois os fulas, muitos séculos depois dos mandingas, instalaram-se no Gabu, tinham feito uma guerra religiosa perto do fim do século XIX e depois aliaram-se aos portugueses nas chamadas guerras da pacificação, já no século XX. O islamismo apareceu apoiado pelos postos militares portugueses, os caramôs ou os agentes religiosos do Islão, vinham da Gâmbia e do Casamansa, instalaram-se em Jabicumba, no regulado de Gussará, e em Bijine, no regulado de Badora.
Agradeci tudo à professora Violete, pedi-lhe para que a nossa próxima conversa andasse à volta das doenças mais correntes e dos animais da Guiné. Ela sorriu:
- Sr. alferes, só me faltava andar a estudar para satisfazer a sua curiosidade. Ando surpreendida com a descoberta destes séculos de história que os portugueses tanto ignoram, eles que mandaram sobretudo analfabetos e criminosos colonizar esta terras.

Capa de Djamília, de Tchinghiz Aitmatov Foi uma surpresa, esta novela oriunda das estepes da Ásia Central.Pode não ser a mais bela história de amor do mundo, mas é quase.Capa de João da Câmara Leme, Livro de Bolso da Portugália Editora,v s/data, tradução, a partir da versão francesa , de Alfredo Brás.

Foto (e legenda): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.

(iv) Uma semana de livros policiais e uma revelação vinda da Quirguízia

Eu ainda não sei que este mês de Fevereiro está a levedar a minha experiência operacional mais violenta, e que tudo vai ocorrer já mês de Março. O prisioneiro que eu levara a Bissau vai fugir num patrulhamento na região do Buruntoni; em Ponta Varela o inimigo atacou com gravidade embarcações que avançavam para Bambadinca; a tabanca do Enxalé irá ficar incendiada numa flagelação; o capitão Maltez, do Xime, ficará ferido num patrulhamento na margem esquerda do rio Geba. Neste entretanto, continuarei a exercer as minhas funções de recoveiro e julguei enlouquecer quando soube da morte do meu mais querido amigo. Como irei contar.


Numa Noite Solitária, de Mickey Spilklane. Capa de Luis Filipe de Abreu,tradução de H.Silva Horta,Editora Ulisseia,s/data.A Ulisseia tentou, nos anos 60, uma alternativa à Colecção Vampiro,escolhendo autores como Craig Rice e Horace McCoy, sem fugir aos consagrados Dashiell Hammett e Agatha Christie.este livro de Spillane está solidamente escrito,mas não tem originalidade face a outras aventuras de um lendário detective justiceiro, Mike Hammer.

Foto (e legenda): ©
Beja Santos (2008). Direitos reservados.

Li de Mickey Spillane “Numa Noite Solitária”, Mike Hammer, o mais solitário dos detectives justiceiros descobre uma rede comunista que se prepara para conquistar o Capitólio. Só o macartismo podia permitir esta literatura de ódio, o tratamento dos comunistas norte-americanos como bandidos, agentes do Kremlin, apátridas, desgraçados morais, gente totalmente inescrupulosa. Hammer liquidara na ponte de Brooklin um assassino que se preparava para matar uma mulher em fuga. Ambos tinham cartões verdes que eram códigos de identificação de membros do partido comunista. Entretanto, surge o nome Lee Deamer, candidato às próximas eleições para senador, que tem um estranho irmão gémeo. Começa uma caçada que termina com a justiça feita por Hammer executando o cabecilha dos comunistas, exactamente na mesma ponte onde tudo começara. Tirando esta demência do macartismo, Spillane escreve como poucos, é um controle exímio das frases da expressão dos sentimentos, um registo que por vezes roça o sublime das cores, dos movimentos, das paixões.

Capa de O primeiro inquérito de Maigret, de Georges Simenon. Capa de Cândido da Costa Pinto,tradução de Maria Ivone d. Alves,nº83 da Colecção Vampiro.Simenon desenhou neste livro personagens espantosas e uma admirável atmosfera da Belle Époque,sem hesitar na crítica a esse tempo de permuta de favores sociais e políticos, onde a polícia não era excepção.
Foto (e legenda): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.

