domingo, 12 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3298: O ataque a Tite, em 23 de Janeiro de 1963 (Parte II) (Carlos Silva / Gabriel Moura)

1. Continuação do trabalho do nosso camarada Carlos Silva, ex-Fur Mil At Armas Pesadas da CCAÇ 2548, Jumbembem, 1969/71, baseado numa brochura do seu amigo e camarada Gabriel Moura, publicado no seu SITE http:/www.carlosilva-guine.com/(1)


Ataque ao Aquartelamento de TITE

6 - Ataque a Tite e período de guerra até o nosso embarque de regresso à Metrópole

6.1 - Descrição do ataque a Tite 23-01-1963


Quando eu vi os dois primeiros pretos a surgir, lá em baixo, vindos do mato, correndo em direcção ao cavalo de frisa, logo seguidos de muitos mais, só tive tempo de dar um "grito" em crioulo: "Jubi onde bó vai "?!...[tu onde vais]

No mesmo instante, atirei-me para o chão, quando do mato foram disparadas rajadas de metralhadora, na minha direcção, fazendo ricochete em vários pontos do caminho, levantando poeira, sem que nenhuma das balas das rajadas das metralhadoras me acertasse, [talvez, porque o ângulo do meu corpo, no chão, não fosse fácil para os atiradores e fizesse que os seus disparos errassem o alvo].

Nestes curtíssimos instantes, ainda acrescentei: "bó pára... gósse "! [pára já]. Este grito para os atacantes foi, juntamente com as rajadas que comecei a disparar contra eles, a " força que os paralisou "...].

Apertei, efectivamente o gatilho da metralhadora G3 e comecei a disparar, em direcção a uma pequena multidão de pretos que começou a rastejar para entrar no aquartelamento. Outros, os da frente, os que mais se aproximaram do cavalo de frisa, ainda conseguiram movê-lo e entrar no aquartelamento, indo pela parada, numa grande confusão, pelo medo que as rajadas da minha metralhadora estava a causar juntamente com as deles para mim.

Efectivamente a chama lançada, pela saída dos projectéis e a pouca experiência [dos atacantes e se calhar também, da minha] fez com que uma parte, se mantivesse no chão a rastejar, voltando para trás, mas outros avançavam para ultrapassar os arames farpados do aquartelamento e entrarem!...

De qualquer modo, eu também não conseguia fazer pontaria e os alvos eram difíceis, não sabendo quantos já tinha abatido, ou sequer ferido?...

Nestes minutos de início, todas as reacções do interior do aquartelamento, perante os atacantes que conseguiram entrar no aquartelamento foi lento e há medida que cada um dos militares ia acordando e saltava da " tarimba " [cama], em cuecas, para ver o que se passava.

Uns pensavam que era mais um dos casos " banais " da tentativa de fuga de um preto da "cerca " [prisão do aquartelamento] e que o militar de guarda à prisão o tinha abatido ou disparado para o intimidar a não fugir. Estas situações faziam com que, sempre que se ouvissem tiros ou até rajadas, já ninguém se punha a pé para ver e normalmente, a exclamação era: "Filho da p... que me acordaste" - " mais um que não faz mal a ninguém..." ou expressões próximas, conforme a interpretação e o aborrecimento de cada.

Por estas e outras razões, a maior parte dos militares, quer soldados ou mais graduados, todos em geral [chateados com este baralho], lá vieram cá para fora das "casernas" ver o que se passava. Salvo os colegas da "casa da guarda", talvez imbuídos pelo "subconsciente" do dever a cumprir, pois estavam de serviço e guarda, tendo as metralhadoras à mão, o instinto os impeliu para lançar mão da arma e, com ela, vir cá para fora, mais rapidamente se apercebendo do que se passava.

O Zeferino foi, pode dizer-se, o primeiro a entender e a começar a disparar, após quase 15 minutos de eu ter sofrido as primeiras rajadas de metralhadoras e porque eu me fartei de gritar a dizer que era um ataque. Ele que era considerado enrrascadinho, como "o Francisco sarapulho" [fartava-se de o amolar com estas e outras coisas da confiança de vizinho e amigo de Rio Tinto], lá começou, também, a descarregar os carregadores em direcção aos pretos que corriam de um lado para o outro, com as catanas e outros instrumentos mais ou menos manuais, pois as metralhadoras, as espingardas e as pistolas eram utilizadas pelos elementos do ataque, mais responsáveis, que estavam na retaguarda para " proteger os incumbidos do ataque e entrada no aquartelamento ".

A cada minuto que se passava, a confusão era maior. Os nossos camaradas naquela grande confusão, de uns a sair pelos estreitos corredores entre as camas, umas por cima das outras, que só cabia uma pessoa, se o de cima descia sem reparar no de baixo, caía em cima dele, ainda mais com as luzes apagadas, lá conseguiam ir buscar as armas às casernas [descarregadas, por vezes, por ordem "superior", sem algumas peças para evitar o roubo ou apropriação do "inimigo" e a sua utilização]. Deu, como era de esperar, uma grande "barraca"; pondo, os militares uns contra outros, com as casernas às escuras, uns com armas junto das camas ou nos armeiros"atrás do cu à mão esquerda", como se costuma dizer; o nervosismo aos montes, medo "até dar com o pau", a falta de experiência e alguns dos colegas a berrar feridos com estilhaços de granadas e furos de balas, ilustrava bem o cenário que se instalou. Aliava-se a isto tudo, o estrondo das granadas do inimigo e das minhas [apenas duas, pois só nos autorizavam a andar com duas granadas em serviço] da metralhadora que disparou até ficar sem munições, dos berros e gritos dos terroristas, [feridos e mortos] marcando aquele cenário dantesco em noite escura, acentuado ainda pela iluminação dos holofotes do aquartelamento, a que milhões e milhões de insectos e morcegos que giravam em voltas e reviravoltas, davam uma cor prateada escura, no efeito do corte brilhante das suas cores, nos focos das luzes, do susto causado pelos intrusos ao seu habitual bailado de um ritual, quase sempre mortal!...

Eu já não tinha mais munições, já tinha descarregado os dois cartuchos que era obrigado a ser portador, só me restando a G3 [vazia] e o punhal à cinta para me defender!!

Mas, o mal não era só o que vinha do mato!! O perigo passava a ser, talvez, mais o que vinha de dentro do aquartelamento, do que de fora, pois todos os militares que a pouco e pouco iam começando a reagir de metralhadoras, pistolas ou outras armas de fogo, logo que vissem vultos escuros ou não, no escuro, " todos os gatos são pardos ", atiravam para matar.

Como tinha rastejado pelo chão em direcção do arame farpado do aquartelamento, com a sombra das árvores que bordejavam a rua onde eu estava e a caserna da casa da guarda, "protegendo-me " um pouco do alvo dos atacantes que já não distinguiam também o meu corpo que já não estava a ser batido pela luz directa dos holofotes do aquartelamento, " rastejava como um sapo " na poeira da rua...

Com toda aquela confusão e indisciplina de defesa, os meus maiores inimigos passaram a ser os meus colegas que de uma forma ou de outra, viam que um vulto rastejava no caminho em direcção ao aquartelamento e, como na maior parte deles, os olhos ainda se " mantinham fechados " toca a mandar rajadas para lá.

Era uma diabólica situação, com os projécteis a bater junto de mim, não tinha outra alternativa se não, como se diz " meter o focinho pelo chão abaixo " para que nenhum me acertasse.

A minha preocupação era sair dali. Por um lado, fugir a que um atacante me "esquartejasse em picadinho " com a catana ou me cravasse de balas e, por outro lado, fugir pelo medo e a certeza de ser morto pelos meus colegas que cada vez iam" afinando mais a pontaria " [abrindo as pestaninhas do sono que não os largava, mesmo com aquela confusão toda...que o digam os meus camaradas...se tiverem coragem para isso, pois o tempo vai criando muitas e novas formas... de ver e rever o passado]. Felizmente, para mim, que eles, continuavam a tremer como "varas verdes" e os tiros saíam para a direcção que calhava. Por sorte, nenhum me acertou!

Como se diz, foi um " milagre extraordinário ", não havia qualquer dúvida!

Como sair dali?!.

Se me levantava, para correr para dentro do aquartelamento, de onde eu me encontrava até à "porta de armas " eram 30 metros, e, mais uns 10 metros até me conseguir colocar atrás das casernas, seria imediatamente morto. Para os meus camaradas que se iam inteirando do que de facto se tratava de um ataque terrorista, eu, no escuro, " era um preto " que eles matariam com todo o prazer, logo que eu tentasse entrar, pois ninguém estava em condições de avaliar, nem ver fosse o que fosse!

Os terroristas, esses iriam pagar-se da factura pelo mal que lhes fizera [involuntariamente] diga-se: moral, militar e tudo o resto.

Evitei que eles entrassem no aquartelamento e tomassem conta de todo o armamento, libertassem os prisioneiros da prisão, matassem todos os militares que se lhes opusessem e, com todos equipamentos, carros, armas, etc, marchassem para tomar conta do aquartelamento mais próximo: Fulacunda e depois Buba, [ainda na mesma noite] e, certamente, toda a Guiné, na medida em que o sector sul ficaria sob o seu controlo. O norte, não poderia lutar à força bélica de surpresa de ataques dos nacionalistas do PAIGC que, provavelmente, tomariam conta de Bissau, obrigando a abdicar o Quartel-General Português em Bissau [seriam todas estas e outras as intenções dos nacionalistas]?

Fui rastejando, de bocadinho em bocadinho, até me aproximar do arame farpado, com a metralhadora [como já disse, sem qualquer munição, pois as tinha gasto para evitar que os atacantes entrassem no aquartelamento].

Aproveitando a G3, meti-a por debaixo do arame farpado, nas primeiras fieiras de baixo e empurrando, consegui um pequeno espaço que me permitiu rastejar por debaixo, embora tendo ficado muito picado pelos arames farpados, consegui passar para o lado de dentro do aquartelamento.

Esta tentativa é que provocou o bom e o bonito, por parte dos meus colegas, onde alguns já se tinham apercebido dos meus gritos e berros na tentativa de " furar " pelo arame farpado para dentro do aquartelamento, principalmente, os meus camaradas de serviço daquela noite, que se começaram a aperceber que um de nós ainda estava lá fora. Como eu gritava, eles começaram a parar o fogo, embora alguns "chicos espertos ", principalmente graduados, na sua maior parte, desarmados a ver o espectáculo "felizmente, para mim" que eles gritavam: Olha ali, mais um terrorista a entrar, "fodei-o com um tiro nos cornos", etc, etc, enquanto alguns colegas lá com a sua arma pessoal ou a metralhadora, atiravam para ver se eu era ou não um terrorista?!..

Também aqui, a minha sorte ou o destino, ou a protecção divina, estava pelo meu lado, pois alguns deles nem dar um tiro sabiam e, se sabiam, tinham uma pontaria que " qualquer mosquito " era bem capaz de morrer assustado com a estalidos dos tiros.

O mesmo se podia considerar dos meus colegas, uns ainda deitados, [bem metidos pelo meio do capim ... masturbando-se, num sonho lindo, agarrados às tetas de uma bajuda ...] outros de pé, com o olho esquerdo a espreitar pela fenda da janela das casernas, mal conseguindo pôr as suas " metralhadoras " em funcionamento, na sua maior parte, nem sabiam bem como é que aquela coisa acertava de dia, como é que eles acertavam de noite e com aquela confusão toda?

Mas as balas andavam pelo chão e por todos os lados, pois estamos a falar de cento e tal militares, ainda que, para minha sorte, só uma percentagem pequena, é que estava a fazer fogo com as armas, já que, às escuras, poucos conseguiam ir às casernas buscar as armas e pô-las prontas a fazer fogo.

Parece caricato, mas não é!?.

O Comandante Pina aparece na parada, em vez de cuecas, em trusses, a perguntar: quem tinha deixado fugir os pretos?!. E, como ele pensava que eles, faziam tudo que ele mandasse, começou por os chamar: " bó bem cá!,... gósse, gósse!,..." - " Tua anda cá, depressa..." entre outras expressões e, para dar um ar de mais autoridade, até acendeu o cachimbo " de tabaco à preto ".

