quarta-feira, 28 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2894: O Nosso Livro de Visitas (14): Carlos Brito, ex-Fur Mil Inf, BART 645 (Oio, 1964/66)

Mansabá> Memorial com os brasões das Unidades que por ali passaram. À esquerda, em baixo, o brasão do BART 645 (Águias Negras)


1. Em 10 de Janeiro de 2008 recebemos uma mensagem do nosso camarada Carlos Brito, de que estamos agora a dar conhecimento.


No vosso blogue pouco ou nada vi sobre o meu Batalhão - BART 645 (Águias Negras).

Para já uma correcção ao que disse o Artur Conceição: O BART 645 tinha como Comandante o Senhor Ten Cor António Braancamp Sobral e não o Ten Cor Henrique Calado (1).

Estivemos no Oio de meados de 1964 a Janeiro de 1966.

As nossas Companhias foram colocadas em:
CART 642 e 644 - Mansabá,
CART 643 - Bissorã:
CCS - Mansoa

Não viemos de lá envergonhados, mas sim frustados e com alguns apanhados.
Poucos mortos em combate.
Outras unidades estavam agregadas ao BART, destacadas em Olossato, Encheia e nas povoações que mencionei.
Todos foram bons!!

Carlos Brito
Ex-Fur Mil
CCS/BART 645


2. Em 27 de Maio foi endereçada resposta ao Carlos Brito

Caro Carlos Brito
Ao dar uma revisão ao correio mais antigo, deparei com esta tua mensagem.
Peço desculpa por só agora estar a responder, pois não tenho registo de o ter feito antes.

Na verdade não aparece nada do teu Batalhão no nosso Blogue, a não ser a referência que o Artur lhe faz e o anúncio do vosso Convívio ocorrido no dia 29 de Março passado que eu próprio tive ocasião de publicar.

Eu estive em Mansabá 22 meses, entre Abril de 1970 e Fevereiro de 1972 e lembro-me perfeitamente de ver o brasão do vosso Batalhão num memorial existente por lá.
Não sei se tu pertencenceste a alguma das Companhias que lá esteve.

Aproveito a ocasião para te convidar a aderires à nossa Tabanca Grande para que a história do teu Batalhão conste do nosso Blogue.

Com renovado pedido de desculpa, aguardo resposta tua.
O camarada
Carlos Vinhal

OBS:-Insiro foto tirada junto ao memorial das Unidades que passaram em Mansabá



3. Hoje mesmo recebemos esta mensagem do camarada Brito

Caro Carlos Vinhal,
Muito agradeço teres respondido ao meu mail.
Só depois de o mandar é que me apercebi que, ao tentar corrigir o vosso blogue, não tinha feito as coisas segundo as regras.

Sobre o meu batalhao - BART 645 (Águias Negras) de facto nada aparece à nossa permanência, numa das duas zonas quentes (a outra era a ilha do Como). Acaba por passar à história, como sendo um período de férias. Tal não é verdade!

O BART 645 teve uma intensa actividade operacional, até ser atingido pelo mal chamado frustração.

Em 1964 e 1965, posso dizer-te que praticamente só dois batalhões eram operacionais, o nosso e o BCAV 490.

Muitos dos meus camaradas foram condecorados e também nada encontrei no vosso blogue.

Em Mansabá estiveram as CART 642 e 644, em Bissorã a 643 e em Mansoa a 645 (CCS), daí a teres encontrado o nosso distintivo.

Sabes, nós fomos o primeiro batalhão a ostentar no ombro o emblema da Unidade. Éramos todos Àguias Negras só a côr de fundo variava, a 642 com fundo verde a 643 com azul, a 644 com vermelho e a CCS amarelo, por isso logo que desembarcámos em Bissau, passámos a ser também conhecidos pelo batalhão das tabuletas.

A Mansabá só fui três vezes.
Numa delas fui até Manhau. Não fiquei com saudade!!

Nesses anos, nós pensávamos que eramos os melhores. Nós tinhamos capturado muito material, a primeira MP 12.7, só duma vez 77 PM Thompson, RPG 7, PPSh, minas e muito mais que não me recordo. Sobre este ponto eu gostaria que os meus camaradas se pronunciassem todavia parece que eles preferem esquecer.

Todas as Unidades que estiveram no Batalhão, que não eram genuínos Águias, também foram extremamente esforçadas.

Na verdade, nós fomos uma geração que lutou por ideal impossível de alcançar.

Não tens que me pedir desculpa, eu é que agradeço. Tu, Luís Graça e Briote, fazem aquilo que deve ser feito - não apagar a nossa História.

Vai uma bazzoka???

Abraço,
Carlos Brito
Ex-Fur Mil Inf
CCS/BART 645


4. Comentário de Carlos Vinhal

Caro Carlos, ficamos agradados pela tua resposta imediata e por nos desculpares este silêncio de alguns meses.

Queremos repetir o repto para aderires à nossa Tabanca Grande e contares a história do teu Batalhão, pois não podes permitir esta lacuna no nosso Blogue.

Todos somos poucos para deixarmos feita a resenha da guerra na Guiné contada por quem a viveu.

Recebe um abraço da tertúlia com desejos de muita saúde e boa vida por terras da Alemanha.
______________

Nota de CV:

(1) - Vd poste de 8 de Dezembro de 2007> Guiné 63/74 - P2335: A trágica morte do Cap Rui Romero: 10 de Julho de 1966, dia de correio (Artur Conceição)

Guiné 63/74 - P2893: A guerra estava militarmente perdida? (10): Que arma era aquela? Órgãos de Estaline? (Paulo Santiago)

A Guerra estava militarmente perdida?

Uma polémica que está para durar, viva e saudável...

Adaptação do texto e sublinhados da responsabilidade de vb.
___________


Escreve o Paulo Santiago, em 24 de Maio:

Camaradas,

Após leitura do P2872, bem escrito pelo António Graça Abreu, fico com dúvidas acerca da guerra de guerrilha, melhor acerca da guerra na Guiné.

À pergunta implícita no título não me acho capaz de responder, mas permitam-me algumas considerações.

Diz o António que os guerrilheiros, os turras, como se dizia na época, não controlavam nenhuma cidade, vila ou aldeia importante dentro do território da Guiné.
Pergunto: seria preciso?

Sabemos que uma guerra de guerrilha, qualquer que seja, é dos manuais, não tem que ocupar posições estáticas no terreno. A função da guerrilha é atacar, destruir e retirar.
Isto também é verdadeiro para as tropas especiais – atacar, destruir, retirar de imediato.

Também é verdadeiro, a guerrilha para existir e continuar na luta tem de contar com o apoio das populações, seja esse apoio camuflado ou não. Diz o António que viviam 400.000 guineenses juntos das NT. Entre aquele número, quantos não apoiariam o PAIGC, o IN na designação oficial?

Na zona do Saltinho havia um tipo que era suspeito de apoiar o IN, verificou-se, após a independência isso ser falso, o apoio do PAIGC, estranhamente ou não, era o actual chefe de tabanca do Saltinho, tabanca Mandinga, isolada num mar de tabancas fulas. Aquele chefe de tabanca, Abdu, frequentava diariamente o quartel, exercendo trabalho de magarefe e outros.
Quando estive em Bambadinca diziam, como piada, que nos Nhabijões, à noite, um militar das NT de G3,ao passar ronda, se cruzava com um guerrilheiro de AK. Qual o fundo da piada?

Diz o António que as FA tiveram sempre superioridade de meios terrestres, navais e aéreos. Concordo.

Mas, será isto suficiente?

Vejamos o caso de Gandembel, tão bem retratado pelo Idálio no blogue. Em Abril de 68 a companhia do Idálio ocupou Gandembel, construiu um quartel, desocupado depois em Janeiro de 69. Neste espaço de tempo, tão curto, teve 372 ataques, mais de um ataque por dia em média.
Onde andavam os heli-canhões, os T6 e os Fiat? Ainda não havia Strella's, de que valeu a superioridade aérea?

Em todas as guerras de guerrilha, nunca a superioridade de meios de combate e de combatentes das forças regulares, chamemos-lhe assim, foram suficientes para vencer um número inferior de guerrilheiros dotados de uma panóplia de armamento muito inferior em quantidade e eficácia.
Exemplos não faltam. Os argelinos da FLN não precisaram de ocupar cidades para que os franceses chegassem à conclusão que tinham a guerra da Argélia perdida.

Recentemente, o poderoso exército soviético, com toda a sua tecnologia de ponta em meios de combate, com um número de militares impressionante, foi obrigado a abandonar o Afeganistão onde tinha um inimigo muito inferior numericamente e cujas armas eram AK's, RPG's, canhões sem-recuo e...Strella's. O comandante Massoud e os guerrilheiros afegãos, deslocavam-se a pé e a cavalo, não tinham viaturas militares, não precisaram de ocupar vilas ou cidades, nestas estavam os militares afegãos do Najibullah e os seus apoiantes soviéticos. O general Lebed, comandante dos páras soviéticos, último militar a atravessar a ponte na fronteira sovética-afegã, diz não ter sido vencido militarmente. É possível, certa foi a sua retirada.

Também no Vietname nunca a guerrilha ocupou vilas, aldeias ou cidades. Ocupava túneis no meio da selva, o armamento era inferior ao dos Estados Unidos e dos seus aliados vietnamitas de Saigão, numericamente os guerrilheiros estavam em inferioridade comparando com o efectivo dos dois exércitos aliados. Não valeu de nada a superior qualidade e quantidade de armamento americano, nem a maior quantidade de efectivo combatente.

No Vietname até se chegou à última fase da guerra de guerrilha, quando esta se transforma em guerra clássica, o que levou aquele episódio trágico da retirada militar a partir dos telhados da embaixada.

O António rebate uma afirmação do Beja Santos sobre a Katiuscha, vulgarmente chamada Órgãos de Estaline dizendo que nunca ninguém os viu na Guiné.

Vou discordar dos dois. Na segunda-feira de Carnaval de 1971, houve um baile na escola que ficava junto do quartel do Saltinho, eu fiquei no bar, andava na altura com a coxa direita cozida devido a um acidente com o morteiro 60, quando ia no terceiro ou quarto copo, ouço umas saídas que me levam a abandonar o bar e, agarrado à bengala, encaminho-me para o exterior procurando chegar ao abrigo.

Quando atravessava a parada vejo uns rastos de fogo no horizonte seguidos de uns rebentamentos para os lados de Aldeia Formosa, repetindo-se a cena várias vezes.
Devo dizer, visto àquela distância era interessante, ouviam-se as saídas, viam-se seis rastos de fogo no céu, depois os rebentamentos.

