quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4998: Convívios (166): Tertúlia dos “Lassas de Sesimbra” – CCAÇ 763, Cufar - 1965/66 - (Mário Fitas)




1. Mensagem do nosso camaradas Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 763, Os Lassas, Cufar, 1965/66:

















Foto dos Condutores no seu abrigo, vendo-se em primeiro plano: o Toni ou "Toninho" como é conhecido em Sesimbra. O "Caçoila" de cabeça baixa e chapéu. Em pé: o "Serra Bugio" que anda pelo Texas (E.U.A.) com a "margarita", com a qual o Fur. Mamadu fazia espectáculos para os Lassas.

A cabrita em cima de um muro, o corneteiro rufava o tambor e a cabrita obedecia ao Fur. quando este lhe dizia: Margarita ace contiência al Pueblo. E pobre animal levantava a pata.

Na foto da direita: Tempos diferentes os condutores que também iam para a bolanha (ajudando um camarada).










Trabalhos de transporte de capim para tapar os abrigos.



Na foto da direita: Fogo no abrigo dos condutores. Caeiro de Oliveira e Garcia Duarte consolam-se.

Condutores da CCAÇ 763 formam a Tertúlia dos “LASSAS DE SESIMBRA”

António Fernando Lopes (Toni)

António Rosa Ferreira
Garcia Pinhão Duarte
José Caeiro de Oliveira
José Maria Costa

Com o fim de irem convivendo com antigos colegas da C.CAÇ. 763 e relembrar os tempos passados em Cufar, com um primeiro encontro em Montemor-o-novo, este grupo está a tentar mobilizar outros componentes daquela companhia, para alargar o convívio e contacto revivendo velhos tempos.

Para o efeito organizaram um almoço em Sesimbra, no restaurante “Frango à Guia”, onde se juntaram, para além dos citados condutores, mais os seguintes elementos da C.CAÇ. 763:

Vítor Manuel da Luz (Vitinha)
António Fernando Cachão (Secção dos Vagabundos)
Alfredo Manuel BaleizãoIsidro Cascais Pólvora (Secção dos Vagabundos)
Mário Fitas (Fur. Mamadu chefe dos Vagabundos)

Um companheiro sargento “PARA” cunhado do GarciaNuma mesa em “U” juntaram-se trinta e tal pessoas contando com as esposas, filhas, filhos e netos de alguns que quiseram acompanhar os seus velhotes “sexa”. Um opíparo almoço “Cataplana de espadarte” que estava divinal, regada com bom vinho e sangria.

É claro depois dos fados do “Toninho”, que cantou o fado da despedida e do António Ferreira, eram 18H00 e o pessoal ainda estava no “Frango à Guia”.

Magnífico convívio de sã camaradagem relembrando tempos de Cufar.

Aos filhos e netos dos “Cotas” foram puxadas as orelhas, para levarem estes valorosos militares a virem ao Blogue e ensinarem os pais e avós a baterem nas teclas e entrarem na Tabanca Grande.

As senhoras também contaram coisas giras e, por cá, algumas sofreram um pedaço, como dizia a Júlia Lopes mulher do Toni: Quando ele partiu tinha uma nos braços e outra na barriga! Valente Mulher.O pessoal de Montemor esta é para o Zé Brás e Vacas de Carvalho.

Não tenham problemas com o grupo de forcadas pois já há malta nova. O Duarte de três anos já punha as mãos nas ancas e fazia-se para o touro enquanto a malta incitava. Vamos ver como fica na fotografia.














Aspectos do são e alegre convívio.















Na foto da direita: Sesimbra, Pedreiras. Bocas entre amigos. António Lopes de Calções, António Ferreira e Isidro Pólvora, vendo-se à esquerda Caeiro de Oliveira, Victor Luz de Costas e José Maria



Dos “Lassas de Sesimbra” um abraço para todo o Blogue,
Mário Fitas,
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 763

Fotos: © Mário Fitas (2009). Direitos reservados.
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série em:

Guiné 63/74 - P4997: Cartas (Carlos Geraldes) (10): 2.ª Fase - Abril de 1966 - Epílogo - O Regresso

1. Décimo e último poste da série "Cartas" de Carlos Geraldes, ex-Alf Mil da CART 676, Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66.