O Tenente Amilcar, que nós apelidamos de "tenente brinca", bem escondidinho atrás de um bidão vazio [ou melhor cheio de terra a fazer de floreira] perguntava: o que é que os pretos andavam a fazer até aquela hora?!..

Foram tantas e tantas as peripécias que cada um irá relatar a seu tempo...

O que refere o Armando Silva, no seu caderno Diário 1961/62/63

Noite de 22 para 23 - Estava de guarda no 2º turno, tinha-me deitado e despertei pelo detonar de granadas e pelas consecutivas rajadas que nos alvejavam. No silêncio que envolve a noite, alguém se aproxima do nosso aquartelamento, no intuito de nos chacinar e apoderar das armas para continuar os actos terroristas que abundam nas nossas Áfricas. Talvez, pela facilidade que apresentava a nossa guarnição, os ambiciosos se meteram a tal acto. Realmente era diminuta a força de segurança, composta apenas por três elementos atrás de uma " concertina " de arame farpado para a boa guarda de um Batalhão. [aqui, o Armando, está errado, pois guarda da frente do aquartelamento - um dos três elementos - era obrigado a fazer vigia fora do arame farpado do aquartelamento - concertina - conforme eu já referi.] Mesmo assim, com a vantagem surpresa, sabendo de antemão os nossos usos e costumes, com força quase igual à nossa, foram derrotados. Às duas horas menos um quarto, [1h e 45m] elementos terroristas protegidos pelas sombras, aproximaram-se. A sentinela ao notar estes movimentos, faz fogo provocando o alarme. Chovem em cima dele as rajadas inimigas que por milagre não o atingiram..."

O espectáculo tinha a montagem de várias cenas: aquela que era protagonizada pelos nacionalistas do PAIGC, partido que comandava o ataque armado ao aquartelamento de Tite; os militares portugueses, na sua representação de defesa dos altos valores da Pátria em terras de Ultramar e todo o reino animal, vegetal e mineral que " ria às gargalhadas com esta cow-boyada " montada por mãos de artista sublime e capaz de dotar estas cenas dantescas/grotescas com um dramatismo real, vivido intensamente por autores chamados ao palco, sem sequer saberem o seu verdadeiro papel a desempenhar, salvo, como de costume, alguns poucos artistas convidados, [patentes] "encenadores", "coreógrafos", etc, pois os seus autores, estavam bem longe e bem confiantes na sublime representação desta "paródia ".

Mas, como qualquer outra paródia ou comédia, o seu fim pode ser trágico/cómico. O que não deixa de ser dramático é o sangue derramado que, para os "espectadores " pode ser a fingir, mas para os artistas que tiveram o azar de serem feridos ou mortos com estilhaços de granada e de balas é bem real. Será que comparável ao sofrimento do menino bom, que se espatifou com a mota em alta velocidade, numa demonstração da sua "habilidade" ou, da madame, que no seu leito de veludo sofre com as dores da pedra na bexiga, ou" outras dores ", ou da matrona que chora lágrimas de sangue [ou de crocodilo] ao ver o seu "lulu" que, por vezes, não passa de um rafeiro tosquiado pelo "costureiro de alta roda", atropelado e com as tripas de fora, estendido em frente à moradia ou chalé e tantas e tantas outras cenas de grande "sofrimento e dor" ?!

E nós? O Daniel "sacristão" que ficou ferido na perna, o Raimundo e todos os outros, podem dizer qual o sofrimento, causado por aquele momento vivido sob o medo e a confusão da uma situação nunca por eles vivida, no meio do desespero, abandonados à sua sorte e da família, como bichos, no meio do mato, qual jardim zoológico humano, implantado por um sistema que teimava em manter este espectáculo de triste encenação...

E o Chamusca que teve o maior azar ao ser atingido e morto no tiroteio?

E os atacantes que ficaram feridos e mortos? Com os pés esfacelados, com os braços decepados, com a "barriga" perfurada, esventrados no corpo e nos seus direitos de viverem e serem livres.

E o movimento feminino onde estava para minimizar a dor e o sofrimento dos "seus afilhados", "protegidos" e jovens militares?

O que foi feito dos discursos inflamados de políticos com os punhos bem cerrados para mostrarem a sua força de apoio e incentivo na luta patriótica de defesa, contra os terroristas, dos sagrados direitos?

Onde estavam? [estava lá o Padre Rego, que, lá conseguiu vestir os calções de caqui até ao joelho e vir dar a sua opinião de desagrado por aquele" disparate de um ataque terrorista àquela hora!", os bispos, padres, "sacristãos" [estava lá um e coitado, levou com os estilhaços de uma granada na perna e na barriga - o Daniel] e todos os religiosos, que, lá longe, bem longe, com missas, "avé marias", "padre nossos" e muita "comunhão", apoiavam os nossos bravos mancebos no cumprimento do seu dever patriótico e, podiam até "partir desta para melhor" que já estavam encomendadas as suas almas para entrarem, directamente, no paraíso, sem terem aquela chatice toda de " prestar contas " que é de facto a pior coisa que podiam inventar: prestação de contas!?

Quem não tem medo, das burrices e maldades deste mundo ?!

Em todas as guerras, lá apareciam os capelães para dar apoio moral cristão e sufragar os últimos momentos de sofrimento dos militares do desapego da vida para a morte, salvando-os nesses momentos, pelo perdão e arrependimento, de caírem na fogueira do inferno [logo por azar, coitado do Veríssimo Godinho, [1] da Chamusca, que não teve tempo de se salvar, se calhar, pois ele nem era mau moço, era ribatejano, gordo, bonacheirão, comilão, amigo do amigo ...]

Mas como se diz: "estávamos no sítio errado e na hora errada", que culpa tinham esses outros?

Bem vistas as coisas, eles até acharam que se estivessem no nosso lugar tudo teria sido diferente. O que com uma "vassourada" no lombo daquela "pretalhada" e um par de bofetadas, eles nem saberiam "de que terra eram"! Vejam o caso da Padeira de Aljubarrota, só ela com uma pá deu cabo de 20 Castelhanos, o da Maria da Fonte, e de tantas outras mulheres de" pêlo na venta " que puxaram do seu tamanco, sapato, ou até chinelo e cascavam com ele naqueles toutiços, meios rapados, de riscas na carapinha, que eles até ficavam vesgos!?

Mas, que diabo! Não podiam ser mulheres, os militares eram homens de "barba rija" [haviam algumas mulheres, dos militares casados, que as tinham levado com eles, mas apenas serviam na sua missão matrimonial].

Mas nós lá, só éramos homens com barba ou de cara rapada que, diga-se de passagem pouco faltou para dar de "mão beijada" o aquartelamento aos "terroristas"...!!!

Que pouca-vergonha diziam os senhores de Bissau e até outros militares noutros aquartelamentos pelo mato fora!..

Que pena não ser connosco, diziam muitos e até se ofereciam voluntários para "fazer e desfazer" aquela pouca-vergonha!

Foi de facto uma página negra da nossa história! Por vezes dou comigo a pensar: esta página, de tanto negra que foi, por isso arrancaram-na da " história " dos nossos grandes e gloriosos Lusitanos. Podem verificar que no Arquivo Histórico Militar, a referência a este episódio, passa quase ao lado, estão a perceber o trocadilho?!

[1]- Veríssimo Godinho Ramos, natural do lugar e freguesia de Vale de Cavalos, concelho da Chamusca.
Primeiro morto em combate na Guiné e o primeiro que consta na relação do livro:
In, Estado Maior do Exército - Comissão para o Estudo das Campanhas de Áfica [1961-1974 ]
Resenha Histórico-Miltar das Campanhas de África [1961-1974]
8º Volume - Mortos em Campanha, Tomo II, Guiné - Livro 1, 1ª edição, Lisboa 2001, pág. 23

Mas aconteceu comigo, que aliás seria o primeiro militar a ser morto no primeiro ataque à Guiné, pelas forças nacionalistas... Só que o azar deles, a sorte minha e de todos os militares portugueses ou a sorte deles, em não conseguirem os seus intentos, e o azar nosso, veio ditar os acontecimentos que foram reais e cujas consequências não podem ser esquecidas. Como tudo o que a seguir se veio a passar até à nossa saída da Guiné, no regresso à Metrópole, a nossa chegada e as dificuldades extraordinariamente más da vida que, em geral, viemos a ter de enfrentar - choque familiar, trabalho, desinteresse em estruturas políticas, militares, sociais e outras mais, tudo isto um o paradoxo.

Se calhar, o Veríssimo Chamusca foi "chamuscado", não pelas balas dos terroristas, mas pelas rajadas das metralhadoras dos nossos "exímios" atiradores ensonados que carregavam no gatilho, julgando que carregavam nas "tetas de uma bajuda" atirando para tudo o que viam e não viam [esta opinião foi a mais generalizada por nós, pois existiu autópsia, penso eu, portanto foram identificados os projecteis que mataram o nosso amigo Veríssimo!]

Coitado do nosso camarada, lá regressou de "pés juntos" para o seu torrão natal mais cedo do que nós. Pelo menos foi feliz nisto, não teve mais que aguentar todo aquele inferno que se veio a passar, onde as "queimadas" do capim pelos pretos apenas nos chamuscavam o corpo, porque a "alma" e os pensamentos, esses eram queimados por "ferros em brasa", nos procedimentos, atitudes e comportamentos do homem para com o homem!

Muitas feridas não se viam, mas elas eram, por vezes, as que causavam mais dor e nos dominavam, levando, por vezes, a princípios de “coma psicológica e moral ".

É evidente que esta situação, apenas é, por nós os militares, comentada e sabida, pois as estruturas e os responsáveis fizeram vista grossa de tudo. Para esses, não passava de uma situação normal, vista dos seus quartéis-generais, entre leituras e comentários estratégicos e de objectivos de trabalho. Aquele acto não passava de um "acto isolado" que as tropas, na sua grande Mise-en-Scène técnica e táctica iriam resolver "com duas penadas" [tudo isto, e muito mais, alvo de chacota e de risos sádicos, sobre tão pequena banalidade, lá para o Mato de Tite!?].

Só que, o que veio a seguir, e por muitos anos seguintes ao ataque ao aquartelamento de Tite, e que vitimou e fez sofrer milhares de militares na Guiné, justifica, plenamente, aquilo por que todos aqueles " macacos " que riram e desdenharam do nosso sofrimento, e que ainda hoje mentem com todos os dentes que têm na boca que não, que logo viram o que se ia passar. Mas é pura mentira, pois mesmo no local, o comandante Pina, o capitão Barreiros, o capitão Morgado e muitos oficiais com alguma responsabilidade nos " cartórios " achavam que no outro dia, ou até naquela noite, os caçava todos e com um castigo severo, que desse o exemplo forte, ficava tudo resolvido e em " águas de bacalhau ".

Garganta não faltou, depois na sequência dos dias, meses e anos [já após o nosso regresso ao continente] de outros contingentes tiveram na Guiné uma luta de guerrilha muito acima do que as palavras podem descrever ou demonstrar, na intensidade de muitos combates travados entre as tropas portuguesas e os terroristas. Que o diga quem teve de estar no palco de uma emboscada, no palco de um ataque, nas diferentes saídas quer de dia ou de noite, onde a carga emotiva e o sofrimento vivido no meio de um tiroteio, só os próprios podem descrever, à distância do tempo, que não é nada próximo, o que sentiram no momento vivido.

Ataque a Tite

Pés gretados
Mãos pegajosas e sujas pela lama da bolanha de Tite
Onde o arroz era o alimento principal daquela gente
Sofrida, mas amada pelo seu Deus que se erguia esguio e recto
Como palmeira virada para o céu
Cuja arma contra o opressor era a certeza de um dia
Poder pisar a terra dos avós, dos seus avós
Sem medo, nem dúvida de que era deles
Cada tiro saído da G3, disparado por nós
Eram flechas envenenadas que não matavam
Privavam apenas o direito à oração de súplica
Levantada num coro de melodia sofrida e doída na luta pela sobrevivência.

