terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3834: História da CCAÇ 2679 (13): Imagens de Nova Lamego (José Manuel Dinis)

1. Mensagem de José Manuel M. Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71, com data de 29 de Janeiro de 2009:

Caros editores,
Aí vai mais um pedaço da saga africana, na Guiné, que me proporcionou deambulagens exóticas, com os desafios de um backpacker armado, austero e mais atento aos trilhos, do que é costume para o vulgar mochileiro.
Um abraço.

Coluna - imagens de Nova Lamego

As deslocações a Nova Lamego, em serviço de escolta às colunas do BArt, eram, geralmente, bem quistas, porque o perigo era reduzido, a deslocação em viatura não causava esforço, e, naquela localidade, havia alguns estabelecimentos comerciais e bares-restaurantes, onde era possível satisfazer algumas necessidades.
De facto, as lojas eram verdadeiras cantinas africanas, com uma indescritível parafernália de artigos para venda, pilhas para rádios, rádios e gravadores, máquinas e rolos de fotografia, chinelos, sabonetes, cuecas, meias e outras vestimentas, mosquiteiros e repelentes, copos, tachos e panelas, drogarias, tabaco e isqueiros, canetas, papel e envelopes, mais artigos alimentares, panos e roupas diversas, bugigangas, mercadorias que tinham como público-alvo, o pessoal da tropa, mas, também, os residentes, os guineenses que ali depositavam as suas economias, em troca da satisfação que os produtos manufacturados proporcionavam, na tradição mercantil dos portugueses. Nas ruas deambulavam militares e civis, com vagares, trocando impressões, ou protegiam-se do calor por baixo dos alpendres coloniais. Todos os dias convergiam tropas de diversas proveniências, conferindo-lhe uma relativa importância no leste da provincia.

À entrada da terra, vindo de Piche, no primeiro cruzamento à direita, no gaveto, situava-se um bar restaurante, de aspecto mal cuidado, mas onde a tropa afogava a sede, garantindo a prosperidade do proprietário, homem metropolitano, trabalhador incansável, coadjuvado por duas filhas, em idade namoradeira, robustas e alegres, que se movimentavam com desenvoltura difícil de acreditar para os corpos tão adiposos com que Nosso Senhor as dotara. GMC e Unimog, foram assim baptizadas. Corria entre a malta, que o pai oferecia um mercedes a quem se alcandorasse à categoria de genro.

Nova Lamego dispunha-se por duas paralelas, a estrada para Bafatá, e a rua principal, ligadas por três ou quatro transversais, a noventa graus, onde se encontravam os serviços, o comércio e a tropa, circundada pelo tabancal. Pela mesma rua chegava-se à rua principal. No seu prolongamento, entrava-se na estrada para Bajocunda, quase em desuso. À direita, a partir do cruzamento, via-se o edificio da Administração, no termo da rua, o mais imponente, com dois pisos, de arquitectura colonial, simples e bonita, bem conservado, onde passei a primeira noite de mato, num colchão insuflável. Antes da Administração, pontificava o cinema local.
Se, no mesmo cruzamento, optássemos por virar à esquerda, entávamos na área mais buliçosa, onde ficavam os melhores estabelecimentos e os mais frequentados bares. Era o coração e o pulmão da terra.

De entre as lojas, destacava-se o libanês, onde se encontrava a mais variada mercadoria, ou podia-se adquiri-la por encomenda. O libanês não tinha mãos a medir, com a ajuda de um empregado guinéo, e, por vezes, da esposa. Jovem, bonita, elegante e de olhar tímido, passava a maior parte do tempo no reduto da casa, protegida dos olhares comilões, por isso, quando se dava a ver, parecia que chegávamos à porta do céu. Constituía a maior atracção local, e nunca me dei conta de qualquer falta de respeito.
Acolitavam o estabelecimento, um bar-restaurante, malaprontado como era tradição africana em ambientes rurais, e outra loja-bazar. Em frente ficavam instalações militares e o comando do sítio.
A rua saía da localidade, no sentido oeste, com direcção a Sonaco, Pirada e Bajocunda. Estas últimas, atingiam-se por um desvio a NE, e alongavam a distância para as atingir, mas a estrada era melhor e mais segura, em relação à que se dirigia directamente para Bajocunda. À saída do Gabu, do lado direito, situava-se um restaurante que frequentei, onde se comia coelho, uma ementa rara na Guiné, onde, provavelmete, não se criavam, e, dizia-se, seria gato por coelho.

Notícia incómoda

Chegámos do Gabu pelas catorze horas, e ainda atacava a sopa leofilizada e o esparguete requentado, mai-los estilhaços, quando me chamaram ao Major de Operações, que mandou seguirmos certa direcção, perto do Corubal, onde teriam sido detectados movimentos do IN. Reunido o Pelotão, estava a andar, alterando o passo de corrida, com a marcha acelerada, que nem tótós, não fossem os turras ser despachados e desandassem das coordenadas. Ouvia-se um toc-toc dos cantis que balanceavam, debaixo do sol da canícula, e durante a digestão, do que resultou, em pouco tempo, estarmos sem água.
Tornou-se penosa a progressão. No fim da época sêca, não se vislumbrava água em qualquer lado. Até que, tive a iniciativa de, com as mãos, cavar a superfície de uma bolanha, o que permitiu encontrar alguma água, sob a forma de lama. Mergulhei o cantil na aguadilha, coloquei o lenço no bocal para filtrar, e chupei a água maldita. Do IN não tivémos notícia, pelo que regressámos ao quartel, já com o pôr-do-sol, exaustos da correria e da secura.
Dirigi-me ao bar, onde pedi e emborquei uma lata de leite concentrado holandês, dois furinhos, e fazia pof quando caía no estômago. Para acalmar tanta doçura, assentei-lhe com um wisky duplo, acomodando-me à satisfação do alimento.
Depois sim, o desejado banho, a higienizar-me para o jantar, refeição intercalar até ao cabrito da seia, cuja estória já é conhecida. Podia, ainda, haver emissora, conversas com copos, jogatana, qualquer motivação para passar o tempo.

A suite 3

A suite três era a designação do quarto em Piche, onde pernoitei naquela localidade. Tinha cinco camas, uma delas para o Zé Tito, meu companheiro na saga militar, e amigo da juventude.
Era um quarto simpático, onde todos eram bem quistos, podia-se beber um copo, participar em conversas sobre qualquer assunto, ouvir uma musiquinha, ler um livro ou uma novela do Corin Tellado, ou alinhar numa petisqueira. Eram boas as ceias de cabrito. A acompanhar, cerveja, vinho branco do Reno, whisky, gin e conhaque, porque em Piche ninguém morria de sede.
A parede da cabeceira das camas estava preenchida com fotografias de meninas, extraídas dos playboys, que nos lembravam permanentemente haver mundos diferenres à nossa espera. Era o trivial, na Guiné.
À porta, colada, uma fotografia do popular Jerry Lewis, a piscar o olho, sobre a seguinte legenda: nem só de pão vive o homem, irmão, sobre um fundo de garrafas coloridas.

E esta frase continha duas premissas, uma, a de que nos tratávamos como irmãos, a outra, a de que no interior, sempre poderíamos achar uma pinguinha para as maleitas da alma.

As mesas, eram derivados de caixotes de bacalhau, ou secções de troncos grossos, com pés do mesmo material, envernizadas para embelezar. Um rusticismo antecipado relativamente ao mobiliário barato que proliferou nos anos setenta.

Também era ali que o pessoal se mascarava para representações chalaceiras, de que o barbeiro, lugar de amplo espectro para discutir, vai representado com fotografia. Cada um improvisava o seu papel, as coisas fluiam, do futebol à política, da padralhada à vida familiar. O único limite era a imaginação.
Foi, também, a sede e estúdio da RVFM.
Uma ocasião, o Drácula passava revista ao aquartelamento, e reagiu prepotentemente ao piscar de olho do J.Lewis, decretando que a fotografia fosse removida, e mantida a decência no estabelecimento militar.



O Faria

Oriundo de Câmara de Lobos, terra piscatória onde pontificava e pontifica "A Coral", estreita-se entre uma pequenina enseada e porto de abrigo, e a colina que, trepando, ou mais facilmente, de viatura, sobe até ao lugar do Estreito, também famoso pelas espetadas, mas, onde nunca comi com satisfação, e quase me despedia da dentadura, por via dos rijos nacos da carne, mas de onde se pode desfrutar de grande vista para a costa e o mar, balizada pelo imponente Cabo Girão.

O António Avelino Faria cumpriu a vida militar, de modo tão discreto quanto possível. Não era pessoa para grandes coboiadas e exuberância, nem evidentes iniciativas. As coisas podiam estar como estavam, que ele não interferia. Se não fosse essa personalidade de reserva, dir-se-ia que teria adoptado uma postura para não dar nas vistas. Mas não era bicho-do-mato.
Foi ele, talvez, o mais crítico dos elementos do grupo, mesmo sem falar, conservando uma distância, e recordo-lhe o olhar de viés, como quem não concorda com alguma coisa. E resmungava, em atitude que também pode ser salutar, e nunca causou perturbação.
Fez o que todos fizeram, alinhou sempre, e cumpriu a sua missão com qualidade suficiente.