Epílogo: O Regresso

Paúnca, 03 Abril 1966
Hoje, domingo, apareceram cá, o Médico, o Castro, o 2.º Sargento Sousa e o Furriel Hugo. Só o Médico é que veio almoçar, os outros vieram cortar o cabelo. Acontece que o melhor barbeiro da Companhia pertence ao meu Pelotão. É sempre ele que nos corta o cabelo a todos, à borla claro! O pobre do rapaz não tem mãos a medir. Encara esse trabalho como mais uma das tarefas que lhe calhou na vida militar.
O Sargento Sousa veio para conferir o Depósito de Material existente e elaborar as respectivas guias de entrega ao pessoal que nos vier render.
Também já fechei as contas da cantina que, afinal pouco ou nenhum lucro deu, pois o cantineiro costumava enganar-se nos trocos… acabei por distribuir os livros de extinta Biblioteca (na maioria fotonovelas todas estafadas de tanto serem lidas e relidas), por aqueles que se mostraram mais interessados, pois não era um património que valesse muito a pena legar aos vindouros. Eles trarão com certeza coisas mais actualizadas e, se quiserem, rapidamente poderão ter também a sua própria Biblioteca.
Começámos a fazer as despedidas pelos comerciantes e houve um que por força queria que lá ficássemos toda a tarde a beber e a petiscar. O Doutor (claro!) e os furriéis ficaram, mas eu logo que apanhei uma aberta, raspei-me para o quartel para tratar da entrega do material com o Sargento Sousa.

Tinha acabado de tomar banho, já passava das 18 horas, quando me vieram chamar para ir continuar a festança. Contrariado mas curioso fui só ver como paravam as modas. E lá estavam eles como de costume a amparar o Médico que já não se segurava em pé, com a habitual carraspana. Assim não há pachorra e como não conseguia achar graça nenhuma àquilo, regressei ao aquartelamento.
São agora 11 da noite e eles ainda não apareceram. E o que mais me chateia é que o Doutor vai com certeza ter de dormir cá esta noite. Aqui no meu quarto onde é capaz de vomitar por tudo o que é sítio que nem um desgraçado.
Já estou farto de aturar este tipo de gente!
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Finalmente já se sabe qual o dia em que seremos rendidos.
Começaremos aqui pelo destacamento de Paúnca, primeira fracção da Companhia a seguir para Bissau no próximo dia 6 logo pela manhã.
As malas já estão feitas, quase tudo arrumado e pronto para ser entregue aos maçaricos que vierem para cá e que, diga-se de passagem, estão cheios de sorte. Não há dúvida que foi uma temporada bem passada!
Mas que estou a dizer? Até parece que fiquei com saudades disto, a gostar disto! Raios me partam!
Depois de chegarmos a Bissau ficaremos a aguardar a chegada do navio. Vão ser mais uns longos 15 dias de espera. Mas que, caramba, também vão passar!
Quando aqui desembarcámos, pensava que 24 meses eram uma eternidade e, afinal já passaram, já chegámos ao fim.
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Mas bem ao nosso estilo, surgem sempre as alterações de última hora. Agora não seremos nós, os primeiros a ser rendidos mas sim, os de Pirada.
Só daqui a uma semana (dia 11 talvez) é que marcharemos para Bissau. Espero que ainda cheguemos a tempo de apanhar o barco…

Bissau, 15 Abr. 1966
Finalmente em Bissau.
Saímos de Pirada e Paúnca pelas 15H00 de terça-feira (dia 12) e chegámos a Bambadinca, onde dormimos, cerca das 11 da noite.
Às 4 da madrugada do dia seguinte, embarcámos num batelão para Bissau.
Viagem horrível. O batelão vinha cheio de vacas e de nativos que tinham entrado primeiro que nós. Viemos durante quase todo o dia de pé ou sentados em caixotes à torreira do sol. Chegámos finalmente a Bissau às 15H30.
O alferes que me foi render a Paúnca era um tipo estupendo. Foi locutor na rádio Huila em Sá da Bandeira, Angola e também já é casado. Mas deixou a mulher lá, o que fez muito bem, pois as mulheres dos oficiais que por cá passaram, só têm dado barraca. Temos ouvido histórias inacreditáveis.