Guiné, 1961/1962/1963
Poesia de Gabriel Moura

Texto do Ten. Mil. V. Gouveia, que alude o ataque a Tite e a problemática nesse período.

Competia-me a mim cifrar ou decifrar as mensagens a enviar ou recebidas [recebi com esse fim uma ligeira explicação dada pelo meu antecessor]. Este trabalho aumentou bastante depois dos primeiros ataques às nossas tropas.

Aliás foi a guerra que quebrou o encanto desta terra, quando em 23 de Janeiro de 1963, houve o primeiro ataque ao quartel de Tite, sede do nosso batalhão.

As saídas nocturnas deixaram de fazer-se e as diurnas eram feitas com mais cuidado.

Não posso esquecer um homem dedicado que me tratou de tudo o que me era necessário: o meu impedido, um soldado nativo de bastante idade que me tratava de tudo com uma dedicação exemplar.

TERCEIRA MISSÃO: UMA COMPANHIA OPERACIONAL

BUBA

Cheguei a Buba no fim de Fevereiro de 1963.

Buba uma pequena tabanca, o quartel instalado junto ao rio Grande de Buba e um campo de aviação junto ao quartel.

Ficava a cerca de trinta quilómetros de Fulacunda e de cinquenta de Bedanda.

Estava aqui instalada uma companhia de intervenção comandada por um capitão, tinha um tenente médico e três alferes milicianos. Havia militares destacados em Aldeia Formosa, Bedanda, Cacine e Gadamael Porto. (...)

Houve, no entanto, uma situação curiosa. Os mantimentos eram pedidos para três semanas [malabarismo?], mas como o mês tinha quatro, a última semana era de fome, com soldados de sentinela, junto ao rio à espera que o barco chegasse.

Valia-nos o poder de improvisação que levou a fazer uma vedação num braço do rio. Quando a maré enchia, os peixes passavam e, quando descia, ficavam à espera que os fossem buscar. Nessa semana comia-se peixe de várias maneira, mas sem qualquer acompanhamento, a não ser algum resto de batatas liofilizadas e margarina derretida a substituir o azeite.

A guerra começava a avançar, embora lentamente e com armas ligeiras. Isto levou a que se blindassem as viaturas com chapas para as proteger dos tiros e as cobrissem com redes para evitar as granadas de mão. Em breve se verificou a ineficácia desta protecção pela impossibilidade de movimentação dos militares, em caso de ataque, e das dificuldades de progressão dos condutores.

Deixou também de se usar o capacete em combate, porque, embora pudesse proteger a cabeça, coarctava bastante a liberdade de movimentos.

0 comandante desta unidade não era de guerras e por isso a vida do quartel passava com certa tranquilidade, sem grandes saídas nem riscos. De vez em quando, porém, vinha ordem superior para cooperar em determinadas operações e então tínhamos que sair. Nestas circunstâncias tive que intervir em duas operações de vários dias [Nova Sintra e Empada], com toda a responsabilidade e riscos próprios. Felizmente, apesar das muitas dificuldades, não tivemos combates directos.

Tudo isto se deveu a um facto extraordinário. O comandante dum batalhão sedeado em Bissau, um tenente coronel presunçoso e pouco honesto [mais conhecido como o Rommel das bolanhas ], pediu ao Comandante Militar que o deixasse ir para o sul, porque ele, num mês [durou dez anos!!!], acabava com a guerra. Instalou-se em Catió, conseguiu uma avioneta para uso quase pessoal e começou a movimentar as tropas em vários sentidos.

Enquanto as tropas se deslocavam por terra ele comandava de avião e, quando o perigo aparentava ter passado, vinha por terra [fortemente protegido] ver o resultado das operações e fazia os relatórios como queria e lhe convinha, normalmente diferentes da realidade.

E apesar das destruições das povoações [habitualmente abandonadas nestas circunstâncias, embora os relatórios mencionassem sempre muitas mortes do inimigo] feitas pelas tropas ou pela força aérea, pouco ou nada conseguiu.

Deste tempo recordo duas grandes operações em que fui obrigado a intervir.

A primeira foi na área de Nova Sintra, localidade no cruzamento da estrada de S. João [próximo de Bolama] para Fulacunda com a estrada de Tite [a treze quilómetros]. (...)

BISSAU

Foi também aqui que sentimos o recrudescer da guerra, acompanhámos a chegada de cada vez mais tropas e fomos sabendo da morte em combate de alguns que pouco tempo antes connosco tinham convivido na messe.

Lembro que o Alferes miliciano de Bedanda, aquele tenente miliciano de S. João, o Alferes miliciano de Gadamael, meu ex-companheiro de estudos, entre outros.

[Trata-se do ataque que foi alvo a Berliet – ver foto 56 do Major Amilcar]

A intensificação dos combates, quer nos quartéis, quer fora deles, principalmente contra militares recém chegados, tornando, por vezes, a vida destes militares num verdadeiro inferno.

Quando a Companhia regressou a Portugal, em Outubro de 1963, obtive uma licença especial de cerca de um mês de férias. Ao regressar de férias, como não consegui colocação em Bissau, tive que voltar a Bedanda onde cheguei em Dezembro de 1963.

Com o início da guerra e dado que a Guiné era um território pequeno, conseguiram considerar toda a Província zona de guerra [incluindo Bissau onde nunca se ouviu um tiro] e, por esse facto, o vencimento foi aumentado em vinte por cento. Tanto ganhava quem combatia em Bissau com uma caneta como quem expunha a vida todos os dias no mato.

A vida dos militares, em Bissau, era bastante tranquila em nada diferente do que se passava na Metrópole. Cada um tinha o seu trabalho normal e, nos tempos livres, podia deslocar-se facilmente para a cidade, porque havia transportes frequentes em ambos os sentidos. (...)

Também participei no "ronco", numa das manhãs de domingo, com um pelotão cansado, destreinado e de farda coçada. É agradável ver este espectáculo como turista, mas um pouco diferente como actor. Assim, subimos desportivamente a avenida central, precedidos pela charanga militar, e, na praça em frente do Palácio do Governador, aguardámos que terminasse o render da guarda para continuar o espectáculo, avenida abaixo. Dado que esta cerimónia demorou bastante, pensei que era eu que estava em falta para pedir autorização para regressar e dei ordem para o "apresentar armas" que antecedia esse pedido. Eis senão quando, dou conta que me havia antecipado e num expedito desenrascanço gritei para o pelotão: "P'ra baixo"! Houve sorrisos e assobios no local, uma chamada de atenção superior, posteriormente, mas nada que nos tirasse a boa disposição. Levou, no entanto, os senhores do comando a pensar que depois de vinte meses de mato nos estávamos borrifando para os divertimentos dos senhores de Bissau.

6.2 - Algumas situações e questões após o ataque

É evidente que não foram só os momentos de luta que causaram sofrimento, foram muitos e muitos outros que envolvem a vivência no interior e no exterior do aquartelamento e nas saídas do patrulhamento, quer de dia, quer de noite.

Após este ataque todos os combates em que se participou, foram suficientes e não deixaram dúvidas a ninguém o que seria a guerra de guerrilha na Guiné-Bissau. Como diz a expressão "nem era preciso ser-se bruxo" para adivinhar o futuro que esperava às tropas portuguesas, aos nacionalistas e às suas populações.

Mas não foram, concerteza, somente os combates e emboscadas, foram todo um conjunto de situações militares que foram levadas a efeito, cujo desgaste e todo o tipo de pressões sobre nós, causou danos, nalguns casos irreparáveis.

Por exemplo, a ida de um pelotão de urgência a pedido de socorro a uma coluna militar que vinha de S. João para patrulhar a zona de Buba e Fulacunda e, no caminho, uma viatura com cerca de 20 militares foi apanhada por uma carga de "trotil" [explosivos] colocada no chão, projectando a viatura a cerca de 30 metros, ficando curvada pela potência dos explosivos que detonou

[ver foto cedida pelo Major Amilcar dos Anjos].

Nessa viatura, vinha a comandar o "tenente" que, segundo soubemos, terá sido um dos heróis ao "assalto à Pedra Verde em Angola" e acabou por morrer, apesar de ter sido evacuado de Tite, por avioneta, para o hospital central de Bissau.

Alguns dos militares ficaram irreconhecíveis, com ferimentos de tal modo horríveis que nós, que os fomos socorrer e transportar para Tite, dando apoio aos sobreviventes, completamente enlouquecidos e sujeitos a ataques dos terroristas, não eram capazes de o fazer.

A distância em que se encontravam do nosso aquartelamento ainda era de umas dezenas largas de quilómetros e as restantes viaturas que não foram apanhadas pela explosão da mina anti-carro, não tinham condições de continuar uma vez que não se sabiam se havia mais minas colocadas. A nossa missão era bater todo o caminho até lá, fazendo uma inspecção do chão e das margens no sentido de evitar qualquer ataque ou emboscada preparada pelos terroristas.

O barulho da detonação, apesar da hora a que se deu, era já noite, talvez, cerca de 23 horas, foi ouvida em Tite como se de uma coisa próxima se tratasse, quando de facto era a uma distância considerável, tal era a potência de engenho.

Segundo parece, este caso deveu-se a mais um acto de "heroísmo" selvagem derivado do facto de ainda os militares, principalmente os graduados e comandos, entenderem que a guerra era mais o medo dos militares subalternos do que outra coisa!

Mais uma vez eles, os protótipos de conquistadores dos sete mares, terra e ar, [sim, tudo que foi conquistado foi por homens célebres e fortes, com patente, de grande valor e comando ... os outros, a raia miúda, coitada, serviam para carregar as armas e bagagens, mulas de carga e pouco mais ... não há uma única conquista das terras portuguesas, cantadas na "Gesta Lusitana", que aponte ser obra dos "soldados valentes" - lá se coloca esta palavra, porque não suava bem dizer o contrário, na conquista dos Vascos da Gama, dos "Mousinhos de Albuquerque", etc...], [esta questão, foi caricaturada mas penso que, mesmo que eu quisesse, não conseguia dar-lhe a animação que merecia, portanto, vou avançando de forma a que cada um faça a sua caricatura, por defeito e não por excesso, podem crer, se o entenderem fazê-lo], continuavam a negar a verdade e a realidade, sujeitando, criminosamente, pessoas e coisas, ao seu entendimento do comando, obrigando a que militares, como foi o caso deste episódio da mina anti-carro, a fazer um caminho, sem qualquer batida prévia, para detecção de minas; [segundo nos relataram alguns dos sobreviventes], pois, certamente, o "herói de Angola", terra grande, onde o terrorismo era a sério, não ia dar, nem deu, crédito a coisa de "lana-caprina": Terrorismo, na Guiné, deixa-me rir!...Ah!...Ah...

Estes soldados labregos que aqui estão precisam de uma sacudidela para verem como é que é a guerra, com mortes e feridos, lá nos matos de Angola e Moçambique. Aí sim, as coisas eram a sério. Tiros de um lado, tiros do outro; cidades grandes, milhares e milhares de quilómetros de terra. Enfim uma guerra com pés e cabeça, nada do que se poderá comparar àquela "Aldeola" de "Quatro Palhotas" umas dúzias de pretos "armados aos cucos" que nem pegar na enxada sabiam!.. Vianda e mancarra é o que eles precisavam e o resto, com um "ponta pé no cú ", estava feito!...

Bom, o ataque, começava, para alguns graduados mais ponderados e medrosos [medricas] a ter contornos de alguma intenção e, apesar de ter sido frustrado, de que poderia arrastar para algumas sérias dificuldades [principalmente, pensavam alguns militares e grandes patentes, nas suas "belíssimas esposas" e outros familiares e muitos civis com responsabilidade e trabalho de valor em Bissau, que seria uma grande chatice ter de arranjar meios para os evacuar e que não conseguiriam resolver tudo de um momento para o outro; embora, lá no fundo, soubessem que os pretos do PAIGC ou quaisquer outros, não se atreveriam a tocar-lhes, nem que fosse num cabelo! ).