Chega um militar das transmissões dizendo que o quartel de Aldeia perguntava que ataque era aquele que estávamos a sofrer. Mas não é a Aldeia que está a ser atacada? perguntei-lhe. Uma situação bizarra.

Que porra de arma era aquela? Passados poucos dias chegou informação do Com-Chefe, indicando que naquele dia tinha sido utilizado pela primeira vez no TO da Guiné, a Katiuscha, seguindo as especificações da arma.

Sendo assim, caro António, pelo menos uma vez, houve um ataque com os Órgãos de Estaline.


A URSS foi o primeiro país a utilizar os lançadores múltiplos de foguetes durante a segunda guerra mundial. Foram utilizados pela primeira vez em Smolensk, em 1941, durante a investida alemã. A este sistema foi dado o nome de Katiusha, ao qual os soldados soviéticos passaram a chamar "órgãos de Estaline" (VB).


Foi sendo melhorado ao longo de vários conflitos. Muito utilizado em Angola nos combates entre o MPLA, a FLNA e a UNITA, após a independência. Existem actualmente dois sistemas a equipar os exércitos de alguns países: o BM-8 de curto alcance e o M-30 de longo alcance.

Mário, a Katiuscha era montada num camião, precisava de uma estrada ou picada, não sei se voltou a ser utilizada, mas pela precisão demonstrada naquela noite penso que não era arma para temer. Seria boa contra as concentrações de Panzer’s, ou para destruir uma cidade, nada mais.

Já aqui escrevi uma vez que as Forças Armadas Portuguesas, como diz o especialista J.P Cann, bateram-se, atendendo aos escassos recursos, arduamente, esperando uma solução política que nunca chegou.

Quanto à pergunta: a guerra estava militarmente perdida?

Não sei responder, porque se disser não, aparece-me outra pergunta, até quando?

Abraço,

Paulo Santiago
__________

Nota do co-editor VB:

Artigos relacionados em

27 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2890: A guerra estava militarmente perdida? (9): Esclarecimentos sobre estradas e pistas asfaltadas (Antero Santos, 1972/74)

25 de Maio > Guiné 63/74 - P2883: A guerra estava militarmente perdida ? (8): Polémica: Colapso militar ou colapso político? (Beja Santos)

22 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2872: A guerra estava militarmente perdida ? (5): Uma boa polémica: Beja Santos e Graça de Abreu

15 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2845: A guerra estava militarmente perdida ? (4): Faço jus ao esforço extraordinário dos combatentes portugueses (Joaquim Mexia Alves)

13 de Maio de 2008 > Guiné 73/74 - P2838: A guerra estava militarmente perdida ? (3): Sabia-se em Lisboa o que representaria a entrada em cena dos MiG (Beja Santos)

30 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2803: A guerra estava militarmente perdida ? (2): Não, não estava, nós é que estávamos fartos da guerra (António Graça de Abreu)

17 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2767: A guerra estava militarmente perdida ? (1): Sobre este tema o António Graça de Abreu pode falar de cátedra (Vitor Junqueira)

Guiné 63/74 - P2892: A verdade e a ficção (2): Ilha do Como, Op Tridente: Queres vender a tua água ? Dou-te 100, dou-te 200 pesos (Anónimo)


Guiné > Região de Tombali > Ilha do Como > 1964 > Op Tridente (de 14 de Janeiro a 24 de Março de 1964) . Croquis executado pelo Mário Dias.

"A designada Ilha do Como é, na realidade, constituída por 3 ilhas: Caiar, Como e Catunco mas que formam na prática um todo, já que a separação entre elas é feita por canais relativamente estreitos e apenas na maré-cheia essa separação é notória. Na ilha não existia qualquer autoridade administrativa nem força militar pelo que o PAIGC a ocupou (não conquistou) sem qualquer dificuldade em 1963. As tabancas existentes são relativamente pequenas e muito dispersas. Possui numerosos arrozais, o que convinha aos guerrilheiros pois aí tinham uma bela fonte de abastecimento, acrescido do factor estratégico da proximidade com a fronteira marítima Sul e o estabelecimento de uma base num local que facilitava a penetração na península de Tombali e daí poderia ir progredindo para Norte.

"Não tinha estradas. Apenas existia uma picada que ligava as instalações do comerciante de arroz, Manuel Pinho Brandão (na prática, o dono da ilha), a Cachil. A partir desta localidade o acesso ao continente (Catió) era feito de canoa ou por outra qualquer embarcação. A casa deste comerciante era, se não estou em erro, a única construída de cimento e coberta a telha.

"Portugal não exercia, de facto, qualquer espécie de soberania sobre a ilha. Tornava-se imperioso a recuperação do Como. Foi então planeada pelo Com-Chefe a Operação Tridente na qual foram envolvidos numerosos efectivos, divididos em 4 Agrupamentos (...), num total de cerca de 1200/1300 homens".

Fonte: Mário Dias >
Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias) (15 de Dezembro de 2005)


Guiné > Regiãod e Tombali > Ilha do Como > 1964 > Op Tridente (de 14 de Janeiro a 24 de Março de 1964) > LDM desembarcando as NT.

Fotos: © Mário Dias (2005). Direitos reservados


1. Queres vender a tua água ? Dou-te 1000$00, 2000$00... Alguém que esteve na Ilha do Como, pelo menos logo nos primeiros dias da Op Tridente, mais exactamente em 23 de Janeiro de 1964, deixou escrita esta frase, num comentário a um poste já antigo, publicado na 1ª série do nosso blogue (1).

Não sabemos quem é o autor, por que não deixou nem o nome nem o endereço de correio electrónico. Vamos considerá-lo como um combatente anónimo. Era, pela descrição que nos faz do seu 1º e 2º dia no Como, um soldado de transmissões, da CCAÇ 557, comandada pelo Cap Ares Colaço. A referência que faz à escalada do preço da água não deixa de ser altamente premonitória e simbólica: já o Mário Dias nos tinha aqui descrito, com detalhe e dramatismo, o suplício que foi, durante a Op Tridente, a falta de água potável...Recorde-se que estávamos em plena época seca, e que grande parte da Ilha do Como é salinizada... Recorde-se igualmente que na época 100 ou 200 pesos era já uma quantia muito razoável, era o equivalente ao valor pago pela alimentação de cada militar durante 4 ou 8 dias (24$50 por dia!)...

É um testemunho singelo, escrito num português esforçado (que teve de levar, naturalmente alguns retoques), de um homem que deve andar hoje pelos seus 66/67 anos. Até pela sua vontade em participar no nosso blogue e comunicar a sua experiência pessoal, ele merece maior visibilidade, além do nosso aplauso. Pode ser que, com ísso, ele queira dar a cara e prosseguir o seu depoimento. E sobretudo pode (e deve) abrir o caminho a outros depoimentos, de outros camaradas que participaram na mais longa (e mais dura) operação militar realizada no CTIG.

Recorde-se, por outro lado, que a Batalha do Como (sic) foi transformada num mito pela propaganda do PAIGC , falando-se em 650 baixas, entre a tropa portuguesa, cujos efectivos totais eram calculados em 3 mil homens, dos quais dois mil seriam tropas de elite, transferidas de Angola (sic) (Cabral, A. - A batalha do Como e o congresso de Cassaca. In: Obras escolhidas de Amílcar Cabral: Unidade e Luta II: A prática revolucionária. ed. lit. Mário de Andrade. Lisboa: Seara Nova, 1978. Volume II, pp. 41-44)


2. Depoimento de um combatente anónimo: Ilha do Como, Operação Tridente

No dia 23/01/1964 duas LDM, apoiadas por uma pequena corveta da marinha, desembarcaram na Ilha do Como, mata do Cachil, a Companhia de Caçadores 557. O comandante era o capitão Ares e não Aires. Desembarcou também o 7º Destacamento de Fuzileiros, do tenente Ribeiro Pacheco.

O 1º obstáculo foi a maré vazia, o lodo… Os primeiros 3 fuzileiros conseguiram alcançar a terra mas os seguintes ficaram atolados no lodo até ao tronco. Tiveram que ser puxados com uma corda para Botes de Borracha. A seguir, esses 3 fuzileiros em terra, com a ajuda de facas de mato, cortaram uns troncos e rama de tarrafo e lá se conseguiu fazer todo o desembarque. A sorte foi não sermos atacados naquela situação, mas isso veio logo a seguir.

Todos em terra, antes de nos embrenharmos na mata, ouvimos as seguintes palavras, vindas de um pequeno vaso de guerra através de um megafone:
-Camaradas, colegas e amigos, para a frente é que é o caminho, não perdoar!

Cerca de 150 metros, mais ou menos, à frente, uma ponte que era um autêntico baloiço. Um a um todos passaram mas aí, a uns 300 metros, apareceu uma bifurcação de dois caminhos e em cima de uma árvore um posto de sentinela mas sem ninguém. Aí nova pausa devido ao inimigo ter ateado lume ao capim. Este trajecto foi sempre apoiado por um avião TC e na maior parte do percurso por dois.

Houve durante o percurso alguns tiros vindos da mata mas isolados e também nos dava a ideia de serem um pouco distantes. Com estes contratempos todos a noite aproximava-se e o apoio aéreo terminava. Lá conseguimos chegar à zona onde o capim tinha ardido com a grande mata do Cachil à vista. Aí a uns 400 metros, mais ou menos, toca toda a malta a cavar abrigos, com a excepção do tenente Pacheco com a sua metralhadora MG 42 e o capitão Ares com a G3, e que nos iam dizendo:
- Trabalhem, trabalhem, que estão aqui 2 homens que vos guardam.

Na manhã seguinte, 24/01/1964, cerca de 80 homens, entre fuzileiros e malta da CCAÇ 557, fizeram batida à pequena mata do Cachil: nada a registar em termos de guerra. Mas havia um grande problema: ÁGUA?!... E então trata de cavar um buraco e aí com 1,5 a 2 metros a água apareceu. Opção correcta: filtrar e desinfectar. Mas, ao bebê-la, parecia autêntico petróleo, não lavava, não tirava o sabão, ficava tudo gordurento.

Passado isto, eram 12 horas,já se notava em alguns militares princípios de esgotamento devido à sede e ao calor que era intenso, mas eis que cerca das 15 horas chega o helicóptero com o precioso liquido. Fez-se a distribuição, calhou meio-litro a cada um tudo, igual para todos. Nesse dia á agua subiu a um preço inacreditável. Pergunta:
- Queres vender a tua água ? Dou-te 1000$00, 2000$00.

