sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3328: Memórias literárias da guerra colonial (7): O baptismo de fogo de A. Graça de Abreu, em Cufar, aos 17 meses (Luís Graça)

Guiné >Região de Tombali > Cufar> O António Graça de Abreu, no aeroporto de Cufar, em Dezembro de 1973, posando junto a umn heli, Allouette III. No mês anterior, o aquartelamento de Cufar tinha sofrido uma flagelação com foguetões 122, e um ataque com RPG [lança-granadas foguete] e armas automáticas, nas proximidades dos arame farpado... Dezete meses depois do início da comissão, o António recebia finalmente o tão desejado quanto temido baptismo de fogo. Recorde-se que o António Graça de Abreu foi Alf Mil, CAOP 1,Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar (1972/74)

Foto: © António Graça de Abreu (2008). Direitos reservados.


1. Com muita graça e alguma ironia, dizia há dias o Graça de Abreu que ele, na Guiné, tinha pertencido à "sacrossanta administração militar" (*) ... Tudo isto por que nunca se ter considerado "propriamente um operacional", muito embora estivesse integrado num comando de agrupamento operacional (CAOP1, localizado sucessivanente em Canchungo, Mansoa e depois Cufar, 1972/74).

Escrever um diário (secreto) aos 25 anos e decidir depois publicá-lo aos 60, é um acto de coragem mas também de grande maturidade humana e de honestidade intelectual. Não se trata de memórias, reconstituídas (e reconstruídas) muitos anos depois. Aqui é-se confrontado com factos e emoções em primeira mão. Aqui um homem faz strip-tease, desnuda-se, expõe-se em público... Não dá para fazer maquilhagem.

No seu livro Diário da Guiné: Lama, Sangue e Águi Pura (Lisboa: Guerra e Paz. 2007. 220 pp), o António revela e revela-se. Os seus leitores passam a saber muito mais coisas dele e sobre ele, relativos ao período da sua vida entre os 25 e os 27 anos, incluindo aspectos da sua vida íntima, para além da sorte e do azar na guerra e da sua vida e da vida dos seus camaradas, no dia-a-dia, no TO da Guiné, entre 22 de Junho de 1972 (quando chegou a Bissau) e 17 de Abril de 1974 (último dia em que escreveu o seu diário, na véspera do regresso a Lisboa, uma vez finda a comissão).

Na realidade, o António era um aspirante a oficial miliciano, com a especialidade de atirador de infantaria, e curso de dois meses de minas e armadilhas, que chegara a estar mobilizado para a Guiné (CCAÇ 3460 / BCAÇ 3863)... Só que à última hora teve de ser operado a "uma velha luxação crómio-clavicular no ombro direito" (pp. 53/54). Como consequência, foi reclassificado, por razões médicas, em "Secretariado, Serviço de Pessoal"... e desmobilizado. Nunca mais pensou no raio do Ultramar! Na época, era a Sorte Grande, a Taluda, o Euromilhões, para jovens como nós!...

Ficou, entretanto, como alferes amanuense, no Regimento de Infantaria 1, na Amadora, no batalhão de mobilização... Mas não há bela sem senão: acontece que o nosso camarada, ao fim de 2 anos de tropa, na Metrópole (tinha entrado em Outubro de 1970), tem o azar de voltar a ser mobilizado... e novamente para a Guiné... E desta vez para um CAOP.

Não ficou em Bissau, na guerra do ar condicionado - como dizíamos nós, operacionais, com desprezo, por quem ficava no back office, no bem-bom, "longe do Vietname" - foi para o mato, "um mato mais dócil, mas mato" (p. 16), chefiar uma secretaria... E ei-lo, em 26 de Junho de 1972, "sentado à minha santa secretária de guerra, com uma ventoínha por cima a refrescar"...
- E quanto a 'embrulhanço' ? - pergunta o leitor, curioso e já algo impaciente e incrédulo.

O tempo flui, corre, escoa-se, enquanto tudo, à volta, parece embrulhar (um termo que é,de resto, caro ao nosso autor), e o homem lá se vai prepando psicológica, mental, fisica e logisticamente para o inevitável baptismo de fogo ...

Passa o tempo de Cachungo (até 1 de Fevereiro de 1973) bem como o tempo de Mansoa (de 3 de Fevereiro até 19 de Junho de 1973)... Passam-se os meses e até o primeiro ano, e nada de baptismo de fogo. Claro, há a guerra ali tão próxima, os camaradas feridos e mortos... no mato. O nosso catecúmeno veio, ainda virgem, à Metrópole, de férias (sortudo, por duas vezes, primeiro em Novembro/Dezembro de 1972 e depois em Abril de 1973), até ser mudado, de armas e bagagens, para o temível sul... Ele e o seu CAOP1.

Cufar... "É melhor do que eu imaginava. Em termos de guerra, segurança pessoal, companheiros de armas e instalações" (25 de Junho de 1973, p. 121)... E foi verdade: passaram-se os meses, aproximava-se o ano da peluda (1974), e nada! O nosso alferes já se resignava a voltar para casa, sem o retemperador, iniciático, imprescindível baptismo de fogo... Até que... a coisa aconteceu (p. 159)...

Fica aqui o relato dessa cena - a sua primeira vez, debaixo de fogo - na primeira pessoa do singular. Espero que o António me perdoe o atrevimento, quiçá o abuso. Quis-lhe fazer uma pequena surpresa e, de certo modo, um homenagem, uma pequena homenagem.

Ele merece: além de ser actor, foi um observador participante, disciplinado, atento, informado e honesto da realidade político-militar do TO da Guiné, na fase terminal da guerra (estará em Cufar, no sul, até ao início de Abril de 1974)... Mesmo em condiçõs adversas, soube manter e escrever regularmente o seu diário e sobretudo conseguiu transmitir-nos (até agora, como ninguém, com grande riqueza de detalhes) o quotidiano, intra-muros, de três importantes aquartelamentos, em três regiões distintas - Canchungo (norte), Mansoa (centro) e Cufar (sul), que foram sede de comando de agrupamento operacional (CAOP).

Fá-lo com talento literário, mas também - e não menos importante - com sensibilidade, solidariedade, portugalidade, compaixão e sentido de humor. Embora situando-se, na época, politicamente à esquerda, o António não permite que as suas observações sobre a Guiné, a guerra, o PAIGC e as NT sejam deturpadas pelo viés ideológico... Recusa o estereótipo e o preconceito. É crítico em relação às suas fontes de informação. Não embandeira em arco (seja a favor do PAIGC, seja das NT).

Depois de viajar pelo mundo (e sobretudo pela China, que é a sua segunda pátria), o António regressou um dia, "lavando a alma na espuma das lágrimas", e em boa hora decidiu "desenterrar" o seu diário e os seus aerogramas, para fazer contas com o passado e partilhar connosco "o quotidiano da guerra da Guiné", numa época em que o PAIGC já usa contra nós meios tecnológicos da guerra convencional (morteiros 120, foguetões 122, mísseis terra-ar...).

De referir, ainda, que em Cufar o António conviveu (e fala desse convívio com apreço e amizade) com gente de outras unidades, de que destaco o Pel Int 9288 (representado na nossa Tabanca Grande pelo ex-1º Cabo António Baia) (**) e a açoriana CCAÇ 4740 (também muito bem representada, entre nós, pelo António Manuel Salvador, igualmente ex-1º Cabo Enfermeiro).

Mas demos à palavra ao nosso autor:

Cufar, 14 de Novembro de 1973

Vieram os 'jactos do povo', como os guerrilheiros lhes chamam. Gostei, desta vez não apontaram aos vizinhos do lado, era connosco e, como costuma acontecer, tivemos sorte. Foram disparados oito foguetões 122 e só rebentaram três, a mais de quinhentos metros de Cufar.

Eram oito da noite, eu estava no gabinete do capitão a jogar xadrez com o Eiriz, o alferes das transmissões, quando ouvimos o silvo de um foguetão e um primeiro rebentamento. Saltámos rapidamente para a vala situada ao lado do edifício onde já havia gente abrigada, caímos uns por cima dos outros e ficámos quietinhos, à espera. Uns dez minutos depois, porque não havia mais foguetões, saímos da vala, não muito assustados. Foi um ataque pequeno, daqueles que só servem para criar insegurança e medo.

O médico, o Bastos [, um antigo condiscípulo do Porto, no tempo do Liceu D. Manuel II], ficou por baixo de uma molhada de alferes e saiu da vala zangadíssimo, agastado com o Miguel Champalimaud (sobrinho do António Champalimaud, o 'tio Patinhas' português). O rapaz caíra-lhe em cima e, com os foguetões a rebentar, o Miguel peidara-se, cagara-se como um rei por cima da cabeça do Bastos. Uma cena de antologia digna do Chaplin, do 'Charlot nas Trincheiras da Guiné'.


Feitas as contas, nos últimos oito meses, o IN havia flagelado vários aquartelamentos na região, por diversas vezes. Retomando o diário do António(15 de Novembro de 1973, p. 159), "Catió 'embrulhou' seis vezes, o Chugué vinte, Cobumba doze, Caboxanque quatro, Cadique dez, Cafal quinze, Cafine catorze, Bedanda onze e Cufar apenas três".

Comparado com os vizinhos, os de Cufar podem dar-se por felizes, resume o António: "Não nos podemos queixar, somos uns privilegiados, vivemos no buraco mais seguro do sul da Guiné".

O António não perdeu o sentido do humor, depois desta primeira (ao que parece, se bem li o seu diário com atenção) experiência de contacto com o IN, na realidade, uma vulgar flagelação, à distância. Mas que metia respeito, metia... E por que não medo, como o António admnite explicitamente ? Se não sentíssemos medo, nunca poderíamos avaliar, correctamente, as situações de perigo, e decidir em conformidade "lutar ou fugir"...Foi o medo (e não a temeridade) que nos transformou em espécie biológica bem sucedida, em termos evolutivos. Foi o "flight or fight" que nos deu as competências para lidar com as situações de vida ou de morte, de risco, de perigo...

O nosso escritor aproveita, então, a seguir, a oportunidade para descrever, com muito humor, os apuros em que andou o "meu tenente-coronel B", periquito, aquando da flagelação a Cufar. Ele não assistiu à cena, mas socorre-se do relato, divertidíssimo, em primeira mão, dos "meus soldados" [do CAOP1] que foram testemunhas presenciais (pp. 159-160).

Cufar, 15 de Novembro de 1973

(...) Aos primeiros rebentamentos, o tenente-coronel atirou-se para a vala mais próxima do seu quarto. Vinha em tronco nu, só tivera tempo de vestir as calças. Já havia soldados abrigados e chegaram mais nuns tantos que se atiraram de cabeça para dentro da vala caindo aos molhos em cima do tenente-coronel.

A vala, além de enlameada, albergava um formigueiro de formigas baga-baga, uns bichos quase do tamanho de um dedo que trepam pelo corpo e mordem, têm umas pinças tipo caranguejo que espetam na carne e fazem sangue. Ora no fim do ataque, o pessoal começou a sair da vala, o tenente-coronel foi um dos últimos e guinchava de dor. Caíra e permancera mais de um quarto de hora em cima do formigueiro das baga-baga. As formigas haviam-lhe entrado pelas calças, subido até aos testículos e mordiam-no todo. Tinha ainda formigas espetadas nas costas. O nosso Chefe de Estado Maior metia pena. Tirara as calças em frente aos soldados e, em cuecas, com gritos de dor, uma a uma, ia arrancando as formigas que estavam cravadas no seu corpo. Tratou-se de uma cena nunca vista nos aerópagos da guerra" (...).


São cenas de guerra como estas que ficaram na memória daqueles homens e que eles um dia contaram (ou hão-de contar) aos seus netos...

Mas, depois disso, houve mais embrulhanços em Cufar, no tempo em que ele lá esteve (pp. 164-165):

Cufar, 26 de Novembro de 1973


" 'Embrulhámos' outra vez e hoje foi mais teso, mais duro. Os guerrilheiros atacaram apenas a um quilómetro de distância, a coisa foi rápida, uns dez minutos de fogo, a típica flagelação, o dispara e foge, mas palavra, desta vez tive mais medo, até porque me estreei a ver as granadas de RPG deixando o rasto luminoso, voando não para um qualquer aquartelamento nosso vizinho, mas em direcção a mim e rebentando não muito longe da minha cabeça. Não dá conforto nenhum" (...). (Negritos meus, LG).

O António consulta o calendário e conta os riscos que faltam para a peluda:

(...) "Faltam-me três meses e vinte e oito dias para terminar oficialmente a comissão. Agora, nestes últimos quinze dias, fomos flagelados por duas vezes. Não estou a gostar. Quantos ataques me esperam ainda ? É aguentar e cara alegre! Os guerrilheiros não me vão propriamente dar um enorme pontapé no cú e fazer com que eu entre de jacto pelas bocarras do inferno" (...)