A última vez que o vi, há quatro ou cinco anos, estava junto do seu táxi, e foi como se o tempo não tivesse passado, como se estivéssemos próximo todos os dias, sem qualquer efusividade nos cumprimentos.
O Faria era educado, confiável, responsável e trabalhador, mas do género fleumático.
Hoje foi o primeiro retrato, dos que tentarei fazer dos nossos cabos. Não há qualquerb ordem para o efeito. Apenas não posso incluir todos no mesmo texto, e ainda há muito para digitar, pelo que, vão servir de ilustração aos diferentes episódios.

Mais adiante, quando chegarmos às páginas do Jagudi, jornalzinho publicado em Bajocunda, e depararmos com as "Figuras do Foxtrot", rubrica do Timóteo Andrade, melhor compreenderemos, a alegria, a energia, a generosidade e a solidariedade do pelotão.

A fotografia tirada a bordo do Uíge, a caminho de Bissau, retrata, da esquerda para a direita, o irmão gémeo do Mário, com destino a Cabuca, o Faria, o Valentim, o Mário e o Dinis. De pernas flectidas, o Virgílio Fernandes, estes, elementos do Foxtrot. Bem dispostos, pois claro!
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3746: História da CCAÇ 2679 (12): O Carregamento e a RVFM (José Manuel Dinis)

Guiné 63/74 - P3833: Em busca de... (64) Militares do BCAÇ 3872, Guiné 1971/73 (Luís Borrega)

1. Mensagem de Luís Borrega(*), ex-Fur Mil Cav MA da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche, 1970/72, com data de 27 de Janeiro de 2009:

Naquirda. Corpo di Bo, jametum?

Caro Amigo e Camarada Luís,
venho te pedir que através da solidariedade da nossa Tabanca se podes localizar dois ex-camaradas nossos dos quais perdi os contactos. Vou te contar a história completa:

Quando a minha CCav 2749 foi rendida em Piche, veio para Bissau, mas o GComb que estava destacado em Cambor foi nomeado para ir para Galomaro reforçar a guarnição do BCaç 3872 (isto em Maio de 1972). Como não tinham experiência operacional de combate, fui nomeado para comandar o referido GComb. Todos os pincéis vinham parar para cima de mim. Os outros no Cumeré a comer ostras e eu em Galomaro. Bem, mas a estadia foi gratificante pois conheci uns Furriéis Milicianos espectaculares. Passei bons momentos com os piras. Especialmente havia dois com quem me dava bem. Eram eles o António Albano Madeira Adão e o Catana (António ????). Fiquei padrinho de guerra do Adão e ficámo-nos a escrever até ao fim da Comissão deles. Tinha o contacto telefónico do Adão, mas com a reconversão dos indicativos dos telefones fixos e o aparecimento dos telemóveis fez-me ficar sem contactos. Não sei as especialidades, já esqueci, mas o SPM era 2188. Já tentei através do 12118 e também da Liga dos Combatentes (da qual sou sócio), mas todos os esforços foram vãos. Não há rasto deles na picada.

Como já localizaram camaradas através da Tabanca Grande, agradecia que visses o que puderes fazer. Era manga di ronco se os localizasses.

Djarama
Alfa Bravo
Luis Borrega

2. Comentário de CV

Vamos lá ver Luís, se te podemos ajudar.

Socorrendo-me da utilíssima página do nosso camarada Jorge Santos em http://guerracolonial.home.sapo.pt/, na sua secção Ponto de Encontro, encontrei estes pedidos de contacto:

BCAÇ 3872

Carlos Filipe Coelho da CCS - contacto: ct0408@sapo.pt
Ivo - contactos: 256 383 143 e 916 782 105
Alfredo - contacto: 234 182 186

OBS:
- O Carlos Filipe Coelho é tertuliano da nossa Tabanca Grande
- Ainda da nossa Tabanca e do BCAÇ 3872, temos o Luís Dias, o Juvenal Amado e o Joaquim Guimarães. Se houver mais algum camarada que me tenha escapado, peço desculpa.

CCAÇ 3490

Justino Sousa - contacto: 255 776 190

Deixamos também o habitual pedido à Tertúlia para quem souber de mais contactos de camaradas do BCAÇ 3872, o favor de os indicar ao Luís Borrega.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 4 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3699: Tabanca Grande (108): Luís Borrega, ex-Fur Mil Cav da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche, 1970/72

Vd. último poste da série de 30 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3819: Em busca de... (63): Camaradas e cadastro da CART 676 (Liberal Correia/José Martins)

Guiné 63/74 - P3832: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (7): Bula - Dias de calmaria

1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 26 de Janeiro de 2009:

Cá vai mais um capitulo de Viagens... a relembrar mais um pouco das minhas vivências e da história da 2791-FORÇA.

Um abraço
Luis Faria


Bula – Dias de calmaria

Passada a Operação Doninha Parda os GComb da 2791 entraram numa espécie de rotina, se assim devo chamar, fazendo protecção às colunas de viaturas civis na estrada João Landim-S.Vicente, patrulhamentos seguidos de emboscadas diurnas e nocturnas, algumas acções de observação, policiamento e busca na Vila e também serviço ao aquartelamento (que me lembre nunca fiz um!). Os pontos base de emboscadas diárias eram os chamados km10 - km6 - km4 - km2, onde o grau de periculosidade era decrescente. Quando me calhava, processava-se assim: de manhã saíamos nos unimogues (404?) em direcção a S.Vicente, dávamos a volta no largo junto ao rio e no regresso deixávamos pessoal no K10, recolhíamos o que lá estava e assim sucessivamente.

Nestas andanças sempre ocupei o lugar do morto, semi-sentado nas costas do banco com a G3 apoiada no parabrisas e com o pé direito no guardalamas, pronto a fazer fogo e a saltar. Procedia assim, porque sentia que mais facilmente podia detectar uma emboscada (ângulo de visão periférico melhor) e reagir, para além de julgar dar mais confiança ao condutor que se podia concentrar na condução.

Numa das vezes estava na viatura pronto para a saída, e o Comandante Ten Cor Andrade (a quem demos a alcunha de cabeça torta ou dez para o meio-dia, por andar sempre com a cabeça inclinada sobre o ombro direito) ao ver-me obrigou-me a ir para o banco, com o velho argumento de que um graduado fazia mais falta. Claro que foi só até sair da vista! Creio aliás que outros graduados da Companhia procediam de modo idêntico. Era contra as normas? Pois era mas nós também éramos diferentes!!! Éramos uma Companhia de Tropa Macaca/Caga e Tosse, mas diferente. E por sermos diferentes fomos usados e abusados.

Durante estas patrulhas e emboscadas que duravam 24/36 horas presenciei situações que de certo modo cortavam a monotonia pela negativa ou pela positiva. No K2, zona não minada, os terrenos laterais eram lavrados, com alguma vegetação arbustiva, algumas palmeiras e ajuntamentos de árvores de médio porte. Diariamente via–se população nas suas andanças e um dia reparo num nativo que do outro lado da estrada trepa a uma palmeira como um gato. Nunca tal tinha visto… fiquei maravilhado e não desviava os olhos dele. Chegou ao topo num ápice e passados uns minutos, vejo-o cair e estatelar-se no chão! É evacuado, não recordo a sorte dele. Pelos vistos tinha dado de caras com uma cobra cuspideira e segundo me informaram, quando isso acontecia, preferiam deixar-se cair a serem atacados pois teriam mais probabilidades de sobrevivencia!?

De outra vez no k6, zona perigosa de passagem IN, estou no lado Leste da estrada empoleirado numa cabaceira (embondeiro?) a vigiar a orla da mata. Ouço um restolhar, ponho-me à defesa e vejo um grupo de macacos, julgo que saguis, adultos e jovens brincalhões, avançar pelo capinzal fazendo aquela restolhada. Pena não ter máquina fotográfica à mão. Chegados à berma da estrada, o grupo parou e o que seria chefe espreitou para um e outro lado e atravessou a correr. Chegado ao outro lado voltou a espreitar e logo de seguida os que tinham ficado à espera, começando pelos pequenos, atravessaram também de corrida e em fila indiana. Também nunca tinha visto e achei uma delícia!

Por falar nestas cabaceiras, um dia talvez o mesmo dos macacos, resolvi partir um cabaço ao meio para ver como era o interior e para que serviria. Se bem pensei, melhor o fiz. Peguei nela e zás... na coxa com força! F… ia partindo o femur, era rija p´ra c… nunca mais experimentei e fiquei até hoje sem saber qual a utilidade daquela árvore para além de proporcionar um óptimo abrigo!!!