Ninguém vendeu, terminada a distribuição, todos os camaradas foram descansar excepto os que estavam de serviço à segurança e eu e o meu colega, que o nosso trabalho era transmitir nova mensagem a pedir mais água munições e rações de combate.

Quando acabei de transmitir a mensagem HILARIANTE MAS AGORA, diz-me o capitão Ares Colaço:
-Deita-me aqui uns pingos de petróleo nas costas, que sempre refresca.

Mal acabei de tirar o primeiro saquinho, surge da pequena mata do Cachil uma rajada de tiros a espicaçar a zona onde nós estávamos. Bem, foi tal a pressa a rastejar até ao abrigo que o capitão nem dos óculos se lembrou. Metidos nos abrigos aguentámos o tiroteio que terminou quase de noite. (...)

_______

Nota dos editores:

(1) Vd. post de 17 de Novembro de 2005 >
Guiné 63/74 - CCXXVI: Antologia (25): Depoimento sobre a batalha da Ilha do Como

Fonte: Extractos de Diário do Alentejo, de 23 de Abril de 2004 > Crónica do Soldado 328, por Alberto Franco.(Já não disponível na Net, na data de hoje, no antigo sítio do Diário do Alentejo). Reprodução com a devida vénia.


(...) O alentejano Joaquim Ganhão foi um dos milhares de portugueses que lutaram em África, nos anos da Guerra Colonial. Nas dificuldades e sustos que viveu em terras da Guiné – participou na célebre Operação Tridente, em 1964 – certamente muitos outros ex-militares se reconhecem. Quando passam 30 anos sobre o 25 de Abril, é oportuno recordar a longa guerra, unanimemente considerada uma das principais causas da revolução.

(...) Tridente da morte

Mas a emboscada no Oio-Morés foi uma brincadeira, comparada com o que veio a seguir. O Batalhão de Cavalaria 490, e com ele Joaquim Ganhão, foi um dos participantes na operação Tridente, uma das mais aparatosas ofensivas portuguesas na Guerra Colonial. Denominada Tridente porque envolvia a marinha, o exército e a força aérea, a operação visava ocupar as ilhas do Como, Caiar e Catunco, no Sul da Guiné, onde os combatentes do PAIGC dispunham de importantes bases. Ali se movimentava o astuto comandante Nino Vieira, formado nas técnicas da guerrilha pela Academia Militar de Pequim, que teria no Como cerca de 300 homens, incluindo militares da Guiné-Conacri. Um dos objectivos da missão consistia em conquistar o apoio da população das ilhas, que os guerrilheiros controlavam:
- Em todas as tabancas (aldeias tradicionais) do Como, se viam retratos de Amílcar Cabral-, observa Joaquim Ganhão.

A operação Tridente iniciou-se em 15 de Janeiro de 1964. O 1º cabo Ganhão só soube o que o esperava quando se viu a bordo de uma lancha LDM, dos fuzileiros. Através das bolanhas, ladeadas por uma vegetação densa e asfixiante, o tarrafo, a Companhia 489, comandada pelo capitão Pato Anselmo, avançou até à ilha de Catunco. Ganhão permaneceu ali mais de dois meses, "entrincheirado num buraco, juntamente com dois companheiros, agarrados às G3, com as balas do inimigo a passarem-nos rente". Quem disparava?
- Nenhum de nós sabia. Os tiros vinham da mata, onde os guerrilheiros estavam bem escondidos -. Por isso, sair do buraco só em último caso:
- Tínhamos o exemplo de um companheiro que se levantou para beber uma pinga de água e foi atingido por um tiro no queixo.

Quando se iniciou a segunda fase da operação, foi necessário deixar os abrigos e patrulhar as ilhas:
- Saíamos aos ziguezagues, em grupos de três. Depois deitávamo-nos ao chão e saíam outros três. E isto sempre aos tiros. Foi numa destas acções que Joaquim Ganhão perdeu o seu amigo Henrique Pinto, o primeiro militar de Moura a tombar na guerra:
- O Henrique, que pertencia à Companhia 487, seguia numa patrulha, formada em leque. Ele, que estava numa das pontas, avançou demais e foi capturado, às três da tarde do dia 24 de Janeiro -. Ganhão e outros tinham ido buscar mantimentos à base logística da operação, instalada numa praia. Aí viu chegar um helicóptero com o cadáver de Henrique, resgatado pelos fuzileiros. O choque foi terrível. Quarenta anos passados, ainda hoje a voz de Ganhão se embarga quando fala do caso:
- Podia ter sido eu. Tive sorte, não calhou.

Os aviões F-86 e T-6 flagelavam as matas do Como com napalm, as granadas explodiam a toda a hora, mas os resultados práticos da operação tardavam em ver-se. A única evidência era o sofrimento dos militares portugueses:
- Bebia-se qualquer água e a alimentação resumia-se a rações de combate-, conta o 1º cabo Ganhão - Comemos carne fresca uma única vez, quando os fuzileiros abateram algumas vacas. Não admira que durante a operação Tridente 193 militares tenham sido retirados do teatro de guerra, por motivo de doença.
Setenta e um dias depois, a missão é considerada finda. As estatísticas apontavam 76 guerrilheiros mortos, 15 feridos e nove detidos. Do lado português contaram-se nove mortes e ferimentos em 47 soldados. Foram disparadas 124 mil balas, 1200 granadas de artilharia e 550 granadas de morteiro. Os militares aliviaram a tensão consumindo 15 500 garrafas de cerveja e fumando 10 100 maços de tabaco. Números que não maquilham o insucesso da operação. A última palavra pertenceu à guerrilha, que continuou a servir-se do Como, só abandonando a região quando os seus interesses se transferiram para outros locais. (...)

Guiné 63/74 - P2891: Convívios (60): CART 2339 (Fá e Mansambo, 1968/69), em Penafiel, no dia 24 de Maio de 2008 (Carlos Marques Santos)

Penafiel> Igreja do Sameiro


Foto dos ex-combatentes da CART 2339 que compareceram a mais um convívio




Carlos Marques Santos,
Fur Mil da CART 2339
Fá Mandinga e Mansambo1968/69

1. No dia 25 de Maio de 2008, o nosso camarada Carlos Marques Santos enviou-nos uma mensagem, dando conta do Convívio da sua CART 2339, realizado no passado dia 24 de Maio na cidade de Penafiel.

Vinhal:

Envio foto de grupo de combatentes da CART 2339 - Mansambo 68/69 que hoje, 24, estiveram em Encontro/Convívio em Penafiel.

A foto foi tirada na chamado Santuário do Sameiro onde foi rezada missa por alma dos nossos mortos.

Na primeira fila, 2º da esquerda, Albano Gomes, nosso tertuliano. Na segunda fila 3º da esquerda para a direita, eu próprio.

Se achares motivo para publicação, avança.

Um abraço
CMS

terça-feira, 27 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2890: A guerra estava militarmente perdida? (9): Esclarecimentos sobre estradas e pistas asfaltadas (Antero Santos, 1972/74)

Foto 1> Fase da construção da estrada, quando a mesma passava em frente à escola de Mampatá.

Foto e legenda: ©
José Manuel (2008). Direitos reservados.


Em mensagem de 25 de Maio de 2008, Antero Santos presta alguns esclarecimentos ao conteúdo do poste 2872.

Caro Luís Graça

Assunto - P2872

Não é meu objectivo entrar na polémica “A guerra estava militarmente perdida?”.

Pretendo somente fazer os seguintes esclarecimentos:

1. Pistas asfaltadas não eram só duas (*) - a pista de Aldeia Formosa também era asfaltada;

2. Estradas asfaltadas (**)

2.1. A estrada que saía de Aldeia Formosa, passando por Áfia, Mampatá, Uane, Nhala e terminando em Buba, numa extensão de cerca de 40 Kms, foi construída em 72/73 e estava totalmente alcatroada;

2.2. A estrada que partia de Mampatá em direcção a Nhacobá, passando por Ieroiel, Colibuia, e Cumbijã, em Junho de 1973 já estava totalmente construída numa extensão de 14,2 kms (até Cumbijã); penso que em Janeiro de 1974 já estava em Nhacobá;

3. "O inimigo nunca desarmou, nunca perdeu posições" (***)

Em 17 de Maio de 1973 foi desencadeada a operação Balanço Final de que resultou a ocupação de Nhacobá, no dia 21. Trata-se de uma povoação na margem direita do Rio Balana; frente a Nhacobá, na margem esquerda, a 4 kms em linha recta, fica Salancaur, na época um importante bastião do PAIGC (a sul fica Mejo).

Antero Santos
Ex-Fur Mil Atirador/Minas e Armadilhas
CCAÇ 3566 – Março a Dezembro de 1972 – Empada
CCAÇ 18 – Janeiro 73 a Junho 1974 – Aldeia Formosa (Quebo)
____________________

Notas do Antero Santos:

(*) - Palavras de Graça Abreu no P2872

A guerra estava militarmente perdida para as tropas portuguesas? Quem acredita?


(...) Continuemos com a conjuntura militar, Guiné 1973/74. De que meios aéreos, navais e terrestres dispunham os dois contendores no conflito?

O exército português e a tropa guineense que combatia a seu lado contavam com aviões Dakota (DC 3), T-6, Fiats G-91, Dornier 27, Nord-Atlas e helicópteros Alouette 3, sete ou oito deles equipados com héli-canhões, num total de quase quarenta aparelhos.


Existiam junto aos aquartelamentos portugueses umas boas dezenas de pistas de aviação, duas delas asfaltadas (Bissau e Cufar). Para voar, o PAIGC não dispunha sequer de pombos-correios, embora se falasse na hipótese, nunca concretizada, de os guerrilheiros poderem um dia utilizar Migs, a partir de bases aéreas situadas na Guiné-Conakry, ou seja fora da sua pátria. É verdade que possuíam mísseis anti-aéreos Strella e que abateram cinco aviões portugueses em Abril de 1973. Entre Junho de 1973 e Abril de 1974, com “armamento tecnologicamente superior”, no dizer do nosso amigo Beja Santos, quantos aviões portugueses foram abatidos pelo PAIGC? Nem um. E os nossos meios aéreos, ao contrário do que muitas boas almas ainda hoje apregoam por ignorância ou maldade, não deixaram de voar, e voaram muito. Os guerrilheiros e as populações sob seu controlo, continuaram a ser impiedosamente bombardeadas pela força aérea portuguesa. Em 1974 até os Nord-Atlas chegaram a ser utilizados como bombardeiros, com as bombas a serem lançadas da traseira aberta do avião! Com napalm, bombas de 200 libras, etc., e também metralhados pelas metralhadoras pesadas dos nossos héli-canhões. São factos inquestionáveis, a realidade foi essa.