Houve uma terceira flagelação a Cufar, de novo com foguetões 122, em 4 de Dezembro de 1973, às 9h15 da noite (p. 166)... Até que chegou o ano da peluda.

A 4ª flagelação a Cufar foi no dia 20 de Janeiro de 1974, às 10h da noite... O PAIGC fez questão de assinalar, em toda a região sul, o 1º aniversário do assassinato de Amílcar Cabral, atacando Gadamael, Cafal, Cafine, Cadique, Cobumba, Bedanda, Chugué e Catió, além de Cufar. O António lia a revista Vida Mundial e ouvia uma cassete com o Concerto de Aranjuez, do espanhol Joaquim Rodrigo. No momento do ataque, teve a brilhante ideia de gravar, por cima, outra música, esta de guerra, como ele nos conta no seu diário (21 de Janeiro de 1974, pp. 186-189) (***).

_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 7 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3276: Memórias literárias da guerra colonial (3): O poder na ponta das espingardas, segundo A. Graça de Abreu (Parte I) (Luís Graça)

(**) Vd. poste de 16 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1284: A Intendência também foi à guerra (Fernando Franco / António Baia)

(***) Vd. poste de 6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1499: A guerra em directo em Cufar: 'Porra, estamos a embrulhar' (António Graça de Abreu)

Ficheiro áudio com ataque a Cufar, 20 de Janeiro de 1974

Junto envio também uma transcrição de um ataque no dia 20 de Janeiro de 1974 e também um link com o ficheiro audio com o respectivo ataque.

http://pwp.netcabo.pt/0240632001/ataqueguine.mp3

Gostava muito de ver estes meus (nossos) textos no seu blogue da Guiné.
Abraço, António.

Cufar, 20 de Janeiro de 1974

(…)
Boum, boum, pum, catrapum, pum.
- Aí está, um ataque!...Caralho! Um ataque, foda-se!
Tá, tá, tá, tá, tá.
-Um ataque, caralho! Venham mais. Aí vêm elas!...
Boum, boum…
-Tumba, um foguetão, caralho!...
Boum, boum, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, pum.
- Dá mais, Manel! Estamos a levar no coco, estamos a embrulhar, caralho!
Pum, catrapum, tá, tá, tá, tá, tá, tá…
-Espera aí um bocadinho!
Boum…
-Espera aí que me eu vou-me já vestir, espera aí um bocadinho!
-Tumba, aí vem outra… Toma lá mais!...Espera aí um bocadinho, João…
Boum, boum…
-Estou-me a vestir, é preciso é calma!
Boum, pum, pum…
-Espera aí um bocadinho, estou-me a vestir, é preciso é calma.
Boum, boum…
-Estamos a embrulhar, caralho! É preciso ter calma. Estou no meu quarto. Hoje é o dia…
Boum, boum…
-Tumba, tumba, tumba!...
Boum, boum, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá tá, tá, tá, tá, tá, pum, catrapum, pum...
-Espera aí. Eh, com um filha da mãe!
Boum, boum…
-Ah, grande embrulhanço! Manda mais, João!
Boum, boum…
-Toma lá mais!...
Tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, catrapum, pum, pum, boum, boum...
-Isto é a sério, isto não é a brincar.
Boum, boum, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, pum, pum…
-Olha p’rá aquilo! Porra, estamos a embrulhar, o que é preciso é calma!... Estou-me a vestir…
Boum, boum, tá, tá, tá, tá, pum, pum…
-Já estou vestido.
Boum, boum…
-Porra! Tumba, tumba, aí vem outra, aí vai outra!...
Pum, pum, pum, pum, boum, boum…
-Caralho!
Boum, boum, pum, catrapum, pum, pum, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, boum, boum…
-Porra, estão todas a cair p’ra ali, caralho!...
Tá, tá, tá, tá, tá tá, tá, tá, tá, tá…
-Aí vêm outras. Eh, eh, eh! Já estou vestido.
Boum, pum, pum, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, boum, boum…
-Aí vem outra!
Pum, pum…
- Tumba! Devem vir mais.
Boum, boum…
- A lógica da guerra, pá, é impressionante! Eu estava aqui sossegadinho, pá, elas começaram a cair… Aí vêm mais, aí vêm mais!...
Boum, boum, tá, tá, tá, tá, tá tá, tá, tá, tá, tá, pum, pum, catrapum, pum, pum…
- Deixei-me estar sozinho aqui no quarto, mas estou nervoso! Os nossos amigos estão a lembrar-se de nós!
Pum, pum…
- Tumba, tumba!
Boum…
- Ah, Cufar de um caraças!... Eh, eh! Guiné, Guiné, 20 de Janeiro de 1974!.. Ah, caraças!...
Boum…
- Isto é morteirada! Ora bem, deixa lá apagar a ventoinha. Só mandaram estas?...
Boum, pum…
- Aí vai outra! Aí vem mais! Isto agora são morteiradas nossas. Aí vai outra!
Boum…
- Já acabou o ataque?... Vamos embora, já estou cá fora!
(Meti o gravador ligado a gravar no bolso da perna direita do camuflado e fui ter com os meus soldados.)
Boum, pum, pum…
- Toma, toma, porra! Aí está!...
Estão bem?...
Boum, pum, pum…
(Voz de soldado):
- Se calhar a minha tabanca deve estar mas é toda fodida!
Boum…
(Confusão de vozes).
- Foda-se. São nossas ou são deles, caralho? Já acabou, os gajos?...
(Voz):
- São nossas.
Boum…
(Voz de soldado)
- Não gravou isto, meu alferes?
- Está a gravar, oh, homem, está a gravar esta merda!
Boum…
- Já acabou. Aí vai mais, caralho! Quem é que está aí metido na vala, deitado no buraco?
Boum…
(Confusão de vozes)
- Aí vai mais uma, toma lá mais fartura!
(Voz de soldado):
- Isto é RPG que rebenta no ar e rebentou uma canhoada.
Boum…
(Voz de soldado):
- A minha chinela, perdi a puta da sapatilha.
(…)
- Os gajos já pararam. Agora são só nossas. Os gajos já não estão a mandar nada, agora é o obus de Catió.
(Voz de soldado):
- Carrega-lhe, é o primeiro ataque do ano. Os cabrões atacam até acabarem as munições. Mas cuidado com os gajos no fim do ataque…
(…)
(Confusão de vozes)
(Voz de soldado):
- Vê se encontram a minha sapatilha.
Boum…
- Oh, Loureiro (soldado condutor do nosso CAOP1), o que é que você está a fazer deitado no buraco?
(Soldado Loureiro):
- Estava entretido…
(Voz de soldado):
- Agora já acabou, mas pode vir ainda uma retardada, mas isso é pouca coisa.
(Voz de soldado):
- Eu vi o very-light no ar e depois, foda-se, foi sempre fogachal.
(Confusão de vozes)
(Voz de soldado ):
- Olha se eu estivesse na minha tabanca lá em baixo, deve estar toda fodida…
(…)
(Voz de soldado):
- Alguém viu a minha sapatilha?...
Boum…
(…)
- Espera aí que eu vou mijar, estou a precisar!
(Voz de soldado)
- Oh, meu alferes, não mije para dentro da vala, caralho!
- Oh, pá, não faz mal.
(Voz de outro soldado):
- Ora, um gajo, num ataque, mesmo com merda e mijo, e tudo, vai!
Boum…
(Voz de soldado):
- Eu perdi a minha sapatilha, isso é que foi o caralho!

Guiné 63/74 - P3327: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (48): O adeus a Bambadinca


Texto de Mário Beja Santos
ex-Alf Mil,
Comandante do Pel Caç Nat 52,
Missirá e Bambadinca,
1968/70

Fotos (e legendas): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.



Operação Macaréu à vista

Episódio XLVIII

O ADEUS A BAMBADINCA

Beja Santos

Um novo encontro com Cherno Suane na Pérola de São Paulo

São nove horas de uma manhã ensolarada de Junho de 2008, apresento-me na Rua de São Paulo num armazém de electrodomésticos e daqui parto com Cherno Suane para conversarmos numa mesa de café ali ao lado. Tinha-lhe pedido ajuda para rever os episódios da nossa vida entre Julho e Agosto de 1970. Estamos já a beberricar o café quando Cherno tira do bolso uma folha onde posso ler: emboscadas em Samba Silate, Ponte de Udunduma e patrulhamentos em direcção a Taibatá, noites na missão do sono, visitas às tabancas em autodefesa, colunas ao Xitole, aulas, relação do equipamento e armamento com o novo alferes. Decididamente, Cherno recorda o essencial: do amanhecer até ao entardecer na estrada alcatroada entre Amedalai, Ponta Coli e Xime, as emboscadas nocturnas na missão do sono, os recenseamentos de armas e os apoios às tabancas em autodefesa em Badora e no Cossé, as aulas... Mas havia pormenores difusos, pedi mais esclarecimentos. Cherno, como é seu hábito, vai do muito antes até ao muito depois, deixa-me a incumbência de filtrar o que pertence rigorosamente ao período que nos interessa analisar. Começou assim a sua lembrança: “Saíamos de burrinho de Bambadinca até aos Nhabijões, no último mês que estiveste connosco fomos três vezes à procura de canoas, uma vez encontrámos três, foram rebentadas à bala. As obras na estrada alcatroada eram uma canseira diária, com a chuva íamos e vínhamos lentamente, sempre à espera de emboscada, mas tivemos sempre sorte. A última patrulha que fizemos contigo e já com o alferes Reis foi em Cadamã, a tabanca de Ussumane Baldé. Não nos davas descanso, quase todos os dias tivemos aulas junto à escola não com a professora que te dava os livros mas com Dauda Bari, o cabo fula que viera de Gandembel, e Fodé Sani, de Bafatá. Havia pessoal chateado, Sadjo Seidi disse uma vez que era bom que te fosses embora, já não tínhamos idade para aprender mais letras enquanto tínhamos vida operacional. O menino filho de Quebá de Missirá, Mamadu Soncó, também ajudava nas aulas. Nessa altura chegou Demba Trilene, aquele milícia que te disse noutro dia que foi fuzilado depois da independência, gritou que não tinha feito mal nenhum, mas foi abatido”. Já não consigo extrair mais dados sobre a nossa vadiagem naqueles últimos dias. Afinal, correu tudo dentro da rotina, fizemos a verificação do material, analisámos os equipamentos, tudo correu bem e depressa, o fardamento novo tinha chegado há poucas semanas. Quando estou a comunicar a Cherno que o livro está praticamente pronto, foi a vez de ele me fazer perguntas: Tinha eu falado no ferimento de Quebá Soncó, o filho primogénito do régulo Malã, que viera de Madina, em 1965, com uma rótula desfeita? Escreverei eu no livro que Serifo Candé fizera parte da 3ª Companhia de Comandos? Ficara claro que Bacari Djassi, o nosso único beafada no pelotão, substituíra nas férias Mamadu Djau e Adulai Djaló? Ficava-se a perceber no meu livro que os barcos eram atacados em Mato de Cão até eu ir para Missirá e que depois nunca mais houve ataques, os que aconteceram tiveram lugar perto de Enxalé e Ponta Varela? Procurei explicar ao Cherno que eram impossível tanto detalhe, este livro não era propriamente a história do Pel Caç Nat 52 mas o que eu podia recordar de dois anos de Guiné. Com serenidade, sem qualquer azedume, ele observou: “Pensava que tu querias que toda a gente soubesse que nós lutámos sem nos negarmos ao trabalho, todos nós devíamos constar da história que vem no teu livro”. Já não tive resposta para lhe dar. Peguei na mochila com o equipamento de ginástica, guardei o caderno na minha pasta, abracei-o cheio de ternura, cada um foi para o seu trabalho. Ele ainda gritou: “Não te esqueças de escrever que tivemos muita sorte, muita ajuda de Deus”.