Noutra dimensão, voltei contente à leitura de Georges Simenon, neste caso O primeiro inquérito de Maigret. Um flautista apresenta-se numa esquadra onde Maigret é secretário do comissário, tudo se passa em 1913. Vira uma mulher gritar por socorro numa varanda de um prédio, batera á porta, fora espancado por um mordomo, vinha apresentar queixa. Maigret acompanha-o ao local, descobre que é a casa dos Gendreau-Balthazar, dos famosos cafés Balthazar. Percorre toda a casa, vê mesmo o aposento onde ocorrera o pedido de socorro, não há indícios. Maigret não se conforma e vai começar o seu primeiro inquérito, afinal houvera falsas declarações do mordomo e do dono da casa, descobrir-se-á o móbil do crime, Maigret terá conversas com um escroque cheio de sentimentos, Dédé, uma das mais notáveis criações de Simenon, um pouco como o flautista Justin Minard que além de trabalhar nos Concertos Lamoureux, uma das mais prestigiadas orquestras clássicas em França, também toca em cervejarias e cafés. É um grande Simenon que não disfarça a critica social e política em torno dos favores que a polícia faz aos ricos, encobrindo-os. É a seguir ao desenlace deste caso que Maigret é transferido para o lendário Quai des Orfévres.
Outra grande revelação é Djamília, de Tchinghiz Aitmatov, natural da Quirguízia. O poeta Louis Aragon teceu o seguinte comentário a esta obra: “A mais bela história de amor do mundo. Uma história a um tempo breve e intensa. Uma história de amor onde não há uma palavra inútil, uma frase que não tenha eco no coração”.
Tudo começa com uma recordação à volta de um pequeno quadro com uma estepe de absintos onde se vêem as pegadas de dois viajantes que se vão desvanecendo na distância. É uma recordação de juventude, uma história de amor durante a guerra, os adultos combatiam nas frentes de batalha, em plena Rússia, os velhos, as mulheres e as crianças trabalhavam nos kolkhozes. O irmão do narrador partira para a guerra, ficara a sua mulher Djamília, a cargo da dona da casa, a sogra desta heroína. São lindas descrições realçadas pela simplicidade:
“Havia em Djamília um não sei quê que desconcertava aos sogros. Ela manifestava uma alegria sem disfarce, como a de uma garoto. Algumas vezes ponha-se a rir sem motivo e, apesar disso, o seu riso era tão forte, tão alegre! Quando regressava do trabalho, não reentrava simplesmente em casa, mas corria para a porta, atravessando o aryk de um salto e punha-se a beijar e a abraçar, sem haver porquê uma ou outra das suas sogras. E Djamília gostava também de cantar; estava sempre a cantarolar qualquer coisa, sem se acanhar com a presença dos mais velhos. Tudo isto, sem dúvida, em nada correspondia à representação que se fazia da aldeia da conduta de uma nora em família”.
Portanto, Djamília tinha o seu marido Sadyk a combater contra os alemães. À aldeia vai chegar Daniiar, ferido em combate, sempre a coxear da sua perna ferida. O narrador mostra um ex-combatente introvertido que gradualmente se afeiçoa por Djamília, sendo a inversa também verdadeira. Acabarão por fugir, durante a fúria dos familiares e de toda a comunidade É este desaparecimento que o narrador fixará numa tela, registando a impressão que lhe provocara tão lindo amor:
“Eles caminham na estepe outonal. Diante deles, os longes vastos, luminosos... o meu quadro é-me infinitamente querido, é a minha primeira emoção consciente de criar. Ainda hoje tenho desânimos, minutos pesados em que perco a fé em mim. E em tão volto-me para este quadro que me é caro, para Daniiar e Djamília. Onde estais agora, marchais sobre que estradas? Tu partiste, minha Djamília, pela larga estepe, sem olhar para trás. Terás perdido a fé em ti? Apoia-te a Daniiar. Que ele te cante a sua canção sobre o amor, a terra, a vida! Que a estepe se agite e exiba todas as suas cores! Vá, Djamília, não te arrependas, tu encontraste a tua difícil felicidade!”.

É em Daniiar e Djamília que penso quando vamos para a ponte de Udunduma. Também eu estou a viver a mais bela história de amor do mundo.
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Nota dos editores:
(1) Vd. último poste, desta série: 21 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2668: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (24): Cartas de Bambadinca, Janeiro / Fevereiro de 1970

Guiné 63/74 - P2692: Construtores de Gandembel / Balana (3): Nunca falei em protagonismo pessoal, mas sim da CART 1689 (Alberto Branquinho)



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gandembel > Ponte Balana (ou sobre o Rio Balana) na estrada de Gandembel-Quebo > 3 de Março de 2008 > No regresso a Bissau, depois da visita, ao sul, dos participantes do Simpósio Internacional de Guileje... O último olhar de Nuno Rubim (tendo a seu lado, a Alice, esposa do editor do blogue) e, noutra foto, do Zé Teixeira... Tudo indica que a construção desta ponte (dinamitada pelo PAIGC, reconstruída pelo menos duas vezes pelas NT, e hoje com tabuleiro em madeira, em risco de ruína) seja da mesma época, princípio dos anos 50, da construção da ponte sobre o Rio Corubal, no Saltinho, que no nosso tempo se chamava Ponte Craveiro Lopes... Mais antiga do que estas, talvez dos anos 40, deveria ser a Ponte, em ruínas, Marechal Carmona, sobre o Rio Corubal, na antiga estrada Quebo-Xitole, visitada em 2001 pelo David Guimarães (1)... (LG)
Fotos: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.


1. Mensagem do Alberto Branquinho, ex-Alf Mil, CART 1689 (Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69)

Camarada Luis Graça

Estou profundamente infeliz por ter sido mal entendido pelo Idálio Reis (2), tendo presente o que ele e a sua Companhia terão sofrido durante os muitos meses que terão permanecido naquele inferno depois de 15 deMaio de 1968. Aliás, isso é salvaguardado nos pontos E e H do meu texto. Mas que houve outros homens-toupeira em Gandembel, além dos da CCAÇ 2317, isso houve! E que houve mais outros homens que trabalharam nas obras, também houve ! Mas o nosso mês e meio de Gandembel não se pode comparar com os nove ou dez da CCAÇ 2317.

Quanto ao protagonismo - nunca falei de mim. Falei da minha Companhia - CART 1689.
Quanto ao narcisismo e diletantismo narcisista que encontro ao longo do blogue, nada tem a ver contigo e muito menos com o Idálio Reis, repito MUITO MENOS com o Idálio Reis, que NUNCA fala de si, mas só da sua Companhia e das fotografias que lhe vi já publicadas, ele nunca consta. Se entenderes necessário que eu identifique os casos do «...gosto de falar de mim», eu identificarei.

Não faço questão que este texto seja publicado no blogue (fica ao teu critério ), mas PEÇO o reencaminhes para o Idálio Reis, para que repense o juizo que fez de mim, que me deixou muito infeliz.

Um abraço (e continua a trabalhar NISTO, que é positivo).