(**) Continua Graça Abreu

Como é que a guerra estava militarmente perdida?


(...) Quanto a meios terrestres também vale a pena uma breve abordagem. As tropas portuguesas possuíam umas centenas de camiões Berliets, GMCs, Unimogs, viaturas auto-metralhadoras Daimler, Fox, Panhard, algumas destas, é verdade, velhas e quase inoperacionais. Mas ainda funcionavam.


Desloquei-me numa Fox de Cufar para Catió, e volta, por várias vezes até Abril de 1974. Havia estradas asfaltadas, por exemplo de Bissau a Teixeira Pinto, de Teixeira Pinto ao Cacheu, de Bissau a Farim, (a região Bafatá-Nova Lamego não conheço), Cufar para Catió, e mais estradas estavam em construção. As colunas de viaturas (naturalmente sujeitas a emboscadas) deslocavam-se quase por toda a Guiné. (...)


(***) Graça Abreu, reproduzindo palavras de Joaquim Mexia Alves

(...) Dizes, ainda, meu caro Mário Beja Santos, que "o inimigo nunca desarmou, nunca perdeu posições".

Em Novembro/Dezembro de 1972, por ordens do general Spínola, as tropas portuguesas foram ocupando e instalando-se gradualmente em aldeias do Tombali/Cantanhez, até então sob controlo IN. Foram ocupadas Cobumba, Chugué, Caboxanque, Cadique, Cafal, Cafine e Jemberém. Os guerrilheiros retiraram para as matas do Cantanhez, onde, é verdade, passaram a fazer a vida negra à tropa portuguesa. Mas foram desalojados e perderam as suas posições.
(...)
___________________

Nota do co-editor C.V.:

Vd. poste 2872 de 22 de Maio de 2008> Guiné 63/74 - P2872: A guerra estava militarmente perdida ? (5): Uma boa polémica: Beja Santos e Graça de Abreu

Vd. último poste da série de 25 de Maio de 2008> Guiné 63/74 - P2883: A guerra estava militarmente perdida ? (8): Polémica: Colapso militar ou colapso político? (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P2889: A verdade e a ficção (1): Op Tridente, Ilha do Como, Jan / Mar 1964 (Mário Dias)

Guiné > PAIGC > A Libertação do Como. Foi, logo desde o início da luta de libertação, um dos cavalos de batalha da propaganda do PAIGC... Nesse domínio, o da propaganda, e sobretudo para consumo externo, o PAIGC levou-nos a palma de ouro... Amílcar Cabral sabia, como ninguém, usar as armas da diplomacia e da sedução intelectual... 

 Imagem: In O Nosso Primeiro Livro de Leitura, p. 31. Departamento Secretariado, Informação, Cultura e Formação de Quadros do Comité Central do PAIGC > 1966 > 

 Foto: © A. Marques Lopes / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.

  Portugal, algures, 24 de Setembro de 2005 > Um reencontro de velhos camaradas, miliatres portugueses que estiveram na Guiné, tendo participado na Op Tridente (Ilha do Como, de 14 de Janeiro a 24 de Março de 1964)... Quarenta anos depois...Alguns dos sobreviventes da mítica Batalha do Como ... Entre eles, está o nosso Mário Dias (o segundo, a contar da direita). ... Já agora aqui fica a legenda completa (Os postos, referentes a cada um, são os que tinham à época dos acontecimentos): Da esquerda para a direita: (a) Sold João Firmino Martins Correia; (b) 1º Cabo Marcelino da Mata (hoje tenente-coronel, na situação de reforma); (c) 1º cabo Fernando Celestino Raimundo; (d) Fur mil António M. Vassalo Miranda; (e) Fur Mil Mário F. Roseira Dias (hoje sargento na reforma); (f) Sold Joaquim Trindade Cavaco.

Guiné > Ilha do Como > 1964 > Op Tridente (de 14 de Janeiro a 24 de Março de 1964) > Partilhando uma refeição... As rações de combate eram intragáveis...Ainda fioram valendoi algumas vacas, porcos e cabritos, deixados para trás ou capturados pelas NT. Fotos: © Mário Dias (2005). Direitos reservados.


Guiné > Região de Tombali > Catió > Álbum fotográfico de Vitor Condeço (ex-Furriel Mil, CCS do BART 1913, Catió 1967/69) > Catió, Vila > 1968> Foto 26: A praça do mercado, vista de quem vinha da pista [tirada à porta da casa do sr. Barros Correias]. À direita o Mercado, ao fundo à esquerda a casa do Sr. Brandão e à direita debaixo da mangueira o Bar Catió e bem ao fundo o quartel. 

Foto e legenda: © Vítor Condeço (2007). Direitos reservados 

  1. A propósito de um recente testemunho sobre a Op Tridente (1), achou-se por bem retomar aqui um poste do Mário Dias, publicado na 1ª série do nosso blogue, em 15 de Janeiro de 2006, sob o sugestivo título Falsificação da história: a batalha da Ilha do Como (2)... 

Que nos lembre, a nós, editores, até há poucos dias, o Mário Dias era o único dos membros da nossa tertúlia que podia gabar-se de ter sido actor daquele filme (refiro-me à Op Tridente)... O Santos Oliveira também passou pela Ilha do Como, mas uns meses mais tarde (3). Já na altura da publicação do poste do Mário Dias, no início do ano de 2006, tínhamos recomendado a sua leitura (e a divulgação), por o considerarmos uma intervenção serena mas lúcida e corajosa, podendo e devendo servir de exemplo para todos nós... O intuito era pedagógico: prevenir e combater a tendência que, de algum modo, todos temos para falsificar, branquear, caricaturar, alindar ou, no mínimo, ajeitar a história (a pequena e a grande), intencionalmente ou não, por motivos ideológicos, políticos ou outros... 

Por uma razão simples: individualmente, não vemos a História como os historiadores, mas com os nossos óculos, com as nossas grelhas de leitura... Somos etnocêntricos, quer queiramos quer não. Só vemos uma parte da realidade, e muitas vezes só vemos o que queremos ver ou o que estamos preparados para ver, ou o que nos deixam ver... Fazendo parte do cenário, não podemos ter, naturalmente, uma visão ampla, de conjunto, totalmente isenta, imparcial, objectiva... O conhecimento é sempre, de resto, uma reconstrução da realidade... Se temos uma obrigação moral - nós todos, ex-combatentes, de um lado e de outro - é a de zelar pela verdade dos factos, pela verdade histórica, pela objectividade dos acontecimentos... 

Porque nós estivemos lá! O Mário, esse, esteve mesmo no Como, de Janeiro a Março de 1964... Tal como o Valentim Oliveira e outros camaradas (que ainda poderão aparecer no nosso blogue). E seria bom que aparecessem ainda testemunhos de guerrilheiros do PAIGC que estiveram no Como. Não é impossível, mas é muito pouco provável. 

Na série televisiva A Guerra, realizada por Joaquim Furtado temos um ou dois depoimentos de antigos combatentes do PAIGC (4). Na altura também escrevi que seria interessante investigar o que é que o PAIGC e os seus apoiantes e simpatizantes (no interior e no estrangeiro) disseram sobre a famosa batalha do Como e as regiões libertadas... 

Por exemplo, reproduzimos acima uma página de manual escolar do PAIGC... A batalha do Como, na versão dos pedagogos do PAIGC, é de certa maneira a batalha de Aljubarrota, tal vinha apresentada nos manuais escolares do Estado Novo. Todos os povos precisam de mitos fundadores... Sempre soubemos, mesmo com todas as limitações à liberdade de imprensa no nosso país, que de um lado (PAIGC) e de outro (NT) também se travava a batalha da propaganda, a batalha das ideias, das emoções, dos sentimentos (que são sempre muito mais eficazes do que as balas)... 

Pelo lado do PAIGC, sabemos que conseguiu muitos apoios (incluindo de países ocidentais, como a Holanda e a Suécia) através de uma excelente trabalho de informação e contra-informação... A diplomacia de Amílcar Cabral foi, sem dúvida, uma das melhores armas do PAIGC, e nesse campo fomos claramente batidos em toda a linha... Salazar e depois Caetano, mais os seus ministros dos negócios estrangeiros, nunca conseguiram vender, nos areópagos internacionais, a ideia da justeza e da legitimidade da nossa lutra contra o terrorismo... Spínola, já tardiamente, percebeu quão importanre era "ganhar o coração dos guinéus"... 

 Por outro lado, a verdade é que nós, infelizmente, estávamos do lado errado da História, falando em termos metafóricos (Na época, dizia-se que lutávamos contra "os ventos da História")... Pelo menos, era essa a convicção do PAIGC e dos seus aliados internacionais e até de alguns de nós, quando chegámos à Guiné... Claro que a culpa não era nossa, dos nossos generosos e valorosos combatentes, só podendo ser imputada à incapacidade política dos nossos dirigentes na época (que nem sequer eram democráticos, escolhidos por nós, pelo nosso povo...). 

 Todo este preâmbulo apenas para dizer que a razão (histórica, política, moral, etc.) do PAIGC não nos impede de repormos a verdade dos factos, como o Mário Dias aqui faz (e bem), quando se trata da actividade operacional de que fomos actores ou testemunhas!... 

 O balanço da Batalha do Como (ou da Op Tridente) não pode ser feita de ânimo leve, em termos de quem ganhou ou perdeu... Se calhar nem pode ser feita por nenhum dos contendores... A verdade é que o PAIGC tirou conclusões imediatas, para consumo interno e externo, do fato de, pelo menos, ter iludido (ou resistido a) as NT, muito mais poderosas em meios humanos, técnicos e logísticos. Não sei mesmo se podemos, de um maneira simplista, responder à pergunta: Quem ganhou a batalha do Como ? ... Mesmo homens como Spínola e Bettencourt Rodrigues, brilhantes militares, patriotas, portuguesíssimos, da confiança política do Estado Novo, últimos comandantes do CTIG, comprovaram, pela sua experiência própria, que "uma guerra subversiva não se ganha militarmente"... Revisitemos então o já esquecido texto do Mário Dias. 