O último jantar em Bambadinca

O Nelson Reis e eu recebemos a indicação de que não iríamos naquela noite para a emboscada no Bambadincazinho, teríamos de permanecer no quartel. Para mim, o que aconteceu depois comoveu-me. Quando entrámos pelas 20h na messe, sentimos uma atmosfera de jantar de festa. Esperava que o novo batalhão me tributasse alguma gentileza na hora da despedida, mas um jantar daqueles estava muito além das minhas expectativas. Houve brindes e votos de felicidades e no termo do jantar, Domingos Magalhães Filipe, o comandante, sugeriu que passássemos para a messe, estavam ainda todos de pé quando o major Anjos de Carvalho leu uma proposta de louvor que fora enviada para Bissau. Como é usual nos louvores da tropa, invocaram-se as qualidades de comando deste alferes, a inteligência, a cultura, a sensatez e a extrema devoção à missão, atributos que para mim eram triviais, achava aquilo tudo sem sentido. Onde verdadeiramente me comovi foi nas referências à ligação a Missirá e à estima granjeada junto da população. Depois, a proposta de louvor voltou ao discurso que tanto agrada à tropa, como a referência à resistência física e moral, ao fino trato e às qualidades de comando e ao respeito e admiração dos subordinados. Por último, eu era dado como credor de estima e confiança de quem me iria louvar já que a minha acção na Guiné era digna de ser apontada como exemplo. E pela segunda vez fui louvado por quem me tinha punido. Tudo começara com um desacerto, já era tarde para se remediar aquela pequena injustiça e aquela desmedida incompreensão. Agradeci, pedi a todos que ajudassem o meu substituto, paguei o que devia no bar, pedi licença para ir arrumar os tarecos já que partiria na manhã seguinte para o Xime, e daqui para Bissau.

Durante a tarde, sempre acompanhado pelo Reis e pelo Pires, despedi-me nos estancos do Zé Maria e do Rendeiro, visitei as famílias dos soldados, fui aos CTT agradecer todas as amabilidades de D. Leontina, embaracei-me em casa de D. Violete quando a vi de lágrima no olho: “O Sr. alferes vai-nos fazer muita falta. Graças a si, tivemos que discutir o passado da Guiné, andámos à procura de papéis, tenho amigos intrigados com a sua pesquisa, ninguém percebe o seu interesse por Infali Soncó, Abdul Indjai e Mamadu Sissé, emprestaram as coisas que tinham, espero que um dia publique tudo. À minha mãe e a mim vai-nos fazer falta a sua companhia, o chá que tomávamos juntos, consigo pusemos entre parêntesis o que esta guerra mudou. Por favor, não se esqueça de nos escrever e de nos visitar quando a paz voltar à Guiné. Amanhã de manhã, espero dizer-lhe adeus na varanda”.


Cheguei a Bambadinca em 2 de Agosto de 1968, parti 2 anos depois. O jantar promovido pelo tenente-coronel Domingos Magalhães Filipe, comandante do Bart 2917, sensibilizou-me profundamente. Foi lida a proposta de um louvor que referia "inteligência, cultura, sensatez, sólida formação moral ( só nos louvores da tropa!)" e depois foram ditas coisas que me comoveram. Não as mereci ver escritas, mas traduziram toda a minha atitude.

No quarto, enquanto arrumava os últimos trastes, Mamadu Soncó insistia que queria vir comigo, tinha aprendido, insistia ele, o suficiente para ser bom aluno em Lisboa. Esgotei todos os meus argumentos, garanti-lhe que ia ver se era possível uma bolsa de estudo, ensaiei todas as promessas plausíveis. Ele respondia sempre: “Não, eu quero mesmo ir contigo, era tudo mais fácil, temos visto chegar e partir os militares que também prometem levar-nos e nada acontece. Não dou trabalho durante a viagem, leva-me que eu quero estudar e ter uma vida diferente da dos meus irmãos”. Estava cansado, garanti-lhe pela última vez que tudo faria para que ele tivesse uma vida diferente da dos seus irmãos.

As leituras inesquecíveis da última semana em Bambadinca

Nos últimos quinze dias, andámos praticamente a monte, o importante era deixar o Nelson Reis informado sobre o que era a intervenção na área de Bambadinca. Por pura casualidade, li do bom e do melhor. Primeiro, de Robert Merle, de quem já tinha lido “Fim de Semana em Zuydcoote”, devorei o empolgante “A Morte é o meu Ofício”. Trata-se de uma ficção acerca de uma figura fundamental do Holocausto, o chefe do Campo de Auschwitz, Rudolf Lang, nascido em 1900. Educado com disciplina severa e na ascese por um pai em estado de culpa, com dezasseis anos foge de casa e combate heroicamente na Turquia, de onde regressa humilhado e sentindo-se sem futuro. Irá entrar mais tarde na máquina nazi, devotar-se à missão que Himmler lhe confiou na tarefa de exterminar os judeus. Revelou-se zeloso, procurou a todo o transe os melhores resultados do assassínio em massa. Descoberto pelos americanos, respondeu sempre com naturalidade que obedecia a ordens, nunca se preocupou com o que pensava, o seu dever era obedecer. Dirá mesmo num interrogatório: “Compreende, pensei nos judeus como se fossem unidades, nunca como seres humanos. Refugiei-me no aspecto técnico da tarefa. Não tenho de que ter remorsos. O extermínio era talvez um erro. Mas não fui eu que o ordenei”. Será executado sem ter percebido o alcance do seu ofício de matar. Merle escreve sempre na primeira pessoa, não defende nem acusa, circunscreve-se a um estudo psicológico, como se estivesse a incarnar o indiscutível espírito de missão que Rudolf Lang aceitara. Enquanto lia este livro de Robert Merle, no meio das andanças, no meio das esperas e dos naturais tempos mortos,

Este livro de Robert Merle foi publicado na prestigiada Colecção Século XX, das Publicações Europa-América (que acolheu obras de Remarque, Hellmut Kirst, Pratolini, Sartre, Silone, entre outros). Tradução de Ana da Luz, capa de Jardim Portela, Publicações Europa-América, 1960. Logo a dedicatória: "A quem posso dedicar este livro senão às vítimas daqueles para quem a morte é um ofício?". Robert Merle, laureado com o Goncourt pelo livro "Fim de semana em Zuydcoote", levanta em "A morte é o meu ofício" questões dolorosas sobre o cumprimento de ordens como as das práticas do Holocausto. Vamos acompanhar a evolução de Rudolf Lang, o pretenso comandante de Auschwitz. Rudolf é produto de um educação severa, dominada pelos princípios de uma incontestada ortodoxia religiosa. Combate na frente turca ainda adolescente, vê a Alemanha espezinhada, assiste à ascensão do nazismo que irá servir incondicionalmente. Terá a missão de pôr de pé o assassínio em massa e irá cumprir sem hesitações, só preocupado com a eficiência dos resultados. Nunca admitirá a monstruosidade da máquina de chacina que montou, para cumprir as ordens de Himmler: "Não tenho de ter remorsos. O extermínio era talvez um erro. Mas não fui eu que o ordenei". Sim, até que ponto não somos solidários com a bestialidade dos outros? Quais os limites da disciplina e da ética? Para quem estava na guerra como eu, a pergunta provocava muita inquietação.


Li “Defesa sem controle”, de Mickey Spillane e “Cuidado com as curvas “, de A. A. Fair. O primeiro é seguramente o mais bem conseguido livro de Spillane, um livro de espionagem talhado para o mais americano e anti-comunista dos justiceiros, Tiger Mann. Um engenheiro de electrónica, um perito em mísseis intercontinentais balísticos, Louis Agrounsky, desaparece sem deixar rasto, mas suspeita-se que montou um sistema pessoal para controlar o uso desses mísseis. Agrounsky é um sabotador que tem um circuito secundário que pode virar do avesso o sistema defensivo dos EUA. O que há significativo neste livro é a estrutura da obra, fluída e plausível, emocionante do princípio ao fim, na trama da caçada, nos ardis utilizados pelos grupos de espionagem envolvidos. Inevitavelmente, Tiger Mann deixará um rasto de morte e irá surpreender-nos quando denunciar o chefe da quadrilha a soldo de Moscovo. Spillane é um escritor excepcional.


Número 241 da Colecção Vampiro, tradução de Fernanda Pinto Rodrigues, capa de Lima de Freitas. É um dos mais prodigiosos e bem arquitectados livros de Spillane. É mais do género de espionagem do que policial. Estamos na Guerra Fria, um cérebro doente, Louis Agrounski, viciou o sistema dos mísseis intercontinentais balísticos, pode criar uma inferioridade para os EUA. No livro alguém diz: "O Agrounski tem nas suas mãos algo que pode virar o mundo inteiro do avesso. Sabotou o nosso sistema de ICBMs, com um circuito secundário que lhe dá a possibilidade de o activar ou desactivar. Se não o encontrarmos antes de ele tomar uma decisão, perdemos, arriscamo-nos a ir todos desta para melhor. O herói chama-se Tiger Mann. Ele será confrontado com um dos atiradores mais expeditos ao serviço de Moscovo, haverá histórias de ocasião com algumas beldades deslumbrantes, a perseguição estará prestes a falhar, mas Tiger não só salvará a América e o mundo livre como destruirá uma tenebrosa rede de espionagem que esteve à beira de escravizar os democratas desse mundo livre. É uma boçalidade o que Spillane escrevia, só que ele era exímio e não teve grandes substitutos à altura.



A obra da A. A. Fair não tem esses méritos mas tem outros que empolgam a leitura. Bertha Cool e Donald Lam formam a parelha mais bizarra da literatura policial: ela nada sabe do ofício de detective mas é hábil a espremer os clientes; ele vive indiferente às rotinas burocráticas e ao deve e haver da empresa, só quer casos sofisticados. Desta vez um cliente procura alguém que só conhece pelo nome de Karl, que viu há seis anos em Paris, sabe que morava numa determinada localidade, era rico e estava a fazer a sua viagem de núpcias. O cliente pretendia reencontrar essa pessoa para obter o direito exclusivo de utilizar a sua história. Assim vai começar uma investigação rocambolesca, apura-se que houvera um crime, o cliente de Bertha e Donald aparece envolvido nesse homicídio, o júri decidirá pela sua condenação por homicídio sem premeditação, o crime fora cometido há mais de três anos, prescrevera, o acusado saiu em liberdade. É uma investigação cheia de artifícios, o verdadeiro homicida terá sido outro que, por ironia do destino, e graças a um plano maquiavélico de uma especialista em violações forjadas, será condenado a prisão perpétua.



Número 160 da Colecção Vampiro, tradução de Mascarenhas Barreto, capa original de Lima de Freitas. A. A. Fair era um pseudónimo de Erle Stanley Gardner. Isto para dizer que os crimes e as suas investigações passam sempre por tribunais onde se desafiam inteligências do foro criminal. A dupla Bertha Cool e Donald Lam é confrontada por um pedido de localização de uma pessoa que o cliente viu em Paris há muitos anos. A localização é quase imediata mas a seguir vem uma investigação prodigiosa, houvera um crime, desaparecera e reaparecera a arma, o júri considerou ter havido homicídio sem premeditação, o acusado saiu em liberdade. O par de advogados ganhou uma grossa maquia, uma senhora especialista em casos chantagistas de pseudo-violações consegue atirar o verdadeiro criminoso para uma prisão perpétua. Não é uma obra fulgurante, mas cumpriu a função de me ter entretido já não sei se na Ponte de Udunduma, nos Nhabijões ou ao ar fresco, enquanto se alcatroava a estrada entre Amedalai e o Xime.



O grande prato de substância das minhas leituras foi “Uma noite na toca do lobo”. Eu tinha admirado o livro anterior de Tomaz de Figueiredo, pedi que me enviassem este, li-o duas vezes cheio de emoção. Considero Tomaz de Figueiredo um dos maiores escritores portugueses, usa o castiço, as referências culturais e a construção dos monólogos-diálogos com genialidade. Diogo Coutinho, o senhor da Toca o Lobo, volta às suas recordações da meninice e juventude, oferece-nos um dos patifórios mais simpáticos da nossa literatura, Zé Cesteiro, tudo começa num serão à volta de um cosmorama em que duas amigas atraem os fantasmas de Diogo Coutinho. Logo no início: “Vinha assim, às vezes, ao pingar das Trindades, a prima D. Maria do Socorro, sequinha e combalida, mas a aparentar de grã-duquesa viúva, sob a tradicional capa alvadia de romeira encanunada e vivos de veludo roxo amortecido pelo tempo, herdanço de outra prima que a deixara no trinque, a prima D. Maria da Purificação, morgada e senhora de sete casas torrejadas no termo de três concelhos”. Naquela noite de serão participamos na cumplicidade entre D. Maria do Socorro e a tia Francisquinha, é aqui que assaltam as primeiras memórias, fala-se do Rei D. Miguel, dos passeios, das festas, de paixões inconsoláveis, de gente morta no auge do romantismo, de padres foliões, do grande traste que é o Zé Cesteiro, é uma galopada toda aquela noite na Toca do Lobo, o passado triunfal de muita gente do Alto Minho vem até à ribalta, dentro e fora do que se vê no cosmorama. Diogo Coutinho reaviva as lembranças, chama agora pelos mortos, eles engrandecem, do princípio ao fim, esta obra esplendorosa de Tomaz de Figueiredo.