Era o que faltava, aqueles "pés descalços", terem o desplante de lhes tocarem!... Mas, como aquilo lá em Tite [não era muito longe de Bissau, a alguns quilómetros no canal do Geba], lá se resolveu à "vassourada" pelas tropas, "que chegaram a roupa ao pêlo daqueles nacionalistas de um raio", embora que os militares e até o comandante do aquartelamento, merecessem uma boa palmada no traseiro pela pouca e fraca atitude em os deixaram entrar no aquartelamento, [território sagrado a defender sob todos os sacrifícios] e andar por lá a " chapinarem "!... em terras de Portugal !... Isto era de facto, " muito cru para se engolir " por homens bravos e valentes, descendentes dos Afonsos ... Henriques, dos Vascos...da Gama e de outros, não menos valentes !!

Nunca se tinha visto tamanho desplante, umas dúzias de " maltrapilhos " afrontarem as tropas de um Portugal histórico, cheio de valiosos triunfos, por terra e mar, os Lusitanos, os Cruzados, os Combatentes da 1ª Grande Guerra, nas trincheiras das batalhas em França, Alemanha e outras guerras, outras batalhas, como contra os Castelhanos por exemplo... aqui é que se viam os homens morrerem pela Pátria, defendendo, nem que fosse, um "pedacinho de terra"!

Têm alguma dúvida que é uma afronta, pôr em comparação, " forças " com este historial, com aquelas "forças mortais", de tão reduzido valor?

É pedir muito aos líricos cantores da nobre gente lusitana, de "feitos e refeitos", nas grandes obras e por mares nunca antes navegados, cantarem estes "de...feitos" dos militares, lá por terras do Ultramar ?

Quem irá ter o desplante de relevar coisas tão mesquinhas de uma "tropa fandanga", sem a valia doutros tempos? Perde-se a Índia, Angola e Moçambique, ameaçada a Guiné dos cajueiros, das palmeiras esguias que gritam de braços erguidos ao seu Deus Negro; das suas bolanhas sujas e lamacentas, banhadas pelo Geba, do seu capim seco, perdido no infinito da dor do seu povo, criado em palhotas cobertas desse material desfeito de argamassa misturada de suor e de catinga, para a construção do espaço onde geravam e criavam os filhos, os bácoros, as galinhas e as vacas [proíbidas de serem comidas pela religião de Maomé…] e outros bichos e quem nos canta.

Quem irá ter piedade da nossa "fraqueza"?

Quem irá ter piedade por não termos mortos toda aquela "cambada" de pretos mal preparados e atrevidos que beliscavam a honra dos nossos valorosos mortos de outrora?

Era gente que antes quebrar que torcer, matar era uma honra, nem que fosse um indefeso indígena de arco e flecha, de pau ou catana !

O que era preciso era mostrar "valentia" ! para contar lá na terra.

Que importava ser uma mulher, de olhos assustados, com a criança presa pelo pano à cinta ?

O que era preciso era manter este grandioso Portugal de aquém e além-mar! As lutas eram " honestas ", onde os homens deviam matar outros homens em confrontos históricos, quer nas conquistas, quer nas defesas, quer em qualquer outra circunstância!

Voltando ao meu caso.

Como referi, conseguir ultrapassar o arame farpado da frente do aquartelamento, que tinha três fiadas sobrepostas em arco, amarradas e atravessadas pelo arame, tipo ramada, que por sua vez, era amarrado a troncos de palmeiras com um diâmetro de 10 cms e uma altura de cerca de 3 metros e cerca de 50 cms enterrados no chão e distantes de uns para os outros de 3 a 5 metros; o arame farpado, era de uma única fiada em volta, quase em toda a cerca, excepto na frente do aquartelamento. Deveria ter sido para criar uma ideia, a quem passava, de que aquilo estava bem guardado e defendido, pois da parte de trás [ou seja, para o lado do Calino] era apenas um simples arame farpado que, com um pé a carregar para baixo, ficava um espaço que qualquer pessoa passava pelo meio sem rasgar a roupa [que o digam os colegas, Filipe e outros, as vezes que entraram e saíram à noite para dormirem com uma preta ou cabo-verdiana ou para beberem umas cervejas no tasco do João]. Apenas na parte da frente [caminho principal] é que era reforçado e amarrado de tal maneira que de facto, não era possível com o esforço das mãos ou dos pés, arranjar uma abertura [só cortado].

Por isso, eu, numa reacção instintiva, quando empurrei para cima com a metralhadora G3, fazendo de alavanca contra o chão, estava longe de imaginar que iria conseguir uma nesga de espaço junto ao chão, para entrar no aquartelamento.

Com o desespero de sair do fogo cruzado, parecia até que alguém [mão divina] me ajudou, ajudaram a fazer um sulco suficiente para eu " deslizar " o meu corpo rastejando e pressionando contra o solo e por baixo poder entrar dentro do aquartelamento. Foi aqui que eu fui " barbaramente " atacado pelos meus camaradas que, apesar de continuar a gritar, eles faziam um esforço heróico de eliminar aquele " intruso ".

Mal grado para eles e sorte minha que, ao verem a erguer-me a cerca de 10 metros, expondo-me totalmente às rajadas que assobiavam aos meus ouvidos, não conseguiam acertar uma, e " milagre " para mim, consegui que eles, distinguissem a minha pessoa.

O Zeferino, o Santos, o Armando, o Alfredo, o Zé e os demais que estavam "entrincheirados" naquela parte do aquartelamento, quase pareciam que tinham ficado paralisados com a minha aparição; reagindo uns após os outros, abraçando-me como se eu tivesse " ressuscitado ".

Foram segundos de uma amplitude extraordinária e indescritível, impossível de retratar por palavras, naquele momento de difícil controlo emocional.

Foi assim que, com o andamento do tempo, todos, aos poucos, foram " acordando " e tomando consciência do que se estava a passar, naquela noite, onde as ordens de comando não existiam, "o homem de trousses" continuavam a não acreditar de que era um ataque e os seus mais directos colaboradores: o capitão Barreiros e o capitão Morgado não estavam em melhores condições de ajuizar a situação real, pensando que aquilo não passava de uma "encenação" abusiva de alguns pretos que precisavam era de umas boas chicotadas no lombo ou um par de bofetadas no "focinho" para apreenderem a respeitar os "galões" [como faziam aos "seus soldados", alguns oficiais do exército, resolvendo muitas contendas de "in"disciplina].

Foram curtos segundos, aqueles que mediaram a penetração no aquartelamento e o choque de me verem em frente deles, todo sujo, esfarrapado cheio de suor, de lágrimas e de revolta!

Ninguém mais pensou no medo e, saltando dos seus " esconderijos ", lançaram-se a mim, largando armas e munições num gesto de transcendência emocional ao reconhecerem-me e verem-me com vida [ou como fantasma, embora fosse esquisito, pois, se eu tivesse morrido, ainda nem sequer tinha tido tempo para apresentar as minhas contas lá no "altíssimo" embora que, quando se trata de coisas de alma, o tempo seja diferente ... mas penso que não teria dado tempo para tal ... salvo se fosse a parte que fica na terra, como acontece com algumas crenças, enquanto que a outra iria percorrer o seu percurso ... até o seu destino !]. Bom, foi efectivamente um choque, para todos, principalmente o Zeferino, que se lançou ao meu pescoço, com uma violência e aperto de homem nobre, onde o coração podia mais do que o homem e o medo; parecia que estava numa gare de estação a receber o amigo de infância que já estava há muitos anos ausente nas terras distantes...

Todos do piquete, que estavam ali, foram os primeiros a procurar segurar-me da minha "emocional loucura", e com palavras, tentarem convencer-me de que tudo era um pesadelo, embora eu ainda não "me tinha libertado do pesadelo"

Estava ali com eles. Os minutos seguintes foram de uma carga emocional, onde a razão não funcionava, onde todos nós não "ouvíamos" os tiros que assobiavam e as granadas que rebentavam, pois estávamos presos a uma certeza, que fora a dúvida, de ter conseguido ultrapassar o tempo em que eu sofri a "maldade" dos meus colegas, "aliados dos terroristas", numa luta de defesa/ataque ao "inimigo" [qual ?].

O trágico ou cómico desta situação é de que nem todos tiveram o mesmo comportamento, perante esta situação. Por exemplo, o Comandante Pina, talvez o mais "lúcido" e mais "desinibido" [pois continuava em tronco nu e de trousses de um lado para o outro] com uma espécie de "mata moscas" numa mão e na outra a pistola [ninguém sabe ... se matou mais mosquitos do que pretos ..., nem ele o sabe, em abono da verdade]. Para ele, que tinha o dever patriótico de defender a nação, os outros eram apenas peões ... que fariam parte da sua vitória, [também aqueles nacionalistas de uma figa, fazendo um ataque a sério, sem avisar... é preciso terem cá um desplante dos diabos...principalmente, tendo em atenção, estar lá o Comandante Pina!].

Amigos da onça, queriam pôr em risco o seu sucesso militar?...

Mal agradecidos é o que eles eram, para um comandante "amigo do seu amigo"!

É claro que não foi só ele, nem tão pouco foram só os oficiais, houve muitos "camaradas de luta" que continuavam a saltar de um lado para o outro, como se tratasse de um "balet" indígena, contracenando com os actores que tinham conseguido entrar no aquartelamento; outros houveram, que nem sequer ainda tinham acordado! ou estavam, como a avestruz "com a cabeça metida pelo chão abaixo"; bem "amarrados" à sombra de um cajueiro ou mangueira, com uma mão em baixo e outra em cima das tetas da Mariama, da Maimuna ou de uma cabrita cabo-verdiana, enfim, de acordo com a fantasia do sonho, semi- sonho ou com os olhos pregados no teto da caserna, masturbando-se...

Pode parecer caricato, mas não é, lá no fundo todos queriam ser heróis; e esta era uma oportunidade [até porque era o primeiro ataque armado na Guiné ao aquartelamento do Exército Português]. Lá no fundo dos seus subconscientes, eles queriam mandar dizer, lá para a terra que se não fossem eles a Guiné já não era portuguesa ou outras coisas de grande monta. Não ficava bem descrever a "realidade" para a madrinha de guerra, namorada, pais ou outros... que diabo, não era mais bonito do que descrever atitudes e comportamentos de cobardia e outras reacções do mesmo tipo? Bem vistas as coisas, sempre estiveram lá, fizeram "monte", como se costuma dizer e correram riscos. Por isso, relativamente, aos outros portugueses, tinham mais direitos à " honra e heroicidade", por terem defendido a Guiné !!!

O meu estado de choque era superior a qualquer força de controlo humano, sendo quase impossível exigir àqueles que me viam assim, terem um comportamento mais adequado, pois eles atravessavam, também, como eu, uma " fronteira " do medo e do desconhecido, onde a noite e toda aquela envolvente lhes forneceu os ingredientes para a completa loucura!

(continua)
_________________

Nota de CV

(1) - Vd. poste de 11 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3294: O ataque a Tite, em 23 de Janeiro de 1963 (Parte I) (Carlos Silva / Gabriel Moura )

sábado, 11 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3297: Ser solidário (22): A Tipografia da ADFA (Luís Nabais)

Tipografia da Associação dos Deficientes das Forças Armadas



Mensagem do Luis Nabais


Meus caros Amigos

Permitam-me esta publicidade:


A Tipografia da Associação dos Deficientes das Forças Armadas foi criada em 1965, pela Cruz Vermelha Portuguesa, e ficou instalada nos terrenos do antigo anexo do Hospital Militar Principal, na Rua de Artilharia 1, em Lisboa, até finais de 2000.

Entretanto, em 1974 foi entregue à ADFA e a partir daí tem sido, continuamente e dependendo do mercado de trabalho, remodelada e apetrechada com novos equipamentos e técnicas de impressão.
Em Janeiro de 2001 mudou as suas instalações para o Largo Outeirinho da Amendoeira (Campo de St. Clara), em Lisboa.

Actualmente a Tipografia - Escola uma estrutura fundamental para a integração dos deficientes militares, tem vindo a actualizar-se, quer a nível de meios técnicos como de pessoal especializado, conseguindo concorrer no mercado de trabalho. Assim, a tipografia tem mantido uma excelente relação qualidade-preço o que lhe permite executar todos os trabalhos especializados, nomeadamente na área da saúde e da indústria farmacêutica.