Alberto Branquinho

2. Nova mensagem do Alberto Branquinho:

Caro Luis Graça

Obrigado. É verdade. Para completar as informações - conheci o Eng. Carlos Schwarz ( a quem chamam Pepito) em 1999, em Bissau, ao tempo em que era Ministro dos Transportes do governo Francisco Fadul. Fomos com ele por Farim, Susana e Varela, onde dormimos, em casa sua. Essa zona noroeste da Guiné era, afinal, aquela que eu não conhecia do tempo da guerra. Dali fomos (já sem ele) de jeep até Dakar, onde apanhámos um avião para Lisboa.

Para que a nota do Idálio Reis não fique sem clarificação, gostava que publicasses o seguinte texto:


ASS: Construção de Gandembel/Balana


Fiquei mui triste com a parte introdutória do escrito do Idálio Reis. Em primeiro lugar, porque ninguém lhe quer negar o sofrimento e a sobrevivência de nove ou dez meses no inferno de Gandembel; segundo, porque fez de defensor de quem não foi acusado e, em terceiro lugar, porque presumiu que eu conhecia todos os seus textos, quando eu só tinha tropeçado em um ou outro. ( Agora, com os links do comentário final do L.G. fiquei a saber mais ).

Para terminar, pela minha parte, esta troca de notas, venho dizer o seguinte:

- Todos os que fizeram afirmações, ao longo do blogue, quanto à construção de Gandembel/Balana devem considerá-las como corrigidas, referindo que a construção foi efectuada «... pelo capitão F....?.... e pelos seus homens-toupeira da CCAÇ 2317, with a little help from their friends.» ( Que viveram, também, como toupeiras durante quase um mês e meio em Gandembel ).

Este é o serôdio protagonismo que quero para a minha CART 1689, não para mim. Sem voltas e sem amêndoas está explicado.

Nada mais direi sobre este assunto.

Um abraço
Alberto Branquinho

3. Mensagem que mandei ao Idálio Reis (c/c ao Alberto Branquinho e os co-editores do blogue, CV e VB), para fecho desta troca de impressões/recordações entre dois valorosos construtores e defensores de Gandembel/Balana (ou melhor, representantes de duas das nossas unidades que estiveram lá):

A última coisa que eu quero é gente infeliz no blogue e na Tabanca Grande... O Branquinho - que eu sei, pelo Jorge Cabral, que é irmão do outro Branquinho, o ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 63, do meu tempo de Bambadinca - já percebeu que entre nós não há ressentimentos: tratamo-nos por tu, como velhos camaradas, e nunca puxamos pela G3 contra um camarada...

Com três anos de comissão bloguística, aprendemos todos a viver e conviver com o que nos identifica e com o que nos separa ou pode ser fracturante... O que temos em comum é um património valiosíssimo que eu quero que o Alberto também partilhe... A partir de hoje ele faz parte integrante da nossa Tabanca Grande, com direito a figurar na lista nominal de A a Z, da coluna do lado esquerdo da página de rosto do blogue... A menos que ele me dê ordens em contrário... Idálio, e os meus caros co-editores, CV e VB, podem dar-lhe as boas vindas... Quem bebeu da água do Balana só pode ser uma camarada fixe... Luís
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Notas de L.G.:


(1) Vd. poste de 26 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXV: Estórias do Xitole ao Saltinho: duas pontes, um fornilho e uma trovoada tropical (David Guimarães)


(2) Vd. postes anteriores:


quinta-feira, 27 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2691: Memórias dos Lugares (6): A Bissau dos anos 50, que eu conheci (Mário Dias)

Guiné > Bissau > Vista aérea da capital da então Província Portuguesa da Guiné > 1966 > Postal ilustrado da época. Ao centro, a Praça do Império e o Palácio do Governador. Ao fundo, o Ilhéu do Rei. Esta era a cidadezinha colonial, simpática, limpa, civilizada, mameirinha, acolhedora... que muitos de nós, ex-combatentes portugueses, conhecemos, e que dificilmente se reconhece quando se volta hoje a Bissau... Nostálgicos do Império ? De modo algum. As cidades têm dinâmicas próprias e hoje Bissau é a capital de um país-irmão, lusófono... Mas estas imagens e estas recordações são importantes para a memória e a história de todos nós... Mário Dias, ex-sargento comando, e membro da nossa Tabanca Grande, viu crescceu e modernizar-se a vilória que em 1941 destronou Bolama, enquanto capital... Foram sobretudo os anos 50 que trouxeram o progresso... (LG). Fotografia do álbum do ex-furriel miliciano Mecânico Auto Adrião Mateus, pertencente à CART 1525 (Bissorã, 1966/67). Fonte: © Companhia de Artilharia 1525 - Os Falcões (Bissorã, 1966/67) (Reproduzido com a devida vénia...) "Naqueles longínquos anos da década de 50 (do século passado) cheguei à Guiné ainda adolescente. Como qualquer pessoa nessa fase da vida, também o apelo da magia africana me enfeitiçava. Trazia a cabeça cheia com as descrições fantasiosas sobre África: - Cuidado com os leões. Há bichos perigosos por todos os lados. Os pretos são muito maus. Ainda há antropófagos. É tudo selva inóspita. Depressa verifiquei quão erradas eram as atoardas que um pouco por todo o lado pretendiam caracterizar aquelas terras. Encontrei um povo afável, uma terra linda, linda, linda como não imaginava pudesse existir. Foi amor à primeira vista!Bissau era uma cidade pequena mas onde apetecia viver. Desfeito no meu espírito o mito de leões a rondar as casas, de selvagens canibais e de outras intimidantes tragédias, parti à descoberta da terra" (Mário Dias) (1).

Guiné > Bissau > Anos 50 > Praça do Império > Monumento ao Ao Esforço da Raça > O Mário Dias, sentado no local onde, à noite, com luz eléctrica apenas das 18h às 24h, a malta nova se juntava e fazia serenatas. Era então Governador Raimundo Serrão (1951-53).