4.ª Edição, 1985, Capa de Carlos Leitão, Editorial Verbo. Li a edição com capa de Sebastião Rodrigues, talvez o nosso maior designer gráfico so século passado, edição do princípio dos anos 60. Tomaz de Figueiredo pertence ao rol dos grandes escritores portugueses injustamente esquecidos. É um autor do castiço, dos valores da ruralidade perdida do Alto Minho, onde se fala do miguelismo, música, amores inconsequentes, memórias queridas trabalhadas em densos monólogos onde a reconstrução das possíveis conversas que são um ponto alto da literatura portuguesa. Diogo Coutinho, o herói da Toca do Lobo, volta à sua infância e juventude. Este livro alberga uma das nossas maiores criações literárias, o Zé Cesteiro, patifório simpático que nos deslumbrará com façanhas, seguramente aldrabadas, mas muito boas patranhas. Para mim, há uma outra doce memória, suplementar: foi o último livro que li em Bambadinca. No dia seguinte, a guerra iria acabar para mim.



Aos pés da minha cama já dorme o jovem Mamadu Soncó, deve estar a sonhar em ir comigo até Bissau e mudar de vida. Nas outras camas, adormeceram profundamente o Abel e o Moreira, foram dois camaradões que jamais esquecerei. As caixas em madeira estão fechadas, escrevi a tinta preta, grossa, o meu nome e destino. O sono demora a vir. Respiro os cheiros de África, que me irão acompanhar até ao fim da vida. Há um silêncio total à minha volta, quase diria que ninguém suspira pela guerra, estamos ali em Bambadinca, todos à espera que a vida renasça, e nós também.
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Nota de CV

Vd. último poste da série de 10 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3290: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (47): Cartas de um militar de além-mar em África para aquém em Portugal (6)...

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3326: Breve resumo da História do BCav 490 (1963/65) (Virgínio Briote)

Batalhão de Cavalaria 490 (I)

Esta é uma pequena homenagem a todo o pessoal que fez parte do BCav 490.
Eu, V. Briote, um dos editores, fiz parte por alguns, escassos, meses deste famoso Batalhão.
Claro que todos os Batalhões, Companhias e Pelotões que passaram pela Guiné ficaram famosos.
Mas perdoem ao editor que, ao menos uma vez, dê a cara no nosso blogue pelo BCav 490. Todos nós dizemos o melhor dos nossos Camaradas, daqueles com quem calcorreámos os trilhos daquela imensa (imensa, sim...) Guiné. Noites e dias, os frios e os calores insuportáveis até ao limite, os camuflados pesados do calor e da chuva e a pergunta com resposta certa: quem quer saber do que estamos aqui a fazer?

E tinham razão aqueles que, já naqueles primeiros anos da Guerra, diziam abertamente que estávamos a travar uma guerra errada e sem sentido. Como quase dez anos depois para os que a iniciaram se veio a comprovar.
Nenhum de nós trouxe tudo o que para lá levou. Uns viram as suas vidas sacrificadas sem glória, outros mais afortunados deixaram lá partes e todos trouxemos coisas que os nossos vinte anos nem sonhavam.

vb
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História do BCav 490: Breve resumo

Adaptação da responsabilidade do editor



1. Formação

- Em Fevereiro de 1963, o comando do Batalhão frequentou um estágio de guerra subversiva no CIOE, em Lamego, a que se seguiu durante quatro semanas a Escola Preparatória de Quadros no RC 3.
- 16 Abril: início da Escola de Recrutas no RC 3, com a duração de 7 semanas.
- 2 Julho: gozo da licença do pessoal com a informação de que o Batalhão iria ser mobilizado para Moçambique. Com a licença ainda a decorrer recebem a notícia de novo destino: Guiné.
- 14 Julho: reunião de todo o pessoal em Estremoz e preparativos para rumarem a Lisboa.
- 16 Julho: despedida do Batalhão, com missa campal seguida de desfile. Deslocação em formatura para a estação dos C. F. de Estremoz, onde embarcou às 24h00 com destino a Alcântara Cais, onde chegou às 07h00 do dia seguinte.
- 17 Julho: formatura de todas as unidades prontas para o embarque, com revista pelo Brigadeiro Ribeiro de Carvalho, Director da Arma de Cavalaria.

2. Viagem
- 17 Julho: às 11h00, embarque no "Niassa". Seguiram no mesmo navio os Comandos e CCS dos BCaç 512 e 513, além de três Cªs de Artª. Com cerca de 1500 homens sob o comando do Ten. Coronel Fernando Cavaleiro e levando como Comandante de Bandeira o Cap. Mar e Guerra Ferrer Caeiro, o navio desamarrou às 12h00.
- Durante a viagem o pessoal teve instrução de armamento, familiarizando-se com a G-3, arma que viram pela primeira vez. Foram transmitidas ao pessoal algumas informações sobre a Guiné, nomeadamente clima, usos e costumes. Projecção de filmes, concursos de tiro e exercícios de salvamento ajudaram a passar os dias. Na véspera da chegada os militares apresentaram uma sessão de variedades.
- 22 Julho: chegada a Bissau, pela manhã.

3. Desembarque e instalação

- Devido à falta de alojamentos em Bissau o Batalhão só desembarcou em 27 de Julho, ficando alojado em barracões (sem portas nem janelas) sitos na Bolola.
- Dezembro de 1963: mudança para a Amura, de pouca dura, uma vez que foi atribuída ao Batalhão a missão de entrada em sector no Norte.
- Na deslocação da unidade para o Sector 02/Farim, as condições não permitiram que a bagagem seguisse com o pessoal (estava prevista uma missão operacional com a duração prevista de 20 dias, que acabou por não se realizar).
O pessoal entrou em Sector com uma muda de roupa. Devido a problemas vários, a maioria dos elementos do Batalhão recebeu as respectivas bagagens 8 meses depois.

continua
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Notas:
1. O Capitão de Mar e Guerra Ferrer Caeiro conheci-o como Comandante da Marinha em Bissau em 1965/66.

2. artigos relacionado em

Guiné 63/74 - P3325: O meu baptismo de fogo (11): Mampatá, 20 de Fevereiro de 1973 (António Carvalho)


1. Mensagem do nosso camarada António Carvalho (*), ex-Fur Mil Enf da CART 6250/72, Mampatá, 1972/74, com data de 14 de Outubro de 2008, com a narrativa do seu baptismo de fogo (**).

Caro Carlos Vinhal,
Daqui te saúdo com muita amizade.

Uma vez mais peço que leias um testemunho meu dos tempos da Guiné e se o considerares interessante faz o favor de o publicar no nosso blogue.

Cordiais cumprimentos,
António Carvalho
Fur Mil Enfermeiro
CART 6250
1972/1974
MAMPATÁ (Forreá)


2. Caros Camaradas da Tabanca Grande

É a segunda vez que escrevo para o nosso blogue. Antes de mais deixem-me dizer-vos que, cada vez mais, entusiasmo-me com os textos que vou diariamente lendo, nesta janela propiciadora de revivências de um tempo doloroso. E sendo certo que me faz bem ler os relatos dos outros, depreendo que farei bem aos outros, ao descolar da minha memória, momentos marcantes daqueles tempos e, com a maior objectividade possível, torná-los conhecidos por todos aqueles que comungaram daquele cálice.

Tendo sido Fur Mil Enf, não sairia para o mato, por princípio, muitas vezes. Mas saí algumas vezes, como naquele dia 20 de Fevereiro de 1973. Não sei agora porquê, pois tratou-se de uma saída a nível de um único grupo de combate. Estaria o cabo enfermeiro doente? De férias? Não sei. Sei que saímos para fazer segurança aos trabalhos de desmatação, no âmbito da construção da estrada Aldeia Formosa-Nhacobá, com passagem por Mampatá, Colibuia e Cumbidjã. Nesta fase já a asfaltagem tinha chegado a Colibuia e já tínhamos fixado dois grupos da nossa companhia nesta localidade, primeiro em tendas e mais tarde em barracas de chapa de bidões.

Guiné > Região de Tombali >Mampatá > CART 6250 (1972/74) > "Fase da construção da estrada, quando a mesma passava em frente à escola de Mampatá

Foto e legenda: © José Manuel (2008). Direitos reservados.


Saímos então de Colibuia ou de Mampatá e, depois de termos atravessado a área desmatada, quando procurávamos o local para montarmos o sistema de vigilância e protecção aos trabalhos da Engenharia, abriu-se um fogachal sobre nós que, nos primeiros segundos, pôs toda a gente de barriga colada ao chão. Logo de seguida ouço gritos:
- Estou ferido!... Oh Furriel estou ferido!... - Era o António Carola do Nascimento, 1.º Cabo Apontador de Morteiro.

Berrei-lhe:
- Faz fogo caralho... senão morremos aqui todos... se estivesses ferido não falavas.

- Estou ferido estou... tenho estilhaços nos colhões.

E os rockets deles a estourar por cima das nossas cabeças. Para sorte nossa, muito altos, projectando estilhaços para todos os lados à mistura com folhas de árvores. Eu estava a cerca de 10 metros à direita do Nascimento e outros tantos metros do camarada que tinha algumas granadas de morteiro. Então arrastava-me da direita para a esquerda para municiar o apontador. Ele - o Nascimento - teve que adiar o tratamento para depois e entregar-se com unhas e dentes à prioritaríssima tarefa de mandar morteiradas para a direcção de onde vinha ferro quente.

Entretanto o Pel Caç Nat 68 comandado pelo guerreiro Fur Gomes vem em nosso auxílio e o Ussumane Buaró chegado perto de mim, carrega-me nos ombros e obriga-me a deitar, com estas palavras que nunca mais esquecerei:
- Deita, deita Furriel, tu estás ferido.

Era um ferimento sem qualquer importância, com também o dos três camaradas que apanharam com estilhaços. No meu caso, um pequeno estilhaço, no dedo mínimo da mão esquerda, foi quanto bastou para ficar com todo o antebraço tingido de vermelho o que levou o generoso e amigo fraterno Ussumane Buaró a julgar-me gravemente ferido.

Posicionou-se ele, de pé, a fazer fogo de dilagrama, atrás de mim. Obrigado Ussumane. Se e quando for à Guiné procurar-te-ei para te abraçar. Se já não te encontrar procurarei o local dos teus restos e aí, de olhos postos no horizonte, perante a omnipresença do Criador Supremo, derramarei, nesse chão, lágrimas de gratidão e saudade.

Foi este o meu baptismo de fogo, com participação directa, em confronto com o então IN, hoje povo irmão.

E hoje fico por aqui.


2. Comentário de CV:

O António Carvalho, que vive em Gondomar, para quem não se lembra, foi Fur Mil Enfermeiro e, tal como o nosso Zé Teixeira, esteve em Mampatá. Ambos fazem parte da Tertúlia de Matosinhos que monta emboscadas semanais na Rua Heróis de França, em Matosinhos.
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 13 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3200: Tabanca Grande (86): António Carvalho, ex-Fur Mil Enf da CART 6250 (Mampatá, 1972/74)

(**) Vd. último poste da série de 14 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3316: O meu baptismo de fogo (9): Missirá, Cuor, 6 de Setembro de 1968 (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P3324: O Nosso Livro de Visitas (36): Miguel Oliveira, ex-combatente em Angola

1. Mensagem do nosso camarada Miguel Oliveira, ex-combatente em Angola, nosso leitor habitual, com data de 13 de Outubro de 2008:

Olá Meus Caros Camaradas ex-Combatentes.
Continuo sem saber entrar na vossa página e assim aqui estou para vos agradecer a vossa ajuda na divulgação do Encontro da CCAÇ 727.

Junto envio uma foto do referido Encontro. O homem ao centro, de barbas já brancas, é aquele que foi o Comandante da 727 (*), ex-Cap Joaquim Evónio R. Vasconcelos. O ex-1.º Cabo Carmelindo Guerreiro, pediu para vos enviar a foto do Convívio Anual (**). Soube agora que a 727 terá tido cerca de 18 baixas.

Mais uma vez o meu obrigado em nome daquela juventude.
A porta ficará de certeza aberta para eles virem até ao Luís Graça & Camaradas da Guiné.

Foto de família do Encontro CCAÇ 727, Guiné, 1964/66, que ocorreu no passado dia 11 de Outubro na Gafanha da Encarnação, Aveiro.

2. Mensagem de resposta, enviada em 16 de Outubro:

Caro Miguel Oliveira
Obrigado pelo teu contacto

Entrar na nossa página é facílimo. Podes escrever : http://www.blogueforanadaevaotres.blogspot.com/ e fazer enter ou clicar directamente em cima do próprio endereço que te mando.

Terás que pedir a alguém da nova geração que te ensine a navegar na internete. Como costumo dizer, não somos já do tempo destas modernices. Estou a brincar, claro. Estamos em boa idade para aprender e se te disserem que isto é difícil, não acredites. Eu, há meia dúzia de anos não imaginava estar a ajudar o nosso Luís Graça.