Estava no K2 ou 4, quando um soldado, Cancêlo de seu nome, me chama e diz que parece haver uma mina na zona em que iamos emboscar. Dirijo-me para o sítio, vejo a terra com aspecto disfarçado de ter sido remexida, mando afastar o pessoal, pego na minha faca e com os cuidados inerentes começo a picar como mandavam as regras. Encontro a dita mina que era… uma lata de coca-cola e ainda por cima vazia. Trabalho feito, não era mina, ainda bem! Só que pelos vistos o pessoal ria-se à socapa já que, só há pouco tempo o soube, tinham sido eles a plantar a mina! Deste episódio de há 37 anos, não me recordava e foi-me contado por ele, Cancelo à altura apontador de morteiro 60, valente e ainda hoje boa praça com quem me encontro várias vezes ao ano em cerimónias que juntam uma dúzia de Forças e a quem tambem já pedi contributos para a Historia da CCaç 2791 (Força), mas sem resultados até hoje.

Houve também situações tensas em que durante a noite pedíamos à rapaziada da Artilharia batimento de zona pelos obuses, já que não se via nada e pressentíamos a passagem de guerrilheiros. Dávamos as coordenadas e íamos para as bermas da estrada, com a certeza de que aí não nos cairia em cima nenhuma granada, pois os batimentos eram de proximidade. Poucos minutos depois, ouvia a saída, depois o silvo e o rebentamento com o seu clarão. Era espectacular e por vezes apetecia-me pedir mais tiros só para sentir o espectáculo!

Nas acções de vigilância e policiamento, digamos assim, a Bula, fui conhecendo melhor os meandros da povoação e sentindo os sítios de provável acolhimento do IN, com uma ou outra corrida e inspecção a moranças, mas sempre sem resultados. Estas acções fi-las a nível de GComb pois havia o risco de intercepção de grupos IN vindos das matas de P.Matar, Uasse. Às vezes emboscava na zona do cemitério, um dos trilhos de entrada e onde houve contactos, não com o meus rapazes.

E assim ia passando os dias, entremeados com umas voltas pela povoação, bebendo uns copos, comendo uns petiscos, dedilhando umas músicas e fazendo umas cerimónias com o pessoal.

Bula > Faria e baga-baga

Bula > Tasca do Silva(?) > Faria, Urbano e Barros

Bula > Tasca do Silva(?) > Fontinha, Faria e Chaves

Bula > Mercado

Bula > Faria no quarto

Bula > Quartel > Alexandre(?), Castro, Augusto e Faria

Fotos e legendas: © Luís Faria (2009). Direitos reservados.


Um abraço a todos
Luis Faria
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3694: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (6): Objectivo: Choquemone, 17NOV70

Guiné 63/74 - P3831: Tabanca Grande (110): João Seabra, ex-Alf Mil da CCAV 8350, Guileje, 1972/73


1. Mensagem de João Seabra (*), ex-Alf Mil da CCAV 8350,  Guileje, 1972/73, com data de 26 de Janeiro de 2009:

Luís,

Já respondi aos comentários que a minha mensagem suscitou.

É-me perfeitamente indiferente que me chamem cobarde, herói, ou nem tanto nem tão-pouco. A única coisa que me repugna é que me representem – ou eu próprio involuntariamente me apresente – como ex-coitadinho.

Não posso deixar de aceitar o amável convite para que integre a Tabanca. Mas também não posso prometer ser um participante muito assíduo. Limitarei as minhas próximas intervenções (as quais ocorrerão depois da publicação do pastelão) ao estritamente necessário para esclarecer a questão de Guileje/Gadamael.

Penso que, aliás, que o pastelão e o relato do Manuel Reis, são complementares, mais morteiro 120 mm, menos morteiro 82mm (que até poderá ter sido usado). Não sei se o regresso dele foi às 12h, 13h (ou às 12.22h ou às 12.59h): regressou quando acabou a grande flagelação de morteiro 120mm da manhã de dia 1/6/73, na sequência da qual a maior parte da guarnição fugiu efectivamente para o Tarrafo, e daí a maior parte foi para Cacine e alguns regressaram ao quartel.

Os dois capitães foram, mais precisamente, feridos no dia 1/6/73, pelas 11,00h. Os dois simultaneamente, porque estavam ambos no único abrigo que havia em Gadamael: o das Transmissões.

Procurarei usar da urbanidade desejável, o que poderá não excluir alguma nota de humor ou ironia.

Só tenho duas fotografias da Guiné – ambas no Cumbijã, gozando da hospitalidade do nosso amigo Vasco da Gama.

Também não tenho nenhuma fotografia actual tipo passe, vai então uma das últimas férias.

Não sei se as digitalizações em anexo ficam publicáveis.


João Seabra no Cumbijã

Abraço
João Seabra

2. Comentário de CV:

Caro camarada João Seabra, não te convido a entrar, porque já fazes parte da família. Desejo que ao contrário do que dizes, participes com regularidade no nosso Blogue, isto não prejudicando a tua actividade profissional, não só quando se fale de Guileje, mas também quando se fale de outros assuntos relacionados com a nossa passagem pela Guiné.

Em nome da Tertúlia da Tabanca Grande deixo-te os habituais, mas indispensáveis votos de boas-vindas.
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Nota de CV:

(*) Vd. postes de

23 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3782: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (18): Obrigou-se o PAIGC a combater em Gadamael... (João Seabra)

27 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3801: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (4): Cobarde num dia, herói no outro (João Seabra, ex-Alf Mil, CCav 8350)

Vd. último poste da série de23 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3784: Tabanca Grande (109): Manuel Rodrigues, ex-Fur Mil Mec Auto Rodas da CCAÇ 3491, Dulombi e Galomaro, 1971/74

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3830: Blogoterapia (88): Os nossos sentimentos contraditórios (Virgínio Briote)

1. Mensagem de Virgínio Briote (*), ex-Alf Mil Comando, CCAV 489/BCAV 490, Guiné 1965/67, com data de 1 de Fevereiro de 2009:

Foi apenas um comentário ao artigo do Mexia Alves, Camarada que aprecio ler na coerência que defende, sempre de uma forma honesta e leal . Não julgo que merecia um artigo. Saiu das contradições que tenho, da forma como vejo a minha participação na Guerra na Guiné. Com declarações de apoio ou de repulsa, está feito, não há mais nada a declarar.

Penso, no entanto que devo uma explicação (**). Quando me referi ao meu familiar, desertor, de quem fui muito amigo (já morreu) e ao meu irmão, limitei-me a relatar a contradição de uma família feita de "nacionalistas" e "oposicionistas", para utilizar a linguagem da época. E limitei-me a descrever os sentimentos que me assaltaram.

O nosso blogue tem também, para não dizer principalmente, um efeito desbloqueador de sentimentos. Juntar ex-combatentes, ajudá-los a reencontrarem-se com a sua própria história, que é a História do Portugal daqueles anos. E de que não tenho vergonha, acrescento, independentemente do governo e das oposições de então.

No meu comentário não pretendi fazer qualquer censura aos que, por qualquer motivo, decidiram sair do país. Da mesma forma, não foi minha intenção denegrir nem as vozes dos locutores, nem as músicas que se ouviam.

O que pretendi foi dizer que ainda me lembro do que vi, ouvi e senti nesses tempos. E que continuo a sentir. É uma cultura que tem raízes, não vem de agora. Na minha adolescência convivi com dois ex-combatentes na Flandres. Ouvia-os falar dos gases, das metralhadoras, dos capacetes alemães, do frio que lhes queimava os dedos. E via-os doentes, abandonados pelo Estado, amparados pelas famílias.

Nos EUA, Inglaterra, Canadá, Austrália, França, até na Alemanha da época hitleriana, honram-se os soldados que combateram pelas suas pátrias, procedem-se a cerimónias anuais, com veteranos, filhos, netos, governantes e oposição presentes. Os cemitérios são tratados como os outros, com respeito.

Cemitérios da mesma guerra na Normandia: alemão, aliados e americano

VB
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Notas de CV

(*) Vd. último poste de 31 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3824: (Ex)citações (14): Foi bom que a guerra tenha acabado, mas não foi por este país que eu combati (Virgínio Briote)

(**) Vd. último poste desta sérioe, Blogoterapia > 30 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3820: Blogoterapia (87) : O nosso (às vezes, triste) fado... (Joaquim Mexia Alves)

Guiné 63/74 - P3829: Convite da A25A/RTP: Sessão de apresentação do sítio Guerra Colonial, Academia Militar, Amadora, 4ª feira, dia 4, às 16h


1. Mail do Pedro Lauret, membro do nosso blogue, neste fim de semana:

"Segue convite para a apresentação do site http://www.guerracolonial.org/. Gostaria de o tornar extensivo a toda a nossa tertúlia. Como achas que podemos fazer? Se o quiseres reenviar eu ficaria grato. Aguardo noticias. Um abraço. Pedro Lauret".