"Nos idos dos anos 50, Bissau, cidade pacata e ordeira, onde muito se trabalhava e muito nos divertíamos, era palco de cenas impensáveis de acontecerem noutro qualquer lugar. O progresso demorava a chegar. Não havia uma só rua alcatroada, uma só gota de alcatrão que fosse. A ponte-cais, que serviria para atracação dos barcos, estava ainda em construção. Os navios que quinzenalmente chegavam (nesse dia era dia de S. Vapor, como dizíamos) fundeavam ao largo, frente ao ilhéu do Rei e os passageiros e carga eram transportados para o Pijiguiti em pequenas embarcações a motor e até a remos. E o cais do Pijiguiti dessa época ainda não tinha ainda a actual cabeça que forma o T. Era um simples paredão. "Electricidade? Luxo só possível das seis da tarde à meia-noite. Apesar disso, sentíamo-nos lá como no paraíso. Diariamente nos juntávamos para os nossos passeios pela cidade e arredores, de bicicleta ou a pé, bebíamos umas cervejas nas esplanadas, especialmente na pastelaria Império, na praça do mesmo nome (o proprietário era o senhor Estácio, tio do nosso amigo António Estácio que já interveio no blogue) no Hotel Portugal, mais conhecido por hotel do Espada (nome do proprietário) ou ainda na esplanada existente ao fundo da avenida principal na placa central que então existia. A configuração desta avenida era bem diferente daquela que os nossos amigos desta tertúlia conheceram mais tarde. A seu tempo falarei sobre isso. "Um dos nossos pontos de encontro favoritos era na marginal, junto às ruínas de uma ponte de atracação de barcos da qual só existiam alguns pilares no meio do rio, já meio enterrados no lodo, e o encontro de onde a ponte partia. Disseram-me ter sido um navio alemão que se pôs em movimento desatracando sem que os cabos estivessem completamente soltos, que levou pedaços dessa ponte atrás de si arruinando-a. Foi antes de eu ter chegado à Guiné que assim se viu privada de uma infraestrutura indispensável. O local a que me estou a referir é onde hoje fica um pequeno largo em formato de meia-laranja existente na marginal de Bissau. Se consultarem o mapa disponível no blogue facilmente o encontrarão " (Mário Dias) (2). Guiné > Bissau > Anos 50 > Primeira rua a ser alcatroada em Bissau. O edifício à esquerda era o estabelecimento comercial conhecido por Pinto Grande, irmão de um outro Pinto conhecido por Pintosinho por ser (o estabelecimento) de menores dimensões. O Pinto Grande, embora continuando a ser chamado por esse nome, foi, durante a guerra, propriedade de um comerciante anteriormente estabelecido em Bolama, de nome Ernesto de Carvalho que o tomou de trespasse. Bolama, no arquipélago dos Bijagós, foi a capital da Província Portuguesa da Guiné até 1941 (MD). Guiné > Bissau > Anos 50 > Avenida Teixeira Pinto, em obras de pavimentação (MD). Guiné > Bissau > Anos 50 > Instalações do aeroporto de Bissalanca, em fase de conclusão das obras (MD). Guiné > Bissalanca > Finais dos anos 50 > Fotografia tirada na despedida do gerente da NOSOCO, Monsieur Boris, que nesse dia regressava a Paris (está ao centro de fato e gravata). O João Rosa, o guarda-livros, [e que foi um dos fundadores do MLG - Movimento de Libertação da Guiné] , está na segunda fila à direita; à sua frente, o 2º da direita é o Toi Cabral. Os restantes elementos da foto são alguns (quase todos) dos empregados do escritório da NOSOCO em Bissau (MD), inckluindo eu próprio (MD). Guiné > Bissau > Anos 50> Ponte de Ensalmá, que veio permitir a ligação de Bissau a Mansoa... Guiné > Bissau > Anos 50 > Edifício da Capitania dos Portos Guiné > Bissau > Anos 50 > O novo liceu Honório Barreto. O antigo liceu funcionava no edifício da praça do Império que era também museu e biblioteca. Esse edifício, que ainda lá está embora quase arruinado, era por nós apelidado de chapéu de palhaço pela semelhança que o torreão central tinha com o dito chapéu (MD). Guiné > Bissau > Anos 50 > Uma das muitas moradias que um pouco por toda a cidade de Bissau iam surgindo. Esta situava-se, e situa-se ainda, em frente à residência do Prefeito Apostólico (bispo) e nela residi durante algum tempo por ser propriedade da minha madrasta. Creio que hoje é residência de um embaixador. Qual, não sei. (MD). Guiné > Bissau > Anos 50 > O novo edifício dos correios. Anteriormente os CTT eram no edifício que se encontra do lado direito e onde continuou funcionando a Emissora da Guiné ( 1º andar ). De notar a curiosa viatura que era um dos luxuosos autocarros da época que, pela semelhança, eram conhecidos por ambulâncias. Esta (ambulância) pertencia à firma A. Brites Palma. Havia ainda, tanto quanto me recordo, outras duas empresas de transportes que faziam carreiras de autocarros (ambulâncias) para toda a Guiné. Eram o Costa, sedeado em Bissau e o Escada em Teixeira Pinto (Canchungo). Tenho a vaga ideia de existir uma outra na região de Bafatá-Gabú, propriedade de um libanês, mas não tenho a certeza. Talvez alguém me possa ajudar nesta dúvida. De notar as árvores recentemente plantadas, fruto da alteração do traçado da avenida que referi neste texto (MD). Guiné > Bissau > Anos 50 > Perspectiva da Avenida da República, obtida a partir da torre da catedral já ao final do dia. O primeiro edifício, de que se vê pouco mais que o telhado, é a sede da uma das importantes firmes comerciais da Guiné: Nunes & Irmão. Mais ao fundo, do lado direito, o cinema UDIB e o palácio do governador na praça do Império. O edifício da Associação Comercial (hoje PAIGC) situado na mesma praça, ainda não existia (MD). Fotos e legendas: © Mário Dias (2006). Direitos reservados.