A tipografia da ADFA está apetrechada para realizar trabalhos em fotocomposição, tipografia, offset, montagem, impressão e encadernação.

Solicite Orçamento ou divulgue:

Tipografia da Associação dos Deficientes das Forças Armadas

Largo do Outeirinho da Amendoeira (Campo de St. Clara)

1100-386 - LISBOA

Portugal

Telefone: 218 822 480
Fax: 218 822 486
Email: tipografia@adfa-portugal.com


Visita o novo site da Tipografia da ADFA em: http://tipografia.adfa-portugal.com
__________

Notas:

1.  A Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA) foi criada em 14 de Maio de 1974.

Os mais de 15 mil associados efectivos são cidadãos que se deficientaram durante a prestação do serviço militar, nomeadamente na guerra colonial que se desenrolou no período de 1961 a 1974 nas três frentes, Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, assim como aqueles que, à data da morte do militar ou do deficiente, dele dependiam directa e economicamente.

Com Sede em Lisboa, 12 delegações e vários núcleos, a ADFA encontra-se implantada em todo o território nacional, incluindo Madeira e Açores, e também em Moçambique. A ainda recente criação da Delegação de Lisboa veio melhorar o apoio aos associados. Em ADFA

A ADFA e os Camaradas com Stress de Guerra:

O Camarada Luís Nabais reafirma a disponibilidade da ADFA em assistir/encaminhar camaradas com stress de guerra.
Porque cada vez são mais, cada vez pior, cada vez mais urgente para alguns.

Dirigir-se por telefone ao Francisco Janeiro, presidente da Delegação de Lisboa, que os encaminhará.


"Guia para os Familiares das Vítimas do Stress de Guerra", da Drª Susana Oliveira, Psicóloga Clínica da APOIAR. Com a devida vénia.

2. artigos relacionados em

11 Outubro de 2008  Guiné 63/74 - P3295: Ser solidário (21): Do Projecto Sementes ao Museu de Guiledje (Pepito)

Guiné 63/74 - P3296: Controvérsias (4): O acidente aéreo de 26 de Julho de 1970 (Jorge Picado)

1. Mensagem do Jorge Picado, ex-Cap Mil das CCAÇ 2589, Mansoa, na altura em que se deu o acidente aéreo que vitimou 4 deputados e e militares da FAP (um piloto de heli e um mecânico) (*):

Amigos e Camaradas:

Acerca da queda do helicóptero no Rio Mansoa onde morreram os 4 Deputados e os 2 elementos da FA, eu, como Cmdt da CCaç 2589 citada como também envolvida na segurança durante o seu trajecto para Mansabá, nada posso dizer porque me encontrava de férias na Metrópole.

Só tive conhecimento posteriormente e até julgo que foi já no CAOP 1 em Teixeira Pinto. O acontecimento ocorreu no dia 26JUL70, precisamente na viagem de regresso de Teixeira Pinto para Bissau.

A confusão entre 25 e 26, está também na própria publicação que o camarada Carlos cita, porque se na pág. 490 refere o dia 26, na pág. 591 (Cronologia) escreve-se "1970.07.25 - queda de um heli..." e nada a 26. Mas este é o dia do acidente, pois, como escreve o camarada Beja Santos na sua carta, a 25 estiveram em Bambandica até meio da tarde. Se foram daqui pernoitar a Bissau ou já a Teixeira Pinto é que não sei.

Não vale a pena pensar noutras hipóteses, que considero absurdas, para o acidente.
As causas foram naturais.

O trajecto entre T. Pinto e Bissau, talvez uns 45 Km em linha recta, durava muito menos de 1/2H. Fiz este trajecto mais do que uma vez, quer de DO quer de Heli e posso precisar, como diz o Jorge Félix, que na época das chuvas as modificações meteorológicas eram rapidíssimas e as "muralhas negras" que rapidamente envolviam tudo deslocavam-se talvez com maiores velocidades que aqueles meios aéreos.

Numa dessas viagens, num heli, já depois de passar o Rio Mansoa, portanto já sobre a Ilha de Bissau, ao longe, pela frente desenhava-se um quadro desses. Um céu completamente preto do qual não se defenia a linha do horizonte. Felizmente estávamos perto de Bissalanca e chegámos a tempo, mas a caminho de Santa Lúzia a tempestade desabou sobre o jipe.

Naquela fatídica viagem a "muralha" (não sei se seria tornado, tufão ou furacão) apanhou os 3 helis entre JETE (não confundir com Ilha de JETA) e a Ilha de LISBOA (em pleno Rio Mansoa), perdendo o contacto visual, mas 2 deles conseguiram aterrar de emergência, não sei se nas bolanhas de JETE ou na Ilha de LISBOA. Aliás como o Jorge Félix diz que faziam, para se livrarem daqueles fenómenos meteorológicos.

Se isto acrescenta alguma coisa ao assunto, não sei, mas são as minhas recordações.

Abraços

Jorge Picado

___________

Nota de LG.:

(*) Vd. poste de 10 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3292: Controvérsias (3): O acidente de helicóptero que vitimou Pinto Leite (J. Martins / J. Félix / C. Vinhal / C. Dias)

Guiné 63/74 - P3295: Ser solidário (21): Do Projecto Sementes ao Museu de Guiledje (Pepito)

São Martinho do Porto > Casa de verão do Pepito e da Isabel > 19 de Agosto de 2008 > O casal Carlos Schwarz Silva e Isabel Levy Ribeiro (mais a matriarca da família, a mãe do Pepito, Clara Schwarz da Silva), recebem dois ilustres Gringos de Guileje (CCAÇ 3477, Guileje, Novembro de 1971/ Dezembro de 1972): o ex-Cap Mil Abílio Delgado e o ex-Fur Mil Trms José Carioca, que se fizeram acompanharam das respectivas esposas.

O Zé Carioca, aqui à esquerda, em primeiro plano, tem sido o líder do projecto de recolha de sementes para os agricultores da Guiné-Bissau, em cooperação com a AD - Acção para o Desenvolvimento, a Organização Não-Governamental (ONG) fundada e dirigida pelo Pepito. O Abílio - aqui na foto, ao meio - mora na Ericeira e o Zé Carioca em Cascais. O Pepito ficou muito sensibilizado com a oferta, para o futuro museu de Guileje, que o Abílio lhe fez: os seus galões de capitão, o mais jovem capitão do Exército Português que passou pela Guiné...

Também apareceu um amigo dos Gringos de Guileje, o Diamantino Figueira (na foto, à esquerda). Ele foi connosco à Guiné, por ocasião do Simpósio Internacional de Guileje (1-7 de Março de 2008), juntamente com o seu filho. É dono de um restaurante na zona de Cascais . Para eles e para todos nós, foi uma semana inolvidável na Guiné-Bissau. Recorde-se que ele pertenceu ao BIG (Batalhão de Intendência Geral), Bissau, 1971/73. Telefone de contacto: 214752070.

São Martinho do Porto > Casa de verão do Pepito e da Isabel > 19 de Agosto de 2008 > As esposas do Zé Carioca, do Abílio Delgado e do Diamantino (não sei a ordem é esta...), conversando com a mãe e a esposa do Pepito.


São Martinho do Porto > Casa de verão do Pepito e da Isabel > 7 de Agosto de 2008 > Convívio com a família de Luís Graça: na foto, à esquerda, o João Graça, a meio o Luís Graça, e à sua direita, Isabel e o Pepito.

São Martinho do Porto > Casa de verão do Pepito e da Isabel > 7 de Agosto de 2008 > Da esquerda para a direita: a esposa do Ivan, filho do Pepito e da Isabel, a Alice Carneiro (esposa do Luís Graça), o João (filho de ambos), um amigo do Ivan, a Isabel e a sua mãe, Levy Ribeiro.

São Martinho do Porto > Casa de verão do Pepito e da Isabel > 7 de Agosto de 2008 > A Isabel e o Luís Graça.

São Martinho do Porto > Casa de verão do Pepito e da Isabel > 7 de Agosto de 2008 > O João Graça e a neta do Pepito e da Isabel, filha do Ivan (que vive em Portugal).

Fotos: © Carlos Schwarz (Pepito) (2008). Direitos reservados. (Legendas: L.G.)


1. Mensagem do Pepito, enviada de Bissau, com data de 24 de Setembro último:

Amigo e Companheiro Luís:

Com muito atraso em relação ao que te prometi, aqui seguem alguns apontamentos sobre a evolução do Projecto de Guiledje:


1- Durante as minhas férias em Portugal encontrei-me várias vezes com o Luís Graça, a Alice, o João e a Joana, em Lisboa, S. Martinho do Porto e Lourinhã, todos de uma amizade e entrega contagiantes, absolutamente fora de série e que nos deram mais força e ideias para avançar com este programa.

Os Gringos, os últimos a aparecer, já ocupam o primeiro lugar da pool position. Liderados pelo Zé Carioca têm desenvolvido uma série de iniciativas, tanto ligadas à reabilitação de Guiledje, como de apoio ao desenvolvimento das populações de Cantanhez. Adiantaram com algumas ideias, parte delas já em execução:

(i) Fornecimento de mais de 10 Kg de sementes hortícolas às mulheres de várias tabancas do sul de Cantanhez (Cabedú, Catesse, Cafine, Cadique, Iemberém e outras): vários Gringos compraram sementes de alface, feijão, tomate, cebola, pimento, couve, melancia e outras cultivares. Trouxe-as de Lisboa para Bissau e no final de Outubro (quando as chuvas acabarem) serão lançadas à terra. Muitos amigos compraram estas sementes, entre eles o José Rocha, o José Teixeira e o jornalista Fernando Mendes (Jornal de Notícias, do Porto). Criaram um fundo que alimentará no futuro a compra de mais sementes. Esta é uma resposta a um compromisso que o Zé Carioca e o Abílio tomaram quando estiveram a inaugurar um fontanário em Cabedú durante o Simpósio. Promessa feita, promessa cumprida. Os nossos agradecimentos serão feitos com o envio de fotos dos campos cultivados.

(ii) Fornecimento de roupa para a AD distribuir: o Zé Carioca, o Diamantino e outros amigos conseguiram recolher mais de 50 cartões contendo roupa para a AD distribuir à população no próximo Natal. Os cartões já embarcaram e deverão chegar a Bissau já em Outubro.

(iii) Cooperação com a Associação Cultural Confluência: ficou decidida a ida a Portugal do Grupo Cénico guineense Os Fidalgos para a apresentação da peça O Lutador, para fazer uma tournée em algumas cidades, entre elas Cascais e Loulé. Em 2009 virá à Guiné-Bissau o Grupo de Teatro da Confluência, acompanhado de escultores, cantores e poetas.

(iv) Geminação Bedanda-Cascais: criou-se uma dinâmica para promover a geminação entre Bedanda e Cascais, tendo como ponto de partida o facto de serem zonas turísticas e poderem ser materializadas através de Guiledje e Iemberém. O Zé Carioca e o Dr. Carimo Baldé, juiz guineense reformado, serão os motores de sensibilização junto da Câmara Municipal de Cascais. Uma das iniciativas a implementar é a da criação de uma Praça central em Iemberém, designada de Confluência, onde se virão encontrar 4 ruas: da Guiné-Bissau, de Portugal, de Cabo Verde e de Cuba.

(vi) inauguração do Museu de Guiledje: foi sugerida a ideia de se fazer uma cerimónia especial para a inauguração do Museu, onde viriam participar novos ex-militares portugueses que estiveram nesta zona e que têm manifestado o desejo de lá regressar. Dentro do ex-quartel vai-se designar cada passeio com nomes de ex-militares e outras pessoas que lá viveram e que muito se envolveram na iniciativa de Guiledje.

2- O Governo Japonês manifestou interesse em apoiar a remoção de obuses, bombas e outros engenhos explosivos que ainda existem em Guiledje e que, de certa forma condicionam a reconstrução dos antigos edifícios que serão destinados ao Museu, Escola Rural, sede do Parque Natural Transfronteiriço, e bungalows para o ecoturismo. Tudo indica que a remoção deste material de guerra possa ter início em Janeiro de 2009 e se prolongue por 3 meses.