  2. Texto do Mário Dias > Ainda sobre a Operação Tridente (Ilha do Como, Janeiro a Março de 1964): O porquê da divergência de opiniões (2) 

Como se devem recordar, a minha intervenção neste blogue acerca da Op Tridente, realizada na ilha do Como de 14 Janeiro a 24 Março de 1964, foi uma tentativa de esclarecer o que ali se passou (5). 

Relatei a verdade dos factos, tal como por mim foram vistos e vividos. As dúvidas e versões contraditórias devem-se ao mau serviço de alguns escritores que vêm - com as suas descrições onde nem conseguem disfarçar opiniões pessoais de índole política ou ideológica - tentando escrever a história que corresponda à sua história. Infelizmente, muitos dos livros publicados sobre a Guerra do Ultramar estão cheios de imprecisões, casuais ou premeditadas, disso resultando uma falsa avaliação por parte de quem não assistiu aos factos e deles tem conhecimento apenas através de tais publicações. 

 A comprovar esta minha afirmação, transcrevo um texto extraído do livro Os Anos da Guerra da autoria de João Melo e publicado pelo Círculo de Leitores. Trata-se de uma antologia que engloba diversos autores que abordaram o tema. No Vol. II do referido livro (pags. 145 e 146) pode ler-se a descrição da Batalha da Ilha do Como, na perspectiva do autor do livro Os Mortos de Pidjiguiti, José Martins Garcia (6), que foi oficial de transmissões na Guiné em 1967 (As chamadas são de minha autoria): 

  “Em Catió, onde os ataques nocturnos foram, por alguns anos, relativamente escassos, ouviam-se muito bem os rebentamentos das morteiradas vizinhas, desferidas contra Bedanda, Cachil, Ganjola e, mais raramente, Príame, onde João Bakar Jaló, senhor de muita mancarra e de sete mulheres, valia, com a milícia fula, por um inteiro exército, conhecedor como era do mato, dos atalhos, dos costumes e manhas do inimigo. 

 “Com o tempo, a guarnição de Catió acabou por reduzir-se a proporções mais aceitáveis: uma CCS burocratizada, visto ali continuar a sede do batalhão; uma companhia de intervenção; dois pelotões independentes, um de artilharia e outro de cavalaria. Mas, antes de a estratégia estabilizar nesta aparente razoável força, dali partira a mais desgraçada expedição dos tempos modernos do colonialismo português (i). A qual expedição, se não ganhou as proporções da batalha de Alcácer Quibir, nem por isso deixou de ficar pairando na imaginação estarrecida dos vindouros. 

 “O ataque à ilha do Como, onde posteriormente se instalaria a chamada companhia do Cachil, nunca foi registado por cronistas, talvez porque estes, sempre tão eloquentes em caso de vitória, se desgostam das estrondosas derrocadas (ii). Uma escassa tradição oral conservava, nessas paragens, quando ainda portuguesas, o eco tragicómico da negativa proeza. O transmontano Barreiros, que fora o primeiro europeu a abrir um comércio em Catió, uns vinte anos antes da eclosão da guerrilha, descrevia cautelosamente alguns pormenores do desastre, mas sem respeitar a cronologia (iii). Invariavelmente, levava as mãos à cabeça e garantia: - Foi um horror! Um horror! 

 “O Barreiros era homem arreigado àquela terra, conhecedor de muitas trapaças e, graças ao destino, suspeito aos olhos de todos. Dos cabo-verdianos, por ser branco. Dos militares por ser comerciante, necessariamente ligado a muita gente da zona. Do pide, por falar ao administrador. Do administrador, por tagarelar com militares. Tantas e tão variadas suspeitas o perseguiam que, quando o autor destas linhas lhe dirigiu a palavra, o Barreiros não abriu a boca senão depois de esclarecido: - Sou primo do tenente Dutra. - Tome cuidado! - avisou. - Ele tinha a cabeça a prémio. 

 “Nenhum pormenor, porém, quanto à natureza e à fonte de semelhante informação. O Barreiros, magro, nervoso, baixote, possuía mãos de ferro, uns gadanhos onde circulava uma força misteriosa. Se fechava a pata sobre o pulso dum homem normal, não havia meio de uma pessoa se libertar daquele apertão metálico. Ali, com mulher e três filhos miúdos (os mais velhos estudavam em Bissau), jurava pelo Deus dos brancos não abandonar um palmo do que lhe pertencia. Mas a tropa resmungava que o Barreiros era má rês e pagava tributo ao PAIGC, pois já então não se sabia quem viria a mandar no amanhã. 

 “O ‘horror’ que frequentemente lhe suspendia a narrativa aplicava-se à inépcia das Forças Armadas Portuguesas e ao desconcerto do mundo em geral. Por causa desse desconcerto, os “turras” raptavam-lhe os criados e estragavam-lhe a vianda e a mancarra. Aquela ideia militar de invadir a ilha do Como afigurava-se-lhe, todavia, o pior sinal dos tempos. Gente louca, gente desalmada, incapaz de perceber que a arte da guerra se havia modificado! Setenta baixas em poucas horas (iv) - tal fora o balanço aproximado da estratégia estúpida desse senhores fardados! 

 “A Força Aérea cumpriu o seu dever, descarregando sobre os objectivos o arsenal estipulado. Para nada! Os abrigos subterrâneos da ilha de Como, construídos, dizia-se, pelos soldados de Hitler, em certa fase da Segunda Guerra Mundial, resistiam bem a qualquer bombardeamento, não só devido à cortina natural da vegetação como pela existência do material, coisa alemã, coisa inexpugnável, ali mandada cavar pelo Hitler, que não era tão cretino na guerra como alguma da nossa tropa (v). - Foi um horror! Um horror! 

 “Depois da Força Aérea, coube a vez à artilharia, ali classicamente postada para cobrir o avanço da cavalaria. A artilharia cumpriu a sua missão, despejando sobre a ilha sinistra a quantidade estipulada de material ardente, sem grande precisão, aliás, pois o alvo flutuava nessa latitude onde as marés esticam e encurtam a terra em vários milhares de quilómetros quadrados. A cavalaria entrou nas lanchas da Marinha e, sob a protecção da artilharia, escorregou para o lamaçal desconhecido. A infantaria, finalmente chamada a reconquistar com o seu pé clássico o terreno rebelde, saltou no vazio, atolou-se, afundou-se, emaranhou-se e alguns dos nossos mais bravos soldados crucificaram-se a si mesmos no matagal (vi). 

 “E então o inimigo invisível foi abatendo misericordiosamente os feridos, enquanto a Marinha dava por cumprida a delicada missão, a artilharia cessava a sua actuação segundo bem conhecidas regras e a cavalaria jazia em veículos inoperantes (vii). Havia muito que a Força Aérea despejara seus inócuos carregamentos, pois a noite caíra, repentina, e só os moribundos, sem cronista de serviço, se esvaíam sobre a lama que o tempo não guardou. - Foi um horror! Um horror! 

 “Dois anos depois, o Exército português instalou-se finalmente na ilha de Como, ao nível de companhia. Mas sem espaventos. Mansamente, o menos ruidosamente possível, sem apoio aéreo, sem artilharia nem cavalaria. Uma simples companhia de caçadores desembarcou em pleno dia no recanto da ilha chamado Cachil e aí cavou humildemente seus abrigos, sob os pilões gigantescos, rezando esperanças a quatro metralhadoras pesadas, dispostas segunda uma problemática rosa-do-ventos, rodeando o todo com arame farpado e entregando o futuro a algum milagre político (viii). 

 “Em toda esta intrigante aventura, houve sempre uma coisa que ninguém compreendeu: a função. Que faziam cento e tal homens na ilha de Como, encurralados entre o canal barrento, que os separava do continente incerto da Guiné, e a vegetação ameaçadora da ilha por entre a qual ninguém ousava dar passada? (ix) Nem civis, nem militares, nem preto, branco ou mestiço sabiam responder a tamanha enormidade. E o Barreiros, há vinte anos ciente das Áfricas e dos abrigos edificados pelos soldados de Hitler, só respondia cuspinhando desprezo: - Ora! Estratégia!... “O Cachil erguera-se, porém, nas imaginações. No passado recente, quando o surdo tenente-coronel Barreiros comandava o batalhão de Catió, a ameaça que mais insistentemente se lhe desprendia da boca era: - Olha lá, ó militar! Queres ir prò Cachil?” (…). …………………………………………………………………………………………… 

  2. Comentários do Mário Dias: 

Confesso que vai ser um pouco difícil conter os meus comentários ao texto acima transcrito dentro de limites correctos e educados. Na verdade, a tentativa de alterar a verdade histórica dos acontecimentos e a manipulação ideológica é tal que, para usar o adjectivo mais suave que me ocorre, só posso dizer que este texto é nojento. Vejamos, ponto por ponto, o que tenho a rebater: 

 (i) Não foi de Catió que partiu a principal força de desembarque que actuou na ilha do Como. Tal força partiu de Bissau, conforme por mim já narrado. De Catió apenas houve algum apoio de artilharia na altura do desembarque e a participação de uma centena de homens, no máximo, o que não é relevante num universo de 1200 homens participantes na operação. É, portanto, falso ter sido Catió o ponto de partida para a operação que reconquistou a ilha do Como. 

 (ii) Diz o autor que o ataque à ilha do Como “nunca foi registado por cronistas”. Falso. Vários o fizeram e, entre eles, destaco Armor Pires Mota que nele participou como alferes miliciano do BCAV 490 (7). O que na verdade acontece é que, para certos escritores-historiadores, há uma clara tentativa de manipular a opinião pública divulgando apenas os autores cujos escritos são favoráveis à sua ideologia. E a prova do que afirmo está contida no prefácio da citada antologia Os Anos da Guerra, de João Melo. Aí se podem ler referências como “…os nossos primeiros teóricos de uma literatura de guerra serem pessoas ideologicamente próximas do salazarismo…” ; “…resposta aos panegíricos dos cronistas patrióticos de então, em cujo rumo embarcaram autores como Armor Pires Mota, Reis Ventura e outros.” Nenhum desses “teóricos” ou “patrióticos” foram incluídos na referida antologia que transcreve obras de 43 autores. 