Guiné > Bissau > 1969 > A Catedral, em postal ilustrado da época. Foto tirada talvez em dia de festa, quiçá de um Foto: Portal do Ministério da Justiça do Governo da Guiné-Bissau (com a devida vénia...)

Guiné > Bissau > A Associação Comercial e Industrial, hoje sede do PAIGC...

Foto: Tantas Vidas, Blogue de Virgínio Briote, Lisboa (com a devdia vénia...)

Guiné > Bissau > Maio de 1966 > Cais do Pijiguiti > Postal ilustrado da época.

Foto: Tantas Vidas, Blogue de Virgínio Briote, Lisboa (com a devida vénia...)

1. Voltamos a reproduzir um texto do Mário Dias sobre a cidade de Bissau (3) que ele conheceu, como adolescente e jovem adulto, nos anos cinquenta (Publicado originalmente na 1ª Série do nosso Blogue, e hoje pouco acessível).

O Mário trabalhava na firma francesa Nosoco, antes do serviço militar (1959). Viveu na Guiné até 1966, tendo sido um dos fundadores e primeiros comandos da Guiné, e instrutor de alguns dos nossos camaradas da Tabanca Grande (Virgínio Briote, João Parreira e Amílcar Mendes).

É uma homenagem a Bissau, aos construtores de cidades e aos seus habitantes, é uma homenagem ao Mário (que nos fala da Bissau do seu tempo com tanta ternura contida...)... É também um desafio e um estímulo para que ele continue estas crónicas que ficaram interrompidas (1, 2, 3)... É também um convite para outros amigos e camaradas da Guiné que queiram escrever as suas impressões e mandar as suas fotos da Bissau, de hoje e de ontem... (LG)

O progresso vai chegando
por Mário Dias Aos poucos, Bissau ia melhorando. Com o decorrer do tempo, passou a ter electricidade durante todo o dia. A velha central eléctrica, situada num edifício próximo da entrada do estádio Sarmento Rodrigues (alguns se lembrarão dele), foi substituída pela nova, instalada em edifício construído de raiz lá para os lados do rio. Que maravilha a possibilidade de se porem de lado os frigoríficos a petróleo! A pavimentação das ruas começou, como teste, na rua onde se situavam as principais casas de comércio. Os engenheiros não conheciam bem qual seria o comportamento dos solos nem a solidez da pouca pedra que por lá se conseguia arranjar. A experiência resultou, apesar do cepticismo de alguns defensores da tese da impossibilidade de tal obra na Guiné. A avenida que ligava o rio à Praça do Império tinha uma configuração bem diferente da actual. Possuía uma placa central, larga, cimentada, arborizada com dois renques de frondosas árvores e filas de apetecíveis bancos onde tantas vezes me sentei usufruindo de calmos crepúsculos como só África tem. O trânsito de automóveis, ainda relativamente reduzido, processava-se, assim, por faixas separadas: ascendente e descendente. Era esta avenida O picadeiro - expressão habitualmente usada em muitas terras para definir o local, praça ou rua, por onde os habitantes normalmente passeiam e que serve igualmente de ponto de encontro. Nessa placa central existia, já perto da Casa Gouveia, um quiosque com uma esplanada muito agradável onde se bebia excelente cerveja alemã. O café do Bento, a célebre 5ª repartição, surgiu mais tarde, no jardim, precisamente como resultado deste quiosque ter sido demolido com as obras de remodelação da avenida. Num domingo de manhã bem cedo, cerca das 8 horas, estava em casa quando ouvi, vindo dos lados da avenida que me era próxima, enorme ruído no qual sobressaía o característico som do arranque de árvores. Fui ver. Toda aquela azáfama era para mim novidade. Nunca tinha visto aquela enorme máquina que, com um simples empurrão e sem qualquer dificuldade derrubava as árvores enquanto outra, lâmina enorme e resplandecente, escavava e, num piscar de olhos, levava à sua frente a placa de cimento dos passeios, os bancos, candeeiros e tudo mais que por lá existia. Ali me quedei, embasbacado como saloio, e com grande mágoa de ver as belas árvores derrubadas, os bancos onde tantas vezes me sentara arrancados e empurrados chão fora e toda a avenida esventrada. Coisas do impiedoso progresso. Em pouco tempo, ao contrário das obras de hoje que demoram, e demoram, e demoram, a avenida ficou pronta. Alcatroada, com duas filas de candeeiros novos que ainda hoje lá estão, e com novas árvores para substituir as arrancadas. Se me perguntarem de qual gostava mais direi, sem qualquer hesitação, do seu aspecto antigo. Podiam ter alcatroado, substituído os candeeiros de iluminação pública e proceder a outras beneficiações sem necessidade de uma alteração tão profunda. Mas quem sou eu para me digladiar com o saber dos urbanistas?! Aos poucos, outras ruas e avenidas foram alcatroadas e concluiu-se a construção do aeroporto de Bissalanca que veio permitir ligações aéreas a Lisboa. Anteriormente, para se vir a Lisboa ou a qualquer outro ponto da Europa, tínhamos de ir num pequeno avião que saía do campo de aviação de Brá (mais tarde ali ficou instalada a Companhia de Engenharia) até Dakar, por vezes com escala em Ziguinchor, onde então se tomava o avião para Lisboa. Uma outra obra de grande importância e que em muito veio facilitar o acesso ao interior foi a ponte de Ensalmá, na estrada que liga a Mansoa, evitando-se a jangada que anteriormente servia para atravessar o canal que separa a ilha Bissau do continente. O local da “cambança” era na antiga estrada para Nhacra que passava por Santa Luzia. Esta ponte foi, na a época, considerada uma bela obra de engenharia por ter o tramo central móvel, permitindo a sua elevação sempre que houvesse uma embarcação a navegar por aquele ponto do canal, de grande importância para o transporte de mercadorias, produtos agrícolas e pessoas. O sistema que fazia erguer o tabuleiro era, assaz, engenhoso e simples não necessitando de motor ou dispositivo semelhante. Um simples contrapeso movimentado ao longo de enorme barra que acompanhava exteriormente o tabuleiro, era o responsável pelo “milagre”. Talvez algum dos camaradas da tertúlia tenha chegado a observar directamente como isto acontecia sempre que uma embarcação passava. Segundo recentemente me informaram, esta ponte já não é usada, pois uma outra foi construída para a substituir, e pelo canal, completamente assoreado, já não passam barcos. Mas fica o registo para a história. O primeiro troço de estrada a receber alcatrão foi entre Bissalanca e Ensalmá e resumia-se a uma estreita faixa ao centro com largura somente para um carro. Quando duas viaturas se cruzavam, cada uma delas era forçada a passar com um dos rodados pela borda da estrada não alcatroada. Mais tarde, o alcatrão alargou e estendeu-se até Mansoa. Pode dizer-se que o desenvolvimento da Guiné, começou a avançar, embora timidamente, a partir de meados da década de 50. Novos edifícios iam sendo construídos e surgiam as infra-estruturas indispensáveis ao progresso. Outras obras importantes para o progresso de Bissau foram realizadas. As novas instalações da Alfandega e armazéns portuários junto à nova ponte cais, o novo hospital, (hoje Simão Mendes) a nova estação dos correios, renovação de toda a iluminação pública, abertura de novas ruas e avenidas, o quartel dos bombeiros, o novo cinema da UDIB, a sede do Benfica, a sede da Associação Comercial (hoje do PAIGC) e demais realizações que estavam, embora lentamente e com muito atraso, a trazer Bissau para a civilização. Por ter falado no novo cinema da UDIB, será lógica a pergunta:
- E antes não havia cinema?
Claro que havia mas as condições em que acontecia dão vontade de rir. O cinema tinha lugar num armazém, mais barracão que armazém, pertencente à Casa Gouveia e situado no quarteirão onde ficava a sede dessa empresa comercial, na rua que a separava do BNU. Cadeiras de madeira tosca, desconjuntadas, chão de cimento todo fragmentado, escuro e abafado mas que, às quintas, sábados e domingos faziam as nossas delícias. Com esta atabalhoada narrativa podem os caros amigos desta tertúlia fazer uma pequena ideia de como era a Bissau dos tempos que antecederam a guerra. Nesta pequena crónica referi apenas os aspectos urbanísticos. Darei conta, brevemente, da vida laboral e lúdica desses tempos.

