sexta-feira, 30 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2902: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (33): A correspondência epistolar na véspera do meu casamento

Angola > Luanda > Abril de 1970 > "O meu primo José Augusto Gândara de Oliveira, um dos homens mais generosos que conheci, advogado brilhante em Luanda, angolano como a minha Mãe, enviou-me um outro tipo de aerograma, uma edição que não tinha nada a ver com o Movimento Nacional Feminino. Pedi ao José Augusto para receber o Comandante Teixeira da Mota, então colocado no Comando Naval. Recebi muita e imprevista ternura epistolar, quando me casei".


Portugal > Açores > São Miguel > 1967 > "Muitas saudades dos soldados açoreanos! Foi este o pelotão que me caíu na rifa, entre Outubro e Dezembro de 1967, nos Arrifes, ilha de S.Miguel. Eram predominantemente micaelenses, mas havia gente de mais 4 ilhas. Ajudaram-me a preparar a festa de Natal, com satisfação andei, na companhia da minha amiga Cremilde Tapia, a levar lembranças a suas casas, tudo coisas que angariei através dos familiares e amigos, em Lisboa".


Portugal > Açores > S. Miguel "Os meus amigos de Arrifes, 1967-1968. Estes meninos, mal me apanhavam de oficial de dia no BII18, S.Miguel (mais propriamente nos Arrifes), apareciam a contar com as sobras do rancho. Há 40 anos atrás, havia muita provação nos Açores, os soldados gostavam da vida de quartel pois comia-se carne ou peixe todos os dias. O menino da esquerda chamava-se Gabriel, no dia de Natal teve roupa nova. Como eu gostava de os rever!"


Fotos (e legendas): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.

Texto do Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1), enviado em 29de Fevereiro de 2008:


Luís, As ilustrações já seguiram. Imagina tu que num dos livros que consultei na Sociedade de Geografia de Lisboa encontrei uma fotografia do régulo Abdul Indjai, dilecto amigo de Teixeira Pinto, régulo do Oio, e que mais tarde caiu em desgraça. É uma figura enigmática, tem este chamariz de procurar desvendar o segredo da sua queda: traição? cabala organizada pelos invejosos? excesso da administração que teve medo da sua popularidade? É palpitante andar à procura da verdade. Estamos a cerca de vinte episódios de concluir este livro, vê tu. Eu ainda não acredito que isto está a acontecer, um abraço do Mário.


Operação Macaréu à Vsta -Parte II Episódio XXXIII > CARTAS DE UM MILITAR DE ALÉM-MAR EM ÁFRICA PARA AQUÉM EM PORTUGAL (4) E OUTRAS PARAGENS EM ÁFRICA
por Beja Santos (*)


(1) Para Comandante Avelino Teixeira da Mota

Senhor Comandante e meu querido amigo,

Parto amanhã para Bissau, onde casarei no próximo dia 16. Pode imaginar a felicidade que estou a viver. Participei em várias operações, de Fevereiro a Abril, nos últimos dias de Março regressei à zona mais ocidental do Cuor, tanto quanto sei é a primeira vez que tropas não especiais entram em Belel desde que há guerra, e a destroem. Foi um sacrifício tremendo, não sei se alguma vez me vou perdoar ter-me esquecido, durante os preparativos da operação, de ter levado carregadores com jerricans de água. O mal está feito, regressámos com dois feridos ligeiros e muita gente febril e com insolações.

Imagine que uma professora em Bambadinca me tem facilitado documentação interessantíssima e que bem gostaria de um dia poder divulgar, para um melhor conhecimento sobre as gentes da Guiné. Encontrei um relato de um seu camarada da Armada, Frederico Pinheiro Chagas, publicado nos Anais do Club Militar Naval, em 1909, sobre Infali Soncó. Penso que Sambel Nhanta é hoje Sansão (está abandonada, como sabe, fui lá visitar o túmulo de Infali Soncó) e Gã Sapateiro é Caranquecunda. A propósito, o Pinheiro Chagas fala em Ponta Joaquim da Costa, do outro lado do Xime, já a caminho de Bambadinca, não será Mato de Cão?

Gostei igualmente de ler um artigo do Rogado Quintino sobre os povos da Guiné, veio num Boletim Cultural aqui da Guiné, de 1967. Repertoriei cobras, espécies aladas, aves e mamíferos, tenho tido a preocupação de pedir a toda a gente a confirmação destes nomes, asseguro-lhe que é a primeira vez que oiço falar no papa-figos dourado e na cabra cinzenta. Um dos meus caçadores, Cibo Indjai, falava-me no sim-sim, uma espécie de porco selvagem que ele trazia para Missirá, o Rogado Quintino também fala nele.

A propósito de madeiras, venho pedir a sua ajuda sobre o seguinte: encontrei referências a ébano, bissilão, pau-sangue, pau-carvão, pau-conta, maceta, poilão, pau-bicho e zimbrão ou goma arábica. Ora ninguém conhece o que é o zimbrão. Não pode adiantar mais pormenores? Lembra-se de me ter escrito um aerograma a propósito da fundação de Bucol, no regulado de Joladu, e de me ter falado que estava a escrever um artigo sobre os sônôs?

Finalmente encontrei um texto, trata-se do artigo “Usos e costumes jurídicos dos mandingas”, por Artur Augusto da Silva, foi publicado no Boletim Cultural, também em 1967. Leio em determinada altura: “Soninqués, beafadas e mandingas tinham uma cultura específica, caso dos sônôs, hastes de ferro com cerca de 1,2 metros de altura com vários braços laterais terminando em esculturas de bronze, geralmente pequenas cabeças humanas”. Se o seu trabalho sobre os sônôs já estiver publicado, envie-me, por favor.

Já que estou em maré de pedidos, ainda a propósito de madeiras, gostava de saber se há literatura sobre o uso das madeiras na Guiné, por exemplo no madeiramento das casas, a madeira que é usada nas esculturas ou na construção das canoas, peças caseiras, etc. No trabalho do António Carreira sobre os mandingas da Guiné Portuguesa, ele fala nos artífices mandingas e fala concretamente nos ferreiros, sapateiros, alfaiates, ourives, tintureiros e tecelões. Conheci um ourives em Bafatá onde comprei lindas peças como prenda de casamento para a Cristina. Esta tradição de ourivesaria é uma constante da cultura mandinga?

Estou consciente do abuso dos meus pedidos. Deixo para o fim uma notícia que provavelmente ainda não lhe foi dada pelas suas fontes de informação daqui. Consta que o comandante-chefe mandou suspender temporariamente toda a actividade operacional, estão em curso negociações para se chegar a um processo de paz. A mim a notícia surpreende-me pois estive num patrulhamento ofensivo no Poidom de onde voltei no passado dia 10. É provável que em Bissau haja informações mais consistentes, depois escrevo-lhe. Receba a gratidão deste seu jovem amigo que tem sido contemplado por inúmeras manifestações da sua generosidade.

(2) Para Ângela Carlota Gonçalves Beja

Querida Mãezinha,

Tem sido um tempo muito duro, foi um mês com intensa actividade operacional, muitas deslocações e as noites que passo na tal ponte de Udunduma são um perfeito inferno. Amanhã parto para Bissau, a Cristina chega a 15, iremos fazer compras juntos, caso das alianças, tenho que tratar do fotógrafo e de alguma roupa, juntei dinheiro para pagar a boda, na noite de 16 haverá um jantar para o qual já convidei os nossos padrinhos e amigos. Penso que me vou emocionar muito, participarão na cerimónia todos aqueles que me têm ajudado em Bissau, alguns dos meus soldados e até camaradas de Bambadinca.

A missão católica é muito reduzida, creio que os católicos na Guiné não passam de 2 a 3 por cento, são missões de franciscanos e de padres italianos muito ligados à educação e ao apoio aos leprosos. Vou pedir acompanhamento com música de Bach, mas é um assunto que ainda quero conversar com a Cristina. Ficaremos cerca de dez dias em Bissau e depois eu tenho de ser hospitalizado, faz parte do acordo com o comandante de Bambadinca. Não gosto mesmo nada deste acordo, ter que ser internado na neuropsiquiatria, ainda resmunguei, o comandante perguntou-me seu eu tinha alternativa, é evidente que eu não tinha nenhuma.

Depois volto para o comando do meu pelotão, prevê-se que de fins de Maio até Julho ou Agosto, quando terminará a minha comissão, eu ficarei a colaborar diariamente nos patrulhamentos de uma estrada que está a ser alcatroada entre o Xime e Bambadinca, é uma solução que irá permitir que as tropas e o armamento, bem como as mercadorias e as matérias primas não afluam todos ao o porto de Bambadinca, que começa a estar muito saturado. A Cristina regressa a Lisboa em Maio, irá procurar casa e mobilá-la. Entretanto, concluirá os seus estudos, eu estou ansioso de recomeçar os meus mas sei muito bem que antes de mais irei decidir o meu rumo profissional.

Obrigado por ter ido aos funerais do Carlos Sampaio e ter consolado a sua mãe. Sei que foi de bengala e muito mal das suas pernas. Rezo para que tenha alivio das suas dores. O nosso primo José Augusto enviou-me felicitações pelo casamento, virá breve a Lisboa e vai visitá-la, ele é profundamente seu amigo.

Agora que a minha vida vai mudar, agora que se abrem novos sonhos e promessas com o meu casamento, não me canso de agradecer a Deus todo o bem que me fez, os princípios que me inculcou, preparou-me para tarefas difíceis e estou absolutamente certo que não a desapontei. Em breve, telefono-lhe de Bissau e dentro de meses vou ter a enorme alegria de a beijar e abraçar. Tive muita sorte na vida, a começar pela mãe que Deus me deu. Despeço-me com muita saudade e não se esqueça que eu tenho o coração em festa.

Carta, datada de lisboa, 4 de Abril de 1970 > "O Eduardo é o Amigo mais antigo, começámos a relacionarmo-nos aí pelos 11 anos, já lá vão mais de 50. Nunca me escrevera, eis que me envia as felicitações, com que entusiasmo e afecto. Carta inesquecível, que tão bem me fez naquele tempo"... A carta começava assim: "Caro Mário: Quero em primerio começar por felicitar-te pelo teu casamento com a Cristina: não há dúvida que o Amor é qualquer coisa que vem dar significado à Vida, por mais 'racionalistas' que às vezes as pessoas pretendam ser"...


Fotos (e legendas): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.

(3) Para Cristina Allen

Meu adorado Amor,

É claro que só lerás esta carta quando regressares a Lisboa. Não podes imaginar o contentamento das mensagens que recebo. É o Eduardo Canto e Castro a falar de uma amizade que começou quando tínhamos onze anos e que nos deseja as maiores felicidades. É o José Augusto Gândara de Oliveira, o meu querido primo em Luanda que nos felicita e comunica que aguarda a visita do Teixeira da Mota, agora colocado no Comando Naval de Angola. São mensagens risonhas, portadoras de optimismo.

Quero que saibas que vou muito confiante para Bissau, que iremos fazer compras e preparar a nossa cerimónia. Quero igualmente que saibas que não encontrei alternativa a partir para Bissau com guias para a consulta externa de neuropsiquiatria e oftalmologia, ao princípio barafustei, achei indecoroso ir tratar de problemas inexistentes, agora estou resignado, sempre são mais uns dias em que te vejo, tu vais visitar-me ao hospital, espero que não seja acabrunhante.