O convite chegou-nos, em nome do presidente da Associação 25 de Abril (A25A) e do presidente do Conselho de Administração da Rádio Televisão Portuguesa (RTP), para a sessão de apresentação de: (i) sítio Guerra Colonial (http://www.guerracolonial.org/), da iniciativa da A25A, e em colaboração com a RTP; (ii) página de documentários sobre a Guerra Colonial, alojada no site da RTP (http://www.rtp.pt/).

A sessão terá lugar no Auditório da Academia Militar, na Amadora, na apróxima 4* feira, dia 4 de Fevereiro de 2009, pelas 16.00 horas, e a sua apresentação estará a cargo do Major-General Pedro Pezarat Correia e do Capitão-de-Mar-e-Guerra Pedro Cunha Lauret.

A cerimónia será presidida pelo Ministro da Defesa, sendo anfitrião o Chefe do Estado-Maior do Exército.

Se possível, confirma a tua presença através do Telefone 213 241 420.





2. Comentário de L.G.:

O blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné associa-se a esta iniciativa, convidando todos os membros da nossa Tabanca Grande bem como os demais amigos e camaradas da Guiné, a comparecer na Academia Militar, aquartelamento da Amadora, à supracitada sessão.

Sabemos que a hora não é a mais conveniente para quem ainda trabalha. Mesmo assim, será bom que os ex-combatentes da Guiné, com destaque para a malta do nosso blogue, possam fazer sentir a sua presença.

Eles, os nossos camaradas da Guiné, mais que ninguém, são a memória viva da guerra colonial ou do ultramar. Eles e os camaradas que estiveram nas outras frentes (Angola e Moçambique). Infelizmente, no arquivo da RTP, não há muitas imagens da Guiné (*). Seria curioso saber porquê. Para documentar a guerra da Guiné, vai-se buscar filmes de arquivos estrangeiros, como por exemplo o do Institut National de l'Audiovisuel (INA), francês.

A guerra da Guiné não teve, entre nós, o mesmo impacto mediático da guerra em Angola, no seu início, em 1961. Por exemplo, nenhum operador de câmara, português, civil, da RTP, conseguiu apanhar imagens dramáticas como as da ORTF, que passaram na reportagem sobre a Operação Ostra Amarga (**).

De qualquer modo, com as limitações que apresenta o - mesmo assim vasto e rico - arquivo RTP, no que diz respeito à guerra colonial/ guerra do ultramar, aqueles filmes de documentário, aqueles imagens dos repórteres da RTP, também nos pertencem. E há muito que deveriam estar disponíveis 'on line'...

A RTP cumpre a sua missão de serviço público. Tardiamente, mas cumpre. Nunca é tarde para o fazer. A nós compete-nos também mostrar reconhecimento por esse facto, sem perda da nossa independência, do nosso espírito crítico e da nossa especificidade. Como consta do nosso blogue, não somos historiadores, jornalistas ou investigadores, nem temos nenhuma bandeira. Isso não nos impede de estar gratos pela conjugação de esforços de entidades e de pessoas como, por exemplo, o Pedro Lauret (A25A) e o Joaquim Furtado (RTP), que tornaram possível este site e puseram à nossa disposição um vasto conjunto de recursos que vamos explorar e apreciar, com emoção, sensibilidade e espírito crítico. Haverá naturalmente outros públicos-alvo como os nossos filhos e netos que andam na escola, e a quem deve ser transmitida a memória e a história do nosso país, incluindo a guerra colonial/guerra do ultramar (1961-1974).

Eu, pelo menos, estarei lá, no anfiteatro da Academia Militar, na Amadora, às 16h em ponto, para ver e ouvir. A cerimónia terá, seguramente, boa cobertura televisiva, pelo menos por parte da RTP (daí a hora, um pouco estranha, que consta do convite). Até 4ª feira.

_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. a página de Multimédia do sítio Guerra Colonial (que, de resto, apresenta de deficiências na reprodução do som, há filmes que ainda não estão disponóveis, e que portanto ainda está em fase de edição e de afinação):

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Vd também poste de 4 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3701: Blogues da Nossa Blogosfera (12): Portal Guerra Colonial, da A25A (Pedro Lauret)

(**) Sobre a Operação Ostra Amarga, vd. postes de:

8 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2249: Vídeos da guerra (2): Uma das raras cenas de combate, filmadas ao vivo (ORTF, 1969, c. 14 m) (Luís Graça / Virgínio Briote)

8 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2250: Vídeos da guerra (3): Bastidores da Op Ostra Amarga ou Op Paris Match (Bula, 18Out1969) (Virgínio Briote / Luís Graça)

Guiné 63/74 - P3828: PAIGC Actualités (Magalhães Ribeiro) (1): O nº 54, Outubro de 1973, dedicado à proclamação da independência: pp. 1-2

Capa da revista mensal, editada em francês, PAIGC Actualités (dedicado à vida e à luta na Guiné e Cabo Verde), nº 54, Outubro de 1973. Título (em cima): "Reunida a 24 de Setembro, na região do Boé, a 1ª Assembleia Nacional Popular da história do nosso povo proclamou às 8h55 GMT o Estado da Guiné-Bissau".

A capa traz em grande plano a imagem de Amílcar Cabral, "o líder muito amado do nosso povo", que foi proclamado "fundador da Nação", tendo passado o dia do seu nascimento (12 de Setembro) a ser feriado nacional.

Imagens da cerimónia de proclamação da independência no Boé. Legenda (em cima): "O comandante João Bernardo Vieira, membro do Secretariado Permanente do nosso Partido, foi eleito Presidente da Assembleia Nacional Popular (ANP)".


Legenda: "Depois de ter pronunciado as palavras históricas que consagraram o nascimento do nosso Estado, o Presidente da ANP recebeu, de um destacamento das nossas Forças Armadas Revolucionárias do Povo, a bandeira nacional do novo Estado: é constituída por três bandas, de superfícies iguais, sendo uma vermela disposta verticalmente e com uma estrela negra nela afixada. As outras duas bandas estão dispostas horizontalmente, a superior de cor amarela e a inferior de cor verde".

Artigos 28, 29 e 30 da Constituição da República da Guiné-Bissau, relativos à Assembleia Nacional Popular (ANP).


Lista dos restantes deputados eleitos para a presidência da ANP. Entre eles, uma mulher, felizmente ainda hoje viva, Carmen Pereira, uma referência moral do PAIGC e uma lenda viva da luta de libertação, que alguns de nós, portugueses, tivemos o privilégio de conhecer pessoalmente em Bissau, por ocasião do Simpósio Internacional de Guiledje (1-7 de Março de 2008).

Tradução do francês: L.G.

Imagens: © Magalhães Ribeiro / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Direitos reservados.

1. O nosso camarada Eduardo Magalhães Ribeiro (o pira de Mansoa, como ele gosta de se chamar) tem-nos enviado alguns documentos digitalizados, respeitantes ao PAIGC. Ele tem espírito de coleccionador e gosta de partilhar com os seus camaradas as coisas interessantes que tem no seu espólio, relativas à Guiné e à guerra que lá travámos.

Vamos começar por apresentar as duas primeiras páginas da revista, em francês, PAIGC - Actualités, nº 54, de Outubro de 1973, e que foi dedicada à proclamação da República da Guiné-Bissau, na região do Boé.

O Magalhães Ribeiro, que trabalha da EDP - Porto, tem desde Etembro de 2008 um blogue > Coisas do MR , dedicado a Operações Especiais / Rangers de Portugal / Guerra do Ultramar.

Na sua mensagem aos editores, ele escreveu:

"Anexo o 2º panfleto desdobrável, emitido pelo PAIGC, com o nº 54 com data de Outubro de 1973, que penso ter sido dos mais importantes, que o mesmo parttido africano publicou durante o período da guerra. Este diz respeito à declaração do Estado da Guiné-Bissau e é formado por 8 páginas. Um abraço amigo do Pira de Mansoa, M.R.".

A divulgação, no nosso blogue, deste material (que no passado as NT consideravam como "propaganda do IN"), tem apenas um intuito informativo, documental, historiográfico e cultural. São documentos que interessam aos nossos dois povos, que partilham uma história e uma língua.

Alguns dos nossos camaradas que nessa época estavam na Guiné deram-se conta do acontecimento (a proclamação unilateral da independência da Guiné-Bissau, por parte do PAIGC) e das suas eventuais implicações, diplomáticas, políticas e militares. Sempre bem informado, o António Graça de Abreu, que era Alf Mil do CAOP1, escreveu o seguinte apontamento do seu diário, na véspera de ir de férias à Metrópole, pela terceira (e última vez):

"Cufar, 26 de Setembro de 1974: O PAIGC declarou ontem a independência. Por aqui nada mudou a não ser que agora, oficialmente, somos nós portugueses quem está a ocupar a pátria deles"... (In Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura. Lisboa: Guerra & Paz. 2007. p. 149).