Embarcaremos, até ordens em contrário, no dia 27 e deveremos chegar a Lisboa no dia 3 de Maio. Agora estamos instalados no mesmo quartel em que estivemos antes de irmos para o mato. O velhinho Batalhão 600. Os soldados até estão a dormir na mesma caserna.
Os oficiais que viemos encontrar são todos periquitos, muito mal encarados. Nem falam com a malta. Eu também nem lhes dou os bons dias ou boas tardes.
Hoje estou de serviço, como oficial de piquete e prevenção. Um outro oficial que, também veio do mato e tem o mesmo tempo que eu, está de oficial de dia. Assim vou ter, felizmente, o fim-de-semana livre.

Ontem jantei no Grande Hotel, na companhia do Cardoso que, desde que aqui chegámos não me tem largado a perna pois mais ninguém lhe liga. Acabámos por ir ao cinema ver “Fanny”, com a Leslie Caron. Gostei. Foi uma noite bem passada. A temperatura na capital é mais fresca que a do mato. As ruas aumentaram e parece que os prédios cresceram de um dia para o outro. São os efeitos da guerra. Os preços nas lojas também subiram. Este mês creio que o ordenado fica cá todo.

Bissau, 19 Abr. 1966
Todas as noites, depois de jantar, reunimo-nos e vamos até qualquer bar ou esplanada da baixa, petiscar camarão ou ostras.
No quartel temos mantido um comportamento tão acima da média que toda a gente está bem impressionada connosco. Acabaram-se os problemazinhos quotidianos que surgiam constantemente, quando estávamos no mato, em Pirada e em Paúnca. Agora acordamos todos os dias, alegres e descontraídos, pensando sempre que falta menos um dia.
Uma das coisas que mais me impressiona no comportamento que os nossos soldados estão a ter agora é precisamente a calma com que estão a encarar estes últimos dias de comissão. Até parece que reina entre nós uma certa nostalgia por deixarmos estes lugares.
A nossa despedida de Pirada foi extraordinariamente comovente. Todos os amigos que lá fizemos e que por lá ficaram, o M. Santos e a família, o velhote Gomes e os outros comerciantes, a Ti Clara, a Cumba e todas as outras meninas do régulo Solo Só, vieram despedir-se com lágrimas nos olhos e correram atrás dos camiões até os perderem de vista no pó da picada.
Foi até hoje, uma das despedidas mais dolorosas que vivi. Deixámos ali abandonada para sempre (?) aquela gente que não tem outro modo de existência senão ficar ali, expondo-se a uma ameaça eminente, desaparecendo aos poucos da nossa memória.

(A ameaça eminente a que me referia, era a das presumíveis retaliações, logo que a guerra terminasse, pois os guerrilheiros, futuros vencedores iriam, certamente tratá-los como gente traidora, como cobardes que nunca fizeram qualquer sacrifício em favor da causa. O que infelizmente veio a acontecer, nos primeiros anos de euforia da independência)

Confesso que também me vieram as lágrimas aos olhos.
Agora aqui em Bissau levamos uma vida regalada, pois o serviço até nem é muito e a camaradagem com aqueles que, como nós, também vão regressar, é entusiasta e franca.
Estes últimos dias são de uma emoção fora de todos os limites. Estou ansioso de subir para o barco.

Bissau, 26 Abr. 1966
O Uíge já chegou!
Embarcamos hoje às 17H00 e largaremos de Bissau durante a noite. Estes últimos momentos têm sido fantásticos. A balbúrdia parece reinar, mas o que existe de facto é apenas uma alegria esfuziante em cada rosto dos que partem.
Ontem tivemos a cerimónia da entrega das medalhas comemorativas das Campanhas da Guiné e agora pavoneamo-nos por Bissau com a fitinha verde e vermelha no peito.
Quanto aos soldados estão todos a portar-se muito bem. Não tem havido qualquer contratempo e até estamos (nós os oficiais) admirados com isso.
Ontem à noite, o Quartel-General ofereceu um espectáculo de variedades que agradou em cheio e serviu de relax para todo o pessoal.
Enfim, estou a viver a maior alegria da minha vida.
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Nota de CV:

Vd. postes da série:

14 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4821: Cartas (Carlos Geraldes) (1): Apresentação e Prólogo

21 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4848: Cartas (Carlos Geraldes) (2): 1.ª Fase - Maio a Julho de 1964

25 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4861: Cartas (Carlos Geraldes) (3): 1.ª Fase - Agosto e Setembro de 1964

28 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4875: Cartas (Carlos Geraldes) (4): 2.ª Fase - Outubro a Dezembro de 1964

3 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4892: Cartas (Carlos Geraldes) (5): 2.ª Fase - Janeiro a Março de 1965

7 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4916: Cartas (Carlos Geraldes) (6): 2.ª Fase - Abril a Junho de 1965

10 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4933: Cartas (Carlos Geraldes) (7): 2.ª Fase - Julho a Setembro de 1965

15 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4958: Cartas (Carlos Geraldes) (8): 2.ª Fase - Outubro a Dezembro de 1965

20 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4980: Cartas (Carlos Geraldes) (9): 2.ª Fase - Janeiro a Março de 1966

Guiné 63/74 - P4996: Controvérsias (35): O caso do Amílcar Ventura... Resistência ou colaboracionismo ? (Vitor Junqueira)

1. Texto do Vitor Junqueira (*), com data de 17 do corrente (Aqui, na foto à esquerda, a receber das mãos de outro senador do nosso blogue, o A. Marques Lopes, em 2007, no nosso II Encontro Nacional, em Pombal, mais de trinta anos depois, a condecoração que não lhe chegou a ser oficialmente dada em 10 de Junho de 1974, por causa das partidas da História):

Amigos Luís Graça e Carlos Vinhal,

O Texto que se segue está pronto há uns dias. Pela falta de oportunidade, estive numa de manda-não-manda até que hoje constatei que, embora de forma indirecta, se voltava ao tema. Decidi-me e agora é convosco. Se houver necessidade de poda, força! Peço a vossa atenção para os itálicos que agora, também na qualidade de editor (**), sei que não passam para o blog!

Um especial abraço para vocês,
VJ



2. Colaboracionismo (***)
por Vitor Junqueiro


Pessoal amigo, desta e doutras guerras, bloggers militantes, gente de sentimentos e coração ao pé da boca... e na ponta dos dedos.

Cheguei há pouco da Pérola do Atlântico que não visitava havia já duas legislaturas – é a nova medida do tempo na região – e nesta volta, em que esquadrinhei montes e vales, concluí: O Homem é um génio! Não sei quem pagou ou vai pagar. Algum do nosso, certamente já escorregou, mas o que vi deixou-me de boca aberta e acreditem que com a minha idade, uma pessoa já não se deixa deslumbrar facilmente. Rendo-me, e apesar da minha simpatia pela bola com o A lá dentro, até estava capaz de lhe oferecer uma cruzita se soubesse que ele se adaptava ao clima do Contnente.

Boca aberta, nem sempre significa iminência de disparate. Assim o espero, ao meter a colherada numa polémica que tem assanhado ânimos e desencadeado fúrias literárias e à qual, por uma questão de princípio, não poderia ficar alheio.

Uma pessoa vira as costas e é no que dá. Palavras desembainhadas, G3 na rua, (e as bazucas?), pelotões de fuzilamento! Parece que os camaradas não ficaram fartos. (****)

Como quem não quer a coisa, lá veio o patrão tentar meter ordem na caserna (post 4953, excitação 45). E não é que o homem escreve bem e explica-se ainda melhor!? Nunca entenderei porque é que dizem aquilo das pessoas da Lourinhã! (*****) Eu até gostava de encontrar um pintelhinho que desse para aquecer (ainda mais…) o debate, já que é disso que o meu povo gosta. Mas não, aquilo vai ao encontro da minha própria visão sobre a matéria e portanto, o Luís disse e está dito. E no entanto...

Eu gosto muito de contos da carochinha. Até já escrevi alguns que passaram no blog. Mas por natureza, prefiro os do Lobo Mau. Gosto especialmente daquela cena em que o dentuças pergunta ao capuchinho o que faz abaixada à beira do rio.
- Então não vê que estou a lavar a minha c…, senhor lobo?
Ao que o malino responde confuso:
- Ai porra, agora é que chegaste para mim. Eu não conheço essa versão da história …!