Termino esta cartinha dizendo-te aquilo que sinto: até amanhã, meu querido amor. Cuida de ti é bom que estejas feliz como eu me sinto neste momento, é bom que saibas que te amo tanto e que te quero oferecer uma doce companhia.

Cap do romance de A. Moravia, O Desprezo. Editora Ulisseia, s/data, tradução de M.Teresa de Barros Brito, prefácio de Pedro de Moura e Sá, sem indicação de autor da capa. Foi o primeiro livro que li de Moravia, trouxe-me a novidade do ambiente italiano do após-guerra,recusa do neo-realismo,uma crueza e uma recusa da narrativa fácil, Moravia era cultíssimo e não tinha vergonha. O Desprezo centra-se numa ruptura dilacerante,é uma evocação serena e dolorosa que espelha a solidão do homem contemporâneo.O romance impressionou-me,marcou-me até hoje,seja a qualidade litérária seja a temática do casal nuclear,,nada lera de semelhante até então.
Fotos (e legendas): ©
Beja Santos (2008). Direitos reservados.

(4) Para Ruy Cinatti

Ruy, dear Father,

Recebi o disco com a música do Aaron Copland, adorei sobretudo Rodeo, mas gostei também muito de El Salón México, a sinfonia do Utah é muito bem dirigida pelo Maurice Abravanel. Muito obrigado pela surpresa, como igualmente lhe agradeço “O desprezo” do Alberto Moravia.

Como é diferente ler um escritor sobre o qual já ouvi referências depreciativas chamando-lhe amoral ou materialista. Moravia é cultíssimo, já sabia que estudara encenação e fizera cinema, ele trabalha muito bem estes caracteres, tal como a cultura clássica a propósito da Odisseia de Homero. O que me maravilhou foi a escrita, uma evocação serena e melancólica de um marido desprezado e que nunca entendeu o afastamento da mulher. Moravia é magistral na construção de um enredo possível numa sociedade desenvolvida em que o casal já não presta constas nem à sociedade e dispõe de vínculo precário, sempre ameaçado. Temos Ricardo, Emília e Battista, um falso triângulo amoroso, num dado momento veio a revelação do desamor, perfila-se uma relação vazia que só é salva porque Ricardo é dominado pela profissão e Emília estabelece consigo uma dissolução doce. Desculpe estar a escrever o que para si é obvio, estou rendido à escrita de Moravia, ao seu talento, ao enunciado e desenvolvimento de caracteres. É um falso livro de memórias, um grande romance.

Não se admire se lhe telefonar de Bissau, caso a 16 e penso que lá estarei três semanas. Nem coragem tenho para lhe contar que para casar aceitei baixar à neuropsiquiatria, ainda me arrepio cada vez que penso no assunto. Vivi um período intenso no plano operacional, o resto é penar naquele posto avançado que dá pelo nome de ponte de Udunduma. A novidade é que fizemos reparações na ponte e que passámos a picar até à povoação mais próxima, que se chama Amedalai, há rumores que o PAIGC decidiu minar a estrada. As noites são um inferno, nem ler posso, não pode haver iluminação para não sermos avistados, caso o inimigo pretenda flagelar-nos.

Não sei o que será o nosso futuro nos próximos meses, estarei cá pelo menos até fins de Julho ou princípios de Agosto. Muito obrigado por ter levado os meus soldados ao Cais do Sodré, o Alcino escreveu-me e contou-me o jantar que lhes ofereceu. Suspiro por conversar consigo em breve, em Bissau vou escolher uma escultura para lhe levar. Até breve, pois, receba todo o reconhecimento pelo bem que me tem estado a fazer .

(5) Para José Luís Botelho de Melo

Meu estimado amigo,

É para mim um desconforto voltar a Bissau e saber que não o vou ver. Habituei-me à sua companhia, a ouvi-lo falar dos feridos que trata, foi graças a si que pude conversar sobre a minha experiência em São Miguel. Adorei aquela natureza, tenho muito orgulho nas amizades que fiz, escrevo regularmente a um dos meus soldados que está agora em Moçambique. Venho, cheio de entusiasmo, informá-lo que caso no dia 16 e conto visitar a nossa ilha muito em breve. Acima de tudo, escrevo-lhe porque estou muito feliz e desejo que o regresso à sua vida familiar e profissional esteja a decorrer sem sobressaltos. Ou talvez o mais importante seja dizer-lhe que gosto muito da sua amizade e não esqueço o bem que me fez. Até São Miguel e aqui vai toda a minha estima.


Capa de O Túmulo de Prata, de Frank Grube. Colecção Vampiro nº98,capa de Cândido da Costa Pinto, tradução de A. Maldonado Rodrigues.

Estão permanentemente em cena Johnny Fletcher e Sam Cragg, uma dupla espantosa da Grande Depressão dos EUA: pelintras mas ardilosos, um inteligente, outro latagão,vendendo livros para adquirir musculatura, safando-se umas vezes com expedientes, outras vezes envolvendos em investigações policiais,sempre com uma acusação de envolvimento no homicídio. Desta feita,há minas abandonadas,há um estranho filão de prata,aparece um morto no carro da dupla,começa a investigação, Johnny encontra a solução num velho alfarrábio. Ainda hoje se lê com pleno agrado.

Foto (e legenda): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.


(6)Para Paulo Simões da Costa

Paulo, meu querido amigo,

Obrigado pelo bilhete postal que me mandaste de Durban, durante as tuas férias. Em Moçambique estás tu e um soldado mariense, de quem sou profundamente amigo. Aconteceu-me uma tragédia que foi a morte do Carlos Sampaio. São perdas atrás de perdas, depois há este mistério das amizades que chegam, que ficam a fermentar. Mandei-te livros, poucos porque o porte dos correios é muito caro e tenho as despesas do casamento. Ainda não te disse, caso dentro de dias.

Por muito que te surpreenda (afianço-te que eu próprio me surpreendo), continua a ter vontade para ler coisas muito sérias, só que a vadiagem em que vivo impede-me a atmosfera propícia. Aproveito as viagens dentro dos regulados aqui próximo, havendo um bocadinho disponível, distancio-me e leio. Os policiais têm sido uma boa companhia. Por exemplo, acabei agora a leitura de “O túmulo de prata”, de Frank Gruber. É uma dupla espantosa de vendedores de livros sobre musculatura, são dois aldrabões de feira, um é o detective cerebral e imaginativo, o outro uma carga de músculos, um amigo seguidor e inocente que pede sempre ao primeiro para nunca se envolver nessas histórias de descobrir assassinos. Já li vários destes livros e dão-me sempre imenso prazer. Desta vez á uma mina de prata abandonada mas com vários compradores interessados, aparece um cadáver no carro da dupla, o detective cerebral vai desvendar as razões do homicídio e o nome do assassino graças a um alfarrábio que guarda um segredo.

Se te conto isto é porque há muitas maneiras de resistirmos, ler policiais é uma, também encontro na música um poderoso refúgio, escrevo sempre que posso, não me esqueço que em breve vou recomeçar tudo quanto interrompi e de que tanto gosto. Mas agora, agora mesmo, só me interessa ver a mulher amada e como meu amigo posso imaginar que tu partilhas esta alegria de partir rumo à felicidade. Não te esqueças que qualquer dia estamos em Lisboa e vamos estudar juntos. Um grande, um grande abraço e obrigado pelas tuas cartas.

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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 19 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2861: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (32): Operação Pavão Real

Este episódio devia ter sido publicado na semana passada, o que não aconteceu, por razões de sobrecarga editorial. Pede-se desculpa ao autor, aos amigos e camaradas da nossa tertúlia, aos fãs da série Operação Macaréu à Vista e aos demais leitores do blogue.

Guiné 63/74 - P2901: O Nosso Livro de Visitas (15): Luís Dias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3491 (Dulombi e Galomaro, 1971/74)

1. No dia 27 de Maio de 2008, recebemos uma mensagem de Luís Dias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3491 que esteve na Guiné, entre Dezembro de 1971 e Março de 1974, na Zona Leste, em Dulombi e Galomaro. Este nosso camarada tem um Blogue dedicado à sua Companhia: Histórias da Guiné 71/74 - A CCAÇ 3491 - Dulombi.

O blogue, cujo aparecimento saudamos, é apresentado nestes termos:

Espaço de confraternização para todos aqueles que, como combatentes, tiveram de percorrer as matas, as bolanhas, as picadas e os rios da Guiné, em especial invocar aqui a história e as 'estórias' dos elementos da CCAÇ 3491, aquartelados em Dulombi e também em Galomaro, entre Dezembro de 1971 e Março de 1974. Fomos dos últimos combatentes do denominado 'Império Português'.

Caro Luís Graça & Camaradas da Guiné:

Dou-lhe os meu parabéns pelo vosso excelente blogue e pela oportunidade que dão aos ex-combatentes da Guiné de poderem confraternizar, trocar ideias e informações sobre momentos tão importantes da sua vida e que passados tantos anos ainda hoje os revivemos com uma certa paixão.

Gostaria de lhe pedir que dessem publicidade ao Blogue da CCAÇ 3491, que esteve no Dulombi e Galomaro, entre Dezembro de 1971 e 9 de Março de 1974 e que é o seguinte: wwwccac3491guine7174.blogspot.com.

Caso o entendam, podem publicar uma das histórias ali contadas e que reproduzo abaixo.

Com os melhores cumprimentos
Luís Dias
Ex-Alf Mil Inf


2. A estória do Alferes L. Dias

A história passa-se no Leste da Guiné, no Sector do BCAÇ 3872, na CCAÇ 3491, aquartelada no Dulombi, na fase de sobreposição operacional entre a nossa Companhia e a dos velhinhos.

Depois de uma Operação de dois dias (Operação Varina Alegre, em 01FEV72), em que intervieram 1 GComb da CCAÇ 2700, 3 GComb da CCAÇ 3491 (2.º GComb, 3.º GComb e 4.º GComb) e 1 Secção do Pel Mil 288.

Ao fim da tarde, já no regresso ao Dulombi, a nossa coluna caminhava por um trilho em fila indiana, tendo sido dada ordem aos últimos para irem pegando fogo ao capim, que estava seco, para dar uma maior visibilidade da zona em próximas operações.

A determinada altura, veio a palavra da frente a dizerem: Ataque de abelhas, o que originou alguma debandada, com excepção de mim (Alf Dias), isto porque fiquei de imediato coberto delas. Estavam por todo o lado, cabelo, cara, braços e mãos, num zumbido ensurcedor. Sabedor da sua habitual ferocidade naquelas paragens (comprovada muitos meses mais tarde numa operação à zona de Madina do Boé, em que elementos de outra companhia foram atacados por um enxame originando a evacuação de helicóptero de vários militares e a morte infeliz de um outro, o qual vendo-se envolvido por elas efectuou diversos disparos d G3, lançou uma granada ofensiva e como tal não resultou na sua dispersão, deu um tiro nele próprio - tal seria o seu desespero!), limitei-me a deitar-me no capim, sem me mexer, suando as estopinhas e rezando para que elas não me picassem.

Não sei quanto se tempo se passou mas foi bastante, quando, finalmente, elas se foram embora - não sofri nem uma beliscadura - porque devem ter sentido o fogo a chegar. Levantei-me e chamei pelos soldados e nada...! Vi-me sozinho, com o fogo à perna, sem saber ao certo onde estava e para que lado ficava o quartel.