Votos de muita saúde e boa disposição.

Teu camarada
Carlos Vinhal
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Notas de CV:

(*) Sobre a CCAÇ 727 pode ler-se poste de 18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1292: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte I):

Companhia de Caçadores n.º 727

Formada no RI16 em Évora, chegou à província em 14 de Outubro de 1964, tendo feito a instrução de adaptação operacional em Có-Pelundo e Prábis. Em 18 de Novembro de 1964 destaca um pelotão para reforço do BCAÇ 506, que foi reforçar a guarnição de Madina do Boé.

Em 5 de Dezembro de 1964 foi a companhia transferida para reforço e reserva do BCAQÇ 512, mantendo um pelotão em Madina do Boé.

Tomou parte em diversas operações levadas a cabo na região de Nova Lamego e Madina do Boé, sendo de salientar a emboscada na estrada Madina do Boé-Gobige, em 30 de Janeiro de 1965, que causou grande número de baixas ao inimigo.

Foi rendida pela CART 731 na missão de intervenção em 19 de Fevereiro de 1965.

Regressou à metrópole em 7 de Agosto de 1964.

(**) Vd. poste de 30 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3254: Convívios (86): Pessoal da CCAÇ 727 (Guiné 1964/66), dia 11 de Outubro na Gafanha da Encarnação, Aveiro.

Guiné 63/74 - P3323: In Memoriam (7): Fernando Teixeira Soeima (1941-1965), campa n.º 1410, Cemitério Militar de Bissau (NUno Rubim)

Guiné-Bissau > Bissau > Cemitério Municipal de Bissau > Setembro de 2008 > Campa n.º 1410. Soldado n.º 575/63, Fernando Teixeira Soeima. Morto em 18/3/65, pela Pátria.

Guiné-Bissau > Bissau > Cemitério Municipal de Bissau > Setembro de 2008 > O nosso amigo Tino junto à Campa n.º 1410, do Soldado n.º 575/63, Fernando Teixeira Soeima, morto por razões desconhecidas em 18/3/65. Era natural de Algeriz, Valpaços, e familiar do nosso amigo e camarada Fernando Chapouto.

Guiné-Bissau > Bissau > Cemitério Militar de Bissau > Março de 2008 > O Cor Art na situação de reforma Nuno Rubim, participante do Simpósio Internacional de Guiledje (1 a 7 de Março de 2008), junto à campa n.º 383, do António Gonçalves Santos, Soldado, da CCaç 1424, morto em 04.03.66, segundo o livro da CECA, em "Guilege, junto da fronteira", em resultado de "ferimentos em combate". Era natural de Erada, Covilhã. Segundo o nosso querido amigo Nuno Rubim, que comandou a CCAÇ 1424, o Santos morreu "muito perto do cruzamento do corredor de Guileje".

Foto : © Nuno Rubim (2008) . Direitos reservados.

Valpaços > Cemitério da freguesia de Algeriz > Placa invocativa da memória do Soldado Cozinheiro Fernando Teixeira Soeima (1941-1965), que se pode ver no Jazigo de sua família. Reza assim: À Memória de Fernando Teixeira Soeima, n. 20.10.1941, f.18.3.1965: teu corpo ficou longe mas a mãe traz-te sempre no coração. Lembrança dos teus irmãos Jacinta e Nelson.

Foto : © Fernando Chapouto (2008). Direitos reservados.

1. Mensagem do nosso amigo e camarada, Cor Art Ref Nuno Rubim, com data de 15 de Setembro último:

Luís

Junto te envio uma das fotos da campa do Soldado Soeima (*), tiradas em Bissau pelo ( mais uma vez ) Tino (**) , no passado Domingo, de acordo com o pedido inserido no blogue em 1 do corrente.

Não terão a melhor qualidade, mas foi o possível.

A meu pedido ele solicitou para ser limpa a campa. Repararás que falta o X em Teixeira e o C de CArt.

Entretanto continuo a verificar que os meus pedidos ao blogue continuam por publicar, o que já vem de longe ...

Um abraço
Nuno Rubim

2. Comentário de L.G.:

Nuno: só agora publicamos a tua mensagem... com as devidas desculpas e apenas uma (esfarrapada) explicação... Não é por mal, Nuno; o teu mail foi ter ao meu endereço pessoal, como de costume (que tu queres receber o correio da maralha toda; de futuro, por favor, utiliza a caixa de correio da nossa caserna: luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com

É mais seguro e mais fiável... Há menos risco de se perder ou atrasar a tua correspondência que é sempre bem vinda. Para mais, neste caso, foi um gesto, muito bonito, de solidariedade e de camaradagem, da tua parte. Sei da sensibilidade e desvelo com que lidas com a memória dos nossos mortos, sepultados no cemitério de Bissau, dos quais 4 eram de unidades que tu comandaste na Guiné. O Fernando Chapouto vai ficar contente por receber as fotos que mandaste. Obrigado.

As minhas desculpas também, a ti, Fernando, por só agora teres acesso às sete imagens que o Nuno me mandou (e que já seguiram por e-mail para o teu endereço). Não podemos esclarecer a causa da morte do primo da tua mulher, mas pelo menos vocês ficam com algumas fotos da sua últimna morada, a campa n.º 1410, do cemitério militar de Bissau, que o Nuno Rubim mandou limpar e fotografar.
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Nota de L.G.:

(*) 1 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3158: Em busca de... (36): Causas da morte de Fernando Teixeira Soeima, CART 496, Cacine e Cameconde, 1963/65 (Fernando Chapouto)

(*) Tino (Moisés Caetano Pinto) trabalha na AD - Acção para o Desenvolvimento), e, a pedido do Nuno Rubim, ajudou a nossa comum amiga Cadi na tragédia que a atingiu:

3 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3168: Ser solidário (20): Bissau: O triste caso da Cadi e a ajuda extraordinária do Tino, que trabalha na AD (Nuno Rubim)

3 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3167: Ser solidário (19): Morreu o Nuninho, da Cadi. De paludismo. De abandono (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P3322: Tabanca Grande (92): José Pedro Neves, ex-Fur Mil da CCAÇ 4745/73, 1973/74

1. Mensagem do nosso camarada Pedro Neves (*), ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 4745/73, Guiné 1973/74, com data de 13 de Outubro de 2008.

Caro Luís Graça:

No passado dia 25-08-08, pela primeira vez, enviei uma mensagem para o nosso site à procura de antigos camaradas que estiveram comigo em Lamego, no 1.º curso [, de OE,] de 1973 e aos camaradas a quem dei o 2.º curso, também de 73, assim como os que estiveram na Guiné, na CCAÇ 4745/73, (Águias de Binta), Companhia de Caçadores Independente formada no antigo BII 17 (Angra do Heroísmo, Terceira, Açores) e já obtive o contacto do Raúl que pertencia à minha equipa, 1.º Grupo, do nosso curso em Lamego. Como devem de calcular, foi uma alegria encontrar, graças ao site, alguém com quem palmilhei montes, vales, ribeiros e a famosa serra das Meadas. Obrigado.

Mas uma outra razão me leva a comunicar, que apesar de não conseguir encontrar os antigos camaradas que estiveram comigo na Guiné, no passado dia 4 de Outubro estive presente com a minha esposa, no almoço da 3ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72 que estava sediado em Mansoa e que, com a minha CCAÇ 4745, fez alguns patrulhamentos na protecção dos trabalhos da abertura da estrada Jugudul-Bambadinca.

Foi um dia bem agradável, recordando as peripécias que passámos, os bons e os maus momentos.

Quero agradecer ao Jorge Canhão, ex-Furriel Mil da 3.ª CCAÇ e a todos os restantes camaradas, o modo como receberam o Furriel Pedro, da Companhia dos Açorianos e a minha esposa Ana Maria, no seio do seu encontro anual. Já fomos convidados para o próximo, que se realizará na zona de Setúbal. Não faltaremos!!!

Para terminar, renovo a missiva que me levou a contactar o site, para tentar encontrar antigos camaradas, que estiveram comigo nos seguintes locais:

Lamego:

- 1.º curso de 1973 (Instruendo do 1.º Grupo)
- Instrutor do 2.º curso de 1973 (1.º Grupo de Cadetes)

Guiné

- CCAÇ 4745 (Águias de Binta) - Companhia de Caçadores Independente, formada nos Açores - Ilha Terceira.
- BINTA, GUIDAGE, NEMA, FARIM, MANSOA, JUGUDUL, POLIBAQUE, PORTO-GOLE, BULA, NHAMATE, CAPUNGA, BINAR e outros arredores que já não lembro os nomes.

- Posto - Ex-Fur Mil Op Esp (RANGER)
- Nome - José Pedro Ferreira das Neves (56 anos) (Nome de guerra, Pedro
- Localidade - Lisboa

Contactos:

- Móvel - 912 179 200
- E-mail - inverterac@gmail.com

Luís Graça/Carlos Vinhal, brevemente enviarei algumas fotos do passado e do presente, na Guiné-Bissau, assim como alguns episódios, do passado e recentes, uma vez que depois da Independência da Guiné-Bissau, já lá fui 51 (Cinquenta e uma vezes) por motivos de negócio e tenho realmente algumas situações curiosas e interessantes para contar.

Agradeço uma vez mais a vossa disponibilidade para nos aturarem.

Um abraço
Pedro Neves
Ex-Fur Mil Op Esp

2. Comentário de CV

Caro José Pedro, como já te disse em contacto anterior, deves enviar as tuas fotos da praxe para o Blogue e começares a contar as tuas histórias. Esperamos também as tuas fotos antigas e as actuais da Guiné-Bissau.
_________________

(*) Nota de Cv

Vd. poste de 25 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3148: O Nosso Livro de Visitas (24): José Pedro Neves, ex-Fur Mil da CCAÇ 4745 (Guiné 1972/74)

Guiné 63/74 - P3321: Blogoterapia (64): 800 mil páginas visitadas (400 mil num ano), 270 membros, 3320 postes, 42 meses, 2 + 1 comissões na Guiné...

Guiné > Região de Tombali > Cufar > Foto (por Luís Graça) de um slide do António Graça de Abreu, apresentado no dia 2 de Outubro de 2008, na Biblioteca-Museu República e Resistência / Espaço Grandella, por ocasião da conferência do nosso amigo e camarada sobre o seu livro Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (2007), no âmbito do ciclo de conferências que estão a decorrer até Novembro de 2008, sob o título "Memórias literárias da guerra colonial"...

Essa foto, dramática, foi reproduzida no seu livro, página 201, com a seguinte legenda: "Buraco de mina-anticarro, na picada de Cufar para o porto interior"... Foi no dia 2 de Março de 1974, sábado, um "dia do diabo"... Entre Cufar e o porto do rio Manterunga, numa picada que não teria mais de cem metros, batida milhares de vezes pelos jipes e demais viaturas militares, os tipos do PAIGC lembraram-se de lá deixar uma brinquedo de morte: uma vulgar mina anti-carro, reforçada por uma bomba de um Fiat que não tinha explodido... Um jipe do pelotão da Intendência accionou o engenho. Os cinco ocupantes, dois militares, brancos (O Fur Mil Pina e o Sold Jeová), e três civis, estivadores, guineenses, encontraram aqui a morte (*)...

Mais à frente, outra mina, enterrada no lodo do rio, provocou a explosão, em cadeia, de batelões atracados ao cais e carregados de batelões de gasolina... Cerca de duas dezenas de estivadores perderam a vida... Um espectáculo dantesco, escreveu o António...

"Vi coisas nunca vistas e que nunca mais quero ver"... Será masoquismo, da nossa parte, querer revivê-las, quarenta anos anos depois, no nosso blogue ? Why, my God, porquê, Deus meu ? - parece perguntar o camarada que aparece na foto, em primeiro plano, as mãos nas ilhargas... Por analogia, poderíamos perguntar-nos, uns aos outros, no seio da nossa Tabanca Grande: por que escrevemos ? por que blogamos ? por que estamos aqui ?


Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Direitos reservados.




Produção bloguística, em nº de postes, no período de Janeiro a Setembro (2007/08). Mínimo: 54 (Agosto de 2008); máximo: 112 (Julho de 2007).


Em três anos a produção do nosso blogue - Luís Graça & Camaradas da Guiné, II Série (Junho de 2006 a Setembro de 2008) - passou de 566 (Junho a Dezembro de 2006), para 1001 (em 2007) e 862 (Janeiro a Setembro de 2008). Média mensal a crescer, de ano para ano: 80,9 (2006); 83,4 (2007); 95,8 (2008). Explicação: somos mais, a visitar o blogue e a prduzir textos, temos agora três editores e administradores do blogue... O encanto pode já não ser o mesmo dos primeiros tempos, mas há ainda muito malta que nos vai descobrindo, todos os dias... A começar pelos professores e pelos miúdos das escolas...