_______ Notas de L.G.:

(1) Vd. poste de 9 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXII: Memórias do antigamente (Mário Dias) (1): Um cabaço de leite

(2) Vd. poste de 19 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - LDXVI: Memórias do antigamente (Mário Dias) (2): Uma serenata ao Governador (3) Vd. poste de 15 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXX: Memórias do antigamente (Mário Dias) (3): O progresso chega a Bissau

Guiné 63/74 - P269O: Memórias dos lugares (5): A vila de Bissau em 1925 (Beja Santos)

Uma vista de Bissau (África Ocidental), 1925. Fonte: Jornal Europa (enviado por Beja Santos)


1. Mensagem do Beja Santos:


Junto uma imagem preciosa da vila de Bissau, em 1925 (quando ainda não se sonhava que viria a ser a capital da Província, o que irá ocorrer em 1941).

A vila espraiava-se junto ao Geba,alinhavam-se os armazéns das casas comerciais francesas, alemãs, inglesas, norte-americanas e portuguesas.

A fotografia apareceu no Jornal da Europa, um género de jornal de negócios das colónias, mas com qualidade literária (o chefe de redacção era Julião Quintilha) e que se publicou dos anos 20 para os anos 30.

A pequenina Bissau tinha meiguice. Uma lembrança para todos os tertulianos, se achares bem.

Um abraço do Mário

quarta-feira, 26 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2689: Construtores de Gandembel / Balana (2): O papel da CART 1689 (8 de Abril a 15 de Maio de 1968) (Idálio Reis)

Comentário do Idálio Reis, ex-Alf Mil da CCAÇ 2317 (Gandembel / Balana, Abril de 1968 / Janeiro de 1969), a pedido do editor, ao texto do Alberto Branquinho (1).


(i) Luís, é com enorme gosto que procuro gizar um comentário ao que o Alberto Branquinho vos (enquanto editores) enviou. Dado que parece tentar causar algum serôdio protagonismo, envereda por uma atitude insinuativa, pouco cordata, dirigida ao destinatário que melhor lhe convém e apraz: o editor do Blogue.

O que ele aflora na sua parte A, é obvio que merece uma resposta de igualha, pois que, se há muitos ex-combatentes que não têm conhecimento da existência do Blogue, devido a um conjunto de razões fáceis de reconhecer, é de lamentar que outros que detêm essa enorme possibilidade, não queiram contar a sua história ou se demitam de a fazer.