Esta era a minha primeira operação (e podia ter sido a última) e tinham-me deixado ali... Como era possível!!! Continuei pelo trilho, caminhando apressadamente porque o raio do fogo continuava a crepitar lá atrás.

Depois de andar algum tempo, ouvi disparos intervalados e pensei: bom já deram pela minha falta! Notei, entretanto, que estava indo na direcção errada e efectuei também 3 disparos, mas não me ouviram, porque não houve outros tiros em resposta. Acalmei-me; a noite caía e tinha dificuldade em orientar-me no escuro. Ainda pensei subir a uma árvore e aguardar pela manhã para conseguir descobrir o caminho certo para o aquartelamento, mas havia o problema do fogo, aliado a estar numa zona em que o In podia surgir. Vi-me obrigado a prosseguir, orientando-me pelo Cruzeiro do Sul e seguindo a corta-mato em direcção à zona de onde tinha vindo o som dos disparos de G3.

Depois de muito andar, notei ao longe um clarão intenso e fixo que presumi ser do Dulombi, pois não havia outro quartel em redor. Cheguei a um enorme Vendu e atravessei-o, em direcção à luz, tendo começado a ouvir o barulho de um motor, que pensei ser o gerador da electricidade. A seguir tinha um problema: na linha da frente do quartel, na parte que se situava virada para os Vendu, havia um campo de minas, dispostas em linha e colocadas em cima de ferros, a meia-altura, com arame de tropeçar. Embora os velhinhos nos tivessem dito que a maioria já tinha estoirado, devido à passagem de animais, havia a hipótese real de ainda estarem algumas activas.

A opção não era simples, mas era clara: ou ser apanhado pelo fogo ou ter a sorte de aproximar-me do descampado que antecedia o quartel, onde estaria protegido do fogo. Foi a sorte que me conduziu por um caminho sem que nada me sucedesse e avancei com cuidado pelo descampada até junto de um baga baga (monte feito pelas formigas brancas, que mais tarde viria a demolir com explosivos por ser um local onde se podia alvejar o quartel com facilidade sem se ser visto e protegido de tiro directo), situado perto do torreão, localizado junto do campo de futebol, onde ainda vi dois elementos na base do mesmo, a comerem, tendo pensado em chamá-los, mas o facto de sermos periquitos retraiu-me, com o receio que desatassem aos tiros ou pior, à morteirada.

Adormeci pela madrugada, devido ao cansaço, tendo sido acordado manhã cedo, pelo som das culatras das espingardas G3 a irem à frente, sinal de que a tropa ía sair. Então levantei-me, tirei o dólmen e em tronco nu avancei para o quartel, entrando no mesmo, sob o olhar espantado dos militares que aguardavam a ordem de partida para irem à minha procura, já tendo solicitado, inclusive, a presença de um helicóptero.

Estava bastante sujo, tinha criado duas ínguas nas virilhas, devido ao esforço efectuado de andar a corta-mato. Estão a ver a bronca que dei no soldado que me precedia e no que vinha atrás de mim, por terem perdido a ligação, que considerávamos extremamente importante nas instruções que lhes dávamos.

Depois de um banho retemperador dormi o dia todo.

Soube mais tarde, que aquando do ataque de abelhas, a coluna desviara-se para um outro trilho paralelo e prosseguiram a marcha, só dando pela minha falta mais tarde, pensando até que eu teria morrido, devido ao fogo que lavrava naquela zona. A excepção era o meu amigo Alf Farinha (que efectuou os disparos espaçados e que me ajudaram a localizar mais tarde o quartel) que referia que se eu tivesse sido apanhado pelo fogo, as granadas de mão que eu transportava teriam rebentado e não tinha ouvido nenhuma explosão.

Durante muito tempo esta estória foi muito comentada pela Guiné fora. Uma das vezes que estive em Bissau, ouvi-a na messe de oficiais dos adidos, embora contada com outros condimentos, onde já metia os guerrilheiros do PAIGC, enfim...

Já sabem do provérbio: Quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto.

Começou aqui a minha sorte, dado que mais tarde iria novamente precisar dela... várias vezes.Quando voltei, eu costumava dizer aos amigos:
-Tenho de andar certinho porque já esgotei a sorte toda lá na Guiné!

Luís Dias
Ex-Alf Mil


3. Comentário de Carlos Vinhal

Caro Luís Dias:

Depois de ler a tua aventura, fiquei arrepiado só de imaginar a situação.

Mesmo em pelotão, de noite, fora do quartel sentia-me tão desprotegido que o que mais queria era a hora de me ver de novo entre o arame farpado, no conforto das nossas instalações militares.

Com respeito ao teu Blogue, já lá o visitei. Vou fazer um link na nossa página para lá.

Caso queiras, teremos muito gosto em que adiras ao nosso Blogue, sem prejuízo da actividade que desenvolves no teu.

Obrigado por nos visitares e nos contactares.

Carlos Vinhal, co-editor

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2900: Blogoterapia (54): Chorar faz bem, chorar fez-me bem, camarada Jorge Félix (A. Marques Lopes)

Guiné-Bissau > Região do Oio > 10 de Março de 2008 > Samba Culo> Passando por Samba Culo a caminho de Canjambari > Mais uma recepção entusiástica...



Guiné-Bissau > Região Oio> 10 de Março de 2008 > Picada entre Samba Culo e Canjambari> "A poeira para recordar velhos tempos das colunas"...


Fotos (e legendas): Página de Carlos Silva > Guerra da Guiné 63/74 - BCAÇ 2879 > Viagens > Guiné 2008 (com a devida vénia...)


1. Mensagem do A. Marques Lopes, dirigida ao Jorge Félix, antigo piloto de helicóptero (Guiné, BA12, 1968/70):

Caro amigo:

Chorar fez-me bem, porque alimenta esta dor que eu não consigo (nem quero) apagar. Contei-te que tive de matar uma professora em Samba Culo e, como sempre que o faço, tive de chorar.Porque nunca quiz matar, porque fui obrigado a matar. Já disse uma vez, e é verdade que tentei ao longo da minha vida banir esta mágoa, mas sem o conseguir. Muitos copos bebi para tal, mas, como viste, por mais copos que beba não consigo. Disseste-me que, como piloto de helicóptero, também matas-te com certeza. Tabém eu te disse que, nas emboscadas, se calhar tinha matado também, assim como eles mataram dos meus. Nunca sabemos. Mas esta soube. Era eu que estava à frente dela e fui eu que disparei. E não queria.

Reavivou-me a dor, mas esta catarse do nosso encontro permitiu-me manifestar esta mágoa. É bom, sempre que possível.
Obrigado.

A. Marques Lopes

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Notas dos editores:

(1) Vd. poste de 24 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - 2879: Blogoterapia (53): Falar da Guiné e verter lágrimas, faz bem (Jorge Félix)

(2) Vd. postes de:

29 Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXX: A professora de Samba Culo (A. Marques Lopes)

(...) "Tenho de partir, de voltar a Portugal. Gostei muito de falar contigo, tinha mesmo necessidade de o fazer, já que, naquele dia em que nos encontrámos pela primeira vez, só eu te disse “firma lá!” e tu não me disseste nada. Percebo que nem me quizesses ouvir... E nunca mais dormi descansado até agora. (...)

"Quero pedir-te uma última coisa, que desculpes aquele meu soldado que tentou violar-te quando estavas agonizante. Conseguiste ver ainda que não o deixei fazer isso. Perdoa-lhe, era bom rapaz, um camponês minhoto que para aqui foi lançado e, sabes, é fácil perder a cabeça numa guerra de inimigos fabricados. Talvez o encontres por aí, o teu camarada Gazela matou-o em Jobel e o corpo dele por cá ficou. Deve andar, como tu, no meio desta floresta do Oio. Fala com ele agora". (...)

7 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XLIX: Samba Culo II (A. Marques Lopes)

" (...) o que mais me impressionou nesta operação foi o seguinte: Samba Culo tinha uma escola; quando lá chegámos, vi escrito no quadro preto, em perfeito português: "Um vaso de flores". Tinha desenhado, a giz, por baixo, um vaso de flores.

"E o que nunca mais esquecerei na minha vida: quando atacámos a base, uma jovem dos seus 18 anos ficou com a barriga aberta por uma rajada de G3. E mais (coisas terríveis desta guerra!): o Bigodes, o Armindo F. Paulino (que foi, depois, feito
prisioneiro pelo PAIGC e que acabou por morrer em Conakri), quis saltar para cima dela. Tive que lhe bater. Esta é uma situação que nunca me sai do pensamento... e da minha consciência.

"Tinham muitos livros em português, que era o que estavam a ensinar aos alunos (miúdos ou graúdos?). Trouxemos também (imaginem!) uns paramentos completos de um padre católico! Lembranças que se me pegaram para toda a vida" (...).

Guiné 63/74 - P2899: A guerra estava militarmente perdida? (11): Correspondência entre Mexia Alves e Beja Santos.

Eram as armas que iam decidir o conflito?
Em 1974, a grande maioria do povo português desejava a continuação da guerra?

Entre os militares estacionados na Guiné a contestação era cada vez mais aberta. E às claras. Em Março de 1974, algumas unidades dispersas pelo território receberam uma mensagem assinada pelo Ten Cor Banazol, em nome do “Movimento de Resistência das Forças Armadas”, apelando à rebelião e programando uma operação de retracção do dispositivo militar para o mês de Maio próximo...estou a citar o então Capitão J. Golias.

E, depois do 25 de Abril, o grande público veio a saber que o governo de então já não pensava de maneira muito diferente. Marcello Caetano tinha enviado a Londres o diplomata José Villas-Boas para uma reunião com dirigentes do PAIGC (Victor Saúde Maria, Silvino da Luz e Gil Fernandes), reunião que ocorreu entre 25 e 26 de Março e na qual ficou agendada novo encontro para 5 de Maio seguinte...

vb

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A Guerra estava militarmente perdida?

Troca de correspondência entre dois antigos comandantes do Pel Caç 52

1. Mensagem do Mexia Alves para o Beja Santos, c/c à Tertúlia, em 25 de Maio de 2008



Meu caro Mário Beja Santos, Luís Graça, co-editores e camaradas amigos

Claro que tenho de meter a colher!
Julgo, salvo o erro, que até fui eu quem despoletou um pouco esta polémica quando há uns meses atrás, a propósito de uns postes colocados no blogue afirmei que lá por se repetir permanentemente que "a guerra estava militarmente perdida", isso não se transformaria numa verdade, que não é de facto, a meu ver.

Aliás, esta frase, "a guerra estava militarmente perdida", começou de inicio por referir-se às três frentes de Angola, Moçambique e Guiné, mas perante a evidência da mesma não corresponder à verdade, passou a referir-se exclusivamente à Guiné, o que repito, a meu ver, também não corresponde à verdade.

Que fique bem entendido, mais uma vez, que não desejei a guerra, não a desejo e que o melhor que aconteceu foi a mesma ter acabado e a Guiné ser hoje um país independente apesar de todas as suas dificuldades.

Vou tentar responder ao Mário, com amizade e camaradagem, servindo-me do seu texto.