3- O actual Primeiro-Ministro do Governo guineense, Carlos Correia, que participou assiduamente no Simpósio de Guiledje, prometeu que tudo iria fazer para que, até Novembro, o antigo quartel passasse a estar sobre a gestão da AD para se incrementar todas as iniciativas previstas.

4- Apadrinhamento de criança guineense: o Xico Allen propôs servir de intermediário para conseguir que um casal do norte de Portugal apadrinhasse uma criança da zona de Cantanhez. Com o acordo dos pais foi seleccionada a Sabá, de 7 anos, natural de Cadique e actualmente a estudar a 2ª classe em Bissau. O apadrinhamento traduz-se num apoio à sua educação escolar.

Seguem algumas fotos de momentos de grande amizade.

As esposas do Abílio, Diamantino e Zé Carioca, pessoas formidáveis como os maridos, partilharam comigo e com a minha família uma tarde inesquecível em S. Martinho do Porto.

Um abraço
pepito

Guiné 63/74 - P3294: O ataque a Tite, em 23 de Janeiro de 1963 (Parte I) (Carlos Silva / Gabriel Moura )


1. Mensagem do nosso camarada Carlos Silva, ex-Fur Mil At Armas Pesadas da CCAÇ 2548, Jumbembem, 1969/71, com data de 29 de Setembro de 2008

Assunto: Ataque ao Aquartelamento de TITE

Amigo Luís

Aqui vai um trabalho que acabo de publicar no nosso SITE http:/www.carlosilva-guine.com/

Penso que seria bastante interessante também publicares no Blogue. É inédito e é oportuna a sua publicação.

No Site eu tenho a disposição do trabalho um pouco diferente. Podes adaptá-lo como entenderes.


2. Caros Amigos e Camaradas

Da vasta bibliografia que possuo e li sobre a Guiné, Guerra da Guiné, Guerra Colonial, cerca de 200 livros, jornais, revistas e filmes que tenho visto na TV e em DVD, nada li ou vi de forma desenvolvida sobre os acontecimentos do início da Guerra na Guiné, relativamente ao ataque ao Aquartelamento de TITE, em 23 de Janeiro de 1963, levado a efeito pelos guerrilheiros nacionalistas, data invocada em todos os meios de comunicação referidos, sendo que alguns fazem breves referências a tais acontecimentos, não desenvolvendo algo sobre os factos que ali se passaram, a não ser a data em que efectivamente teve lugar o início da luta armada levada a efeito pelo PAIGC.

Contudo, no Blogue do Luís Graça & Camaradas da Guiné, há uma referência a um combatente da liberdade da Pátria, Arafan Mané, falecido em 2004, como sendo o guerrilheiro que deu o primeiro tiro em 23 de Janeiro de 1963, no ataque ao Aquartelamento de TITE e nada mais.

Pois é, mas também temos do nosso lado, um camarada que foi o primeiro a reagir e a responder com o primeiro tiro a esse ataque, de nome Gabriel Moura, também falecido em 2004 e que naquele dia e àquela hora estava de serviço de sentinela.

O Gabriel Moura, apesar de mais velho, foi meu amigo desde infância e de escola, tendo eu sempre convivido com ele e mais de perto nos últimos 2 ou 3 anos antes da sua morte, apesar da distância que nos separava, 330 Km.

Mas, o tema da guerra, comum aos dois, foi um factor de união, pelo que, partilhei com ele no contacto com alguns camaradas dele, na recolha de elementos, bem como prestei o meu pequeno contributo para a elaboração da sua publicação, não editada, sobre o ataque a TITE.


O Gabriel, antes de falecer de doença grave, demonstrou vontade e força para escrever alguma coisa sobre a primeira batalha da guerra, o que fez, e, posteriormente, mandou fazer 50 brochuras e distribuir pelos camaradas no último almoço em que participou.

Deixando assim o seu testemunho, narrando os factos na 1ª pessoa, tal como os viveu e sofreu na pele.

Nas páginas que se seguem podem, assim, ler, algumas referências bibliográficas alusivas à data do início das hostilidades, o curriculum do combatente Arafan Mané e o testemunho do nosso camarada Gabriel Moura e que o destino uniu estes dois guerrilheiros de campos opostos no primeiro, acabando por uni-los no ano da sua morte.

A quem participou nos acontecimentos, que já devem ser poucos, agradecemos que contribuam para o esclarecimento deste facto histórico tão importante.

Carlos Silva
Ex-Fur Mil
CCaç 2548/BCaç 2879
Massamá, 20 de Setembro de 2008

Vd. poste de 18 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2190: PAIGC: Quem foi quem (4): Arafan Mané, Ndajamba (1945-2004), o homem que deu o 1º tiro da guerra (Virgínio Briote)


3. ATAQUE AO AQUARTELAMENTO DE TITE > 23 de Janeiro de 1963 > Início da Guerra na Guiné
Por Gabriel Moura



Guiné > Região de Quínara > Sector de Tite > Unidades que passaram por Tite entre 1961 e 1963: entre elas o Pelotão de Morteiros 19, a que pertencia o Gabriel Moura, e que integrava o BCAÇ 237.


5.11 - Considerações prévias ao ataque de Tite

Chegou a hora de eu entrar ao serviço [da meia noite até às 2 horas], de vigia ao aquartelamento de Tite, tendo de percorrer o caminho, pelo lado de fora do arame farpado, com as luzes de iluminação colocadas dentro do aquartelamento e projectando o seu foco para o caminho que eu tinha de percorrer, desde a messe dos sargentos [parte de baixo, fora do aquartelamento] até à messe dos oficiais [parte de cima e fora do aquartelamento], na estrada que passava por Tite e seguia para Nova Sintra, Fulacunda e Buba.



Guiné > Região de Quinara > Sector de Tite > 1961/63 > Quartel de Tite > Regresso de 1 patrulhamento do Pel Mort nº 19

© Foto Gabriel Moura


De facto, desde o primeiro minuto da minha vigia, senti, como se diz na gíria, "um arrepio pelas costas abaixo", que me causou uma desagradável sensação e um pressentimento deveras esquisito, face ao aparentemente, e de acordo com o zero de informação de que os responsáveis davam às tropas, nada havia a recear!

Como de costume, naquela noite, éramos três militares em vigia:

Eu, como referi, na frente do aquartelamento, percorrendo para baixo e para cima com as luzes a "bater-me nas costas" e do lado do mato, negro como carvão. Outro colega,
[ver excerto do Diário cedido por Armando Silva, Noite de 22 para 23 de Janeiro de 1963, referenciado ao longo do texto] fazia a vigia na porta da prisão, [dentro do aquartelamento] onde estavam mais de cem pretos presos. Outro ainda, fazia a vigia do lado do Calino mas pela parte de dentro do arame farpado. Somente eu é que fazia a vigia pela parte de fora do arame farpado.



Guiné > Região de Quinara > Sector de Tite > 1961/63 > Quartel de Tite> Gabriel Moura, junto ao Cavalo de Frisa
© Foto Gabriel Moura

Quando cheguei, na minha primeira passagem junto do Cavalo de Frisa, que dava entrada aos veículos pesados e ligeiros no aquartelamento pela parte da frente, pensei que aquela noite iria ser como tantas outras: um combate sem tréguas aos milhões de "sanguinários inimigos" que em nossa volta tentavam sugar-nos o sangue e os pensamentos [, os mosquitos].

Mas não iria ser assim. De facto, quando eu dei meia volta, para fazer a parte ascendente do caminho, comecei a ouvir muito ao longe, numa Tabanca que eu identifiquei pelo latido dos cães ser Fóia. O forte latido de cães causou-me uma forte reacção e interrogação, pois, àquela hora, não era costume os pescadores irem para a bolanha ou para o rio Geba pescar. E, mesmo se isso acontecesse, parecia não bater certo tratar-se de naturais da Tabanca, pois os cães poderiam ladrar alguns minutos mas logo se calavam por conhecerem as pessoas. A permanência dos latidos, por mais tempo do que eu achava razoavelmente para eles reconhecerem as pessoas, levou-me a considerar que estariam, concerteza, por lá pessoas estranhas e, como eram bastantes latidos, implicava tratar-se de agitação de pessoas estranhas em grande quantidade para o normal quotidiano...

Estas e outras constatações do meu raciocínio puseram-me com um novo sentimento que me obrigou a meditar no que se estaria a passar por lá.

Entretanto, ao fim de algum tempo, o número de latidos diminuiu, no meu entender porque as pessoas tinham começado a sair de lá ou a acomodarem-se por lá e os cães foram abandonando a sua agitação.

Porém, tudo, nesse momento, estava a causar-me forte impressão de um mau estar! Até os mosquitos voavam em minha volta com uma intensidade e zumbido muito superior ao habitual!

Parecia, até, que conseguia ver naqueles minúsculos "inimigos" uma força diferente de ataque, pois penetravam por todos os buracos que apanhavam no corpo e, ferozmente, cravavam os seus "projécteis" no local certo, causando-me dores diferentes das que já estava habituado.

Eram também, os morcegos, e os milhões doutros seres nocturnos, que pareciam querer dizer-me qualquer coisa " aos ouvidos " ou eu sentia que eles eram portadores de uma mensagem impressa pelas histórias, de uma vivência sofrida de povos perdidos e maltratados longe, muito longe, das suas famílias, das suas coisas, das suas tradições, dos usos e dos costumes e da força da terra que os pariu.

Até parecia que os répteis nocturnos, quase sempre assustados com o bater das botas no chão vermelho, que levantavam o pó seco e cheio de milhões de parasitas largados pelos cães lazarentos, quando estes os sacudiam das feridas crónicas do lombo ou das pernas para ao chão, surgiam espreitando-me, com um ar ameaçador, como que a dizer: Eu ferro-te, intruso!
Eram muitos e muitos os elementos do reino da natureza que se manifestara numa sensação de ataque: As libelinhas esbarravam-se contra o meu rosto, como nunca tinha acontecido, as mangas caíam como nunca, tentando atingir-me em qualquer parte do corpo. Era um sem fim de coisas esquisitas, para o meu gosto!

Até que, bem ao fundo das primeiras palhotas de Tite, começaram a ladrar alguns cães. Alguns latidos que eu até conhecia, daqueles cães que coabitavam connosco, no aquartelamento na sua busca de comida que sempre sobrava, relativamente à dos seus donos e que, por isso, eles, todos os dias, atravessavam o arame farpado ou entravam pela porta principal sempre aberta aos visitantes, e lá se apresentavam para tacho, criando-se elos de amizade.

Foi quando eu, ao ouvir esses latidos, senti ainda um calafrio mais forte. Precisamente, quando estava junto do cavalo de frisa, da parte de baixo do aquartelamento e começava a minha vigia para a parte de cima da zona da messe dos oficiais, o meu subconsciente indicou-me que algo de diferente se estava a passar, de facto, naquela noite!!!

À medida que os cães começavam mais a ladrar, em mais quantidade e mais perto donde estava, eu caminhava sem deixar, jamais, de olhar para trás na direcção do mato [que nada via, pois eu é que estava a ser iluminado, logo é que era visto]. Os meus passos passaram a ser tensos e os meus dedos estavam crispados no gatilho da metralhadora G3 que já tinha colocado em posição de fogo.

Enquanto caminhava ia formando, na minha mente, que se tratava de algo muito diferente. Ao chegar junto da entrada do aquartelamento que ficava em frente da casa da guarda , os cães ladravam já perto do aquartelamento de Tite e por trás do paiol das munições, bem como por toda aquela zona da messe dos sargentos até à messe dos oficiais.

Eu nada via, e nada sabia! ... Seriam pescadores, bêbados de qualquer batuque ou manifestação nocturna?!

Não me parecia!? ... Mas qual a certeza destas situações?!
Todos dormiam, apenas os três militares de serviço estavam acordados [pelo menos não estavam deitados].

Na casa da guarda, o Zeferino, [cabo da guarda naquela noite, ] o Armando Silva, o Alfredo, o Francisco, o Santos, o Adão e outros que estavam de serviço, todos passavam pelas brasas, pois que, de duas em duas horas, lá tinham que render os de vigilância, o que iria acontecer às duas da madrugada.