Neste palco, têm sido contadas muitas histórias, com maior ou menor brilho consoante a arte do narrador. Algumas deixam-me tão confuso como o pobre lobo. Como esta tanga do gasoil, que pura e simplesmente nunca aconteceu por flagrante impossibilidade material. Ou se calhar o meu cerbo está a ficar cansadito, com diz a minha paciente D. Joaquina!

De facto, já tinha lido uma resma de comentários ao post do Vasco da Gama, e atendendo à qualidade dos comentadores, nem deveria atrever-me a abrir o bico. Pois atrevo, e ainda por cima para dizer, “basta de porrada no ceguinho, chiça!”.

Brincadeira e ironias à parte, até nem seria má ideia abrir um canal novo para falar dessa questão tabu chamada colaboracionismo. No caso de Angola e Moçambique, parece não restarem muitas dúvidas de que existiram ajudas que podem configurar efectiva colaboração com o IN. Cantineiros isolados no mato, missões religiosas, empresas do ramo agro-industrial (madeireiras), possivelmente transportadores, colaboraram. Com dinheiro, géneros, informações, oferecendo guarida, tratando feridos etc. Uns, tê-lo-ão feito por convicção. Outros, assertivamente, compraram o sossego pagando um tributo.

Até aqui, não há qualquer novidade. Quem esteve atento ao recente trabalho do Joaquim Furtado sobre a Guerra de África, teve oportunidade de ouvir contados na primeira pessoa, relatos de antigos colaboradores. E na Guiné, o que é que se sabe para além dos casos conhecidos de deserção para o lado do PAIGC e algumas bem urdidas fugas de informação?

Durante a minha comissão, ouvia-se dizer que aqui ou acolá actuariam agentes infiltrados do IN, outros comiam dos dois lados e alguns até tinham nome. Ao meu conhecimento nunca chegou qualquer confirmação. Põe-se então a questão de avaliar, quem o quiser fazer, se as cervejolas, os cigarritos e tantas, mas tantas outras tentativas de chegar à fala com a guerrilha da respectiva ZA [, Zona de Acção], através da oferta de roncos, consubstanciam alguma forma de colaboracionismo. Não, segundo o meu critério. Eu próprio, em determinada altura, dactilografei uma carta mais ou menos nestes termos:

"Caros camaradas do PAIGC, sabemos que a guerra nos proíbe de sermos amigos. No entanto, nada nos impede de fazer um intervalo na missão que nos foi atribuída de nos liquidarmos mutuamente. Por isso, aguardo que me façam saber se estão dispostos a participar numa futebolada com a nossa malta e com a garantia de total segurança para o vosso regresso etc. e tal, despedidas e assinatura".


A cartinha foi deixada num trilho muito batido, andou por lá meses e reapareceu espetada num galho com uma alfarroba por perto. O caso teve como testemunhas, o ex-capitão Cupido, oficiais e sargentos da CCaç 2753. (Se necessário envio lista com endereços e números de telefone).

Uma curta história, da qual nada se pode concluir quanto às diferentes formas que o colaboracionismo pode assumir, esta não terá sido uma delas. A mim, importa-me sobretudo frisar que se tivesse aparecido alguém para uns toques na bola, nem num pêlo lhes teríamos tocado! No dia seguinte, se os céus me facilitassem tal desígnio, ter-lhes-ia limpo o sebo com a maior das satisfações. No mato, de canhota na mão.

Agora, que me responda quem sabe: quantas guarnições isoladas e sem qualquer hipótese de defesa, não se aguentaram mercê de um fechar de olhos a certos intercâmbios que se operavam nas suas redondezas? E quantas destas, não foram poupadas pelo facto de o próprio IN ter interesse na sua permanência em determinadas áreas? Que parte da nossa logística foi parar às mãos do PAIGC?

Em qualquer destas situações, nada houve que possa confundir-se com actos de colaboracionismo formal ou informal. Falta-lhes um elemento caracterizador, o desejo ou a vontade de ver o IN consagrar-se militarmente vitorioso.