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3827: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (4): Nhamo, nano... / Direita, esquerda...





1. Continuação da publicação do Dicionário Fula/Português, organizado pelo nosso camarada Luís Borrega, ex-Fur Mil Cav MA da CCAV 2749/BCAV 2922 (Piche, 1970/72).

IV arte da lista de vocábulos em dialecto fula (e respectiva tradução em português) (*), recolhidos em resultado de conversas com o seu amigo Cherno Al Hadj Mamangari, que vivia em Cambor, a nordeste de Piche. Como já foi dito, o título Al Hadj é dado ao crente muçulmano, depois de regressar da sua peregrinação a Meca.


2. Comentário de Carlos Silva (ex-Fur Mil, Caç 2548/BCaç 2879, Farim, 1969/71, advogado de muitos guineenses da diáspora, residente em Massamá, animador do sítio Guerra da Guiné 63/74 por Carlos Silva:


Acabo de ler o o Post 3785 sobre o Dicionário Fula/Portugês (*).

Devo dizer que ainda comecei a fazer um trabalho desses com a colaboração dos nossos amigos fulas da diáspora e outros que me são próximos, ainda dediquei muitas horas ao assunto, mas cheguei à conclusão que, não sendo especialista em linguísta, não valia a pena prosseguir com o trabalho, pois as dificuldades são muitas, na medida em que cerca 30 ou 40 amigos contactados e com boa vontade de me ensinarem a sua língua mãe fula, pois até me ofereceram livros com tradução Fula/Francês do Senegal, mesmo assim não consegui, porque cada um pronuncia e escreve a palavra de modo diferente.

Passei horas a trocar impressões com eles sobre essa diferença, então lá me explicavam, que há várias famílias de fulas, conforme sabemos, e que as pronúncias eram diferentes também, tal como aqui em Portugal entre alfacinhas, tripeiros, alentejanos e algarvios.

No entanto, e correspondendo ao teu apelo [, Luís, ] aqui vai um mini dicionário Fula/Português, em Word elaborado por mim, com a colaboração dos tais meus/nossos amigos, através do qual já podes ver algumas diferenças com as palavras do blogue. Nhonhaludá - Nháluda e muitas outras palavras.

Com um abraço

Carlos Silva

3. Comentário de L.G.:

Obrigado, Carlos. O teu minidicionário fula / português será publicado oportunamente. Ainda falta publicar a 5ª e última parte desta série. Concordo contigo que isto é tarefa para especialistas. Mas o esforço de camaradas como o Luís Borrega, o Carlos Silva e outros deve e pode merecer o nosso apreço e o nosso aplauso... Admito que esta recolha, feita por um não-especialista, possa ser útil a alguém (um falante da língua portuguesa que queira comunicar com outro falante da língua fula ou vice-versa)... LG

___________

Nota de L.G.

(*) Vd. postes anteriores desta série:

24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3785: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (1): Nafinda, nháluda, naquirda... Bom dia, boa tarde, boa noite...

24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3786: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (2): Gô, Didi, Tati, Nai, Joi.../ Um, Dois, Três, Quatro, Cinco...

26 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3798: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (3): Jungo, neuréjungo, ondo... / Braço, mão, dedo, ...

Guiné 63/74 - P3826: FAP (3): A entrada em acção dos Strela, vista do CAOP1, Mansoa, Março-Maio de 1973 (António Graça de Abreu)



Capa de Diário da Guiné, do nosso Camarada António Graça de Abreu, publicado em 2007, pela Guerra e Paz Editores. O livro foi escrito na Guiné, a partir das notas do seu diário e dos seus aerogramas. Foi alferes miliciano no CAOP1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74) (*)

1. Mensagem do António Graça de Abreu:

Meu caro Luís: Aqui vai, na volta do correio, os textos do meu Diário que me pediste para publicar. Peço-te que introduzas apenas esta pequena nota:

O Luís Graça pediu-me para publicar no blogue os textos do meu Diário da Guiné referentes àquele período crítico de Abril/Maio de 1973, quando o aparecimento dos mísseis Strella complicou toda a estratégia de guerra na Guiné. É uma prosa datada, pode ter esta ou aquela pequena incorrecção, mas não retiro, nem acrescento uma vírgula ao que escrevi então.


Depois,nos meses a seguir, com a situação mais calma, dou testemunho no meu Diário, até 20 de Abril de 1974, da forma excelente como a Força Aérea continuou a voar por toda a Guiné, desmentindo a tese de que com os Strella "a guerra acabou", houve um "colapso", e a "supremacia" do PAIGC era indesmentível. Esta não é a verdade histórica da guerra na Guiné.

Um forte abraço,
António Graça de Abreu



2. Extracto do Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura, de António Graça de Abreu (**):

[Fixação do texto e negritos: L.G.]

Mansoa, 29 de Março de 1973

Foi abatido um avião a jacto Fiat G 91, um pequeno bombardeiro, lá para o sul perto de Guileje. O tenente piloto aviador [, Miguel Pessoa,] foi abençoado pelos céus, ejectou-se, saltou de pára-quedas numa zona onde não foi detectado pelo IN, passou a noite no mato e no dia seguinte foi recuperado pelas NT. Está agora em Bissau, em boas condições. (i)

Ontem repetiu-se o incidente, foi abatido outro Fiat G 91. Desta vez, o piloto não teve sorte, o avião desintegrou-se e morreu o tenente-coronel Almeida Brito, o comandante das esquadrilhas de aviões na Guiné.

É uma nova realidade com que temos de contar, o PAIGC já dispõe de mísseis anti-aéreos que são eficazes. Os pilotos estão com medo de voar, quem se quer suicidar? (ii)

Esta manhã esteve cá o furriel piloto Baltazar da Silva, o tal rapaz alto do cabelo encaracolado e muito ruivo, meu conhecido e amigo desde aquela primeira aterragem estranha, alvoroçada em Teixeira Pinto. Trouxe a sua DO, pareceu-me preocupado, assustado. Almoçámos juntos, ele quase não tocou na comida, fixava os olhos em coisa nenhuma. Trouxe-o até ao meu quarto, bebemos um whisky velho, animei-o tanto quanto fui capaz. Regressou a Bissau com a morte na alma.

(i) Trata-se do tenente piloto aviador Miguel Pessoa, que mais tarde haveria de casar com a enfermeira sargento pára-quedista Giselda Antunes (...).

(ii) Sobre a queda dos aviões abatidos pelos mísseis Strella ou Sa 7 do PAIGC ver Nuno Mira Vaz, Guiné 1968-1973, Soldados uma vez, sempre Soldados, Lisboa, Ed. Tribuna da História, 2003, pp. 58-63.

(...)

Mansoa, 7 de Abril de 1973

Uma DO foi atingida pelo mísseis do PAIGC e caiu lá no norte. Morreram o piloto, um mecânico e o major Jaime Mariz que conhecia muito bem, desempenhou durante algum tempo as funções de 2º. Comandante do Batalhão 3863, de Canchungo (Teixeira Pinto). Almoçámos e jantámos muitas vezes juntos na messe de Teixeira Pinto. Era pessoa de fino trato, aberto, civilizado, camarada. (iii)

(iii) O corpo do major Jaime Mariz jamais foi encontrado, nem sequer foi possível fazer-lhe um funeral digno (...).

Mansoa, 8 de Abril de 1973

Outra DO pilotada pelo furriel piloto aviador Baltazar da Silva foi abatida pelo IN quando voava entre Bigene e Guidage. O rapaz morreu, junto com um alferes médico e um sargento. O Baltazar almoçou comigo na semana passada, esteve aqui no meu quarto, desanimado e triste. Escrevi então que ele havia partido para Bissau “com a morte na alma”.

(...)

Mansoa, 30 de Abril de 1973

(...) O movimento normal no nosso Comando decresceu muito. Sem apoio aéreo, sem aviões, não se fazem operações significativas. Se houver mortos ou feridos não temos os helicópteros para os ir buscar ao mato. O coronel [, Rafael Durão, comandante do CAOP1,] também me parece com menos “espírito guerreiro”. Já fez a guerra em Moçambique e em Angola e, apesar de duro e determinado, não advoga a tese do suicídio.

Continuamos à espera que venham atacar Mansoa. Durante as minhas férias flagelaram por duas vezes, sem consequências, os quartéis de Mansabá e Bissorã, aqui na zona. Agora só falta Mansoa “embrulhar”. A ver vamos…
(...)

Mansoa, 19 de Maio de 1973

Há dez dias atrás, por causa de vacas, aproveitei uma boleia e fui até Cutia, a vinte quilómetros daqui, na estrada alcatroada para Mansabá e Farim.