 (iii) O autor põe na boca do tal comerciante Barreiros, de Catió, a narração dos acontecimentos. Acontece que eu, também residente na Guiné desde 1952 e, apesar dos brancos se conhecerem quase todos uns aos outros, pelo menos de nome, nunca ouvi falar no tal Barreiros. Acresce ainda o facto de entre 1960 e 1962 eu ter trabalhado no Sindicato Nacional dos Empregados do Comércio e Indústria da Província da Guiné para onde, anualmente, todos os comerciantes obrigatoriamente enviavam um mapa com a situação de todos os seus empregados, incluindo aqueles que os não tinham que enviavam uma declaração negativa. Pois não me recordo de tal nome. Pensando tratar-se de um natural lapso de memória, perguntei recentemente a algumas pessoas que também por lá andaram nessa época mas ninguém se recorda de tal pessoa. 

 (iv) As setenta baixas em poucas horas, são pura fantasia. Primeiro: não houve setenta baixas mas sim 8 mortos e 29 feridos, tal como consta no respectivo relatório de operações. Todos os que andaram pela guerra do [ Ultramar ] sabem que, se, por um lado, era possível algum exagero na contabilização dos mortos do inimigo, por outro não se podiam esconder ou ignorar as baixas das nossas tropas. Segundo: a operação não durou “poucas horas” mas sim 72 dias. 

 (v) Este parágrafo só pode ser classificado como anedótico. Não havia abrigos subterrâneos na ilha nem nunca os soldados de Hitler lá estiveram durante e segunda guerra mundial. Que um fantasioso e quiçá ignorante comerciante (o tal Barreiros) afirmasse tal dislate, poder-se-á desculpar. O que é estranho é que um indivíduo que foi oficial de transmissões não tenha os conhecimentos suficientes de história para saber que nunca na Guiné houve a presença do exército alemão. Estranho. Muito estranho. É o mínimo que se pode dizer. 

 (vi) Descrição romanceada. Parece o guião de um filme épico. 

 (vii) E continua a fantasia: “… e a cavalaria jazia em veículos inoperantes.” O único veículo que existia na ilha do Como durante a Op Tridente era um jipe que nunca saiu da base logística. A cavalaria, que profusamente é citada, actuava como tropa de infantaria o que, aliás, era também comum aos batalhões de artilharia. Como todos sabemos, a designação de BCAV e de BART era dada por essas unidades terem sido mobilizadas pelas respectivas armas. Porém, na prática, todos actuavam como tropa de infantaria. 

 (viii) Após o final da Operação Tridente (Março de 1964) ficou instalada em Cachil uma companhia, conforme relatei, e não dois anos mais tarde como refere o autor do texto em apreciação. Aliás, um dos objectivos da Op Tridente era precisamente a instalação de uma companhia em Cachil, o que foi conseguido, ficando lá a CCAÇ 557, até Outubro de 1964, que foi substituída nessa data pela CCAÇ 728 (Fonte: Resenha Histórica -Militar das Campanhas de África (1961-1973) do EME - 3º volume). Carece portanto de fundamento a afirmação de que só passados 2 anos após a Op Tridente se tenha instalado uma companhia em Cachil. 

 (ix) Aqui reside o cerne da questão. É que, se a partir da última fase da operação era possível às nossas tropas patrulharem e “ousarem dar passadas na vegetação ameaçadora da ilha” sem grandes percalços e apenas com esporádicos e fugidios contactos por parte dos guerrilheiros, o que ficaram lá a fazer os cento e tal homens da Companhia de Cachil? Estou em crer que se remeteram à relativa segurança do seu “forte estilo far-west”, aí aguardando calmamente pela rendição. Os guerrilheiros agradeceram. Além do já comentado, não posso deixar de revelar a minha estranheza por frases pouco elegantes como “estrondosa derrocada” ou “eco tragicómico da negativa proeza”. Aceito que nem todos os militares que passaram pela guerra na Guiné e noutros territórios o fizessem com a convicção e empenho que o regime de então exigia. Porém, custa-me entender que a diferença de opiniões justifique este humilhar dos seus irmãos de armas. E por aqui me fico no respeitante ao texto acima transcrito. 

 Mas há outros autores com afirmações pouco exactas. José Freire Antunes em A Guerra de África (Círculo de Leitores), Volume I, pag. 36 diz: 1964 Fevereiro - Março - Os rebeldes do PAIGC mantêm em seu poder a ilha de Como, não obstante a severidade dos ataques portugueses. É um primeiro embate, revelador da forte estruturação da guerrilha e da eficaz mentalização ideológica ditada por Cabral. A Guiné torna-se progressivamente o nosso mini-Vietname. 

 Comentário: Precisamente na data indicada, Fevereiro-Março de 1964, estava em curso a Op Tridente com várias unidades do exército e dos fuzileiros instaladas em diversos locais da ilha. Mesmo depois da retirada das tropas, concluída que foi a operação, lá ficou instalada uma companhia em Cachil (CCAÇ 557). Que posse por parte do PAIG era esta? Porquê então Nino Vieira dirigiu aos seus homens a angustiante mensagem transcrita na narrativa dos acontecimentos da ilha de Como que publiquei no Blogue-fora-nada ? A que fonte foi o historiador José Freire Antunes beber esta notícia? É uma grande responsabilidade escrever sobre factos históricos pois esses escritos ficam a constituir uma referência para futuros estudiosos e pesquisadores. 

 Assim, por exemplo, Raquel Varela, finalista de História Moderna Contemporânea do ISCTE, em “O assassinato de Amílcar Cabral” no livro Factos desconhecidos da História de Portugal (Selecções do Reader’s Digest), produz uma afirmação muito semelhante. Espero ter contribuído para esclarecer as dúvidas que pairam à volta da Operação Tridente e que cada um conclua sobre os seus resultados. ___________ 

 Notas de L.G. 



 (3) Vd. postes de:



 Há outro poste sobre a batalha do Como, publicado no nosso blogue: 17 de Novembro 2005 > Guiné 63/74 - CCXXVI: Antologia (25): Depoimento sobre a batalha da Ilha do Como 



 (5) Vd posts anteriores do Mário Dias: 




 Vd. também os postes de: 




  (...) O sargento Mário Dias enveredou pela carreira militar. Ainda fez mais duas comissões, dois anos em Moçambique e mais dois em Angola. O 25/4 apanhou-o em Cabinda. Regressado a Lisboa foi colocado no Regimento de Comandos na Amadora. Foi testemunha e interveniente do processo que envolveu os comandos da Amadora no verão quente de 1975. Macau foi o destino seguinte como instrutor das forças de segurança. Na reserva já há alguns anos, ainda recorda os tempos dos comandos da Guiné como os que mais o marcaram (...). 

 O propósito desta resenha biográfica (e desta reedição), o Mário Dias aproveitou para rectificar a nota do VB e dar-nos um sinal de esperança: promete voltar mais vezes ao nosso convívio... 

  Caro Luís Graça e co-editores: Ao passar pelo blogue - o que faço sempre que posso, com todo o interesse - deparei com a reedição de uma das minhas intervenções (parênteses para me penitenciar pelo meu actual silêncio que se diz ser de ouro) e, em sequência, um resumo do meu "percurso de vida". Aí consta que, depois da Guiné, fiz mais duas comissões. Não foram mais duas mas sim mais três: uma em Moçambique e duas em Angola, ou seja, somei o total de quatro comissões que me fizeram passar, com os tradicionais atrasos no regresso no final de cada comissão 10 anos "na guerra". Prometo regressar logo que possível com a minha colaboração. Um grande abraço extensível a todos os camaradas da Tabanca Grande. Mário Dias 

 (6) Este texto do José Martins Garcia é um conto, extraído do seu livro de contos Morrer Devagar (Lisboa: Arcádia, 1979). O título do conto que aparece na antologia do João Melo é "As suspeitas de um bravo capitão". Não é propriamente (nem pretendia ser) um trabalho historiográfico, mas sim um texto ficcional (ou entre a crónica e a ficção), inspirado na realidade da guerra colonial na Guiné, na Região de Tombali, entre 1964 e 1967. As personagens podem ser reais (no sentido de terem existido em carne e osso...), mas os seus nomes são fictícios... O comerciante Barreiros, por exemplo, podia bem ser um dos elementos da conhecida família ou clã Brandão (a casa do Brandão no Como está explicitamente sinalizada pelo Mário Dias, no croquis que ele nos mandou e que está publicado; o velho Brandão também é referido no romance do Armor Pires da Mota, Tarrafo, 2ª ed., 1971)... Os militares portugueses, do tenente-coronel ao capitão, são também caricaturas... 

 O autor nunca foi, de resto, um historiador. Julgo que a intenção deste prestigiado intelectual açoriano não foi propriamente "falsificar a história", mas antes dar uma ideia (irónica, crítica...) do clima que se vivia na época em que ele, professor do ensino secundário da Horta, Açores, foi chamado a cumprir o serviço militar - como todos nós - e, de seguida, mobilizado para a Guiné. Tanto o comerciante Barreiros como o capitão Lourenço e outras figuras militares que aparecem no conto são personagens de comédia... Todos nós os conhecemos na Guiné, noutros lugares, sob outros nomes... 

 Não sei onde é que o José Martins Garcia esteve. Possivelmente esteve em (ou passou por) Catió, no sul, quase três anos depois da Op Tridente. Lá terá recolhido impressões, boatos, memórias, estórias... da famosa Op Tridente, a maior operação que se realizou no CTIG durante os longos 11 anos de guerra. O Como transformou-se um mito poara os dois lados, o PAIGC e as NT... Em finais de Maio de 1969, quando chegei à Guiné, constavam-se ainda montes de histórias do Como, e do Nino, embora nessa altura o que estava no jornal da caserna, em título de caixa alta (leia-se: as bocas que ouvíamos nas esplanadas de Bissau), era Gandembel (abandonado em Janeiro de 1969) e Madina do Boé (e a tragédia do Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969)... 

 O Mário Dias também lhe atribui, por lapso, a autoria do livro Os mortos de Pidjiguiti (título de um poema de Fernando Grade, in O Vinho dos Mortos, 1977). Curiosamente, fui folhear o livro em questão (O II Volume de Os Anos da Guerra: 1961-1975- Os portugueses em África: crónica, ficção e história; ed. lit. João de Melo. Círculo de Leitores, 1988) e constato que foram utilizadas, abusivamente, sem respeito pelos direitos de autor (nem sequer citação da fonte...) algumas fotos que eu tinha emprestado ao jornalista Afonso Praça (1939-2001) e que foram publicadas no já extinto semanário O Jornal, no princípio de década de 1980, aquando da abertura do dossiê "Memórias da Guerra Colonial" (de que fui - modéstia à parte - um dos animadores e um dos participantes mais regulares)... 