1 - A segunda tem a ver com aquilo que eu designo por patamares mínimos da elevação no debate. Por exemplo, recuso-me a entrar no terreno do denegrimento no tocante aos quadros do PAIGC que não viviam permanentemente em território português. Além do mais, é deslustroso num blogue como o nosso onde intervêm guineenses que tem uma pátria cimentada pela luta desses guerrilheiros. Citando Beja Santos.


Não fui eu quem dissertei sobre o assunto mas parece-me Mário, que estás a colocar intenções de denegrimento onde elas não existem.
Não é uma realidade que a maior parte dos quadros do PAIGC não viviam em território da Guiné?
Julgo que o contexto em que tal foi afirmado, servia para dizer que, não havia verdadeiramente território ocupado pelo PAIGC com estruturas suficientes para aí se manterem esses quadros em contraposição aos quadros portugueses que estavam instalados nas suas unidades de quadrícula, ocupando território e defendendo-o.

Não é colocado em causa o valor extraordinário desses homens por quem nutrimos todo o respeito, podendo até afirmar, julgo eu, sem medo de errar muito, que respeito mais eu o Nino Vieira e o seu passado, que muitos guineenses provavelmente.


2 - A terceira tem a ver com o facto de eu não vir buscar adesões, não pertenço a nenhuma maioria ou minoria, não procuro claques nem cliques. No que estou errado, o Graça Abreu torna a verdade inequívoca. E eu dar-lhe-ei razão, ainda estou em muito boa idade de rever conceitos. Citando Beja Santos


Esta não percebo! Que eu saiba ninguém procura claques ou cliques, mas sim discutirmos saudavelmente um assunto que nos diz respeito.
Se alguém concorda com uns e com outros é normal e é bom o que não significa que haja "partidos" ou "exércitos de opinião".
Por mim estou sempre pronto a dar a mão à palmatória.


3 - A quarta prende-se com uma comunicação fraterna que é devida entre nós: não embarco em demagogias de querer associar o que penso ter sido o colapso militar da Guiné e a luta dos soldados portugueses, que nunca minimizei e em tal terreno não aceitarei insinuações, seja de quem for. Postas estas ressalvas, avanço para o primeiro apontamento. Citando Beja Santos


Ó meu caro Mário, parece que gostas de rotular as coisas, afastando tu mesmo essa tal comunicação fraterna ao colocares intenções onde elas não existem.
Claro que sei não ser essa a tua intenção, mas também não é a minha com certeza.
Ninguém afirmou que minimizaste a luta dos soldados portugueses, nem tal me passa pela cabeça, mas ao afirmares que a guerra estava perdida militarmente o que é que julgas que os soldados portugueses que lá estiveram pensam?
Estiveram na guerra, nada lhes foi dado em contrapartida, e para além disso até somos quase proscritos nesta sociedade!
Se agora para além do mais lhes dizemos, ou nos dizemos, que perdemos a guerra, o que nos resta?
E o problema é que tal corresponde à verdade!


E agora o resto:


Baseias-te muito em livros, documentos, etc. e apenas te quero lembrar, (e disso sabes muito mais do que eu), que a quantidade de livros sobre a guerra, a politica e por aí fora, a seguir ao 25 de Abril, são às centenas, para não dizer mais, e que em muitos casos, se opõe totalmente nas suas conclusões.
Sabemos também, não sou só eu que o afirmo, que as informações recebidas em Lisboa, se calhar até em Bissau, não correspondiam muitas vezes á verdade, por isso, documentos, etc, embora sirvam de estudo não são muitas vezes totalmente credíveis.

Marcelo Caetano decide, pelos vistos, propor negociações para estabelecer um cessar-fogo que levasse à independência da Guiné e isso para ti significa que a guerra estava perdida!
Porquê? Então o homem não poderia estar a perceber o rumo da história?

Repara como de algum modo é incoerente aquilo que referes:
O diplomata ia a Londres como representante pessoal do Ministro dos Negócios Estrangeiros propor uma oferta de independência à Guiné-Bissau, a troco de um cessar-fogo, e o PAIGC não aceita tal proposta porque prefere continuar na luta armada até á "derrota das forças portuguesas", continuando a morrerem não só portugueses mas também guineenses?
Que lógica tem isto?
A proposta terá sido essa?


Pois se o 25 de Abril tinha como fim primeiro, diga-se o que se disser, acabar com a guerra, não era normal que fossem feitos todos os esforços para alcançar um cessar-fogo onde a guerra era realmente mais difícil e intensa?
Toda a gente sabia, e tu também cá estavas, que não seria possível mandar mais soldados para África a seguir ao 25 de Abril, porque o povo a isso se opunha, por isso o que havia a fazer era conseguir o mais rapidamente possível um cessar fogo que colocasse um fim à guerra.
Onde é que isto significa que a guerra estivesse perdida?
Aliás em Angola não se podia pedir um cessar-fogo numa guerra que já praticamente não existia.
Diz-nos tu, por favor, que posições perdemos nós, já que o afirmas novamente.
Digo-te eu que as "tuas" bolanhas cultivadas do teu tempo, já não o estavam no meu, para além de outras coisas, pelo que a tua prestação e dos teus pares, foi bem conseguida, pois levou a uma forte diminuição da guerra naquelas zonas.

Meu caro Mário, claro que a situação era caótica!
Pois se todas as intervenções politicas, e nessa altura as intervenções dos militares eram todas politicas, apontavam para a independência, para o fim da guerra a qualquer preço, como querias tu que soldados, furriéis, alferes que estavam contra a sua vontade numa guerra, estivessem moralizados ou lhes apetecesse sequer morrer por algo que estava já decidido?

A compra de armamento nunca seria feita por canais diplomáticos, sabe-lo bem, e quando foram precisas AK47 para a "invasão de Conakry" elas foram compradas sem grandes problemas.
Não encontrarás obviamente documentos sobre essas compras ou possíveis compras.
Mas à gente que o sabe muito bem, posso te afirmar!

Carlos Fabião conhecia a Guiné como ninguém? E Alpoim Calvão, e Almeida Bruno, e Manuel Monge e por aí fora?
Sabemos bem com quem Carlos Fabião estava alinhado!
Meu caro Mário, eu falo-te do que acontecia no terreno, ou pelo menos naquele que eu calcorreei, e aí meu caro amigo "a guerra não estava perdida militarmente".

Continuaremos para a semana, ou calar-me-ei e darei espaço a outros, mas é fácil perceber que esta polémica não dará grandes resultados.
Terá pelo menos um bem importante: leva-nos a falar de coisas que a alguns, como eu, ainda incomodam e vai exorcizando fantasmas, para utilizar uma expressão muito em voga.

Recebe um abraço amigo do

Joaquim Mexia Alves



Mexia Alves, Beja Santos e Henrique Matos, três dos antigos Comandantes do Pel Caç Nat 52, no lançamento do "Diário da Guiné" do Mário Beja Santos.

2. E a resposta do M. Beja Santos:

Meu nunca assaz louvado penúltimo comandante do Pel Caç Nat 52,
Sabia muito bem que a polémica contaria contigo. Saúdo que venhas meter a colher, tanto por razões afectivas como civilizacionais (sempre pobrezinho, gosto de gente bem educada e aprecio o teu aprumo no trato). Vamos sinteticamente aos quatro pontos que abordas.

1 - Todos sabíamos onde vivia Amílcar Cabral, sabíamos que os dirigentes do PAIGC não tinham condições para viver dentro da Guiné. Tal como o general Bettencourt Rodrigues não podia viver em Madina do Boé. Os guerrilheiros viviam nas suas bases que nós atacávamos com tropas especiais ou com Exército.
O facto de a maior parte dos quadros do PAIGC não viver em território da Guiné só prova que vivíamos em guerrilha. Não tira nem adianta à supremacia militar de ambas as partes.
Já lá vão mais de 30 anos, parece-me de mau gosto repetirmos os chavões da propaganda da Emissora Oficial da Guiné.

2 - O Graça Abreu referiu por duas vezes que tem do seu lado a maioria das opiniões, eu não venho à procura de maioria nenhuma, não venho pedir aplausos, venho pedir que me responsabilizem pelo o meu argumentário, pretendo explicar porque é que sou levado a supor que a guerra, antes do pedido de cessar-fogo decidido pelo Governo de Marcello Caetano, estava militarmente perdida na Guiné (repito na Guiné).

3 - Juro que não sei o que é que os militares portugueses, a combater na Guiné, no seu todo, pensam sobre a minha afirmação de que a guerra estava ali militarmente perdida.
Nenhum deles, que eu saiba, podia comprar ou manusear armas compatíveis com o Strella.
Os MIG já estavam em Conacri, havia quarenta pilotos do PAIGC em preparação. As nossas chefias militares sabiam. O Governo também.

Na continuação da polémica, irei abordar esta semana as relações entre a Administração Nixon e o Governo de Marcello Caetano, no período dramático de Outubro de 1973.
Prometeram o Red Eye, a resposta possível ao Strella, nunca cumpriram. Em é que os militares portugueses na Guiné podem ser responsabilizados por esta situação?
A que propósito é que eles têm que sofrer com o desfecho da guerra quando perdemos a paridade ou a supremacia? Tu não te lembras do banzé que houve na Europa e na NATO quando os soviéticos colocaram os SS-20 e SS-21 na fronteira do mundo ocidental? A resposta foram os mísseis cruzeiro, depois foi a vez dos soviéticos gritarem aqui d'el rei...

4 - Num dos próximos testemunhos, vamos pôr o Rui Patrício a falar. E não só: iremos ouvir as doutas opiniões acerca da redução de quartéis em pontos nevrálgicos da Guiné. Quanto à compra de armas, mesmo que estivéssemos em condições de comprar equipamento na candonga (Mirage, mísseis...) já não tínhamos dinheiro.
Mete isso na cabeça: no 1ª trimestre de 1974 a inflação chegou aos 30%. O Champalimaud pediu ao Spínola para intervir, os capitalistas perceberam que a usura colonial chegara ao fim.

Não sei se respondi a tudo, Amizade não me falta. Pergunta mais.

Um abraço do Mário
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Notas:

1. adaptação dos textos da responsabilidade de vb.

2. Artigos relacionados em

28 de Maio > Guiné 63/74 - P2893: A guerra estava militarmente perdida? (10): Que arma era aquela? Órgãos de Estaline? (Paulo Santiago)
27 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2890: A guerra estava militarmente perdida? (9): Esclarecimentos sobre estradas e pistas asfaltadas (Antero Santos, 1972/74)

25 de Maio > Guiné 63/74 - P2883: A guerra estava militarmente perdida ? (8): Polémica: Colapso militar ou colapso político? (Beja Santos)

22 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2872: A guerra estava militarmente perdida ? (5): Uma boa polémica: Beja Santos e Graça de Abreu

15 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2845: A guerra estava militarmente perdida ? (4): Faço jus ao esforço extraordinário dos combatentes portugueses (Joaquim Mexia Alves)

13 de Maio de 2008 > Guiné 73/74 - P2838: A guerra estava militarmente perdida ? (3): Sabia-se em Lisboa o que representaria a entrada em cena dos MiG (Beja Santos)

30 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2803: A guerra estava militarmente perdida ? (2): Não, não estava, nós é que estávamos fartos da guerra (António Graça de Abreu)

17 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2767: A guerra estava militarmente perdida ? (1): Sobre este tema o António Graça de Abreu pode falar de cátedra (Vitor Junqueira)

Guiné 63/74 - P2898: Efemérides (8): O Cap José Neto deixou-nos há um ano (Carlos Vinhal)

O nosso Capitão Zé Neto (1929-2007), na foto como 2.º Sargento da CART 1613, Guiné 1967/68.