Os balantas, etnia predominantemente na região de Mansoa, não querem vender vacas aos militares portugueses. Em Farim, sessenta quilómetros a norte, os fulas, outra etnia, vendem os animais com facilidade. Como em Mansoa falta carne para a alimentação diária, é preciso recorrer ao que há, neste caso as vacas de Farim. Fez-se uma coluna com quatro unimogs do CAOP e quarenta homens da 38ª. de Comandos para irem lá ao norte buscar as vacas. Como à tarde havia coluna de Cutia para Mansoa, peguei na G 3 e segui com o nosso pessoal.

Regressei calmamente a Mansoa, depois de mais uns quilómetros a conhecer a mata, o aquartelamento e a aldeia de Cutia, florestas, bolanhas, a terra pobre. Os comandos e os quatro condutores do CAOP seguiram viagem e quando chegaram a Farim havia realidades bem mais duras do que a história da compra e transporte das vacas. Era crítica a situação em Guidage, uns quarenta quilómetros a noroeste de Farim, junto à fronteira com o Senegal. O aquartelamento estava a ser atacado há dois dias, de quatro em quatro horas, em média. Duas colunas de reabastecimento haviam partido de Farim para Guidage com víveres e munições e foram ambas atacadas na estrada, com mortos e muitos feridos. Tornou-se necessário chamar os aviões Fiats de Bissau, não para bombardearem o IN mas para destruir as Berliets carregadas de víveres e munições, abandonadas pelas NT, evitando assim que caíssem nas mãos dos guerrilheiros.

Os Comandos mais os nossos condutores do CAOP iam buscar vacas, mas nessa altura o mais importante era socorrer Guidage. De emergência, organizou-se nova coluna de Farim para Guidage reforçada com os nossos homens. Foi uma caminhada de morte, havia abutres a rondar os cadáveres dos soldados portugueses abandonados na picada pela coluna anterior, havia minas, uma delas rebentou sob o Unimog da frente, arrancou-lhe uma roda que foi projectada e passou por cima da cabeça do alferes Dias, da 38ª. de Comandos, houve emboscadas e um soldado comando ficou sem um pé e sem três dedos da mão direita. O infeliz foi o Tavares, um rapaz ribatejano do Cartaxo que até conheço bem, pai de dois filhos. Como não se fazem evacuações de helicóptero, levaram-no até Guidage com o coto e a mão amarrados em ligaduras.

Durante dois dias, em Guidage, foram atacados treze vezes, com morteiros e canhão sem recuo. Os guerrilheiros afinaram a pontaria para dentro das valas onde se abrigavam os nossos homens. Lá morreu mais um soldado da 38ª. de Comandos e o soldado condutor auto David Ferreira Viegas, do CAOP 1. Era um dos meus homens, um rapaz baixo, magrinho, tímido, natural de Olhão. Tinha vinte e um anos, fora pescador no Algarve, estava connosco no CAOP desde 3 de Março e na tropa há apenas oito meses.

Não trouxeram o corpo do Viegas para Mansoa, meteram-no na urna e seguiu de barco para Bissau. Tenho sido eu a tratar das coisas dele, fui-lhe mexer na mala e fazer o espólio de todos os seus pertences para enviar à família. Possuía tão pouco, algumas quinquilharias e uma roupita tão pobre! O povo português vai morrendo, o nosso David foi apenas mais um.

Comoveu-me o último aerograma com data de 27 de Abril que lhe foi enviado pela mãe, escrito pela Rosarinho, uma das sobrinhas, porque a mãe é analfabeta. A Elsa Maria, outra sobrinha pequena, como ainda não sabe escrever, mandou contas ao tio David:

1 2 3 4 5 2 1
1 2 3 4 5 2 1
______________
2 4 6 8 0 3 3

A Ana Cristina Viegas Fava, também sobrinha, diz:

“Tio, eu já sei escrever e quando o tio estiver aborrecido escreva para mim que eu lhe respondo, está bem?"

O David Ferreira Viegas contava apenas vinte e um anos. Não vai escrever a mais ninguém.

(...)
____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de ou sobre o António Graça de Abreu e o seu livro:

5 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1498: Novo membro da nossa tertúlia: António Graça de Abreu... Da China com Amor

6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1499: A guerra em directo em Cufar: 'Porra, estamos a embrulhar' (António Graça de Abreu)

12 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1517: Tertúlia: Com o António Graça de Abreu em Teixeira Pinto (Mário Bravo)

27 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1552: Lançamento do livro 'Diário da Guiné, sangue, lama e água pura' (António Graça de Abreu)

16 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1601: Dois anos depois: relembrando os três majores do CAOP 1, assassinados pelo PAIGC em 1970 (António Graça de Abreu)

17 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1668: In Memoriam do piloto aviador Baltazar da Silva e de outros portugueses com asas de pássaro (António da Graça Abreu / Luís Graça)

1 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1807: António Graça de Abreu na Feira do Livro para autografar o seu Diário: Porto, dia 2 de Junho; Lisboa, dia 10

7 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2414: Notas de leitura (5): Diário da Guiné, de António Graça de Abreu (Virgínio Briote)

(**) Vd. último poste da série FAP > 31 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3825: FAP (2): Em cerca de 60 Strellas disparados houve 5 baixas (António Martins de Matos)

sábado, 31 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3825: FAP (2): Em cerca de 60 Strelas disparados houve 5 baixas (António Martins de Matos)

1. Mensagem do António Martins de Matos, que foi Ten Pilav, Bissalanaca, BA12, 1972/74 (hoje Ten Gen Pilav Res):


Caro amigo: Aproveitando a leitura do mail que enviaste ao António Graça de Abreu, com conhecimento à minha pessoa, e no sentido de te dar uma ajuda, em relação aos STRELAS, deixa-me dizer-te:

25 de Março de 1973 > Abatido o Ten Pilav Miguel Pessoa, na zona de Guileje

28 de Março de 1973 > Abatido o Ten Cor Pilav Brito, no sul perto de Aldeia Formosa

8 de Abril de 1973 > Abatido o Maj Pilav Mantovani Filipe, entre Bigene e Guidage

8 de Abril de 1973 > Abatido o Fur Mil Pil Baltazar entre Bigene e Guidage

8 de Abril de 1973 > Desapareceu o Fur Mil Pil Ferreira ao sair do Guidage ( ia a bordo o Major Roriz, do COP Bigene)

Como vês, o dia 8 Abril foi forte.

9 ou 10 de Abril de 1973 > Paragem da actividade aérea

11 de Abril de 1973 > Re-início da actividade aérea (na minha caderneta de voo e após 10 de Abril de 1973, estão registados apoios-fogo em 11, 13, 15, 16, 17, 20, 21, 22, 24, 26, 28 e 30)

31 de Janeiro de 1974 > Abatido o Ten Pilav Gil, na zona de Canquelifá.

São estes os abatidos por Strelas. Cairam dois outros Fiats por falhas mecânicas (Cap Pilav Wanzeller e Cap Pilav Cruz) (**).

Resumindo, dos cerca de 60 Strelas disparados houve 5 baixas. (Vd. imagem à esquerda: O míssil SA-7. Fonte: Wikipedia).

PS - O Ten Cor Brito, Maj Mantovani e Ten Gil são PILAV. Os Fur Ferreira e Baltazar são PIL. A regra é: os PILAV são do Quadro, oriundos da Academia; os PIL são milicianos.

2. Comentário de L.G.:

Obrigado pela informação que tens trazido para o nosso blogue e que nos ajuda a esclarecer melhor o papel dos bravos de Bissalanca, durante a guerra...

Até agora, e como sabes, só tínhamos o contributo (qualificado) de dois digníssimos representantes da FAP, que passaram pela BA12, o Jorge Félix, Pil heli (1968/70) (***), e o Victor Barata, melech (1971/73), este último autor e animador do blogue Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74. (****)

Entretanto, e depois de ti, já apareceu o teu amigo e camarada de curso e de arma Miguel Pessoa, hoje Cor Pilav Ref (*****).

Quem quer que apareça, de novo, oriundo da FAP, é naturalmente bem vindo a este espaço de encontro e de convívio, que é o blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné.

Ainda hoje recebi, com emoção, um telefonema do Jorge Caiano que era o mecânico do heli do Alf Mil Pil Manso, no dia 25 de Julho de 1970... (Ele chegou ao nosso blogue através do blogue do Victor Barata)...

Por decisão do comandante da esquadrilha, o Cap Pilav Cubas, e aparentemente por uma questão de peso, o Caiano seguiu com ele e não com o Alf Manso, na viagem de regresso a Bissau... Essa é a razão por que ainda hoje está vivo... e acredita que o destino marca a hora. O heli do Manso despenhou-se, "por volta das 15 horas", sobre o Rio Mansoa, tendo morrido ou desaparecido 4 deputados da Nação (incluindo o Dr. Pinto Leite, chefe da chamada ala iberal), além do Manso e de um oficial do exército do QG...