E porque é que somos como somos, na Guiné, nos Balcãs ou em Timor? Desconheço, mas tenho uma ideia! Esta é a maneira de ser do soldado português desde há séculos, espírito prático, adaptável, filho de um povo de brandos costumes que colonizou continentes com a Bíblia numa mão e a espada na outra. Se for preciso, matamos o nosso irmão mas não o odiamos.

Quem passou pela experiência de caçar algum elemento da guerrilha à unha ou assistiu à sua entrega voluntária, sabe do que estou a falar. Não desconheço Wiriamu ou as façanhas de um tal alferes R. em Angola ou certas formas de destruir o inimigo na Guiné, que a maioria de nós, ex-combatentes, jamais aprovaria. Mas esses casos foram a excepção que confirma a regra. Acho eu, ou estarei tótó de todo?

Retomando o caso do nosso camarada que disse o que disse a propósito do bidonzito de gasoil, estou convencido de que ele não é ceguinho e também não será tonto nem mentiroso. A sua inteligência até lhe permitiu entender que neste palco onde todos têm podido dizer o que lhes vai na alma, parece e sublinho o parece, existir uma matriz ideológica prevalecente, que sempre se manifestou contra a guerra. A decisão de defender pelas armas o que pelos vistos, não muitos, consideravam territórios portugueses do ultramar, tem sido aqui profusamente criticada.

Não raras vezes, essas críticas têm-se feito acompanhar de considerações enaltecendo a razão histórica e a superioridade moral da luta do PAIGC contra as forças de ocupação – nós! Foram publicadas dezenas (centenas?) de páginas glorificando as acções do IN ou pelo menos gabando-lhe tanto a estratégia como a astúcia. Defendeu-se até à exaustão a versão da derrota militar das FA portuguesas, implicando nesse desfecho a ineficiência do dispositivo militar, a impreparação dos comandos, a desmotivação generalizada das tropas que não reconheciam ao regime legitimidade para envolver o país numa guerra injusta, assassina e contra os ventos da história, etc., etc., etc.

Foi tal a torrente de documentação carreada para o debate – citações de personalidades de indiscutível peso na política nacional e internacional de então, textos retirados de diversos livros e outras publicações, documentos, transcrições de discursos, reportagens e entrevistas –, que eu próprio, embora continue a afirmar que o retrato não condiz minimamente com a paisagem no espaço e no tempo em que lá estive, só por uma unha negra não fiquei também (con)vencido … quanto ao vencimento dessa tese!

O que eu acho, e estou-me nas tintas se o mundo inteiro se está cagando para aquilo que eu acho, é que o camarada Amílcar, a quem envio um abraço de solidariedade tertuliana, apenas terá querido ir ao encontro do que julgava ser “politicamente correcto”. Alinhar com essa corrente de pensamento supostamente dominante no seio da Tabanca, exigiria algum tipo de ritual, uma espécie de prova de fogo sem a qual o nosso iniciado acha que não apresenta as necessárias credenciais para ser admitido pelo grupo dos mais vanguardistas. E vai daí, como não desertou, não passou informações ao IN nem sabotou coisa alguma, resolveu oferecer-lhes um bidon de combustível, que era o que tinha à mão. Se bem que, ajudar materialmente o outro lado até pode ter justificação, em caso de catástrofe humanitária, por exemplo. O que nunca poderia ser o caso.

Na sua (minha) perspectiva, dar uma mãozinha à rapaziada da outra banda, teria apenas o significado de estar muito avançado para o seu tempo, ter o sentido da premonição e antecipar que daí a pouco … dá cá um abraço pá, e agora somos todos camaradas e amigos.

Ora uma coisa é a análise que podemos fazer deste conturbado período da história e das nossas vidas no plano político-filosófico, se assim o quisermos. Questão bem diferente é a da coesão do sistema baseada no pragmatismo das relações entre indivíduos, nas lealdades de sangue ou de grupo, na sobrevivência da matilha, onde qualquer traição se paga caro. E nem toda a gente possui as armas para fazer essa destrinça, se me faço entender, limitando-se a ensaiar o salto teórico para o outro lado da barreira e esperar ser aceite. E foi o que aconteceu, tratou-se apenas um ensaio e nada mais.