Imagem: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Direitos reservados.


Amigos e camaradas:

1. Devemos atingir esta semana a cifra das 800 mil páginas visionadas / visitadas. Estávamos em 400 mil em finais de Outubro de 2007. 500 mil na passagem de ano. 600 mil em Abril. 700 mil em Julho de 2008 (**).

Tendo em conta a inevitável quebra, nas férias de vereão (Julho / Agosto= mais ou menos 1 mês), quer na produção, quer no consumo, tivemos, neste espaço de tempo, de Outubro de 2007 a Outubro de 2008 (1 ano), um média de visitas mensais de 36 mil, ou seja, 1200 por dia, em números redondos... Em contrapartida, parece ter crescido menos o número de membros da Tabanca Grande Estamos agora com mais de 270 (mais exactamente, depois da última contagem e recontagem, 273, com os Jotas à cabeça, n=58; em contrapartida só nos faltam duas letras do alfabeto, os Qês e Us)...

Não há dúvida, Carlos, que está-nos de facto a fazer falta a fotogaleria, devidamente actualizada (nomes, postes, unidades, fotografias, contactos, etc., de todo o pessoal da Tabanca Grande)...

Gostaria, entretanto, que os meus queridos editores (e os demais membros do blogeu) reflectissem sobre esta estatística... A nossa produção mensal passou de 81 postes por mês, em 2006, para 96, em 2008.

A vossa entrada para o blogue como editores (e agora administradores) foi decisiva. [Já agora, foi quando ? Vocês lembram-se ? Há um ano e tal...]. Não fora a minha e a vossa carolice, a carolice de todos nós (ou doidice, dirão as nossas mulheres e filhos), onde é que estaríamos ? De 25 de Abril de 2005 (data em que começou, a sério, a nossa I Série) a Outubro de 2008, já vão lá 42 meses, o equivalente a duas comissões na Guiné... Mais uma que fizemos, lá, a valer, de carne e osso, chiça que já são... três!!!

Vocês os dois é que merecem, em primeiro lugar, os meus parabéns pelo trabalho, minucioso, laborioso, de formiguinha, que é feito, nos bastidores do blogue, todos os dias, nas nossas horas vagas. E depois naturalmente os meus parabéns são extensivos a todos os demais amigos e camaradas da Guiné que nos escrevem, que escrevem no nosso blogue, que fizeram seu o nosso blogue... E, por aí fora: os muitos outros que nos lêem, apoiam, divulgam, comentam, criticam, etc.

Sugestões, críticas e comentários... ? A pensar sobretudo no que vamos ainda fazer... na 4ª comissão, se para tanto os deuses nos derem boa sorte, via e saúde... Há um espaço, em branco, no final do poste para o fazerem. Obrigado a todos/as, amigos/as e camaradas da Guiné.
Luís Graça & Camaradas da Guiné

____________

Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 16 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1284: A Intendência também foi à guerra (Fernando Franco / António Baia)

(**) Vejamos o que dissemos noutras ocasiões, em que assinalámos a passagem dos cem mil;

29 de Junho de 2008:

Amigos e camaradas: Devemos atingir esta semana a cifra das 700 mil páginas visionadas. Estávamos em 400 mil em finais de Outubro de 2007. Atingimos as 600 mil em 12 de Abril. Estamos portanto com um média de visitas diárias de 1250/1300, em números redondos... E mais de 250 camaradas e amigos da Guiné inscritos na Nossa Tabanca Grande.

Uma maneira de comemorar este pequeno feito, é: (i) continuar a alimentar o nosso blogue, com textos e fotografias inéditas; (ii) começarmos a defender, contra a pirataria, os nossos direitos de autor, através do registo e protecção do nosso blogue e dos nossos produtos na Inspecção-Geral das Actividades Culturais e na Sociedade Portuguesa de Autores (mas isso custa dinheiro...); (iii) reunirmo-nos um dia destes, para conviver, beber um copo, ouvir boa música (...)

12 de Abril de 2008

Amigos e camaradas: Atingimos hoje a cifra interessante das 600 mil páginas visionadas. Estávamos em 400 mil em finais de Outubro de 2007. Isto significa que estamos a ter uma média de visitas diárias de 1300... O que para um blogue, com as características do nosso, é curioso...Temos registados um pouco mais de 230 amigos e camaradas da Guiné, na nossa tertúlia ou Tabanca Grande...

O registo não é obrigatório, como sabem, para se colaborar no blogue... Isto significa que há muito outra malta que nos visita... Ainda bem. Ficamos satisfeitos. Mas também gostaríamos que os amigos e camaradas escrevessem mais, nomeadamente utilizando a facilidade que o blogue nos oferece, que é o de se poder fazer um comentário - mesmo sem estar registado no Google - no final de cada poste ou texto (que traz sempre a data do dia e uma numeração sequencial) (....).
O melhor para aqueles de nós que continuam aqui a aparecer e a escrever, é dar sinal de vida, é acrescentar informação, é deixar um pequeno apontamento, um comentário... Não custa nada, não é preciso mandar email, é só escrever directamente no espaço reservado aos comentários (...).

21 de Dezembro de 2007


Amigos e camaradas: (...) Vamos passar o ano a caminho das 500 mil páginas visitadas, o que dá uma ideia da nossa audiência... Luís

PS - Há camaradas que não dão sinais de vida há muito tempo: seria fastidioso enumerá-los (...).

Guiné 63/74 - P3320: Historiografia da presença portuguesa em África (8): Abdul Indjai, herói e vilão (Beja Santos)

1. Mensagem de Beja Santos, de 15 de Outubro:

Assunto - Abdul Injai, o maior herói-vilão da Guiné Portuguesa

Nenhuma outra figura guineense do período colonial se revelou tão paradoxal, suscitou tanta paixão nas admirações e ódios, sobretudo no chamado período da «pacificação», que se estende até 1936.

Os relatos são muito contraditórios, é patente a falta de objectividade das diferentes fontes de exaltação e detracção. Abdul Injai era um djalôfo (oriundo do Senegal, não da Gâmbia, como às vezes se lê), trabalhou como criado em Bissau e aparece em 1913 ao lado de Teixeira Pinto, na campanha do Oio, onde se distingue pela sua incontestável bravura. Acompanha Teixeira Pinto em novas surtidas, sobretudo em Bissau e arredores, é reconhecido como herói, à semelhança de Mamadu Sissé.

O prémio foi a sua nomeação para régulo do Oio e do Cuor, nesta última região terá tido um comportamento bárbaro, deu provas de saqueador e chefe de bando que praticava roubos abomináveis. Depois, começou a ser contestado no Oio pelas arbitrariedades, desafiou as autoridades de Bolama, o governador mandou uma coluna militar, em 1919, veio preso, foi desterrado primeiro para Cabo Verde, veio a morrer na Madeira.

O seu nome é referido como de combatente destemido que se corrompeu seduzido pelo oiro, por se ter posto à frente de rapinantes. Ele que garantira morrer a combater foi capturado e deixou-se levar como um qualquer preso de delito comum.

Lânsana Soncó, o almani de Missirá, foi a 1ª pessoa que me falou da sua lenda. Prometo estudar melhor tão contraditória e paradoxal figura.
_________

Nota de L.G.:

(1) Vd postes anteriores desta série:

18 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P882: Historiografia da presença portuguesa (1): Infali Soncó e a lenda do Alferes Hermínio (Beja Santos)

7 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P944: Historiografia da presença portuguesa (2): Colaboradores, precisam-se (Nuno Rubim)

14 de Setembro de 2006 >Guiné 63/74 - P1071: Historiografia da presença portuguesa (3): Mandingas soninqués, animistas, islamizados à força (Paulo Santiago / Beja Santos)

19 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1089: Historiografia da presença portuguesa (4): Mitos e realidades (Beja Santos)

20 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1615: Historiografia da presença portuguesa (5): O Capitão Diabo, herói do Oio, João Teixeira Pinto (1876-1917) (A. Teixeira-Pinto)

27 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2586: Historiografia da presença portuguesa (6): O Prof René Pélissier e o Mário Inácio Góis (Virgínio Briote)

11 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3194: Historiografia da presença portuguesa (7): Alf Marques Geraldes, um homem de honra e de carácter (Beja Santos)

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3319: História da CCAÇ 2679 (4): 5.º dia, o meu baptismo de fogo (José Manuel Dinis)


1. Mensagem do nosso camarada José M. Matos Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71, com data de 9 de Outubro de 2008, com mais um episódio para a História da sua Companhia (*).

Caro Carlos Vinhal,
Segue novo texto para uma parcial história da 2679. Vou anexar noutro mail, algumas fotografias para ilustração que, espero, cheguem em boas condições.
Para o Pessoal da Tabanca Grande vai aquele abraço.
José Dinis


O Meu Baptismo de Fogo (**)

O meu baptismo de fogo, se assim se pode considerar, ocorreu na noite de 2 para 3 de Março de 1970. Naquelas terras guineenses anoitece pelas dezoito horas e, em consequência da intensa actividade operacional, depois do chamado jantar, bebia uns copos e, não havendo proprama alternativo, adormecia relativamente cedo. Adormecido, portanto, quando pelas 23h45 teve início uma flagelação a Piche. O Zé Tito estaria deslocado em emboscada, ou noutra localidade. Acordei surpreendido. Havia alguns dias que estava em Piche, e não sabia como proceder na circunstância. No quarto, afinal, também estava o Águas, um algarvio, furriel do Bart, a quem perguntei o que fazer. Sem compreender o que ele fazia de cú para o ar, metendo a cabeça por baixo das camas, aproveitando uma luz difusa que alumiava, respondeu que me dirigisse para a vala. Eu nem sabia onde fivava a dita vala.

- Segues ao longo dos quartos que no fim encontras uma vala. Mete-te por aí.

Perguntei-lhe porque não vinha, e respondeu que andava à procura dos chinelos. Acrescentou um já vou. Com esta informação decidi esperar por ele, meio aparvalhado por nem sequer saber como proceder, meio por solidariedade.

Lá fomos para a vala, eu atrás. Afinal, ali bem perto, nas traseiras dos quartos, onde esperámos pelo final da acção, relativamente tranquilos, com a música da metralha, principalmente as rajadas das costureirinhas, a habituar os ouvidos aos sons bélicos. Estava algo perplexo: por um lado, estávamos a ser atacados, por outro, apenas nos protegíamos, sem armas nas mãos, à espera do fim da festa. Logo após, fomos alertados para a necessidade de sair, na tentativa de interceptar e atacar o IN. Levámos quase uma hora até iniciarmos a marcha, e pela dificuldade da progressão nocturma, durante quase três horas não detectámos o que fosse e tivémos autorização para regressar.

Também o Marino, que estava no posto de transmissões, sofreu a bom sofrer, dado que se refugiou numa vala próxima, e em redor foi um fartote de rebentamentos. Ele contou que bem se agachava, mas o sucessivo ribombar, fazia-lhe antecipar um final trágico, com uma granada tresmalhada a enfiar-se e e rebentar na vala, destruindo-lhe o rico corpinho. No final, quando ele comentava aquele sofrimento, um velhinho referiu que os estrondos não eram de rebentamentos, mas das saídas de um obus ali colocado.

De entre o pessoal da 2679, apenas tivémos um ferido evecuado, o António Ludgero Rodrigues Cró, a primeira baixa nos Foxtrot.