Guiné > Rio Corubal > Saltinho > 1969> As férias do pessoal da CART 1613, enquanto aguardava, em Colibuia e Cumbijã, a indicação do seu teatro de operações... No foto vemos o acrobático e já famoso salto do então sargento Neto... Em 29 de Maio de 2007, o capitão reformado José Neto deu o seu último salto mortal... Nascido em Leiria, em 1929, era uma atleta e um apaixonado pela vida... e por Macau e pela Guiné... Foi também um homem determinado, um homem que se fez a ele próprio, com trabalho, estudo e abnegação... (LG)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > O Zé Neto fotografado entre os putos da tabanca.

Foto: © José Neto (2007). Direitos reservados.

 
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > O 2º sargento Neto, que fazia as funções de 1º sargento da companhia, fotogrado junto a um abrigo e à viatura blindada Fox.

Foto: © Zé Neto / AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Direitos reservados.

Lisboa > Julho de 2005 > "Casa do nosso amigo comum, António Júlio Estácio... Foto tirada no dia em que conheci o Zé Neto. Ele a mostrar-me o seu álbum, que é de nós todos".

Capitão Zé Neto foi um dos grandes impulsionadores da Iniciativa de Guiledje, contribuindo com ideias, sugestões, conselhos e com o seu acervo documental constituído por fotografias, slides, memórias escritas, relatos e recordações de valor incalculável. Tudo isto colocou ele à disposição do futuro Arquivo Histórico-Militar de Guiledje.

Fotos: © Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Direitos reservados

Camaradas, tertulianos e amigos leitores que diariamente visitais a nossa Página. Hoje é um dia triste, pois lembramos a memória de um camarada que nos deixou faz hoje um ano. Em jeito de homenagem, deixo parte das mensagens que deram a triste notícia.


1. Mensagem da Leonor [Léo Neto], neta do Cap José Neto, com data de hoje (29 de Maio de 2007), enviada às 7h29.

Assunto: Notícias tristes.
Caros amigos:
É com enorme dor que vos escrevo para comunicar o falecimento do meu querido avô, Zé Neto.
(...). Um abraço, Leonor.
 
2. Mensagem do editor do blogue (que circulou pela nossa tertúlia, por e-mail):

Amigos e camaradas: O camarada Zé Neto faleceu esta noite, no Hospital Militar. Enfrentou com coragem este difícil período da sua vida mas perdeu a sua última batalha, a mais terrível de todos que enfrentou, a batalha contra o cancro do pulmão...

A sua neta, Leonor, deu-me a notícía, a mim e a mais alguns camaradas, logo de manhã... Ela tem 17 anos e está desolada... Tinha uma belíssima relação com o avô. Mas aos 17 anos é difícil perceber e aceitar a morte de um ente querido.

O Zé estava em grande sofrimento. Foram quatro meses de luta, desigual (...) O Zé era o nosso patriarca. Estive com ele apenas uma vez, na minha escola. Almoçámos juntos, eu, o Nuno Rubim e o Pepito (O Pipo, como ele carinhosamente o chamava). De resto, contactámos-nos durante um ano por e-mail e por telefone. A Guiné aproximou-nos e tornou-nos amigos...

E o seu contributo, em termos de blogue, foi reconhecidamente importante para o trabalho de reconstituição da memória de Guileje que está a ser feito pelo Pepito, pelo Nuno Rubim e por outros camaradas, também com a nossa participação.

Os seus escritos e as fotos começaram por dar visibilidade a Guileje. Ele também tinha muito apreço pelo Pepito e pelo projecto de Guileje. É também uma notícia triste, esta, para os nossos amigos da Guiné-Bissau.

(...) O Zé era um homem que se integrava muito bem, no seio das comunidades em que vivia. E Guileje foi um exemplo disso: ele também achava que havia mais vida para além da tropa, da burocracia e da guerra... Era, além disso, um homem com grande sentido de humor, com sentido de justiça e com coragem, física e moral...Como muitos homens da sua geração e da sua classe socioprofissional, fumava muito... Não sei quantas comissões de serviço terá feito no Ultramar... Sei que esteve em Macau, de que falava com saudade...

Quando conseguiu deixar de fumar, começaram a surgir os seus problemas de saúde... Andava irritado, como qualquer ex-fumador... Mas conseguiu, com a sua enorme força de vontade, deixar o cigarro de vez... Infelizmente, tarde de mais... Recordo-me da penúltima vez que lhe falei, ao telefone, já numa fase mais avançada da doença:- Então, Zé, como vai isso ?- Olha, entregue aos médicos, que agora me querem tirar um pulmão... Estão aqui reunidos em junta médica...- Tu és forte e ainda vais vencer essa batalha.- Eu quero é viver, mesmo com um pulmão a menos...- Pois...- Sabes, fui estúpido...
Quando era novo, vendia saúde... Lembras-me da minha fotografia no Saltinho? Eu era um atleta... Mas cheguei a fumar cinco maços!... A gente pensa que a doença só acontece aos outros... – rematava ele, sem mágoa, com lucidez, com coragem, e ainda com esperança.


Grande Zé, até sempre! Privei pouco tempo contigo, mas gostei de te conhecer. Vamos ter saudades tuas. Mas não te esqueceremos, na blogosfera e fora dela... Tens uma neta fantástica que vai pôr em ordem os teus escritos e cultivar a tua memória.

Luís Graça & Camararadas da Guiné

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Nota de CV:

(1) Vd. posts de:

31 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1805: In memoriam (1): Adeus, Zé Neto (1929-2007) (José Martins, Humberto Reis, Luís Graça, Virgínio Briote e outros)
10 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXXVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (1): Prelúdio(s) 

13 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXLVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (2): Ordem de marcha
21 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (3): Dauda, o Viegas

23 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXIII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto)(4): os azares dos sargentos
3 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto)(5): ecumenismo e festa do fanado
8 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto)(6): dos Lordes e das

Guiné 63/74 - P2897: Recortes de Imprensa (4): Capela do cemitério de Bissau recebe os restos mortais de 11 camaradas de Guidaje (A. Marques Lopes)


Guiné-Bissau > Bissau > Cemitério Municipal > Abril de 2006 > A capela completamente em ruínas... Foto tirada pelo Hugo Costa, por ocasião da visita à Guiné-Bissau de um grupo de ex-combatentes portugueses...

Foto: © Hugo Costa (2006). Direitos reservados.


1. Recorte de imprensa, enviado pelo nosso camarada A. Marques Lopes:

Guiné-Bissau/Portugal: Liga dos Combatentes entrega capela


Bissau, 29/05 - A Liga dos Combatentes de Portugal entregou hoje (quinta-feira) às autoridades guineenses a capela do cemitério municipal de Bissau, que sofreu obras para receber os restos mortais de portugueses mortos durante a guerra colonial.

Segundo o general Carlos Camilo, vice-presidente da Liga dos Combatentes portugueses, a capela, entregue ao presidente da Câmara Municipal de Bissau, servirá de "local de repouso, com alguma dignidade" para os restos mortais dos soldados portugueses que morreram durante a guerra colonial na Guiné.

Para já, a capela, que teve obras no valor de seis mil euros, vai receber 11 urnas de militares que estavam enterrados em Guidaje, no norte da Guiné-Bissau.

No princípio deste ano, a Liga dos Combatentes portugueses, ao abrigo de um protocolo assinado com o Instituto de Defesa da Guiné-Bissau, iniciou uma série de acções com vista a identificar, recuperar e dar dignidade aos locais onde estão enterrados soldados portugueses, explicou o presidente da organização.

O general Carlos Camilo sublinhou que até o final do ano a Liga dos Combatentes tenciona transladar para o cemitério de Bissau 16 corpos de militares portugueses enterrados em Farim, localidade situada a cerca de 100 quilómetros a norte da capital guineense.

Existem cerca de 100 locais em diferentes pontos da Guiné-Bissau onde a Liga dos Combatentes acredita estarem enterrados militares portugueses.

Hoje, na cerimónia de entrega da capela, o general Carlos Camilo destacou o simbolismo desta acção porque irá permitir "alguma dignidade" para os corpos dos cerca de 400 militares portugueses que estão enterrados no cemitério de Bissau.

"Este cemitério representa também cerca de dois séculos de história comum entre Portugal e a Guiné-Bissau", disse o presidente da Liga dos Combatentes portugueses, aludindo ao facto de dados oficiais indicarem que no local estarem enterrados militares que serviram Portugal durante a I guerra mundial.

Por seu lado, o presidente do Instituto de Defesa da Guiné-Bissau, Baciro Djá, destacou que o acto de hoje (quinta-feira) "é de grande importância" no relacionamento entre a Guiné-Bissau e Portugal porque "marca uma nova era" entre os dois povos.

"O relacionamento entre a Guiné-Bissau e Portugal é de familiaridade, mas também de grande solidariedade", disse Baciro Dja.

O padre Michael Daniels, pároco da Sé Catedral de Bissau, que presidiu â cerimónia de bênção da capela recuperada, considerou que o acto representa a concessão da dignidade aos que morreram longe da sua Pátria, mas que não tiveram o direito ao funeral junto da sua família.


Fonte: AngolaPress, 29 de Maio de 2008 (com a devida vénia...)

Guiné 63/74 - P2896: Convívios (61): IV Encontro da CCAÇ 1426, dia 12 de Julho de 2008 em Monte Gordo (Fernando Chapouto)

IV Encontro dos ex-Combatentes da CCAÇ 1426 – Guiné 1965/67



12 de Julho de 2008 - Sábado

Restaurante Típico Girassol em Altura - Monte Gordo.

Contamos com a vossa presença.



Croqui de localização do Restaurante



Restaurante Típico Girassol
Castro Marim - Altura
Pobre Rico-Altura
8900 Vila Nova de Cacela
Tel: 281956001 - 918852311


Inscreve-te até 30 de Junho de 2008, vem participar no nosso, vosso Convívio, haverá surpresas! Não faltes esperamos por ti.

Contactos:
Manuel António José
Telef 281 531 358 e Telem 961 359 859

Fernando Chapouto
Telef 210 838 708 e telem 965 114 882

Um abraço
F. Chapouto

Guiné 63/74 - P2895: Tabanca Grande (72): Manuel Amaro, ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 2615/BCAÇ 2895 (Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969/71)


Manuel Amaro
Fur Mil Enf
CCAÇ 2615/BCAÇ 2892
Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala
1969/71



1. Em 27 de Maio recebemos uma mensagem do nosso novo tertuliano Manuel Amaro dando conta do seu desejo de aderir à nossa Tabanca Grande.

Caro Carlos Vinhal,
Tentando cumprir a praxe da Tabanca Grande, aqui vai o meu pedido de adesão a este grande clube de ex-combatentes.

Manuel Amaro, 62 anos, casado, Técnico Superior de Comunicação e Relações Públicas, aposentado, residente em Alfragide, Amadora.
Ex-Fur. Mil. Enfermeiro na CCAÇ 2615/BCAÇ 2892.
Nhacra-Aldeia Formosa-Nhala.