Naturalmente, não quis nem teria competência para desmontar um processo mental complexo, ainda para mais, desconhecendo o substrato psicológico do visado. O que sei, e disso tenho obrigação, é que em determinadas circunstâncias, a nossa cachimónia prega-nos partidas, levando-nos a acreditar em quimeras.

Se esta é uma forma simplista de desvalorizar uma história que a ter fundamento, seria um acto muito grave só comparável à prática de espionagem a favor do inimigo, não deixa também de ser um apelo à razoabilidade e um lembrete acerca do perigo dos julgamentos serôdios.

E aqui volto à velha questão da legitimidade para aferir comportamentos passados correlacionados com matérias acerca das quais, a sociedade portuguesa continua tão profundamente dividida.

Quanto aos reparos, foram no mínimo oportunos, se não mesmo pedagógicos! Vão certamente ter o mérito de arrefecer certas derivas para a confabulação. A seriedade do Blog deve ser um valor para nós que o fazemos, e para os milhares que lá vão beber a informação de que necessitam. Assumir a possibilidade de a qualquer momento se ser confrontado com a crítica severa ou o contraditório, é um excelente estímulo para cultivar a objectividade, penso eu de que. Relativamente à explicação do Luís, achei-a fundamental para que todos percebam que determinadas matérias (textos), pela sua forma ou conteúdo, necessitam mesmo de nota prévia e da perguntinha à Fernando Mendes: Fica assim mesmo ou quer pensar melhor?

E agora venha a porrada!

Paletes de abraços,

V. Junqueira

PS (não é esse!)- Falei em histórias da carochinha e do lobo mau. Quis dizer que as aprecio imenso, mas de vez em quando necessitamos de um prato de substância capaz de provocar uma certa agitação das águas. Tenho reparado que são publicadas páginas e páginas de muito interesse, sem dúvida, mas que não suscitam uma singela observação. Já quando o tema é fracturante – está na moda, o fracturante! – logo aparecem os comentadores de serviço e os outros. Por isso, faço um apelo à querida cambada para que não se fique pelo comentarizito de postagem directa. Simples e curto, não é, malandragem?

[ Revisão / fixação de texto / bold a cor: L.G.]


2. Nota de L.G. enviada ao autor, no dia seguinte

Muy preciosa... a prosa. Fica a aboborar. Talvez saia mais logo ou sábado... Tenho tido pouco tempo esta semana, estou em júris de selecção de candidatos aos nossos cursos...

Vitor, fazes sempre muita falta cá na caserna... Dás pica e sabes temperar as tuas intervenções com um sentido de humor, muito especial, que eu aprecio de sobremaneira...

Só não concordo contigo quando dás a entender que há um main stream , uma corrente de fundo, na Tabanca Grande, pró-PAIGC... A maior parte dos textos que publicámos sobre o PAIGC até são de fontes nossas... Outros são documentos com interesse historiográfico (PAIGC Actualités, por ex.)... Pessoalmente gostaria de triangular a informação, como fazem os historiadores... Infelizmente são raros os depoimentos do outro lado... Ficaram de me arranjar histórias de vida de guerrilheiros... Espero um dia poder também inseri-las aqui, para serem objecto de análise crítica da nossa parte... como foi a história (mal contada, também concordo...) do Amílcar Ventura (Ele prometeu responder dentro de dias a algumas críticas, não fugiu...).

Aquele abraço. Luís

3. Resposta do Vitor:

Luís,

A tua apreciação sobre o meu trabalho é que é preciosa para mim. Estimulante e encorajadora.

Permite-me desfazer um equívoco de que serei, eventualmente, o primeiro responsável. No blog existe de facto um main stream anti-guerra e não pró-PAIGC. Uma coisa não tem forçosamente que ver com a outra. De outra forma o que é que eu estaria a fazer no seio desta tertúlia? Se ando por aqui, é porque me sinto confortável e muito bem acompanhado!

Abraço,
VJ

__________

Notas de L.G.:

(*) Vitor Junqueira, ex-alferes miliciano da CCAÇ 2753 - Os Barões (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72), médico, residente em Pombal, membro da nossa Tabanca Grande, organizador do nosso II Encontro Nacional (Pombal, 2007).