A propósito deste acontecimento, reza assim a história da Companhia:

A coberto da escuridão, grupos IN estimados num total de 150 elementos, aproximou-se do perímetro defensivo de Piche, pelo lado sul, instalando-se numa faixa de cerca de 500 metros, em linha e a uma distância da ordem dos 200 metros do arame farpado e paralelamente a este. Às 23h45 iniciaram uma flagelação ao aquartelamento e povoação, que durou cerca de 45 minutos, utilizando fogo de um canhão s/recuo, de 4 morteiros 82mm, de morteiro 61 mm, de LGF (RPG2 e RPG7), de metralhadora pesada e de armas ligeiras. O fogo IN visou sobretudo, as instalações militares, mas dada a distância a que se situava a base de fogos (a cerca de 1000 metros), o fogo não teve precisão e a maioria dos tiros cairam na bolanha a Norte do aquartelamento. A reacção das NT, através de 3 dos postos avançados que se situam na frente sul da defesa periférica de Piche, e das armas pesadas do Aquartelamento (canhão s/recuo e 2 morteiros 81 mmm) obrigou o IN a uma retirada precipitada como deixa pressupor a quantidade de material abandonado na base de fogos.
Com efeito apercebendo-se de movimentos suspeitos em frente de um dos postos avançados de defesa, o respectivo Comandante, ordenou que fosse feito um disparo de dilagrama, para o sítio onde os mesmos eram notados. Esta acção marcou o início da flagelação, pois o IN, imediatamente, começou o seu fogo. Então as NT, que ocupavam as trincheiras dos abrigos periféricos do lado Sul, bateram-no com as armas colectivas de que dispunham (Metralhadora ligeira e LGF) armamento ligeiro e dilagramas. A base principal do fogo IN foi ainda batida pelo fogo dos Morteiros 81mm, situados nas suas posições dentro do Aquartelamento o contacto estabelecido entre os postos avançados e o Aquartelamento, por meios telefónicos, permitiu tirar deles o melhor partido. A instalação IN nas ruínas de uma tabanca abandonada e em campo descoberto, permitiu a sua fácil referenciação e tornou-se um alvo fácil para as NT que só não alcançaram um êxito mais completo devido à escassez de de armamento que o BArt dispunha.
As NT conjugaram ainda o fogo com a manobra efectuada por forças desta CCaç, pelo 1.º Pelotão de RecFox e pela CArt 2440 que procuraram não só reforçar os postos avançados como também tentar o envolvimento.
As NT sofreram 8 feridos dos quais apenas 3 evacuados. O IN retirou com feridos e baixas prováveis, como foi possível constactar em Coache, por roupas ensaguentadas, penços e medicamentos usados.


O espírito de grupo

No dia 6 fizémos segurança a trabalhos da Termil na estrada para Buruntuma. Dividimos o Pelotão em três Secções, cada uma sob a responsabilidade do Guerra, do Azevedo e minha. Encostada a viatura à berma, dispus a segurança. Mas fazia muito calor, pelo que, quando chegou a hora de comer, e na suposição de que o IN não atacaria na torreira do sol, chamei o pessoal junto do unimog para ditribuição das rações. Deitei-me sobre o banco corrido. O pessoal descontraía-se, como é costume durante as refeições. Até que o Marcolino referiu que sentia saudades da mulher. A isso respondeu, alarva, o Moniz, nos seguintes termos:

- Eh pá, ela anda lá na Madeira a foder com outros e tu com saudades dela!

Foi uma mola, qualquer coisa que me impulsionou em resultado da frase, saltei-lhe em cima, de pés, ainda lhe dei um ou dois murros, e disse-lhe com indignação, que não faltava mais nada no ambiente da guerra, que um filho da puta para nos chatear.O pessoal estava surpreendido, e eu determinado a evitar repetições do género, ainda acrescentei, severamente, que no futuro não perdoaria parvoíces semelhantes. Exigia respeito entre todos, ou o Foxtrot não seria nada. Queria solidariedade e amizade, em vez de picardias estúpidas e desagradáveis. O pessoal, quedo e mudo, prestava atenção. O dito Moniz era casado, mas gozava com o Marcolino, de quem, dizia-se, teria casado à pressa, antes do embarque, mediante queixa apresentada pela mulher. Naquela época éramos influenciados por preconceitos e falhas de educação, pelo que, até os casamentos podiam hierarquizar-se na nossa consideração e respeito. Este assunto ficou ali tratado e encerrado.

O Mama-Sono

No dia 09MAR70, o Pelotão seguiu para Buruntuma, em reforço temporário desta unidade. Ali estava destacado um PIDE, que condicionava ou, melhor, que acelerava a nossa actividade, em função das informações obtidas pelo agente, falsas ou verdadeiras. Foi assim que no segundo dia da permanência, o capitão informou-me de que movimentos na fronteira, ali perto. Urgia uma acção da nossa parte. Mandou-me reunir o pessoal para, imediatamente, sairmos de viatura até determinado lugar, e daí, patrulharmos a fronteira.
Tudo a correr para caçarmos o IN. Em passo de corrida dei a volta aos abrigos a chamar o pessoal para o efeito, e só depois fui buscar a minha arma. Quando cheguei junto do comando, já ali se encontrava o grosso do Pelotão. Não sei porquê mas eu estaria só com o grupo. Dei ordem para arrancarmos, mas advertiram-me que faltava o Mama-Sono, e o morteirete. Vamos sem o Mama-Sono. Esta alcunha atribuída ao Rodrigues ainda durante a instrução no Funchal, derivava de andar de cara caída, ser pouco conversador, e aparentar calanzisse... Deixámos as granadas do sessenta e abalámos.

No regresso dirigi-me à secretaria, pedi a um sargento uma folha de participação, e escrevinhei a propósito do Rodrigues, pois decidira que não ia admitir baldas. Ao mesmo sargento apresentei a folha e pedi-lhe que avaliasse o eventual castigo. Respondeu-me que o descrito era de grande gravidade, e poderia dar uma prisão de longo prazo, porque a substância estava apimentada.

Chamei o Rodrigues, apresentei-lhe a participação, e referi-lhe a punição a que se sujeitava. Avaliou bem a situação. Naquele tempo, para efeitos profissionais, também se dava importância ao conteúdo das cadernetas militares. Pús-lhe a questão, ou entregava a participação sem alterações, com a s consequências previsíveis, ou rasgava o papel, se se comprometesse a não me causar mais preocupações no seio do Pelotão. Escolheu a segunda opção, modificou o comportamento, sociabilizou-se, tornou-se participativo e bem humorado, voluntarizava-se para tudo, ganhou alegria e respeito.

Intuir a guerra

Regresso a Piche em 23MAR70. Por aqueles dias comecei a diagnosticar o grau de aprendizagem a andar no mato. Já não tirava percutores. Fazia bem carregar e dormir abraçado à canhota. Familiarizávamo-nos com o material. Durante as paragens abordava o assunto e como reagir em caso de sermos emboscados. A maioria, referiu que nesse caso reagiria com rajadas sobre os filhos da puta. Outros, intervinham dizendo que em vez de rajadas, borravam-se todos. Coisas assim, em momentos de convívio e descontração, no mato. Verifiquei as armas: umas estavam em segurança, outras em tiro-a-tiro, as restantes em rajada.
Notava-se a desorganização. Discutimos o assunto. Quem se achava capaz para reagir e como. Logo alertei para a necessidade de respeitar o IN, sem o sub-valorizar, para a necessária lucidez, economia e espírito de grupo. Se a reacção fosse descontrolada, aos tiros para o ar, ou rajadas em todas as direcções, na tentativa de espantar o IN, não só não seríamos eficazes, como provocaríamos mais perturbação entre nós, e ficaríamos sob controle do IN, com efeitos indesejáveis no resultado final. Se a vida era coisa séria, saber defendê-la exigia critério. Logo ali ficou determinado que em qualquer circunstância as armas só dariam tiro-a-tiro. Para uma reacção concertada, sem perturbações, havia a necessidade de identificar a posição do IN, e de a comunicar quando fosse necessário, e só atirar pela certa, tiro de pontaria, quando tivéssemos o IN na mira da arma. Acrescentei que por cada tiro dado, queria um turra.
Também a movimentação teria que ser coordenada e, para isso, era necessário prestar atenção às instruções do alferes e dos furriéis. Que era muito importante manter ligação entre todos, comunicar qualquer acontecimento importante, como posições relativas, ferimentos, o que fosse importante. E que a asserção de que mais vale um cobarde vivo que um herói morto, não tinha aplicação naquelas circunstâncias.

Alguns elementos do 2.º Pelotão - Foxtrot, de pé, da esquerda para a direita: Dinis, Abreu, Teresa e França. Em baixo: Lamarão (condutor), Rodrigues, Martins e Virgilio Sousa

No dia 27MAR70 seguimos para Canquelifá, onde permanecemos até 03ABR70. Ali desenvolvemos patrulhamentos, viagens às aldeias próximas, como as Dingas, que estavam a ser abandonadas pelos moradores, em virtude da acção do PAIGC sobre as populações locais. Num desses patrulhamentos, com outro pelotão local, ao longo da fronteira com o Senegal, interceptámos dois pastores com o seu gado, que se dirigiam para norte e, apurámos, iam ao encontro do IN. O local do encontro seria uma fonte ali próximo, e tínhamos duas horas de antecedência relativamente ao encontro.
Decidimos ali que uma secção voltaria a Canquelifá com os pastores e o gado, enquanto os restantes deslocar-se-iam para a fonte, onde se montaria emboscada. À partida demos conhecimento via rádio. Surpreendentemente em Canquelifá, onde não havia capitão, estava o Comandante da CAOP de Bafatá que, passados uns momentos, ordenou-nos a retirada para um ponto alto e aí aguardar. OK, mas não havia elevações na região. Algum tempo depois, troaram as saídas e rebentamentos das granadas dos obuses, que atingiram três aldeias fronteiriças no Senegal.
_____________

Notas de CV

(*) Vd. último poste da série de 5 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3271: História da CCAÇ 2679 (3): Início da actividade operacional (José Manuel Dinis)

(**) A coincidência do título deste trabalho nada tem a ver com a série O meu baptismo de fogo. É mesmo pura coincidência.

Guiné 63/74 - P3318: Album fotográfico de Santos Oliveira (1): Tite

1. Damos início à série Álbum fotográfico de Santos Oliveira, ex-2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf do Pel Mort 912, Como, Cufar e Tite, 1964/66, com umas fotos de Tite.


Guiné > Tite > Julho de 1965 > Santos Oliveira passeando na tabanca

Guiné > Tite > Julho de 1965 > Uma DO27 (Dornier) na pista de reabastecimento.

Guiné > Tite > Julho de 1965 > Santos Oliveira no alto do Bagabaga.

Guiné > Tite > Julho de 1965 > Santos Oliveira

Guiné > Tite > Julho de 1965 > Lavadeiras

Guiné > Tite > Agosto/Setembro de 1965 > Caçada

Guiné > Tite > Agosto/Setembro de 1965 > Santos Oliveira no banho

Guiné 63/74 - P3317: Em busca de ... (45): Inácio Semedo Jr, ex-guerrilheiro e quadro do PAIGC, de Bambadinca (Berry Lusher / L. Amado / L. Graça)

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > 3 de Março de 2008 > Passando por Bambadinca, no regresso de uma visita ao sul, ao Cantanhez, no âmbito do Seminário Internacional de Guileje (1 a 7 de Março de 2008) > O antigo campo de futebol, que ficava dentro do perímetro do aquartelamento de Bambadinca, no meu tempo (CCAÇ 12, 1969/71).


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > 3 de Março de 2008 > Passando por Bambadinca, no regresso de uma visita ao sul, ao Cantanhez, no âmbito do Seminário Internacional de Guileje (1 a 7 de Março de 2008) > Dois antigos militares, fulas ou mandingas, naturais de Bambadinca, que terão feito parte de um Pel Caç Nat que, se bem me lembro, terá estado em Quebo, durante a guerra colonial.

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > 3 de Março de 2008 > À saída de Bambadinca, já na estrada para Bissau... Uma das muitas bolanhas da região, hoje abandonadas, servindo agora de campo de pasto para as vacas. O abandono das bolanhas (e, portanto, da cultura do arroz) leva também, provavelmente, ao assoreamento do Geba Estreito, que já não é navegável... Outrora ia-se até Bafatá!

Fotos: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Direitos reservados.



1. Mensagem enviada por Luís Graça ao Doutor Inácio Semedo, com data de ontem:

Caro Doutor Inácio Semedo, meu caro amigo:

Conforme a nossa conversa telefónica de há hora e meia atrás, junto lhe dou conhecimento do pedido feito pelo seu amigo Berry Luscher, em francês, língua que seguramente você domina. De modo qualquer aqui fica um resumo, em tradução livre, da mensagem que me chegou à minha caixa de correio electrónico, no dia 10 de Outubro (*):

Trata-se de um antigo cooperante suíço, francófono (?), que foi delegado do Alto Comissário para os Refugiados nos anos de 1976 a 1978. Nessa altura supervisionou, na Guiné-Bissau, a construção de hospitais (sic) em Sonaco, Farim, São Domingos, Catió e Bubaque, bem como de um certo número de postos sanitários e de casas de habitação para médicos.

Em 1983, a Presidência do Conselho de Ministros, na pessoa do “meu amigo” (sic) Victor Saúde Maria (**), tinha proposto ao governo suíço a abertura de um consulado honorário “sob a minha direcção” (sic). No entanto, na sequência de um "golpe de Estado palaciano" [, o de Nino Vieira, em 1984], o assunto morreu. “Foi pena para o vosso país [ele julga que somos guineenses], já não tive mais oportunidade de vos ajudar através das minhas relações, ao mais alto nível, na Suíça”.

Encontrando-se a preparar uma pequena publicação sobre as suas actividades, no passado, na Guiné-Bissau, o Sr. Berry Lucher gostaria de poder entrar em contacto com representantes do Ministério com quem trabalhava, entre eles Inácio Semedo.