 Esse famoso dossiê foi alimentado, tal como este blogue, pelos contributos (estórias, poemas, excertos de diários, documentos, fotos...) de largas dezenas de ex-camaradas nossos, que estiveram nas três frentes (Angola, Moçambique e Guiné). As supracitadas fotos, por sua vez, tinham-me sido emprestadas pelo Tony Levezinho, ex-camarada meu da CCAÇ 12, grande amigo e membro (discreto) da nossa tertúlia !... Ver páginas da citada publicação : - 146-147 (O Tony no espaldão da metralhadora pesada Browning, em Bambadinca, 1969); - 135 (o Tony e o Alf Mil Carlão numa tabanca em autodefesa, que já não consigo identificar, talvez Satecuta, em 1969); - 129 (O Tony e creio que o Marques, junto a dois prisioneiros do PAIGC, Bambadinca, 1970...). 

 Sobre o José Martins Garcia (1941-2002) ver nota biográfica, publicada no Boletim do Núcleo Cultural da Horta: - Nasceu na Criação Velha, Ilha do Pico, a 17 de Fevereiro de 1941; - Fez uma parte dos seus estudos liceais na cidade da Horta; - Em Lisboa, licenciou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras, onde viria a leccionar entre 1971 e 1977; - Foi chamado a cumprir serviço militar em 1965, - Mobilizado para a Guiné-Bissau, aí permaneceu de 1966 a 1968; - A experência da guerra na Guiné projecta-se literariamente em Lugar de Massacre (1975), um dos primeiros romances portugueses a abordar a guerra colonial, "numa perspectiva paranóica e demencial"; - Essa experiência acabaria por pontuar, sob variadas formas e em diferentes circunstâncias, a sua obra literária; - Entre 1969 e 1971 foi leitor de Português na Universidade Católica de Paris; - Em 1979 foi para os Estados Unidos como professor convidado da Brown University (Providence), aí permanecendo até 1984; sinais desse tempo americano são detectáveis em Imitação da Morte (1982) e no "belíssimo e devastador livro de poemas" Temporal (1986); - De regresso a casa, ingressou na a Universidade dos Açores, em cujos planos de estudo das licenciaturas introduziu a cadeira de Literatura e Cultura Açorianas; - Doutorou-se, pela Universidade dos Açores, com uma tese sobre Fernando Pessoa; - Nesta Universidade terminou a sua carreira académica como Professor Catedrático, tendo ainda ocupado o cargo de Vice-Reitor e dirigido a revista Arquipélago, do Departamento de Línguas e Literaturas Modernas; - Faleceu em Ponta Delgada a 4 de Novembro de 2002. 


 (7) Armor Pires da Mota (vd. nota biográfica em Museu S. Pedro da Palhaça > Autores do Concelho de Oliveira do Bairro: - Nasceu na Freguesia de Oiã, Concelho de Oliveira do Bairro, a 4 de Setembro de 1939; - Fez a instrução primária nesta freguesia e ingressou no Seminário de Aveiro, donde sairia em 1961; - Nessa altura publicou o seu primeiro livro Cidade Perdida, mas já anteriormente publicava poesias no Jornal da Bairrada, Correio do Vouga e Soberania do Povo. - No cumprimento do serviço militar, foi mobilizado em 1963 para a Guiné,como Alf Mil do BCAV 490, de que era comandante o Ten Cor Fernando Cavaleiro (hoje, coronel na reforma); - Participou na Op Tridente (Janeiro a Março de 1964), sendo Fernando Cavaleiro o comandante das forças terrestres; - Em 1965, lança o seu novo livro Tarrafo (onde incluem estórias da batalha do Como), tendo esta publicação mandado ser recolhida pela PIDE (o livro foi reeditado em 1971); -Tem uma vasta participação na imprensa periódica (Diário de Notícias, Diário do Norte, Diário da Manhã, Notícias de Lourenço Marques, O Debate, Observador, Jornal da Bairrada). - É actualmente chefe de redacção do Jornal da Bairrada. - Além de Tarrafo, é autor de Guiné, Sol e Sangue (contos e narrativas, 1968). Está representado em três antologias: Contos Portugueses do ultramar; Corpo da Pátria, 1971; Vestiram-se os soldados de poetas. - Ganhou o 1º prémio de Poesia Camilo Pessanha, em 1968 com o livro Baga-Baga. É difícil classificar o genéro literário de Tarrafo. Escrito na primeira pessoa do singular, está entre a história de vida e a crónica. Publicado originalmente em 1965, vê-se que foi escrito ainda com o sangue, o suor e as lágrimas de um combatente que esteve na batalha do Como (e noutras) e que assumidamente se batia em defesa da Pátria, multicontinental e multirracial. Curiosamente, o livro foi mandado retirar do mercado livreiro pela PIDE, devido à crueza e realismo com o que o autor fala da guerra da Guiné... Gostaríamos, de resto, de ter a sua autorização, pessoal, para publicar alguns excertos do seu livro (hoje já difícil de encontrar). A sua versão dos acontecimentos, as suas memórias das pessoas e dos lugares, é também uma das faces da guerra que nos interessa conhecer e divulgar. Não temos, no nosso blogue (e, por extensão, na nossa Tabanca Grande), quaisquer partis pris ideológicos. O nosso maior denominador comum foi termos sido combatentes na Guiné e, nessa qualidade, termos legitimidade para falar da Guiné que conhecemos e da guerra que fizemos... Haverá porventura algum camarada da tertúlia que conheça pessoalmente o Armor Pires da Mota ? Não sei se o Mário se lembra dele...

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2888: Dando a mão à palmatória (13): Cada esposa ao seu marido (Antero Santos/Carlos Vinhal)

1. O nosso camarada Antero Santos chamou a nossa atenção, e com razão, para um engano na legendagem de uma fotografia no poste P2856.


Caro Luís Graça

Lapsos acontecem – agradeço o favor de alterar Magalhães Ribeiro para Antero Santos; a Maria Fernanda Abreu é a minha esposa.

Um abraço
Antero Santos
25/05/2008

2. Para que não fiquem dúvidas, mesmo estando já rectificada a legenda no P2856, voltamos a publicar a fotografia em causa (1).



Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia > Na mesa das senhoras, a Maria Fernanda Abreu (esposa do Antero Santos) e a Graciela Santos (esposa do António Santos, que estava desolado por não encontrar ninguém dos Morteiros, nem do Gabu....).

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

À Maria Fernanda, ao Antero e ao Eduardo Magalhães apresentamos as nossas desculpas pela troca involuntária de esposas e maridos.

CV

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Nota do co-editor CV:

(1) Vd. poste de 18 de Maio de 2008> Guiné 63/74 - P2856: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (3): Quem vê caras, (também) vê corações

Guiné 63/74 - P2886: A guerra estava militarmente perdida ? (8) (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem do Joaquim Mexia Alves, com data de 25 de Maio último:


Meu caro Mário Beja Santos, Luís Graça, co-editores e camaradas amigos

Claro que tenho de meter a colher!



Julgo, salvo o erro, que até fui eu quem despoletou um pouco esta polémica quando há uns meses atrás, a propósito de uns postes colocados no blogue afirmei que lá por se repetir permanentemente que "a guerra estava militarmente perdida", isso não se transformaria numa verdade, que não é de facto, a meu ver.



Aliás, esta frase, "a guerra estava militarmente perdida", começou de inicio por referir-se às três frentes de Angola, Moçambique e Guiné, mas perante a evidência da mesma não corresponder à verdade, passou a referir-se exclusivamente à Guiné, o que repito, a meu ver, também não corresponde à verdade.



Que fique bem entendido, mais uma vez, que não desejei a guerra, não a desejo e que o melhor que aconteceu foi a mesma ter acabado e a Guiné ser hoje um país independente apesar de todas as suas dificuldades.



Vou tentar responder ao Mário, com amizade e camaradagem, servindo-me do seu texto.

1 – "A segunda tem a ver com aquilo que eu designo por patamares mínimos da elevação no debate. Por exemplo, recuso-me a entrar no terreno do denegrimento no tocante aos quadros do PAIGC que não viviam permanentemente em território português. Além do mais, é deslustroso num blogue como o nosso onde intervêm guineenses que tem uma pátria cimentada pela luta desses guerrilheiros." Citando Beja Santos.

Não fui eu quem dissertei sobre o assunto mas parece-me Mário, que estás a colocar intenções de denegrimento onde elas não existem.



Não é uma realidade que a maior parte dos quadros do PAIGC não viviam em território da Guiné?



Julgo que o contexto em que tal foi afirmado, servia para dizer que, não havia verdadeiramente território ocupado pelo PAIGC com estruturas suficientes para aí se manterem esses quadros em contraposição aos quadros portugueses que estavam instalados nas suas unidades de quadrícula, ocupando território e defendo-o.



Não é colocado em causa o valor extraordinário desses homens por quem nutrimos todo o respeito, podendo até afirmar, julgo eu, sem medo de errar muito, que respeito mais eu o Nino Vieira e o seu passado, que muitos guineenses provavelmente.

2 – "A terceira tem a ver com o facto de eu não vir buscar adesões, não pertenço a nenhuma maioria ou minoria, não procuro claques nem cliques. No que estou errado, o Graça Abreu torna a verdade inequívoca. E eu dar-lhe-ei razão, ainda estou em muito boa idade de rever conceitos." Citando Beja Santos

Esta não percebo! Que eu saiba ninguém procura claques ou cliques, mas sim discutirmos saudavelmente um assunto que nos diz respeito.



Se alguém concorda com uns e com outros é normal e é bom o que não significa que haja "partidos" ou "exércitos de opinião".



Por mim estou sempre pronto a dar a mão à palmatória.

3 – "A quarta prende-se com uma comunicação fraterna que é devida entre nós: não embarco em demagogias de querer associar o que penso ter sido o colapso militar da Guiné e a luta dos soldados portugueses, que nunca minimizei e em tal terreno não aceitarei insinuações, seja de quem for. Postas estas ressalvas, avanço para o primeiro apontamento." Citando Beja Santos

Ó meu caro Mário, parece que gostas de rotular as coisas, afastando tu mesmo essa tal comunicação fraterna ao colocares intenções onde elas não existem.



Claro que sei não ser essa a tua intenção, mas também não é a minha com certeza.



Ninguém afirmou que minimizaste a luta dos soldados portugueses, nem tal me passa pela cabeça, mas ao afirmares que a guerra estava perdida militarmente o que é que julgas que os soldados portugueses que lá estiveram pensam?