Guiné > Região de Quinara > Sector de Tite > 1961/63 > Quartel de Tite > Dois gondomarenses > À esq o Gabriel Moura, à dta o Zeferino [ambos já falecidos]

© Foto Gabriel Moura


Mas o destino jamais iria permitir a rotina e a normalidade, e tudo se iria modificar , transformar em 360 . Não só em Tite, como em toda a Guiné, no futuro, até 1974 e, se calhar, posteriormente, sem as tropas portuguesas mas com conflitos internos, bem diferentes dos que são, se eu tivesse sido abatido!? Talvez a organização política, económica e social deste país, passasse a ser conduzida com paz e benefícios humanos, onde todos pudessem participar....

Ninguém sabia como deveria reagir a tais situações!

A nossa preparação nos quartéis, durante o período de recruta, nada tinha a ver com guerras deste tipo, possíveis ataques do tipo de guerrilha, ataques a aquartelamentos, etc.

Nada, absolutamente nada!?

Posso acrescentar que, logo após a passagem de recruta a pronto, como se diz, cada um cristalizou suas tarefas da sua especialização ou passou a desempenhar outras, até passar à disponibilidade [nada tinha a ver com guerras ou guerrilhas...].

Depois, todos nós fomos, como já referi, apanhados em casa para embarcarmos com destino à Guiné, sem ter qualquer preparação, militar, psicológica, ou de meios, etc. Característica típica e histórica das tropas portuguesas mobilizadas para o Ultramar.

Recrutamento de militares para a guerra do Ultramar Português, uma questão para analisar e que se espelha em volta do que se passou, quer antes, quer no dia do ataque armado ao aquartelamento de Tite... Situação onde estávamos todos, incluindo eu, o único militar que teve de enfrentar os terroristas nesse ataque e suster a sua concretização até ao apoio das restantes tropas...

Tentar focalizar imagens reais de que nós enfrentámos é uma questão difícil bem como as tentativas de interpretação para quem não esteve presente, mesmo os que estavam no aquartelamento e vieram a ser os artistas do espectáculo do ataque ao aquartelamento de Tite, a contar com a repentina saída da soneira, têm dificuldade em escalpelizar este cenário.

Podemos, eventualmente, considerar que, para quem já esteve ou fez parte de situações próximas, onde a vida deixou de contar, seja mais fácil poder integrar-se no que se passou.

E como cada caso é um caso e, para os meus camaradas que tiveram, por imposição de representar a dita quota parte do espectáculo" quero dizer que a descrição, que irei fazer, erra por defeito sobre o que se passou na realidade e a minha transfiguração humana para uma outra dimensão, não foi mais do que arrastar o corpo pela força do espírito, numa ligação de êxtase que só acontece em sonhos ou em situações que ultrapassam, pela rapidez de imagem e situações, os sentidos biológicos e humanos.

As reacções e atitudes, as decisões e os comportamentos, a verdade e o acaso, tudo se reúne numa forma onde o homem e o pensamento passam para outra dimensão, reagindo sob instintos, pela sorte, pelos reflexos e se calhar, por mão divina?!

Uma coisa é verdade, para se ligar todos os pormenores e elementos à posterior, exige um esforço que deixa a certeza de que milhões de outros pormenores e situações que não foram possíveis contemplar numa descrição!

Porque é que eu, quando caminhava no sentido ascendente do caminho, mal dava um passo olhava para trás?!...

Era medo, era pressentimento?

Não sabia distinguir. O meu cérebro fixou-se e os meus sentidos passaram a trabalhar sob um controlo distinto do meu raciocínio! Como se diz na gíria: "estava em pulgas" [melhor dizendo: mosquitos, pois eram milhões em minha volta com um zumbido tão intenso e penetrante, que eu sentia-me completamente perturbado, percebem o trocadilho?! ].
(Continua)

Guiné 63/74 - P3293: O meu baptismo de fogo (7): Mansabá, 21 de Abril de 1970 (Carlos Vinhal)

Vista aérea de Mansabá, onde a CART 2732 permaneceu entre 21ABR70 e 23FEV72
Foto de Carlos Vinhal, ex-Fur Mil da CART 2732, Mansabá, 1970/72.


Caros camaradas, considero para mim ter tido dois baptismos de fogo na Guiné.

O primeiro que conto hoje, foi no dia da chegada a Mansabá e, um outro passados pouco mais de cinco meses, quando tive a primeira intervenção na neutralização de duas minas antipessoais, alguns minutos após ter morrido o meu oficial de Minas e Armadilhas.


O meu baptismo de fogo,
por Carlos Vinhal

Depois de desembarcar em Bissau em 17 de Abril de 1970, ida da Ilha da Madeira a bordo do Ana Mafalda, a CART 2732 permaneceu em Bissau até ao dia 21. Pela manhã saímos devidamente escoltados por uma força do BCAÇ 2885, sediado em Mansoa, com destino a Mansabá. Breve paragem em Mansoa e prosseguimos viagem, agora acompanhados por forças da CCAÇ 2403, Companhia que íamos render.

Muitos cuidados neste trajecto particularmente difícil, onde iriam perder a vida, mais tarde, dois camaradas nossos.

A recepção em Mansabá decorreu dentro da normalidade, com alguns cartazes que nos faziam lembrar a nossa condição miserável de periquitos e o quanto estávamos afastados de Lisboa e da família.

Como chegámos perto da hora de almoço, fomos avisados de que não precisávamos de recorrer às nossas Rações de Combate, pois tínhamos almoço de faca e garfo, oferecido pelos nossos anfitriões. Bom prato de batatas fritas com fiambre, salsichas e ovos estrelados, sopa e sobremesa, cerveja fresquinha a acompanhar e tudo isto à borla. O dia prometia.

Acabado o repasto, fomos dar um passeio de reconhecimento pela tabanca, ao longo da avenida principal, onde pudemos ver as montras, as garinas com as mamocas à mostra (ainda um pouco perturbador), etc. O conjunto era um pouco desolador e um tanto estranho para nós que há apenas 4 dias tínhamos chegado à Guiné. Crianças com barrigas enormes, sinal de má nutrição, pessoas e animais esqueléticos, produto da falta de condições básicas, mau grado o esforço da tropa e do governo de Bissau para tentar suprimir essas necessidades.

Regressámos ao conforto e segurança do arame farpado. A tarde foi passando, ouvindo as histórias dos velhinhos, mais ou menos inventadas para impressionar periquito, primeiros contactos com o whisky, a Fanta, a Coca-cola, o Gin tónico, a mesa de pingue-pongue, cartas e tudo o mais que ajudava a matar o tempo naquela desolação.

Por volta das 17 horas ouvimos uns sons, ainda estranhos para nós, mas que ficámos a saber se chamavam saídas, algures vindo de fora do aquartelamento. Passados segundos, começaram a cair morteiradas por todo o lado e ouviam-se distintamente os tiros de armas ligeiras com uma cadência muito superior às nossas G3, eram as famosas costureirinhas, disseram-nos. Os velhinhos mandaram-nos para os abrigos e que ficássemos lá quietinhos até a guerra acabar.

Quando as armas se calaram, fez-se o balanço dos estragos, tendo-se concluído que tinha sido a população a pagar a factura mais cara da chegada de nova carne para canhão a Mansabá. Tínhamos sido praxados com a dura realidade.

A esta distância, a recordação que me ficou foi de estupefacção, pois não imaginava que a guerra começasse sem nos ambientarmos primeiro. Que diabo, o IN podia ter mais compreensão, tínhamos chegado há pouco mais de 4 horas e já embrulhávamos!!!

Da HU da CART 2732 consta:

21 ABR [1970]- Chegou a Mansabá a CART 2732 destinada a render a CCAÇ 2403.

21 ABR [1970] - O IN flagelou Mansabá, durante 5 minutos, com Mort 82 e armas automáticas, causando 16 feridos na população.


Pergunta lógica: quem dormiu descansado naquela primeira noite em Mansabá? Eu não.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3292: Controvérsias (3): O acidente de helicóptero que vitimou Pinto Leite (J. Martins / J. Félix / C. Vinhal / C. Dias)

Um Helicóptero Allouette III > Na foto, uma enfermeira pára-quedista (cuja identidade se desconhece) >

Fonte: Especialistas da BA 12, Guiné 1965/74 > Victor Barata > 16 de Julho de 2007 > "AS NOSSAS GLORIOSAS ENFERMEIRAS PÁRA-QUEDISTAS" (com a devida vénia...)


1. Em relacção à questão posta no poste P3291, de 10 de Outubro de 2008 (Guiné 63/74 - P3291: (Ex)citações (4): Pinto Leite, em Bambadinca, dois dias antes de morrer em desastre de helicóptero: Não há solução militar ), trocámos, na nossa Tabanca Grande, os seguintes mails:


(i) José Martins:

(...) Nas consultas que tenho efectuado para organizar os meus elementos para a Nova Crónica dos Feitos da Guiné, para o que tenho consultado vários elementos e de diversa proveniência, o que tenho registado é o que reproduzo abaixo:

25 de Julho de 1970 - Queda de um helicóptero na Guiné, de que resultou a morte dos deputados José Pedro Pinto Leite, Leonardo Coimbra, Vicente de Abreu e Pinto Bull.

(ii) Luís Graça:

Zé: E o pessoal do heli ? Pelo menos, dois (piloto e Melec)... Sei que ao todo morreram 6, incluindo os 4 deputados... O heli seria um Allouette III ? Os militares, da FAP, não constam na Lista dos Mortos do Ultramar...(Só vi lista da Liga dos Combatentes).

Julgo que o heli desapareceu nas águas lodosas do Rio Mansoa. Não terá havido sobreviventes. Seria muito pouco provável. A FAP deve ter feito um inquérito...

O PAIGC chegou a reivindicar, segundo o Leopoldo Amado, o abate do aparelho. Mas sabe-se hoje que isso era mera propaganda... Subsiste a tese do acidente provocada pelo tornado... A sabotagem era improvavel... Só o Leite Pinto, creio eu, era da "ala liberal" da Assembleia Nacional, e ainda por cima amigo pessoal do Marcelo Caetano (ou, pelo menos, seu antigo aluno brilhante). Mas o irmão, Vasco, do malogrado deputado, no livro de 2003 (que eu não li), acho que explora outras hipóteses... A FAP nunca terá esclarecido, publicamente, as circunstâncias do acidente... Se sim, porquê ? Pressões do poder político de então ?

Talvez o Jorge ou o Victor possam acrescentar algo mais...

Um Alfa Bravo. Luís

(iii) Jorge Félix:


Caro Luis Graça:

Contador de Histórias e narrador de feitos gloriosos, tivemos um. O seu nome serviu para, num trocadilho bem ao jeito da época, definir o autor e os feitos.
- Fernão, Mentes ?
- Minto !!!

Antes de contar o que sei, sobre o assunto que me é pedido informar, gostaria de vissem nisto a minha Recordação do acontecimento.

Ter estado na FAP não dá o direito, meu ou de outro qualquer, de Latinisar sobre o que aconteceu na Força Aérea.

Sobre este assunto, acidente de Helicóptero no rio Mansoa, de onde resultou a morte do piloto e mecânico, mais quatro ocupantes, (era assim que nós viamos os acidentes), tenho duas coisas a acrescentar para o nosso Blogue.

(a) Mediante os parcos conhecimentos de metereologia que tínhamos na altura, o que acontecia na Guiné , chuvas intensas, trovoadas, ventos fortes, era, na época das Chuvas, considerado por nós como "mau tempo". Nunca se lhe deu o nome de Tornado. Voavamos dentro do mau tempo, e a fugir do mau tempo. Havia situações, se bem se lembram, em que o dia se transformava em noite. As descargas eléctricas transformavam o mais profundo breu numa África luminosa. A água jorrava de tal maneira que o céu confundia-se com o mar. Cuidados acrescidos tinham que ser tomados nestas alturas, quando era difícil saber onde acabava o céu e começava o mar. Naquele dia, foi isto que aconteceu. O acidente deu-se porque a chuva era intensa, o rio transbordou para o Céu.