O Blogue tem sido um espaço aberto e plural, que aceita com entusiasmo e agrado as opiniões que cada um deseja subscrever, seguro que não pode nem deve minimamente duvidar que a narração dos factos bélicos que vão surgindo, sejam fictícios ou mesmo meras presunções. O Blogue pretende ser um enorme ponto de aglutinação, onde se forje e cimente uma tertúlia de gentes com muito de comum, e que demonstrem desejar abrigarem-se na Tabanca Grande.

A história da guerra colonial, em que participámos convulsivamente, essa sim, denota fortes omissões ou propositadas distorções, e o Blogue é, se se quiserem, o meio em que cada um que queira apresentar, possa veicular o que dita o seu estado de alma num determinado momento.

O Alberto Branquinho faz afirmações pouco abonatórias em relação a abundantes narrativas que vamos recebendo. Cabe-lhe pois comprovar o que profere, mas que não pretenda ser o único paladino da verdade.

(ii) Quanto ao que está descrito no post de 14 de Março, em que aflora o papel desenvolvido em Gandembel/Ponte Balana, julgo que é primacialmente baseado no que eu fui escrevendo, pois até ao momento, fui o homem que se apresentou como tendo vivido, sem qualquer interrupção, uma longa jornada de 295 dias por aqueles sítios.

Mas, transcreve-se ao que referi quanto à CART 1689.

«Tudo me leva a crer (noite de 8 de Abril), que foi este imenso tiroteio que determinou a que a coluna se refizesse e avançasse mais cerca de meia dúzia de quilómetros para norte, em busca de uma linha de água que nos viesse a proporcionar o fornecimento desse elemento tão vital, e que dado o adiantado da época seca, se tornava um bem bastante escasso. E por via disso, na superior linha de festo do rio Balana, nos viemos a quedar nessa manhã, para de imediato dar início à odisseia que representou a construção de um posto militar fixo, que se viria a chamar Gandembel e mais tarde a uma anexa afastada apenas de poucas centenas de metros, de nome Ponte Balana.

"Sob a vigilância directa de uma tropa já bastante mais experimentada - a CART 1689 -, que já reconhecera o local antecipadamente, e que teve uma acção extraordinária durante a permanência que teve connosco até à sua retirada a 15 de Maio, e que é de elementar justiça salientar o papel relevante que sempre demonstrou, começámos a arranjar as nossas guaridas colectivas, autênticos abrigos-toupeira, que nos ofertassem uma maior segurança pessoal durante o tempo de construção dos abrigos definitivos.».


Mais à frente, expresso o seguinte:

«A briosa CART 1689 despede-se do nosso convívio, e esta sua partida deixou-nos claramente mais pobres, sós e indefesos. Em mais de um mês que nos acompanhou, até 15 de Maio, desenvolveu um trabalho extremamente meritório e empenhou-se forçadamente em nos acompanhar. Passou também por graves tribulações, em que perde um furriel, alvo de um artefacto armadilhado por ele mesmo, e sofre mais de uma dezena de evacuações, por ferimentos e doenças.».

Do que se afirma, a Companhia de Gandembel/Ponte Balana, pelo sentir do Idálio Reis, não escamoteia o relevante papel desenvolvido pela CART do Alberto Branquinho durante o período de pouco mais de um mês que aqui permanece. Ao invés, presta-lhe todo o mérito e engrandece-lhe a sua missão.

(iii) O Alberto Branquinho, como que inquere o editor, se sabe o que foi a operação BOLA DE FOGO?

Tenho em minha posse o historial da CART 1689 enquanto esteve na zona do Forreá, bem como da minha Companhia e da CCAÇ 2316.

Sob o título “Os Heróis de Gandembel”, o saudoso José Neto da CART 1613, no Post DCCLXXXV de 23 de Maio de 2006, relata o seguinte:

«A Operação Bola de Fogo destinou-se à implantação de um aquartelamento para efectivo de Companhia, no Corredor de Guilege. Desenvolveu-se entre 8 e 14 de Abril de 1968, com a seguinte força executante: CART 1613, CART 1689, CCaç 2316, CCaç 2317, 3.a Companhia de Comandos, 5.a Companhia de Comandos, Pelotão de Reconhecimento Fox 1165, Pelotão de Sapadores do BART 1896, Pelotão de Caçadores Nativos 51, Pelotão de Caçadores Nativos 67, Pelotões de Milícias 138 e 139, elementos do BENG 447, APAR (Apoio Aéreo). Durante a operação, o IN flagelou 7 vezes as posições, causando às NT 2 mortos, 13 feridos graves e 34 ligeiros.».

O historial da CART 1689, descrito muito pormenorizadamente, refere que a 14 de Abril, a OP BOLA DE FOGO foi considerada como tendo terminado neste dia. E de forma fidedigna, narra os factos ocorridos nos dias subsequentes até ao dia em que se retira de Gandembel.

Porque o Blogue já se debruçou sobre as circunstâncias da morte do furriel Belmiro dos Santos João, da CART 1689, por premência de seus familiares, fui eu que deu as indicações devidas (P1532 de 17 de Fevereiro de 2007).

Já o historial da minha Companhia refere tão só o seguinte:

«Com o dia 8Abril68, chegou então a data de partida desta CCaç para GANDEMBEL, integrada na operação 'Bola de Fogo' a fim de construir o aquartelamento, onde ficaria instalada a Companhia. Nessa noite sofreu 5 flagelações no itinerário GUILEJE-GANDEMBEL, a cerca de 3 Km de GANDEMBEL, mais propriamente junto ao rio BUNDO-BORO. As NT reagiram pelo fogo, tendo infligido uma baixa confirmada ao IN.»