O Caiano vive no Canadá, na região de Toronto, desde 1974. Prometeu mandar-me um mail. E eu prometi resumir, no nosso blogue, a conversa que tivemos hoje ao telefone. Manda um abraço para todos os camaradas da FAP e em especial para os pilotos Félix e Coelho, que ele conheceu em Bissalanca e com quem voou (mais com o Coelho do que com o Félix) (******).

O Jorge Caiano esteve 22 meses na BA12, entre 1969 e 1970. Terminou a sua comissão em Novembro de 1970. É natural de Louriçal, Pombal, mas foi cedo para Aveiro. Tem hoje 60 anos.

Um Alfa Bravo. Luís

_________

Notas de L.G.:

(*) 23 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3783: FAP (1): A diferença entre o desastre e a segurança das tropas terrestres (António Martins de Matos, Ten Gen Pilav Res)

(**) Vd. poste de 21 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1867: Força Aérea Portuguesa: Seis Fiat G.91 abatidos pelo PAIGC entre 1968 e 1974 (Arnaldo Sousa)

(...) Blogue Callsign AFP (Informação sobre o passado e o presente da Força Aérea Portuguesa: pilotos, aeronaves, esquadras de voo e eventos históricos).

15 de Setembro de 2006 > Fiat G.91 - Aeronaves destruídas durante a Guerra do Ultramar

Lista de aeronaves Fiat G.91 destruídas durante a Guerra do Ultramar, devido a acidentes ou em acções de combate :

Data: 22/02/1967

Piloto: Maj Armando Augusto dos Santos Moreira (Comandante da Esq. 121)
Aeronave: Fiat G.91 R/4 "5407"
Causa: explosão prematura de uma bomba de 110 lbs.
(Esq 121, Guiné)

Data: 28/07/1968

Piloto: Ten Cor Francisco da Costa Gomes (Comandante do Grupo Operacional 1201)
Aeronave: Fiat G.91 R/4 "5411"
Causa: fogo antiaéreo de .50 polegadas (12.7 mm) disparado a partir da fronteira da Guiné-Conacri.
(Esq 121, Guiné) (4)

Data: 15/03/1973

Piloto: Ten Emílio José Lourenço †
Aeronave: Fiat G.91 R/4 "5429"
Causa: explosão prematura de bomba.
(Esq 702, Moçambique)

Data: 25/03/1973

Piloto: Ten Miguel Cassola Cardoso Pessoa
Aeronave: Fiat G.91 R/4 "5413"
Causa: abate por SAM-7 Grail.
(Esq 121, Guiné)

Data: 28/03/1973

Piloto: Ten Cor José Fernando de Almeida Brito † (Comandante do Grupo Operacional 1201)
Aeronave: Fiat G.91 R/4 "5419"
Causa: abate por SAM-7 Grail.
(Esq 121, Guiné)
Data: 01/09/1973

Piloto: Cap Carlos Augusto Wanzeller
Aeronave: Fiat G.91R/4 "5416"
Causa: fogo antiaéreo de .50 polegadas (12.7mm).
(Esq. 121, Guiné)

Data: 04/10/1973

Piloto: Cap Alberto R. Cruz
Aeronave: Fiat G.91 R/4 "5409"
Causa: fogo antiaéreo de .50 polegadas (12.7mm).
(Esq 121, Guiné)

Data: 31/01/1974

Piloto: Ten Victor Manuel Castro Gil
Aeronave: Fiat G.91 R/4 "5437"
Causa: abate por SAM-7 Grail.
(Esq 121, Guiné)

† Pilotos que faleceram.

(***) Vd. último poste do Jorge Félix > 3 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3557: Controvérsias (16): Eu, Jorge Félix, ex-Pilav de helis, a Op Lança Afiada e a honra da nossa Força Aérea

(****) Vd. último poste do Victor Barata > 24 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3351: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (8): Homenagem à memória do Honório e do Manso (Victor Barata)

(*****) Vd. poste de 29 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3816: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (5): Strellado nos céus de Guileje, em 25 de Março de 1973 (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav)

(******) Vd. poste de 11 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3604: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (15): Eu, o Duarte, o Coelho, o Nico... mais o Jubilé do Honório (Jorge Félix)

Guiné 63/74 - P3824: (Ex)citações (14): Foi bom que a guerra tenha acabado, mas não foi por este país que eu combati (Virgínio Briote)

1. Comentário do nosso co-editor e administrador Virgínio Briote ao poste P3820 (*)

A guerra em que participei, insiste em não me largar. Já desisti de lutar contra isso, sei que vai andar comigo até ao fim do caminho. Ao longo destas quatro décadas andou atrás de mim, como uma sombra .

Já na metrópole, em 1974, em dias, vi escaqueirar-se todo o esforço que a minha geração tinha feito em anos. Bem feito, mal feito? Não vou falar disso agora, há bibliotecas sobre o assunto. Falo, sim, é sobre outras coisas a que fui assistindo ao longo destes anos todos.

Naqueles dias, a seguir a Maio de 1974, vi combatentes envergonhados de terem participado na guerra em África. A TV, tenho bem presente, lançava censuras sobre os que tinham combatido. Massacres do Pidjiguitti, de Wiriamu, na baixa do Cassange. Imagens e imagens de negros desfeitos a tiro e à faca eram passadas dia sim, dia não.

Eu via e ouvia, com músicas de fundo, magníficas, do Zeca Afonso, do Luís Cília, do Adriano e de outros, as vozes alteradas pela emoção dos locutores a enaltecerem os feitos heróicos dos combatentes pela liberdade e pela independência de Angola, Guiné e Moçambique. Com imagens alternadas de corpos nossos, do capitão Pinheiro Torres Meireles, e da interminável agonia do capitão (e amigo) pára Tinoco de Faria, os dois, por coincidência de famílias que bem conheci.

Naqueles meses, diariamente, via-me condenado. Afinal eu não passava de um vulgar criminoso de guerra. Na minha pequena família, naqueles meses, assistia a dois factos bem distintos: o regresso de Paris, em glória, de um familiar meu, desertor como tantos outros, enquanto corria para a Estrela, para o HMP e dias e meses depois para Alcoitão, para acompanhar o meu irmão na tentativa de o recuperar dos ferimentos em combate em Moçambique, das lesões na coluna que lhe afectaram a vida.

Confesso ter dito para mim: é bom que a guerra tenha acabado, mas não foi por este país que eu combati.

Ainda vivo com isto e não quero ser saudosista. O que lá vai, lá vai, vou dizendo para mim. Mas quem deu dois anos aos canos e às culatras nunca mais se vai esquecer do cheiro a pólvora e do gosto a sangue. De Camaradas e Amigos a Inimigos. vbriote (**)
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 30 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3820: Blogoterapia (87) : O nosso (às vezes, triste) fado... (Joaquim Mexia Alves)

(**) Vd. último poste da série (Ex)citações > 13 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3736: (Ex)citações (13): Às vezes, tão perto e tão longe das coisas... (João Coelho)

Guiné 63/74 - P3823: Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar (org. José Martins) (I): Mafra, Janeiro de 1964

Cristóvão de Aguiar, em 27 de Novembro de 2008, na Biblioteca-Museu República e Resistência – Espaço Grandella, na apresentação da nova edição do seu livro Braço Tatuado.


Foto: José Martins (2008)


Luís CRISTOVÃO Dias de AGUIAR, nasceu em São Miguel, Açores, em 1940. Frequentou Filosofia Germânica, em Coimbra, curso que interrompeu para tirar o de oficiais milicianos. Em 1965 partiu para a Guiné. Regressado em 1967, depois de concluir o curso, deu aulas em Leiria e regressou a Coimbra para apresentar a sua tese de licenciatura, "O Puritanismo e a Letra Escarlate".

Foi redactor da revista Vértice, colaborador, depois do 25 de Abril, da Emissora Nacional com a "Rubrica da Imprensa Regional" e leitor de Língua Inglesa da Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade de Coimbra.

A experiência da guerra forneceu-lhe material para um livro, incluído inicialmente em Ciclone de Setembro (1985), de que era uma das partes, e autonomizado mais tarde com o título O Braço Tatuado (1990).

Da sua obra, por diversas vezes premiada, destaca-se: Raiz Comovida I – A Semente e a Selva (1978); Relação de Bordo – Diário ou nem Tanto ou Talvez Muito Mais (1964-1988); Raiz Comovida – Trilogia Romanesca (2003); Trasfega – Casos e Contos (2003); Nova Relação de Bordo – Diário ou nem Tanto ou Talvez Muito Mais (2004) e Marilha (2005). (Adaptado por José Martins da badana do livro Braço Tatuado - edição de 2007 da D. Quixote).
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Iniciamos hoje a apresentação do Diário de Guerra, do Cristóvão de Aguiar, que nos foi enviado por intermédio do José Martins (ex-Fur Mil Trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70). Revisão e fixação do texto: vb


Diário de Guerra
Cristóvão de Aguiar


1964

Janeiro, 26Acabei de chegar.