(b) Um dia, em Julho de 1970, quando dava instrução em Tancos a futuros Pilotos de Helicópetros, disseram-me o seguinte:
- O teu substituto morreu num acidente no Mansoa!

Luis Graça, o Piloto, por artes mágicas, na altura esqueci o nome, tinha dois meses de experiência de voo na Guiné. Se foram feitos inquéritos ao acidente, este pequeno pormenor deve ter sido indicado. Pouco mais há a dizer sobre isto, a não ser que Fernão Mendes Pinto esteja a perder estatuto.

Um destes dias vamos Guiné ver os Jagudis a deambular naqueles Tornados.

Jorge Félix

(iv) Carlos Vinhal:

Caros companheiros

Na HU [História da Unidade] da CART 2732 consta:

24JUL - Desenrolou-se a Op Fechadura destinada a fornecer a necessária segurança à deslocação de um grupo de deputados à Assembleia Nacional, entre Nhacra e Mansabá. A CART foi empenhada a 4 Gr Commb.

Digo eu: Lembro-me perfeitamente de acompanhar (eu não era operacional à época, logo estava no aquartelamento) estas personalidades que estiveram alguns momentos em Mansabá. Lembro-me de, porventura no dia seguinte, se ouvir notícias do acidente.

Consultei um livro, editado em fascículos pelo DN, e na pág. 490 refere que o acidente se deu no dia 26 de Julho de 1970. Seguiam 3 helicópteros que foram apanhados por chuva intensa. Dois conseguiram poisar nas margens do rio Mansoa e um terceiro caiu. São mostradas 3 fotos, uma delas mostra a recuperação do heli sinistrado.

É o que sei.
Um abraço para os meus amigos.

(v) César Dias:

Sobre o post 3291, recordava-me de ter visto uma referência ao acidente dos Deputados na História da Unidade. É um facto que lhes foi preparado o terreno para se deslocarem por ali com alguma segurança.

Mas quanto à data exacta, ficamos na mesma, pois a Operação Fechadura, levada a cabo para proteger os Deputados, foi efectuada no dia 24 de Julho de 1970, pelo que seria muito possível que o acidente tivesse sido a 25.

"Em 24JUL70, desenrolou-se a Operação Fechadura, destinada a fornecer a necessária segurança à deslocação de Deputados à Assembleia Nacional, entre NHACRA e MANSABÁ. Foram empenhados 3 Gr Comb da CCAÇ 2588, 2 Gr Comb da CCAÇ 2589, 4 Gr Comb da CCAÇ 15, 4 Gr Comb da CART 2732, 3 Pel Mil e ainda um Pelotão de Autometralhadoras PANHARD atribuído como reforço ao BCAÇ 2885."

Lembrei-me de vos enviar esta informação, pois este episódio teve lugar na zona do BCAÇ 2885.


(vi) Jorge Félix

(...) Está aqui tudo. Acidente, chuva intensa, (quanta não havia) e a data. Não te falei no meu mail anterior que por vezes "encostávamos" numa bolanha até o mau tempo passar, porque podias achar "pretenciosismo". Os pilotos mais experientes mandavam-se para o chão, até o "tornado" passar.

Agora, vamos ficar por aqui. Ponto final.

Jorge Félix

(...)

Guiné 63/74 - P3291: (Ex)citações (4): Pinto Leite, em Bambadinca, dois dias antes de morrer em desastre de helicóptero: "Não há solução militar"

“A Guiné actual já não tem solução militar. Por favor guarde para si, o próprio governador gostaria de chegar a um acordo com Amílcar Cabral. Em Lisboa, espero poder dizer frontalmente tudo ao Presidente do Conselho [, Marcelo Caetano]. Tem que se chegar à paz”...



1. São palavras atribuídas ao deputado José Pedro Pinto Leite (*), líder da Ala Liberal, na Assembleia Nacional, eleito, como deputado independente da União Nacional (mais tarde, rebatizada como ANP - Acção Nacional Popular, o partido único do regime político de então), em 26 de Outubro de 1969, ao lado de Sá Carneiro, Pinto Balsemão, Magalhães Mota e Miller Guerra.

Estas palavras terão sido ditas pelo corajoso e malogrado deputado, em Bambadinca, ao Alf Mil Mário Beja Santos, a título de confidência, "dois dias antes" de morrer no acidente de helicóptero, que caíu no Rio Mansoa, alegadamente em consequência de um tornado. E foram reproduzidas numa carta que o nosso camarada escreveu em Julho de 1970, já no final da sua comissão, ao poeta Ruy Cinatti.

2. Tenho dúvidas sobre a data em que ocorreu o acidente, o qual terá provocado no total seis mortos (incluindo a tripulação do helicóptero). Segundo o Beja Santos teria sido em 27 de Julho... Ora a data que é referida sistematicamente nas escassas fontes que tenho encontrado e consultado na Internet é 25 de Julho de 1970...

Pode ser lapso de memória do Beja Santos, ou erro sistemático reproduzido na Internet... De qualquer modo, nada como confirmar a data no livro escrito pelo irmão, Vasco Pinto Leite, em 2003, e em que se pretende reabilitar a memória de um grande português do nosso tempo, ignorado e esquecido depois da sua morte... Infelizmente não tenho o livro nem o li.

Recorde-se que J. P. Pinto Leite viajava com mais outros três deputados da Assembleia Nacional, Leonardo Coimbra (filho do filósofo Leonardo Coimbra), José Vicente de Abreu e James Pinto Bull (este, guineense, irmão do Benjamin Pinto Bull). Os restantes mortos, no acidente de helicóptero, deverão ter sido o piloto e o outro tripulante habitual do heli, um Melech (No entanto, na lista dos Mortos do Ultramar, não encontro referências a baixas mortais da FAP nessa data, por acidente ou em combate; é possível que tenham sido dados como desaparecidos).


3. Volta-se a reproduzir aqui o excerto da carta que o Beja Santos escrever ao seu amigo , o poeta Ruy Cinatti, a quem tratava por Dear Father [Querido Pai]:

"No passado dia 24 [de Julho de 1970], fomos avisados que iríamos montar segurança a um grupo de deputados que vinham visitar os reordenamentos dos Nhabijões e do Bambadincazinho, na manhã seguinte [25]. Antes deles chegarem parti para os Nhabijões onde os recebi.

"Foi uma boa surpresa reencontrar o Dr. José Pedro Pinto Leite que conhecera num lançamento na Moraes, salvo erro em companhia do Prof. Miller Guerra, bem como numa conferência promovida pela JUC [Juventude Universitária Católica].

"Após a visita, ele e os outros deputados vieram até à messe de Bambadinca, estávamos a meio da tarde, formaram-se grupos, o Pinto Leite pediu-me discretamente para conversarmos em particular, cá fora. Saímos para junto de uma das portas de armas, com um copo na mão, ele queria saber o tipo de guerra em que estávamos envolvidos, a natureza das dificuldades que vivíamos, os apoios da guerrilha, etc.

"Inicialmente eu estava muito constrangido, são assuntos com que nunca falamos com os civis e muito menos com deputados. Ele pôs-me à vontade, queria só que eu fosse sincero. Com toda a naturalidade, então, falei-lhe como vivera no Cuor, o tipo de guerra que ali fazíamos e agora em Bambadinca. Escolhi o exemplo do Xime, uma povoação e um porto doravante fundamental para o abastecimento do Leste, que vai ter uma estrada alcatroada até Bambadinca, mas onde os guerrilheiros se movem sem grande embaraço a cerca de 4 km de distância. Ele perguntou-me como é que os guerrilheiros aguentavam tantas dificuldades. Creio que lhe terei dito que sempre viveram nas maiores dificuldades e se não se entregam é porque acreditam no que fazem. Disse-lhe igualmente que sentia cada vez mais dificuldades no campo militar e que as populações estavam forçadas ao jogo duplo.

"Ele tudo ouviu, de vez em quando pedia esclarecimentos, e regressámos à messe. Antes de entrar, ele observou: 'A Guiné actual já não tem solução militar. Por favor guarde para si, o próprio governador gostaria de chegar a um acordo com Amílcar Cabral. Em Lisboa, espero poder dizer frontalmente tudo ao Presidente do Conselho. Tem que se chegar à paz'.

"Despedimo-nos pouco depois no aeródromo, prometi-lhe visitá-lo logo que chegasse a Lisboa.

"A 28 [de Julho de 1970], soubemos que na véspera [27] um tornado precipitara o helicóptero em que ele ia com outros dois [sic] deputados, no rio Mansoa. Pode imaginar a minha mágoa, o mais grave é a perda para o país com o desaparecimento deste político tão promissor, gostei sempre muito da acutilância e a oportunidade das suas propostas. Imagino a consternação que V. sente, sei que também o apreciava muito". (...)




4. Talvez os camaradas da FAP - o Jorge Félix ou o Victor Barata, por exemplo - possam esclarecer em que data precisamente e em que circunstâncias se deu este acidente. E quem foram, para além dos 4 deputados portugueses (e não três, como diz o Beja Santos), os camaradas da FAP que morreram (em princípio, dois, o piloto e um Melec, presumo). 

Não encontrei qualquer referência a este acidente (se é que se tratou de acidente...) no blogue do nosso camarada Victor Barata (Especialistas da BA 12, Guiné 1965/74).

O editor, L.G.

_________

Nota de L.G.:

(*) De seu nome completo, José Pedro Maria dos Anjos Pinto Leite (1932-1970), eleito pelo Círculo de Lisboa, nas listas da ANP - Acção Nacional Popular, tinha partido para a Guiné, com outros três deputados, no dia 20 de Julho de 1970, para uma «viagem de estudo e de informação».

Na Assembleia Nacional, para onde foram eleito, a convite de Marcelo Cateno, seu professor de direito, tinha-se destacado nos últimos meses pelas suas qualidades de brilhante jurista, grande tribuno e incontestado e corajoso líder da ala liberal. Juntam-se duas referências bibliográficas.



Título: A Ala Liberal de Marcelo Caetano
ou o Sonho Desfeito de José Pedro Pinto Leite

Autor: Vasco Pinto Leite

Editora: Tribuna da História

Local: Lisboa

Ano: 2003

Preço: 15,00 €

ISBN: 978-972-8799-09-0

Formato: 15 x 23,5

Nº de Páginas: 384

Sinopse (com a devida vénia...):

"Quanto vale a vida de um homem? É a pergunta que ficou célebre no primeiro discurso em que o deputado José Pedro Pinto Leite contestou a defesa económica que o anterior regime fazia da Guerra Colonial.

"Católico progressista, instado por Marcelo Caetano, de quem foi aluno em Direito, a participar nas eleições legislativas de 1969 e na formação de um grupo liberal, que liderou, José Pedro Pinto Leite viria a morrer logo em Julho de 1970, no termo da primeira sessão legislativa, num acidente mal esclarecido, com um helicóptero da Força Aérea, durante uma visita à Guiné.

"Esta obra debruça-se sobre o projecto político da chamada 'Ala Liberal' e sobre a perspectiva histórica que potenciou. Propunha-se uma transformação profunda e imediata da comunidade portuguesa, reconciliada com os seus irmãos africanos. De São Bento a Bissau José Pedro Pinto Leite descreveu, num ápice um trajecto simbólico. O Sonho de uma ala parlamentar rebelde, que tentou aglutinar e que se desintegrou com a sua morte. O posterior 25 de Abril não pode ser estranho a este desfazer 'do sonho de José Pedro Pinto Leite.

"Setenta e três depoimentos de amigos próximos ou figuras proeminentes da sociedade portuguesa, actores ou testemunhas directas daquele período crucial de fim de regime, ajudam-nos a avaliar a importância do percurso de António Pedro Pinto Leite e da sua proposta. O livro contém prefácios do Dr. Mário Soares, do Dr. Francisco Pinto Balsemão, do Professor Adriano Moreira e do Dr. Sérgio Ribeiro".


Vd. ainda sobre a 'ala liberal' o artigo:

Araújo, António de - Ala liberal, o desencanto do reformismo. [Em linha]. Análise Social, vol. XLII (182) , 2007, 349-354. [Consult 10 de Outubro de 2008]. Disponível em http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/aso/n182/n182a20.pdf