Cheguei à Guiné em 28 de Outubro de 1969 e a minha Companhia ficou uns tempos em Nhacra, enquanto a CCS foi de avião para Aldeia Formosa e as CCAÇ 2614 e 2616 foram de LDG para Buba. A 2614 fixou-se em Nhala.

No início de Dezembro, logo que a auto-estrada Buba-Aldeia, ficou transitável(?), (a velha, porque a nova nunca foi utilizada, como já foi aqui explicado por vários camaradas), fizemos a viagem Bissau-Bolama-Buba-Aldeia.

Maravilha... Assim que me instalei em Aldeia Formosa, abriu concurso para Professor do Posto Escolar Militar. Concorri e ganhei.

Professor, a tempo inteiro. Mas com o meu espírito de escuteiro, logo inventei forma de praticar a enfermagem, auxiliando a população das pequenas tabancas e praticando a minha boa acção, quase diária. Para isso contei com a colaboração do Cabo Enfermeiro Torres, da CART 2521 e do Furriel da Psico, (hoje Deputado, na AR), que me emprestava a viatura e o motorista.

Desde meados de 1969 até 20 da Março de 1970, Aldeia Formosa era assim como um campo de férias. Mas como não há bem que sempre dure, começou a porrada, a sério.

Mudança de Comandante. Nova política. Um enfermeiro como professor? Nem pensar. A partir de 6 de Maio vai para o mato.
E o Enfermeiro, este mesmo, foi.

De 6 de Maio a 23 de Junho, foram 11 seguidas, entre colunas a Buba, operações, saídas de rotina, essas tretas da guerra.

Mas o destino, a estrelinha estava comigo e não com o Comandante. Aldeia Formosa continuou e eu fui para Buba, substituir o médico, que partiu para férias. Outra Maravilha... Só voltei a Aldeia Formosa em trânsito pois após as minhas férias a CCAÇ 2615 trocou com a 2614 e fomos fazer o segundo ano da comissão em Nhala.

Nhala, que creio que já não existe, (segundo o Daniel Reis do Expresso), era mesmo um fim de mundo. Uma Companhia mais um Pelotão e cerca de 200 civis. Tirando a passagem das colunas Aldeia-Buba-Aldeia, ali nada mais acontecia. Nem amigos, nem inimigos. Mais uma vez a Escola e a Enfermaria.

Muitas horas de trabalho, mas também a possibilidade de sentir o prazer de trabalhar. O prazer de me sentir útil, solidário. E chegamos a Agosto de 1971.

Metade da Companhia segue para Bissau. Aguardar embarque. Eu fico com o último grupo. Quase sem dar por isso, um dia ao jantar digo para os camaradas de mesa: amanhã faço 26 anos. A reacção foi em coro. Temos que fazer uma festa. Fizemos. Dois leitões, uma grade de Casal Garcia, um frigorífico de cerveja, não sei quantas garrafas de scotch. Bebedeiras? Claro. E a meia-companhia de piriquitos que já lá estava, reagiu mal.

Mas tudo acabou bem. Foi quase uma directa, Nhala-Bissau-Uige-Lisboa.

Além dos quase dois anos de Guiné, o Glorioso Exército Português levou-me tanto tempo... que passados todos estes anos ainda não sei o porquê de tudo o que aconteceu desde a minha primeira entrada na porta de armas, em 17 de Abril de 1967. Foram 54 meses. Fardado... Só fiz uma vez Sargento de Dia, mas ainda hoje, quando vejo um refeitório grande, apetece-me gritar... Vossa Senhoria meu Capitão, dá-me licença... A Companhia da Formação está pronta... E só não grito, porque sei que não está lá alguém para... bater os calcanhares, responder à continência e dizer... Pode mandar entrar...

Um dia destes, qualquer dia, podemos falar mais sobre tudo isto...

Um Abraço
Manuel Amaro


2. Comentário de CV

Caro Manuel Amaro,
Por favor, não peças para entrar. A porta está sempre aberta. Instala-te e começa a fazer o que te compete de pleno direito, que é aumentar os nossos conhecimentos, contando a história da tua Unidade, a tua experiência na guerra, que fizeste a teu modo, actuando como professor e enfermeiro. Quantos como tu e como o teu amigo José Teixeira podem contar as mais belas estórias de relacionamento com as populações?

Qualquer um de nós, os chamados operacionais, contam aventuras de guerra, mais ou menos temerosas, mas vós, os que trates da saúde e da instrução daquele povo, tendes estórias diferentes, vividas em ambiente mais íntimo. Nós perscrutávamos o horizonte em busca do IN e vós olháveis para o interior de cada um dos que a vós recorriam, em busca de um pouco de saúde ou de instrução.

Falei no teu amigo José Teixeira a fim de ter um pretexto para publicar a mensagem que ele te mandou (com conhecimento a mim).

Recebe um abraço de boas vindas da tertúlia.
Vamos agora deixar falar o nosso Zé Teixeira.

3. Mail que o camarada José Teixeira enviou ao Manuel Amaro, nosso novo tertuliano

Meu querido amigo Manuel Amaro ou "Tavira" como eras conhecido no RSS - Regimento de Serviços de Saúde em Coimbra, onde tive o grande prazer de te conhecer e gerar amizade, daquelas que nunca mais se irão, (não foras tu escuteiro como eu, sem o sabermos na altura).

A confirmação do que afirmo está no esforço que fizeste para me localizar e vice-versa, como há dias me disseste, quando por instinto, viste o meu nome no blogue, localizaste o meu endereço e assim podemos recomeçar a velha amizade.
Sê bem-vindo a este espaço de partilha e de amizade.

Ao ler o teu pedido de entrada, senti que não estava completo. Permite-me que esclareça os camaradas, que tu sem saberes quais os motivos, pese embora, soubesses que alguns dos teus escritos para o Jornal de Tavira foram ao crivo da "censura" tinhas condições académicas para ires para o CSM, foste incorporado como soldado raso e de seguida selecionado para auxiliar de enfermeiro.
Daí o nosso conhecimento e selar de amizade nos meses que em comum vivemos na cidade dos estudantes, a estudar. Não só para sermos uns "aprendizes de feiticeiro" o melhor que conseguíssemos ser, como continuarmos os nossos estudos académicos.

Por ti soube há dias que meteras requerimento e foste chamado ao CSM, passando a sargento.

O que nunca me passaria pela cabeça é que irias seguir os meus passos pela Guiné mais de um ano depois de eu lá ter chegado. Eu saí de Buba para Empada em Setembro de 1969 e tu chegaste a Buba em Outubro desse ano como "periquito".

Quanto à tabanca de Nhala, posso dizer-te por experiência própria recente, que ainda lá está. Agora livre das amarras do arame farpado em duas fiadas, das minas e dos terríveis tiroteios e rebentamentos que por lá sentimos. Nhala, Sare Donhã, Samba Sábali, Uane, Mampatá, etc. sem esquecer a bolanha dos passarinhos.

Deixa-me só recordar-te que quando deixei a zona, Nhala tinha apenas um Grupo de Combate. Com o crescer dos trabalhos de construção da estrada, parece que a zona "aqueceu" um pouco... Eu safei-me a tempo

Agora ficamos à espera das tuas "estórias", pois o teu apetite pela escrita já vem de longe e deixou marcas.

Um abraço do tamanho do mundo que trilhamos.

J.Teixeira
Esquilo Sorridente

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2894: O Nosso Livro de Visitas (14): Carlos Brito, ex-Fur Mil Inf, BART 645 (Oio, 1964/66)

Mansabá> Memorial com os brasões das Unidades que por ali passaram. À esquerda, em baixo, o brasão do BART 645 (Águias Negras)


1. Em 10 de Janeiro de 2008 recebemos uma mensagem do nosso camarada Carlos Brito, de que estamos agora a dar conhecimento.


No vosso blogue pouco ou nada vi sobre o meu Batalhão - BART 645 (Águias Negras).

Para já uma correcção ao que disse o Artur Conceição: O BART 645 tinha como Comandante o Senhor Ten Cor António Braancamp Sobral e não o Ten Cor Henrique Calado (1).

Estivemos no Oio de meados de 1964 a Janeiro de 1966.

As nossas Companhias foram colocadas em:
CART 642 e 644 - Mansabá,
CART 643 - Bissorã:
CCS - Mansoa

Não viemos de lá envergonhados, mas sim frustados e com alguns apanhados.
Poucos mortos em combate.
Outras unidades estavam agregadas ao BART, destacadas em Olossato, Encheia e nas povoações que mencionei.
Todos foram bons!!

Carlos Brito
Ex-Fur Mil
CCS/BART 645


2. Em 27 de Maio foi endereçada resposta ao Carlos Brito

Caro Carlos Brito
Ao dar uma revisão ao correio mais antigo, deparei com esta tua mensagem.
Peço desculpa por só agora estar a responder, pois não tenho registo de o ter feito antes.

Na verdade não aparece nada do teu Batalhão no nosso Blogue, a não ser a referência que o Artur lhe faz e o anúncio do vosso Convívio ocorrido no dia 29 de Março passado que eu próprio tive ocasião de publicar.

Eu estive em Mansabá 22 meses, entre Abril de 1970 e Fevereiro de 1972 e lembro-me perfeitamente de ver o brasão do vosso Batalhão num memorial existente por lá.
Não sei se tu pertencenceste a alguma das Companhias que lá esteve.

Aproveito a ocasião para te convidar a aderires à nossa Tabanca Grande para que a história do teu Batalhão conste do nosso Blogue.

Com renovado pedido de desculpa, aguardo resposta tua.
O camarada
Carlos Vinhal

OBS:-Insiro foto tirada junto ao memorial das Unidades que passaram em Mansabá



3. Hoje mesmo recebemos esta mensagem do camarada Brito

Caro Carlos Vinhal,
Muito agradeço teres respondido ao meu mail.
Só depois de o mandar é que me apercebi que, ao tentar corrigir o vosso blogue, não tinha feito as coisas segundo as regras.

Sobre o meu batalhao - BART 645 (Águias Negras) de facto nada aparece à nossa permanência, numa das duas zonas quentes (a outra era a ilha do Como). Acaba por passar à história, como sendo um período de férias. Tal não é verdade!

O BART 645 teve uma intensa actividade operacional, até ser atingido pelo mal chamado frustração.

Em 1964 e 1965, posso dizer-te que praticamente só dois batalhões eram operacionais, o nosso e o BCAV 490.

Muitos dos meus camaradas foram condecorados e também nada encontrei no vosso blogue.

Em Mansabá estiveram as CART 642 e 644, em Bissorã a 643 e em Mansoa a 645 (CCS), daí a teres encontrado o nosso distintivo.

Sabes, nós fomos o primeiro batalhão a ostentar no ombro o emblema da Unidade. Éramos todos Àguias Negras só a côr de fundo variava, a 642 com fundo verde a 643 com azul, a 644 com vermelho e a CCS amarelo, por isso logo que desembarcámos em Bissau, passámos a ser também conhecidos pelo batalhão das tabuletas.

A Mansabá só fui três vezes.
Numa delas fui até Manhau. Não fiquei com saudade!!

Nesses anos, nós pensávamos que eramos os melhores. Nós tinhamos capturado muito material, a primeira MP 12.7, só duma vez 77 PM Thompson, RPG 7, PPSh, minas e muito mais que não me recordo. Sobre este ponto eu gostaria que os meus camaradas se pronunciassem todavia parece que eles preferem esquecer.