O casarão do convento é tão frio e tão feio, que tenho o coração a doer e vontade de chorar. Quem me dera agora na Ilha, o ventre materno para onde volto sempre que me sinto aban­donado.

Durante a viagem de boleia de Coimbra para Lisboa, bem se esforçou o Carlos Can­dal, meu amigo e companheiro de República, por me animar. Está na tropa, na capital, e só amanhã vou principiar o Curso de Oficiais Milicianos. Fi­quei na ca­serna número quinze, no ter­ceiro piso, a maior de todas, de tecto abaulado e baixo.

Acabei de fazer a cama, como soube e pude. Segui atentamen­te a demons­tração de um habilidoso fur­riel que exibiu as suas capacidades domésticas com mãos rápidas e tarimbeiras para um grupo de novos cadetes que entraram na caserna, de­bai­xo de forma, para tomar posse do cacifo e do beliche. Também nos deu sá­bias instruções sobre disci­plina, la­trocínio de quartel e obediência.
Fiquei soldado-cadete número mil cento e catorze, barra ses­senta e quatro. De­pois de ar­ru­mar as minhas coisas e de mu­dar de roupa, fui até o Bar do Cadete, no piso do rés-do-chão, e lá encontrei o Ca­margo, que chegara na véspera. Já envergava o seu fato-macaco militar cor de azei­tona.

Os meus passos naqueles tú­neis perdiam-se de perdidos que estavam. E logo amaldiçoei o empreiteiro de tal enormidade arquitectónica e as ordens religiosas que ali se encafuavam praticando as piores patifarias em nome de uma fé codificada. Tanto eu como o Camargo parecía­mos dois fan­tasmas navegando por den­tro das bo­tas e do fato zuarte. Não ficámos na mesma ca­serna. Ele ficou na um, a an­tiga capela, junta­mente com o Nogueira e Silva. Ao Vítor Branco, ilhéu da Madeira, coube a dois, a mais pequena e a mais acon­che­gada das três. Foi-me apre­sentado pelo Ca­margo. Fazemos um molhi­nho de soli­darie­dade.




Mafra > Escola Prática de Infantaria (EPI) > 1968 > Cerimónia do Juramento de Bandeira > Desfile dos novos militares, frente ao Convento de Mafra, e onde se integrava o Paulo Raposo, futuro Alff Mil da CCAÇ 2405 (Mansoa e Dulombi, 1968/70).

Fonte: © Paulo Raposo (2006). Direitos reservados

Janeiro, 27Esta noite não preguei olho.

Acolhido na caserna com uma caterva de jovens como eu, senti, ao deitar-me, uma tristeza encharcando-me os ossos e um desânimo só semelhante ao da criança perdida dos pais por entre uma multidão de desconhecidos, numa feira ou num arraial de festa de padroeira. Mas, ali, na caserna, não havia altifalantes como nos re­cintos das festas para anunciar a criança perdida.

Ali, naquele enorme dormitório, com um nauseabundo odor a pés, a ventosidades sonoras e a outras sorrateiras mas enjoosas, estava mesmo perdido para sempre. Mesmo que de mim próprio fizesse um grito de terror. Um toque, ainda madrugada escura, estranho, fez-me levantar do leito da insónia. Era o toque da alvorada. Depois de far­dado, olhei-me de alto a baixo, e achei-me ridículo. Só não chorei por vergonha. Fiz a cama como quem escreve o a, e, i, o, u pela pri­meira vez. Estava ainda na pri­meira classe atrasada...

Mafra, Janeiro, 28Fiquei a pertencer ao quarto pelotão da terceira com­panhia de in­s­tru­ção.

O comandante da companhia, um tenente goês, é muito apa­ratoso nas con­ti­nên­cias. Parece um sinaleiro a apascentar o trânsito. Que mundo este!

O coman­dante do meu pelotão, o quarto da companhia, é um açoriano da Ilha Ter­ceira. Mas ainda não me dei a conhecer, nem deve ser preciso, que ele deve-me topar pela pro­núncia. Pelo que lhe já ouvi, deve ser um grande maluco e vai-nos decerto pôr a to­dos no mesmo es­tado. Já esteve em An­gola cum­prindo uma comissão e segundo consta fez lá das suas.

Hoje passámos o dia a aprender a fazer continência e a dis­tin­guir os postos. As aulas são na parada, com o pelotão formado em U. Aos supe­ri­o­res trata-se por meu. Meu isto, meu aquilo. Aos infe­riores, por nosso. O cade­te Carva­lhosa, que tira aponta­mentos do que ouve ao al­feres e está sempre muito atento à li­ção, como se estivesse nos bancos da Uni­versidade, passou a tratar o cabo lateiro da arre­cadação do material por meu cabo. O alferes foi aos arames com a atoarda. Nin­guém pode sair do quartel para a Vila, após a instrução - ainda não sabemos com­por­tar-nos militarmente. E não se sabe se vamos a fim-de-semana.

Janeiro, 29 – O comandante de pelotão mandou-nos formar.

E explicou-nos que a formatura era sagrada. Não se podia falar, mexer, rir ou sequer pensar. Creio, no entanto, que alguns pensaram. Depois afivelou uma cara de mau e afirmou que era proibido haver doentes. Só o médico poderia comprovar, porque as­sim determinava o Regulamento... Não está no Regulamento - era quanto bastava para se dar uma resposta menos regulamentar.

Janeiro, 30 – Escrevi-lhe para Coimbra uma longa carta.

An­tes de para aqui vir, estive com ela e outras colegas no bar da Faculdade de Medi­cina, mas não tive coragem de me declarar. Fi-lo há pouco numa longa carta que por acaso prin­cipiei a escrever ainda na República, a semana passada.

Se for a fim-de-semana, vou tentar encontrar-me com ela e hei-de obter uma res­posta. Mora num lar de freiras, ao lado da República. Não há-de ser difícil che­gar-lhe à fala. Ainda não cicatrizei a ferida da outra, a da Ilha, e já estou a meter-me noutra...

Hoje, na segunda hora de instrução, com o pelotão formado em U, a aula versou sobre o conceito de pátria, como vem nas fichas da instrução, que esclarecem que se deve apresentar aos instruendos significati­vos exemplos da nossa História para lhes incutir os verdadeiros valores.

O nosso alfe­res pegou no manual e principiou a ler: Temos, por exemplo, D. Duarte de Almeida, o decepado, o porta-bandeira ou alferes, que ofereceu com o seu gesto heróico um verdadeira lição de patriótico amor, abnegação e audácia.


Outro feito que dignifica as páginas doiradas da nossa História é o praticado por D. João de Castro, Vice-Rei da Índia, que num acto valoroso, cortou, como penhor, as venerandas barbas... E a pro­pósito, nossos cadetes, quero lembrar-vos que na formatura para terceira refeição vou passar revistas às barbas e cabelos...

Janeiro, 31 – Iniciámos de manhã o estudo da espingarda Mauser, que se di­vide em dez partes, a saber...

O alferes ia chamando os cadetes por or­dem numérica. Todos receberam a velha Mauser – "A vossa noiva, estimai-a como à vossa noiva..."

Saímos hoje para a Vila, depois da instrução da tarde na tapada. Mas não tivemos dis­pensa do recolher, nem da ter­ceira re­fei­ção. Foi pre­ciso fazer uma for­matura de saída. O oficial de dia veio-nos pas­sar mi­nu­ciosa re­vista. À barba, ao ca­belo, à graxa das botas ou dos sapa­tos da or­dem, ao vinco das calças da farda número um, aos botões da camisa e da farda! Dois cama­radas não fo­ram autorizados a sair. Tinham os pêlos da barba a arra­nhar.

Voltámos ao quartel an­tes da terceira refeição. Como estava a chuvis­car, fez-se a forma­tura para o jantar no corredor em frente do refeitório. Chama-se o corredor La Couture e nele andam jipes e outras viaturas mili­tares. Na forma­tura do recolher tinha tanto sono que cabeceava em pé, enquanto o sargen­to de dia lia a ordem, fazia a cha­mada e distribuía o correio.

O Magalhães rece­beu um telegrama da namorada, já aberto. O instruendo fazia anos. E o sar­gento, com ar de gozo, leu alto: Amo-te, stop, Mada­lena... Quando chegou ao meu número, pus-me em sentido e bati com os tacões das botas. Depois de ter man­dado destroçar, fui para a cama. Eram nove e pouco da noite. Nunca dormi tão bem em toda a minha vida.

(a continuar)

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Notas de vb:

1. Sublinhados do editor.

2. Artigos relacionados em

29 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3542: Memórias literárias da Guerra Colonial (11): Cristóvão de Aguiar na Biblioteca-Museu República. (José Martins)

25 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3515: Memórias literárias da Guerra Colonial (10): Cristóvão de Aguiar na Biblioteca-Museu República, 5ª Feira, às 19h