Quanto ao que sobre o assunto se inscreve no historial da CCaç 2316, é do seguinte teor:

«De 08 a 14 de Abril realizou-se a operação 'Bola de Fogo', tendo por finalidade conseguir a reabertura da estrada GUILEJE-GANDEMBEL, onde seria construído um aquartelamento. Durante esta operação, foram as NT várias vezes flageladas e emboscadas, quer durante o dia quer durante a noite. Passadas buscas aos locais de onde foram efectuadas as flagelações, foi encontrado vário material IN, destacando-se uma PPSH, várias munições e equipamento, além de um elemento IN morto.

"Das várias emboscadas às NT, pode-se destacar a do dia 13ABRIL68, em que o IN utilizou um grande potencial de fogo, combinado com a deflagração simultânea de 4 fornilhos comandados, que nos causaram 8 feridos. Nesta data, cerca das 16H00 atingiu-se GANDEMBEL. Mais uma vez, ao regressar no dia seguinte, as NT foram de novo emboscadas, tendo sofrido 4 feridos, dos quais 1 grave. Registe-se contudo, que se bem que não confirmadas devem ter sido causadas cerca de 15 baixas ao IN.».


Como o Alberto Branquinho pode atestar, o Blogue tomou conhecimento, já há muito tempo, da operação BOLA DE FOGO, mas com as datas que aqui se referem, e não as que menciona. O editor do Blogue foi sempre um operacional do mato, pelo que as funções que cabiam aos elementos sapadores ou de engenharia, não precisa de ser elucidado, pois sabe muito bem distingui-las.

Mas quanto ao desempenho da engenharia militar, na reconstrução da ponte sobre o rio Balana, eu próprio tive de reconhecer que houve muita leviandade, pois apesar de ser muito pouco utilizada, ruiu numa das últimas colunas de reabastecimento provenientes de Aldeia Formosa, a 22 de Novembro [d, ao peso de uma GMC cheia de bidões de combustível.

(iv) A afirmação que não foram só os homens da CCaç 2317 que trabalharam nas obras de construção de Gandembel/Ponte Balana, é no mínimo capciosa.

A Companhia do Alberto Branquinho prestou uma estimável ajuda durante pouco mais de um mês, que bem reconheci. E após a sua retirada, com quem mais contou para a finalização da obra?

Mas como se reconhece, Gandembel foi sujeita a 372 ataques/flagelações, que a CART 1689 sofre uma pequeníssima parte.

Mas na dureza das condições em que Gandembel foi palco, o aspecto que quis mais relevar aquando da retirada, a 28 de Janeiro [de 1969], expresso-o do seguinte modo:

«Na qualidade de ex-militar que viveu todos os dias de Gandembel/Ponte Balana, sinto que os homens desta Companhia foram uns joguetes de uma estratégia macabra, hedionda, vergonhosa. Jamais teve, até à chegada dos pára-quedistas, o apoio que merecia. E tenho de reconhecer em Spínola, um militar de uma enorme dimensão, pois que se não fora a sua persuasão, talvez poucos homens desta Companhia restariam».

E quanto à acção desenvolvida pelas forças pára-quedistas, chegadas a 20 de Agosto [e 1968], crê que ela foi fundamental para o futuro dos homens da sua Companhia, muito em especial no aspecto anímico, onde inclusive conseguiu também criar um clima de muito maior segurança para as demais tropas que estavam de algum modo envolvidas com Gandembel.

Houve muito trabalho de pá e pica, onde o Alberto Branquinho desde que abandonou aquele malfadado lugar, denota não ter acompanhado devidamente o que foi o seu dia-a-dia, da situação crítica em que ficaram aqueles homens, muito em especial como frente de guerra, e por isso, entre todos os que ajudaram essa Companhia, tenho que enfatizar a acção dos pára-quedistas, o que me leva a afirmar:

«Indubitavelmente, foi capaz de incutir uma outra serenidade a estes desalentados homens, renovar estados de espírito abalados, sobrepujar contrariedades inúmeras, remoçar réstias de esperança, que se revelaram cruciais no aumento da auto-estima. E esta extraordinária proeza, este feito inigualável, ninguém lhe conseguiu dar a devida dimensão, tão-só o peso e o testemunho da gratidão dos que o sentiram.

"Alguém que ouse escrever esta epopeia da presença dos pára-quedistas em Gandembel, porventura das maiores que a guerra colonial conheceu, e julgo que omitida».


(v) Uma vez que o Alberto Branquinho refere ter conhecimento da existência do Blogue há alguns anos, julgo que de todo não tem lido o que eu e o editor Luís Graça têm escrito sobre essa saga de Gandembel/Ponte Balana, porque muito provavelmente não chegaria ao motivo do seu escrito.

E assim, desculpar-me-á, mas foi infeliz nas suas afirmações.

O Simpósio de Guiledje, que o Blogue se associou desde logo, e que teve um forte empenho do nosso amigo Carlos Schwarz, teve um único objectivo, que o José Teixeira, tão bem soube apregoar no meio das ruínas de Gandembel: simbolizar o espírito de todos os que ali lutaram, de todos os que aí derramaram o seu sangue, sem distinção de raça ou cor; simbolizar o espírito da paz e fraternidade que seja alimentado por todos, e a esperança na construção de uma Guiné-Bissau onde haja paz, pão, saúde, educação, justiça.

E Luís, tenta dar a volta a tudo isto. Bom regresso, com muitas amêndoas. Um caloroso abraço do Idálio Reis.

___________

Nota de L.G.:

(1) Vd. poste de 26 de Março de 2008

Guiné 63/74 - P2688: Construtores de Gandembel/Balana (1): Op Bola de Bogo, em que participou a CART 1689, a engenharia e outros (Alberto Branquinho)