Todas as Unidades que estiveram no Batalhão, que não eram genuínos Águias, também foram extremamente esforçadas.

Na verdade, nós fomos uma geração que lutou por ideal impossível de alcançar.

Não tens que me pedir desculpa, eu é que agradeço. Tu, Luís Graça e Briote, fazem aquilo que deve ser feito - não apagar a nossa História.

Vai uma bazzoka???

Abraço,
Carlos Brito
Ex-Fur Mil Inf
CCS/BART 645


4. Comentário de Carlos Vinhal

Caro Carlos, ficamos agradados pela tua resposta imediata e por nos desculpares este silêncio de alguns meses.

Queremos repetir o repto para aderires à nossa Tabanca Grande e contares a história do teu Batalhão, pois não podes permitir esta lacuna no nosso Blogue.

Todos somos poucos para deixarmos feita a resenha da guerra na Guiné contada por quem a viveu.

Recebe um abraço da tertúlia com desejos de muita saúde e boa vida por terras da Alemanha.
______________

Nota de CV:

(1) - Vd poste de 8 de Dezembro de 2007> Guiné 63/74 - P2335: A trágica morte do Cap Rui Romero: 10 de Julho de 1966, dia de correio (Artur Conceição)

Guiné 63/74 - P2893: A guerra estava militarmente perdida? (10): Que arma era aquela? Órgãos de Estaline? (Paulo Santiago)

A Guerra estava militarmente perdida?

Uma polémica que está para durar, viva e saudável...

Adaptação do texto e sublinhados da responsabilidade de vb.
___________


Escreve o Paulo Santiago, em 24 de Maio:

Camaradas,

Após leitura do P2872, bem escrito pelo António Graça Abreu, fico com dúvidas acerca da guerra de guerrilha, melhor acerca da guerra na Guiné.

À pergunta implícita no título não me acho capaz de responder, mas permitam-me algumas considerações.

Diz o António que os guerrilheiros, os turras, como se dizia na época, não controlavam nenhuma cidade, vila ou aldeia importante dentro do território da Guiné.
Pergunto: seria preciso?

Sabemos que uma guerra de guerrilha, qualquer que seja, é dos manuais, não tem que ocupar posições estáticas no terreno. A função da guerrilha é atacar, destruir e retirar.
Isto também é verdadeiro para as tropas especiais – atacar, destruir, retirar de imediato.

Também é verdadeiro, a guerrilha para existir e continuar na luta tem de contar com o apoio das populações, seja esse apoio camuflado ou não. Diz o António que viviam 400.000 guineenses juntos das NT. Entre aquele número, quantos não apoiariam o PAIGC, o IN na designação oficial?

Na zona do Saltinho havia um tipo que era suspeito de apoiar o IN, verificou-se, após a independência isso ser falso, o apoio do PAIGC, estranhamente ou não, era o actual chefe de tabanca do Saltinho, tabanca Mandinga, isolada num mar de tabancas fulas. Aquele chefe de tabanca, Abdu, frequentava diariamente o quartel, exercendo trabalho de magarefe e outros.
Quando estive em Bambadinca diziam, como piada, que nos Nhabijões, à noite, um militar das NT de G3,ao passar ronda, se cruzava com um guerrilheiro de AK. Qual o fundo da piada?

Diz o António que as FA tiveram sempre superioridade de meios terrestres, navais e aéreos. Concordo.

Mas, será isto suficiente?

Vejamos o caso de Gandembel, tão bem retratado pelo Idálio no blogue. Em Abril de 68 a companhia do Idálio ocupou Gandembel, construiu um quartel, desocupado depois em Janeiro de 69. Neste espaço de tempo, tão curto, teve 372 ataques, mais de um ataque por dia em média.
Onde andavam os heli-canhões, os T6 e os Fiat? Ainda não havia Strella's, de que valeu a superioridade aérea?

Em todas as guerras de guerrilha, nunca a superioridade de meios de combate e de combatentes das forças regulares, chamemos-lhe assim, foram suficientes para vencer um número inferior de guerrilheiros dotados de uma panóplia de armamento muito inferior em quantidade e eficácia.
Exemplos não faltam. Os argelinos da FLN não precisaram de ocupar cidades para que os franceses chegassem à conclusão que tinham a guerra da Argélia perdida.

Recentemente, o poderoso exército soviético, com toda a sua tecnologia de ponta em meios de combate, com um número de militares impressionante, foi obrigado a abandonar o Afeganistão onde tinha um inimigo muito inferior numericamente e cujas armas eram AK's, RPG's, canhões sem-recuo e...Strella's. O comandante Massoud e os guerrilheiros afegãos, deslocavam-se a pé e a cavalo, não tinham viaturas militares, não precisaram de ocupar vilas ou cidades, nestas estavam os militares afegãos do Najibullah e os seus apoiantes soviéticos. O general Lebed, comandante dos páras soviéticos, último militar a atravessar a ponte na fronteira sovética-afegã, diz não ter sido vencido militarmente. É possível, certa foi a sua retirada.

Também no Vietname nunca a guerrilha ocupou vilas, aldeias ou cidades. Ocupava túneis no meio da selva, o armamento era inferior ao dos Estados Unidos e dos seus aliados vietnamitas de Saigão, numericamente os guerrilheiros estavam em inferioridade comparando com o efectivo dos dois exércitos aliados. Não valeu de nada a superior qualidade e quantidade de armamento americano, nem a maior quantidade de efectivo combatente.

No Vietname até se chegou à última fase da guerra de guerrilha, quando esta se transforma em guerra clássica, o que levou aquele episódio trágico da retirada militar a partir dos telhados da embaixada.

O António rebate uma afirmação do Beja Santos sobre a Katiuscha, vulgarmente chamada Órgãos de Estaline dizendo que nunca ninguém os viu na Guiné.

Vou discordar dos dois. Na segunda-feira de Carnaval de 1971, houve um baile na escola que ficava junto do quartel do Saltinho, eu fiquei no bar, andava na altura com a coxa direita cozida devido a um acidente com o morteiro 60, quando ia no terceiro ou quarto copo, ouço umas saídas que me levam a abandonar o bar e, agarrado à bengala, encaminho-me para o exterior procurando chegar ao abrigo.

Quando atravessava a parada vejo uns rastos de fogo no horizonte seguidos de uns rebentamentos para os lados de Aldeia Formosa, repetindo-se a cena várias vezes.
Devo dizer, visto àquela distância era interessante, ouviam-se as saídas, viam-se seis rastos de fogo no céu, depois os rebentamentos.

Chega um militar das transmissões dizendo que o quartel de Aldeia perguntava que ataque era aquele que estávamos a sofrer. Mas não é a Aldeia que está a ser atacada? perguntei-lhe. Uma situação bizarra.

Que porra de arma era aquela? Passados poucos dias chegou informação do Com-Chefe, indicando que naquele dia tinha sido utilizado pela primeira vez no TO da Guiné, a Katiuscha, seguindo as especificações da arma.

Sendo assim, caro António, pelo menos uma vez, houve um ataque com os Órgãos de Estaline.


A URSS foi o primeiro país a utilizar os lançadores múltiplos de foguetes durante a segunda guerra mundial. Foram utilizados pela primeira vez em Smolensk, em 1941, durante a investida alemã. A este sistema foi dado o nome de Katiusha, ao qual os soldados soviéticos passaram a chamar "órgãos de Estaline" (VB).


Foi sendo melhorado ao longo de vários conflitos. Muito utilizado em Angola nos combates entre o MPLA, a FLNA e a UNITA, após a independência. Existem actualmente dois sistemas a equipar os exércitos de alguns países: o BM-8 de curto alcance e o M-30 de longo alcance.

Mário, a Katiuscha era montada num camião, precisava de uma estrada ou picada, não sei se voltou a ser utilizada, mas pela precisão demonstrada naquela noite penso que não era arma para temer. Seria boa contra as concentrações de Panzer’s, ou para destruir uma cidade, nada mais.

Já aqui escrevi uma vez que as Forças Armadas Portuguesas, como diz o especialista J.P Cann, bateram-se, atendendo aos escassos recursos, arduamente, esperando uma solução política que nunca chegou.

Quanto à pergunta: a guerra estava militarmente perdida?

Não sei responder, porque se disser não, aparece-me outra pergunta, até quando?

Abraço,

Paulo Santiago
__________

Nota do co-editor VB:

Artigos relacionados em

27 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2890: A guerra estava militarmente perdida? (9): Esclarecimentos sobre estradas e pistas asfaltadas (Antero Santos, 1972/74)

25 de Maio > Guiné 63/74 - P2883: A guerra estava militarmente perdida ? (8): Polémica: Colapso militar ou colapso político? (Beja Santos)

22 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2872: A guerra estava militarmente perdida ? (5): Uma boa polémica: Beja Santos e Graça de Abreu

15 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2845: A guerra estava militarmente perdida ? (4): Faço jus ao esforço extraordinário dos combatentes portugueses (Joaquim Mexia Alves)

13 de Maio de 2008 > Guiné 73/74 - P2838: A guerra estava militarmente perdida ? (3): Sabia-se em Lisboa o que representaria a entrada em cena dos MiG (Beja Santos)

30 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2803: A guerra estava militarmente perdida ? (2): Não, não estava, nós é que estávamos fartos da guerra (António Graça de Abreu)

17 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2767: A guerra estava militarmente perdida ? (1): Sobre este tema o António Graça de Abreu pode falar de cátedra (Vitor Junqueira)

Guiné 63/74 - P2892: A verdade e a ficção (2): Ilha do Como, Op Tridente: Queres vender a tua água ? Dou-te 100, dou-te 200 pesos (Anónimo)


Guiné > Região de Tombali > Ilha do Como > 1964 > Op Tridente (de 14 de Janeiro a 24 de Março de 1964) . Croquis executado pelo Mário Dias.

"A designada Ilha do Como é, na realidade, constituída por 3 ilhas: Caiar, Como e Catunco mas que formam na prática um todo, já que a separação entre elas é feita por canais relativamente estreitos e apenas na maré-cheia essa separação é notória. Na ilha não existia qualquer autoridade administrativa nem força militar pelo que o PAIGC a ocupou (não conquistou) sem qualquer dificuldade em 1963. As tabancas existentes são relativamente pequenas e muito dispersas. Possui numerosos arrozais, o que convinha aos guerrilheiros pois aí tinham uma bela fonte de abastecimento, acrescido do factor estratégico da proximidade com a fronteira marítima Sul e o estabelecimento de uma base num local que facilitava a penetração na península de Tombali e daí poderia ir progredindo para Norte.

"Não tinha estradas. Apenas existia uma picada que ligava as instalações do comerciante de arroz, Manuel Pinho Brandão (na prática, o dono da ilha), a Cachil. A partir desta localidade o acesso ao continente (Catió) era feito de canoa ou por outra qualquer embarcação. A casa deste comerciante era, se não estou em erro, a única construída de cimento e coberta a telha.

"Portugal não exercia, de facto, qualquer espécie de soberania sobre a ilha. Tornava-se imperioso a recuperação do Como. Foi então planeada pelo Com-Chefe a Operação Tridente na qual foram envolvidos numerosos efectivos, divididos em 4 Agrupamentos (...), num total de cerca de 1200/1300 homens".