Estiveram na guerra, nada lhes foi dado em contrapartida, e para além disso até somos quase proscritos nesta sociedade!



Se agora para além do mais lhes dizemos, ou nos dizemos, que perdemos a guerra, o que nos resta?



E o problema é que tal corresponde à verdade!

E agora o resto:

Baseias-te muito em livros, documentos, etc. e apenas te quero lembrar, (e disso sabes muito mais do que eu), que a quantidade de livros sobre a guerra, a politica e por aí fora, a seguir ao 25 de Abril, são às centenas, para não dizer mais, e que em muitos casos, se opõe totalmente nas suas conclusões.



Sabemos também, não sou só eu que o afirmo, que as informações recebidas em Lisboa, se calhar até em Bissau, não correspondiam muitas vezes á verdade, por isso, documentos, etc, embora sirvam de estudo não são muitas vezes totalmente credíveis.



Marcelo Caetano decide, pelos vistos, propor negociações para estabelecer um cessar fogo que levasse à independência da Guiné e isso para ti significa que a guerra estava perdida!
Porquê? Então o homem não poderia estar a perceber o rumo da história?



Repara como de algum modo é incoerente aquilo que referes:



O diplomata ia a Londres como representante pessoal do Ministro dos Negócios Estrangeiros propor uma oferta de independência à Guiné-Bissau, a troco de um cessar-fogo., e o PAIGC não aceita tal proposta porque prefere continuar na luta armada até á "derrota das forças portuguesas", continuando a morrerem não só portugueses mas também guineenses?
Que lógica tem isto?



A proposta terá sido essa?

Pois se o 25 de Abril tinha como fim primeiro, diga-se o que se disser, acabar com a guerra, não era normal que fossem feitos todos os esforços para alcançar um cessar fogo onde a guerra era realmente mais difícil e intensa?



Toda a gente sabia, e tu também cá estavas, que não seria possível mandar mais soldados para África a seguir ao 25 de Abril, porque o povo a isso se opunha, por isso o que havia a fazer era conseguir o mais rapidamente possível um cessar fogo que colocasse um fim à guerra.
Onde é que isto significa que a guerra estivesse perdida?



Aliás em Angola não se podia pedir um cessar fogo numa guerra que já praticamente não existia.

Diz-nos tu, por favor, que posições perdemos nós, já que o afirmas novamente.
Digo-te eu que as "tuas" bolanhas cultivadas do teu tempo, já não o estavam no meu, para além de outras coisas, pelo que a tua prestação e dos teus pares, foi bem conseguida, pois levou a uma forte diminuição da guerra naquelas zonas.

Meu caro Mário, claro que a situação era caótica!





Pois se todas as intervenções politicas, e nessa altura as intervenções dos militares eram todas politicas, apontavam para a independência, para o fim da guerra a qualquer preço, como querias tu que soldados, furriéis, alferes que estavam contra a sua vontade numa guerra, estivessem moralizados ou lhes apetecesse sequer morrer por algo que estava já decidido?

A compra de armamento nunca seria feita por canais diplomáticos, sabe-lo bem, e quando foi preciso AK47 para a "invasão de Conakri" elas foram compradas sem grandes problemas.
Não encontrarás obviamente documentos sobre essas compras ou possiveis compras.
Mas à gente que o sabe muito bem, posso te afirmar!

Carlos Fabião conhecia a Guiné como ninguém? E Alpoim Calvão, e Almeida Bruno, e Manuel Monge e por aí fora?
Sabemos bem com quem Carlos Fabião estava alinhado!

Meu caro Mário, eu falo-te do que acontecia no terreno, ou pelo menos naquele que eu calcorreei , e aí meu caro amigo "a guerra não estava perdida militarmente".

Continuaremos para a semana, ou calar-me-ei e darei espaço a outros, mas é fácil perceber que esta polémica não dará grandes resultados. ~



Terá pelo menos um bem importante: leva-nos a falar de coisas que a alguns, como eu, ainda incomodam e vai exorcizando fantasmas, para utilizar uma expressão muito em voga.

Recebe um abraço amigo do
Joaquim Mexia Alves

Guiné 63/74 - P2887: Em busca de...(27): José Alberto Machado, Alf Mil Médico (Carlos Marques Santos)

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia > Da esquerda para a direita: a Maria Alice, esposa do nosso editor, Luís Graça; e a Teresa, esposa do Carlos Marques Lopes.

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

À esquerda:

Foto actual do Carlos Marques Santos, que vive em Coimbra. Foi Fur Mil da CART 2339
Fá Mandinga e Mansambo
1968/69


1. Hoje mesmo recebemos uma mensagem do nosso tertuliano Carlos Marques Santos que, em seu nome e de sua esposa Teresa, solicita a ajuda da nossa tertúlia e dos leitores do nosso Blogue em geral, no sentido de se encontrarem pistas que reconstruam o percurso na Guiné de um cunhado e irmão, respectivamente.

Qual a sua Unidade? Onde esteve? Alguém pode dar uma ajuda.

Mais uma vez apelamos à memória de quem nos lê. Fica desde já o nosso agradecimento.
CV


2. Mensagem do Carlos Marques dos Santos:

Luís e co-editores, Amigos, Companheiros:

A minha mulher Teresa, que me tem acompanhado nos Encontros da minha Companhia, a CART 2339, e nos da Tertúlia, teve um irmão (digo teve porque faleceu aos 34 anos e teria hoje cerca de 70) que era médico.

Sabemos que fez o serviço militar na Guiné-Bissau como Alferes Médico e, onde esteve, terá estado a mulher e um seu filho mais velho, meu sobrinho, talvez com 6/7 meses.

As pesquisas levam-nos a Nova Lamego, talvez ao BCAV 705 (1).

Já perguntei, por mail ao Carlos Ribeiro, única referência no Blogue, mas não conhece.

José Alberto Machado – Alferes Mil Médico.

Será que alguém o conheceu?

Será que alguém nos pode ajudar a reconstituir o seu percurso na Guiné?

Gratos

Teresa e Carlos Marques Santos

___________

Nota do co-editor CV:

(1) Vd. poste de 18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1292: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte I)


(...) "Batalhão de Cavalaria n.º 705

"Mobilizada no Regimento de Cavalaria nº 7 em Lisboa, desembarca na Guiné em 24 de Julho de 1964.Rendendo o BCAÇ 512 no sector de Nova Lamego assume, em 1 de Junho de 1965, o respectivo comando de sector que abrangia os subsectores de Pirada, Bajocunda, Canquelifá, Buruntuma, Piche, Madina do Boé e Nova Lamego.Foi rendido pelo BCav 1856 em 1 de Maio de 1966 regressando à metrópole em 14 de Maio de 1966" (...).

Guiné 63/74 - P2886: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (10): Homenagem ao António Batista (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem do Jaoquim Mexia Alves:

Caro Luis

Envio uma coisa que escrevi e me foi inspirada pela história do António Baptista.

O assunto é sensivel por isso deixo ao teu cuidado o que quiseres fazer ao texto, que é uma coisa simples e despretenciosa.

Abraço amigo do
Joaquim Mexia Alves

Ah, e prometo deixar de escrever tanto!!!!


2. Na hora da minha morte... ou uma homenagem ao António Batista, o único morto-vivo que conheço
por Joaquim Mexia Alves


Tinha acabado de chegar.
Um ajuntamento de pessoas chamou-lhe a atenção.
Não lhe bastava o bater do coração descompassado de tanta saudade,
para agora ainda por cima estar a viver aquela sensação insistente,
que lhe segredava ao ouvido:
-É contigo, é contigo, vai ver o que se passa!
Com algum temor e timidez aproximou-se daquela gente,
que afinal era a sua gente.
Distinguiu algumas caras suas velhas conhecidas,
mas achou estranho porque olhavam para ele,
como se ele ali não estivesse.
Num impulso estava para tocar no ombro do velho Francisco,
que lembrava-se bem era o dono da tasca,
mas algo dentro de si lhe disse para estar quieto,
para não fazer nada, para ficar só a ver.
Misturou-se naquela gente,
que estava triste,
pois uns choravam e outros iam repetindo coisas como:
- Era tão novo…não merecia isto…como é que isto foi acontecer.
Percebeu que devia ser um funeral,
e pensou:
-Raios partam, logo no dia em que regresso
é que havia de haver um funeral aqui na terra!
Ao longe viu os seus pais, e outros da sua família, amigos, conhecidos,
enfim toda aquela gente que ele tinha deixado quando partira.
Mas algo continuava a dizer-lhe para se manter calado,
para não dar nas vistas,
para ir apenas vendo o que se passava.
Foi-se aproximando
e já conseguia distinguir o caixão do desgraçado que tinha morrido.
Algumas caras olhavam agora para ele com uma expressão incrédula,
mas ele não lhes ligou nenhuma.
Queria saber quem era o morto,
era uma curiosidade que o estava a atormentar.
Mais perto já conseguia ouvir o Padre
que agora encomendava a alma do…
-Porra, era o seu nome!
Gaita o que é que se passava?!
Percebeu então que estava a ser enterrado num caixão,
apesar de estar ali, vivinho da silva.
Serenamente, (apesar de tudo a gozar a expectativa),
disse a um daqueles que estava ao seu lado
e de quem não se lembrava da cara:
-Sabes quem é que está ali a ser enterrado?
O outro respondeu um pouco desconfiado:
-É um desgraçado que morreu na Guiné.
Olhou-o nos olhos e disse-lhe a rir:
-Pois é! Mas fica sabendo que o gajo, sou eu!!!
O outro deu um grito, as cabeças voltaram-se para ele
e foi um pandemónio.
Houve desmaios, cheliques, gritinhos, berros, fugas a correr, apertões, apalpões, enfim de tudo um pouco,
mas a verdade é que à noite a festa foi rija na aldeia.
Foi a mais triste e ao mesmo tempo mais alegre,
foi a mais falada e comentada chegada à sua terra,
de um soldado da Guiné.
Apesar de tudo teria sido bom
que assim tivesse acontecido,
mas infelizmente não foi!
Muitas pessoas sofreram e ainda hoje sofrem,
e este país que foi tão lesto a enterrar quem não tinha morrido,
é muito lento a desenterrar quem afinal está vivo!
Homenagem ao António Baptista, o único morto-vivo que conheço! (1)

Monte Real, 26 de Maio de 2008
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Nota dos editores:

(1) Vd. poste de 26 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2885: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (9): António Batista, ex-prisioneiro de guerra