O seu pedido ao nosso blogue é o seguinte: “Ser-vos-ia possível informar-se sobre esta pessoa [, Inácio Semedo,] que, na época, era o meu contacto com as autoridades governamentais ? No caso de ainda estar vivo, gostaria muito de renovar e revitalizar laços que me são caros”.

O Sr. Berry Luscher descobriu, por acaso, o nosso blogue onde encontrou referência a Inácio Semedo e outros históricos do PAIGC (***). Daí a razão por que se dirigiu a nós, pedindo ajuda.


2. Pedi ajuda ao meu amigo e membro do nosso blogue, o Doutor Leopoldo Amado, historiador, luso-guineense, profundo conhecer do PAIGC e da luta de libertação, que me mandou a seguinte informação, por e-mail, relativamente a este assunto:

Caro Luís Graça,

Inácio Semedo Jr. foi dos grandes diplomatas guineenses e está presentemente na situação de reforma. Como embaixador, representou a Guiné-Bissau em muitos países, entre os quais Portugal e Suécia.

Ignoro se terá trabalhado antes na área da saúde em Bissau, mas é certo que é filho de Inácio Semedo, um histórico do PAIGC e contemporâneo de Amílcar e das lides da luta clandestina ainda antes do início da guerra.

Inácio Semedo Jr. é pois meu amigo e encontra-se em Lisboa. Eis as suas coordenadas [...].


Abraço. Leopoldo Amado



3. Mensagem que mandei, a seguir ao meu contacto telefónico, a Inácio Semedo:

Caro Inácio: Fiquei feliz por o encontrar e por saber que foi um antigo e valoroso Combatente da Liberdade da Pátria. E, para mais, com ligações a Bambadinca, terra onde passei bons e maus momentos, entre Julho de 1969 e Março de 1971, e que revisitei em Março de 2008, na sequência da minha participação, como conferencista, no Simpósio Internacional de Guileje (Bissau, 1 a 7 de Março de 2008).

Espero poder conhecê-lo pessoalmente e dar-lhe conta do apreço e amizade que eu tenho pela Guiné e pelos guineenses, alguns dos quais têm sido meus alunos, nos últimos anos... Falar-lhe-ei também do blogue que criei e mantenho, Luís Graça & Camaradas da Guiné... Como combinado, procurarei contactá-lo a partir de finais de Novembro (****).

Entretanto, sinto-me autorizado por si a fornecer os seus elementos de contactos ao Sr. Berry Lusher, arquitecto, antigo cooperante suíço na Guiné-Bissau, e que quer retomar velhas relações de amizade consigo (*****).

Votos de sucesso para si e para os seus projectos.

Luís Graça


___________

Notas de L.G.:

(*) E-mail do Sr. Berry Lusher:

Subject - Adresse d'Inacio Semedo

Porrentruy, le 10 octobre 2008

Bonsoir Monsieur,

Je suis un coopérant suisse anciennement délégué auprès du Haut Commissaire au Réfugiés (HCR) pendant les année 76 à 78. A cette occasion j'ai supervisé la construction des hôpitaux de Sonaco, Farim, St. Domingos, Catio,et Bubaque, ainsi qu'un certain nombre de postes sanitaires et des maisons d'habitation pour les médecins.

En 1983, la Presidência do Conselho de Ministros, sous la signature de mon ami Victor Saûde Maria, avait proposé au gouvernement suisse l'ouverture d'un consulat honoraire sous ma direction; une révolution de palais avait opéré un changement à la tête de l'état et les nouveaux dirigeants n'ont point donné suite à cette question de consulat . Dommage pour votre pays que je n'avais ainsi plus l'occasion d'aider par mes relations au plus haut niveau suisse.

Aujourd'hui, je prépare une petite publication sur mes actiivités guinéennes et je cherche à entrer en contact avec certaines relations locales, entre autres Inacio Semedo.

Vous serait-il possible de me renseigner sur ce personnage qui à l'époque était mon contact avec les autorités gouvernementales, s'il est encore du monde des vivants j'aimerais beaucoup renouer et revitaliser des liens qui me sont chers.

C'est en découvrant par hasard votre blog et en relisant le nom de toutes ces personnes que j'ai fréquenté dans votre cher pays que je me permets de solliciter votre aide pour donner suite à ma requête qui doit bien vous surprendre.

Bien à vous Berry Luscher


(**) Victor Saúde Maria (1939-1999), militante, fundador e dirigente do PAIGC. Foi o primeiro Ministro dos Negócios Estrangeiros da jovem república da Guiné-Bissau (1974-1982), sob a presidência de Luís Cabral. Foi também 1º Ministro, depois do golpe de Estado de João 'Nino' Vieira, num período relativamente curto, de 14 de Maio de 1982 a 10 de Março de 1984. Esteve então preso por alegada conspiração contra o vencedor do golpe de Estado de 1980. Exilou-se entretanto em Portugal. Regressou à pátria já na década de 1990, tendo fundado em 1992 o Partido Unido Social Democrata (PUSD). Ainda concorreu às eleições presidenciais em 1994. Morreu, aparentemente de doença, em 25 de Outubro de 1999.


(***) Na verdade, as referências que temos, no nosso blogue, é a Inácio Semedo, pai... Vd. poste de 12 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXV: Antologia (24): Elisée Turpin, co-fundador do PAIGC (Élisée Turpin)

(...) "Para além das células, estabeleceram-se pontos focais, ou seja, elos de ligação no interior do País. Por exemplo, o elo de ligação em Farim era o Dionísio Dias Monteiro; em Bolama era Carlos Domingos Gomes (Cadogo Pai); em Catió era Manuel da Silva.

"Lembro-me de algumas pessoas que se movimentavam na altura como activistas políticos e muitos deles envolvidos na criação do Partido: Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Rafael Barbosa, Luís Cabral, Abílio Duarte, Fernando Fortes, João Rosa, Inácio Semedo, Victor Robalo, Júlio Almeida, João Vaz, Domingos Cristovão Gomes Lopes. [Negritos nossos].

"Contudo, no dia 19 de Setembro de 1956, na fundação (criação formal do Partido, denominado PAI - Partido Africano da Independência), compareceram apenas 6 pessoas: Amilcar Cabral, Aristides Pereira, Luís Cabral, Fernando Fortes, Júlio Almeida, Elisée Turpin" (...).


Vd. também poste de poste de 14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXVIII: Memórias de Turpin e da Bissau do seu tempo (Mário Dias)

Sobre as pessoas referidas pelo Elisée Turpin, o nosso camarada Mário Dias (que foi para a Guiné, ainda adolescente no início dos anos 50), diz o seguinte:

(...) recordo-me perfeitamente de:

- Benjamim Correia, que tinha uma loja de bicicletas e acessórios e era um conceituado comerciante muito estimado e considerado entre a população da Guiné, 'colonos' incluídos;

- Rafael Barbosa, que era funcionário das Obras Públicas e tinha uma pequena deficiência numa perna que o obrigava a mancar;

- Quanto ao Inácio Semedo, o único Semedo de que me recordo era o guarda-redes do Sporting de Bissau, alcunhado de 'Swift'; talvez não seja o mesmo(Negritos nossos]

- Luís Cabral, irmão do Amílcar, trabalhava na Casa Gouveia.

Porém, aqueles de quem melhor me lembro - por com eles ter lidado mais de perto - são:

- Fernando Fortes, que era funcionário dos Correios em Bissau: tinha um irmão (Alfredo, salvo erro) que nos meus tempos de Farim (1953/55) era o Delegado Aduaneiro naquela localidade;

- João Rosa foi meu colega de trabalho na NOSOCO. Era o guarda-livros. Fui muitas vezes a casa dele no Chão Papel. Era muito meu amigo e fui visitá-lo ao hospital quando ali foi internado, já sob prisão da PIDE;

- João Vaz era o alfaiate dos serviços militares. A oficina era na Amura e era ele que fazia o fardamento para os recrutas e demais militares. Ainda tenho comigo um camuflado que ele me fez sob medida. (...).



(*****) Inácio Semedo Júnior: 65 anos, natural de Bambadinca, filho de Inácio Semedo. A família tinha propriedades na região, segundo ele mesmo me disse ao telefone. Nomeadamente o pai tinha uma destilaria de aguardente de cana. Costumava comprar arroz aos Brandão, de Catió, para alimentar os seus trabalhadores balantas (possivelmente de Nhabijões, Mero, Santa Helena...). Trocava aguardente por arroz. O arroz do sul, do celeiro da Guiné, era o melhor. A Guiné era pequena e todo o mundo se conhecia. A família Brandão, de Catió, também deu pelo menos um militante do PAIGC, que ele, Inácio, irá conhecer na luta de guerrilha, no sul. Em Bambadinca também havia uma família Brandão (com quem os Semedo seriam aparentados, se bem percebi...).

O pai, Semedo, agricultor, proprietário, foi um nacionalista, que andou a conspirar com o Amílcar Cabral e outros históricos do PAIGC, e que como tal foi preso e torturado pela PIDE e condenado a 2 anos de prisão. O filho, Inácio Semedo, está a ver se ainda hoje recupera parte do património da família em Bambadinca... (Não consigo localizar essa ponta, propriedade dos Semedo: vi uma referência a uma casa em Gã Beafada, não tenho a certeza onde seja...).

Aos 16/17 anos veio estudar para Portugal, onde fez o liceu. Deve ter aderido ao PAIGC nessa época e/ou saído de Portugal nessa época. (Segundo o Leopoldo Amado, o Amílcar Cabral foi padrinho de casamento do pai, numa cerimónia que se realizou em Bambadinca).

Em 1964 vamos encontrá-lo na guerrilha, no sul (Quitafine ?), sob as ordens do comandante Saturnino. Nunca andou na sua terra natal, a orientação do PAIGC era pôr os guerrilheiros em regiões diferentes daquelas onde tinham nascido e vivido.

Mais tarde (não percebi quando, exactamente) o jovem Inácio foi para a Hungria, onde tirou o curso de engenharia e fez o doutoramento em Ciências. A seguir à Independência trabalha no Ministério das Obras Públicas, cujo titular da pasta era o Arquitecto Alberto Lima Gomes, mais conhecido por Tino, e que viria a morrer, mais tarde, num acidente de caça, actividade de lazer de que era um apaixonado. É nesta época que o Inácio conhece o arquitecto suiço Berry Lusher, de quem se torna amigo. Uma das suaS funções era então receber, encaminhar, apoiar, acompanhar e tutelar centenas de cooperantes, estrangeiros, incluindo portugueses.

Vive hoje em Portugal, retirado da vida pública do seu país. Tem um filho bancário. Confessa que não conhece o nosso blogue, por não estar muito familiarizado com a Internet. Tem endereço de e-mail mas é o filho que o ajuda a gerir a caixa de correio.

Continua ligado ao seu partido de sempre, o PAIGC. Neste momento está a mobilizar e angariar apoios e contactos, tendo em vista as eleições do próximo mês de Novembro.
Prometemo-nos voltar a contactar lá para o final desse mês, quando haverá maior disponibilidade, de parte a parte. Para falarmos da nossa Bambadinca ("hoje tão decadente, tão triste, tão morta"...), do nosso Geba Estreito ("onde já não circulam os barcos que lhe deram vida, cor e movimento"...), enfim, da nossa Guiné (onde o Inácio Semedo continua a ir regularmente, a última vez em Junho passado...).

(*****) E-mail de resposta de L.G., enviado ontem ao Sr. Berry Lusher:

Monsieur Luscher:

(i) J'ai de bonnes nouvelles pour vous! Votre ami Inacio Semedo Jr est vivant, il est retiré de la vie diplomatique (aprés avoir representé son pays au Portugal et en Suède), et il demeure à Lisbonne. Nous avons un ami en commum, l'historien Leopoldo Amado. J'ai eu le plaisir de parler avec Mr. Semedo au téléphone. Je suis autorisé par lui a vous donner les contacts suivants [..]

(ii) Je ne suis pas guinéen. Je suis portugais, an ancient combattant pendant la guerre coloniale en Guinée (1963/74). Je suis le webmaster du blog Luis Graca et Camarades de la Guinée, le plus grand blog, en langue portugaise, sur l'expérience de la guerre coloniale / lutte de libération en Afrique... C'est un espace de partage, de connaissance, de recherche, d'échange, de solidarité, d'amitié et de camaraderie. Nous avons dix règles d'étique, incluant le respect pour la vérité et pour l'enemie du passé. Des portugais et des guinéens, on partage des histoires, récits, images, documents, etc.

Sur mois, je suis sociologue de la santé et du travail, à l' École Nationale de Santé Publique, Nouvelle Université de Lisbonne.

Bonne santé et bon travail à vous!

Luis Graca (...)