Fonte: Mário Dias >
Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias) (15 de Dezembro de 2005)


Guiné > Regiãod e Tombali > Ilha do Como > 1964 > Op Tridente (de 14 de Janeiro a 24 de Março de 1964) > LDM desembarcando as NT.

Fotos: © Mário Dias (2005). Direitos reservados


1. Queres vender a tua água ? Dou-te 1000$00, 2000$00... Alguém que esteve na Ilha do Como, pelo menos logo nos primeiros dias da Op Tridente, mais exactamente em 23 de Janeiro de 1964, deixou escrita esta frase, num comentário a um poste já antigo, publicado na 1ª série do nosso blogue (1).

Não sabemos quem é o autor, por que não deixou nem o nome nem o endereço de correio electrónico. Vamos considerá-lo como um combatente anónimo. Era, pela descrição que nos faz do seu 1º e 2º dia no Como, um soldado de transmissões, da CCAÇ 557, comandada pelo Cap Ares Colaço. A referência que faz à escalada do preço da água não deixa de ser altamente premonitória e simbólica: já o Mário Dias nos tinha aqui descrito, com detalhe e dramatismo, o suplício que foi, durante a Op Tridente, a falta de água potável...Recorde-se que estávamos em plena época seca, e que grande parte da Ilha do Como é salinizada... Recorde-se igualmente que na época 100 ou 200 pesos era já uma quantia muito razoável, era o equivalente ao valor pago pela alimentação de cada militar durante 4 ou 8 dias (24$50 por dia!)...

É um testemunho singelo, escrito num português esforçado (que teve de levar, naturalmente alguns retoques), de um homem que deve andar hoje pelos seus 66/67 anos. Até pela sua vontade em participar no nosso blogue e comunicar a sua experiência pessoal, ele merece maior visibilidade, além do nosso aplauso. Pode ser que, com ísso, ele queira dar a cara e prosseguir o seu depoimento. E sobretudo pode (e deve) abrir o caminho a outros depoimentos, de outros camaradas que participaram na mais longa (e mais dura) operação militar realizada no CTIG.

Recorde-se, por outro lado, que a Batalha do Como (sic) foi transformada num mito pela propaganda do PAIGC , falando-se em 650 baixas, entre a tropa portuguesa, cujos efectivos totais eram calculados em 3 mil homens, dos quais dois mil seriam tropas de elite, transferidas de Angola (sic) (Cabral, A. - A batalha do Como e o congresso de Cassaca. In: Obras escolhidas de Amílcar Cabral: Unidade e Luta II: A prática revolucionária. ed. lit. Mário de Andrade. Lisboa: Seara Nova, 1978. Volume II, pp. 41-44)


2. Depoimento de um combatente anónimo: Ilha do Como, Operação Tridente

No dia 23/01/1964 duas LDM, apoiadas por uma pequena corveta da marinha, desembarcaram na Ilha do Como, mata do Cachil, a Companhia de Caçadores 557. O comandante era o capitão Ares e não Aires. Desembarcou também o 7º Destacamento de Fuzileiros, do tenente Ribeiro Pacheco.

O 1º obstáculo foi a maré vazia, o lodo… Os primeiros 3 fuzileiros conseguiram alcançar a terra mas os seguintes ficaram atolados no lodo até ao tronco. Tiveram que ser puxados com uma corda para Botes de Borracha. A seguir, esses 3 fuzileiros em terra, com a ajuda de facas de mato, cortaram uns troncos e rama de tarrafo e lá se conseguiu fazer todo o desembarque. A sorte foi não sermos atacados naquela situação, mas isso veio logo a seguir.

Todos em terra, antes de nos embrenharmos na mata, ouvimos as seguintes palavras, vindas de um pequeno vaso de guerra através de um megafone:
-Camaradas, colegas e amigos, para a frente é que é o caminho, não perdoar!

Cerca de 150 metros, mais ou menos, à frente, uma ponte que era um autêntico baloiço. Um a um todos passaram mas aí, a uns 300 metros, apareceu uma bifurcação de dois caminhos e em cima de uma árvore um posto de sentinela mas sem ninguém. Aí nova pausa devido ao inimigo ter ateado lume ao capim. Este trajecto foi sempre apoiado por um avião TC e na maior parte do percurso por dois.

Houve durante o percurso alguns tiros vindos da mata mas isolados e também nos dava a ideia de serem um pouco distantes. Com estes contratempos todos a noite aproximava-se e o apoio aéreo terminava. Lá conseguimos chegar à zona onde o capim tinha ardido com a grande mata do Cachil à vista. Aí a uns 400 metros, mais ou menos, toca toda a malta a cavar abrigos, com a excepção do tenente Pacheco com a sua metralhadora MG 42 e o capitão Ares com a G3, e que nos iam dizendo:
- Trabalhem, trabalhem, que estão aqui 2 homens que vos guardam.

Na manhã seguinte, 24/01/1964, cerca de 80 homens, entre fuzileiros e malta da CCAÇ 557, fizeram batida à pequena mata do Cachil: nada a registar em termos de guerra. Mas havia um grande problema: ÁGUA?!... E então trata de cavar um buraco e aí com 1,5 a 2 metros a água apareceu. Opção correcta: filtrar e desinfectar. Mas, ao bebê-la, parecia autêntico petróleo, não lavava, não tirava o sabão, ficava tudo gordurento.

Passado isto, eram 12 horas,já se notava em alguns militares princípios de esgotamento devido à sede e ao calor que era intenso, mas eis que cerca das 15 horas chega o helicóptero com o precioso liquido. Fez-se a distribuição, calhou meio-litro a cada um tudo, igual para todos. Nesse dia á agua subiu a um preço inacreditável. Pergunta:
- Queres vender a tua água ? Dou-te 1000$00, 2000$00.

Ninguém vendeu, terminada a distribuição, todos os camaradas foram descansar excepto os que estavam de serviço à segurança e eu e o meu colega, que o nosso trabalho era transmitir nova mensagem a pedir mais água munições e rações de combate.

Quando acabei de transmitir a mensagem HILARIANTE MAS AGORA, diz-me o capitão Ares Colaço:
-Deita-me aqui uns pingos de petróleo nas costas, que sempre refresca.

Mal acabei de tirar o primeiro saquinho, surge da pequena mata do Cachil uma rajada de tiros a espicaçar a zona onde nós estávamos. Bem, foi tal a pressa a rastejar até ao abrigo que o capitão nem dos óculos se lembrou. Metidos nos abrigos aguentámos o tiroteio que terminou quase de noite. (...)

_______

Nota dos editores:

(1) Vd. post de 17 de Novembro de 2005 >
Guiné 63/74 - CCXXVI: Antologia (25): Depoimento sobre a batalha da Ilha do Como

Fonte: Extractos de Diário do Alentejo, de 23 de Abril de 2004 > Crónica do Soldado 328, por Alberto Franco.(Já não disponível na Net, na data de hoje, no antigo sítio do Diário do Alentejo). Reprodução com a devida vénia.


(...) O alentejano Joaquim Ganhão foi um dos milhares de portugueses que lutaram em África, nos anos da Guerra Colonial. Nas dificuldades e sustos que viveu em terras da Guiné – participou na célebre Operação Tridente, em 1964 – certamente muitos outros ex-militares se reconhecem. Quando passam 30 anos sobre o 25 de Abril, é oportuno recordar a longa guerra, unanimemente considerada uma das principais causas da revolução.

(...) Tridente da morte

Mas a emboscada no Oio-Morés foi uma brincadeira, comparada com o que veio a seguir. O Batalhão de Cavalaria 490, e com ele Joaquim Ganhão, foi um dos participantes na operação Tridente, uma das mais aparatosas ofensivas portuguesas na Guerra Colonial. Denominada Tridente porque envolvia a marinha, o exército e a força aérea, a operação visava ocupar as ilhas do Como, Caiar e Catunco, no Sul da Guiné, onde os combatentes do PAIGC dispunham de importantes bases. Ali se movimentava o astuto comandante Nino Vieira, formado nas técnicas da guerrilha pela Academia Militar de Pequim, que teria no Como cerca de 300 homens, incluindo militares da Guiné-Conacri. Um dos objectivos da missão consistia em conquistar o apoio da população das ilhas, que os guerrilheiros controlavam:
- Em todas as tabancas (aldeias tradicionais) do Como, se viam retratos de Amílcar Cabral-, observa Joaquim Ganhão.

A operação Tridente iniciou-se em 15 de Janeiro de 1964. O 1º cabo Ganhão só soube o que o esperava quando se viu a bordo de uma lancha LDM, dos fuzileiros. Através das bolanhas, ladeadas por uma vegetação densa e asfixiante, o tarrafo, a Companhia 489, comandada pelo capitão Pato Anselmo, avançou até à ilha de Catunco. Ganhão permaneceu ali mais de dois meses, "entrincheirado num buraco, juntamente com dois companheiros, agarrados às G3, com as balas do inimigo a passarem-nos rente". Quem disparava?
- Nenhum de nós sabia. Os tiros vinham da mata, onde os guerrilheiros estavam bem escondidos -. Por isso, sair do buraco só em último caso:
- Tínhamos o exemplo de um companheiro que se levantou para beber uma pinga de água e foi atingido por um tiro no queixo.

Quando se iniciou a segunda fase da operação, foi necessário deixar os abrigos e patrulhar as ilhas:
- Saíamos aos ziguezagues, em grupos de três. Depois deitávamo-nos ao chão e saíam outros três. E isto sempre aos tiros. Foi numa destas acções que Joaquim Ganhão perdeu o seu amigo Henrique Pinto, o primeiro militar de Moura a tombar na guerra:
- O Henrique, que pertencia à Companhia 487, seguia numa patrulha, formada em leque. Ele, que estava numa das pontas, avançou demais e foi capturado, às três da tarde do dia 24 de Janeiro -. Ganhão e outros tinham ido buscar mantimentos à base logística da operação, instalada numa praia. Aí viu chegar um helicóptero com o cadáver de Henrique, resgatado pelos fuzileiros. O choque foi terrível. Quarenta anos passados, ainda hoje a voz de Ganhão se embarga quando fala do caso:
- Podia ter sido eu. Tive sorte, não calhou.

Os aviões F-86 e T-6 flagelavam as matas do Como com napalm, as granadas explodiam a toda a hora, mas os resultados práticos da operação tardavam em ver-se. A única evidência era o sofrimento dos militares portugueses:
- Bebia-se qualquer água e a alimentação resumia-se a rações de combate-, conta o 1º cabo Ganhão - Comemos carne fresca uma única vez, quando os fuzileiros abateram algumas vacas. Não admira que durante a operação Tridente 193 militares tenham sido retirados do teatro de guerra, por motivo de doença.
Setenta e um dias depois, a missão é considerada finda. As estatísticas apontavam 76 guerrilheiros mortos, 15 feridos e nove detidos. Do lado português contaram-se nove mortes e ferimentos em 47 soldados. Foram disparadas 124 mil balas, 1200 granadas de artilharia e 550 granadas de morteiro. Os militares aliviaram a tensão consumindo 15 500 garrafas de cerveja e fumando 10 100 maços de tabaco. Números que não maquilham o insucesso da operação. A última palavra pertenceu à guerrilha, que continuou a servir-se do Como, só abandonando a região quando os seus interesses se transferiram para outros locais. (...)