(**) Referência ao seu blogue pessoal, "Kurt" - Amizade, Viagens, Aventura e muito mais!... ("O Blog onde se ligam amigos e companheiros de viagem para 'curtir' o que a vida tem de melhor. Porque só temos uma, há que aproveitá-la!"). Um blogue andarilho...onde também colabora o nosso Paulo Santiago, de Águeda.

(***) O colaboracionismo dos guineenses (que estiveram do nosso lado), foi já aqui - no Blogue, I Série - objecto de debate... vd. postes de:

27 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCVI: O colaboracionismo sempre teve uma paga (6) (João Parreira)

26 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCC: O colaboracionismo sempre teve uma paga ( 5) (Carlos Vinhal)

26 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXCIX: O colaboracionismo sempre teve uma paga (4) (Pepito)

26 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXCVIII: O colaboracionismo sempre teve uma paga (3): Paulo Raposo

26 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXCVI: O colaboracionismo sempre teve uma paga (2) (Zé Teixeirq)

25 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXCV: O colaboracionismo sempre teve uma paga (1) (A. Marques Lopes)

(...) Notas de L.G.:

(...) Colaboracionismo: Actividade, comportamento, atitude ou interesse de colaboracionista, ou seja, de pessoa que colabora com ou apoia o inimigo que ocupa, total ou parcialmente, o território do seu país (Dicionário Houaiss da Lígua Portuguesa, 2002).

O termo fancês collaborationniste surgiu em 1940, na sequência da ocupação da França pelo exército alemão e a constituição do Governo de Vichy, presidido pelo Marechal Pétain (1851-1951), o herói de Verdun na I Guerra Mundial. Depois da libertação, Pétain foi condenado à morte por alta traição, sentença comutada em prisão perpétua. Houve outros governos colaboracionistas durante a II Guerra Mundial: Bélgica, Holanda, Noruega (com o famigerado Vidkun Quisling, abertamente favorável aos nazis), Croácia, Hungria bem como noutras partes da Europa de Leste...

Ao colaboracismo contrapõe-se a resistência: por exemplo, a resistência francesa, La Résistance (1940-1944) à ocupação nazi e ao regime de Vichy... Em Portugal, também se fala de Oposição ou Resistência à Ditadura (leia-se: Ditadura Militar, instaurada em 28 de Maio de 1926 e depois, a partir de 1933, Estado Novo, deposto em 25 de Abril de 1974).

(****) Vd. postes de:

15 de Setembro de 2009 >Guiné 63/74 - P4953: (Ex)citações (45): Resposta ao Mário Fitas: Luís, deixa sair de vez em quando as G3...(Luís Graça)


11 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4939: Banalidades do Mondego (Vasco da Gama) (IV): A minha guerra foi outra, camarada Amílcar Ventura


11 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4936: O segredo de... (6): Amílcar Ventura: a bomba de gasóleo do PAIGC em Bajocunda...

(****) Sobre este tópico, vd. A HISTÓRIA DA LOBA (excerto, com a devida vénia, de Papagovas > Página pessoal de Fernando Silva)

“Pensas que sou da Lourinhã???”

Eis uma expressão por muitos sobejamente conhecida, e que significa: “Julgas que sou estúpido?”, mas a maioria desconhece a sua origem.

No seu livro "A Extremadura Portuguesa”, Alberto Pimentel escreveu o seguinte:

"O Diccionario ’Popular, de Pinheiro Chagas, remata o seu ligeiro artigo sobre a Lourinhã, dizendo : 'Não sabemos qual a origem do proloquio vulgar, que faz com que se diga de um homem lorpa e que tudo ignora: Parece que veio da Lourinhã.' Este proloquio tem ainda outras modalidades, taes como : – E’ da Lourinhã! – Não se faça da Lourinhã! todas ellas batendo no mesmo sentido. E’ provavel que alguma anecdota explique a procedencia do proloquio, como synthese da boçalidade do camponez da Lourinhã. Ignoramol-a. Mas o que sabemos é que o povo d’este concelho conserva uma rudeza primitiva e aquella ignorancia tradicional que os saloios herdaram dos seus antepassados. Assim nos affirmam pessoas que de perto o conhecem."

Na década de 1930, Dona Amélia do Perdigão tinha, na sua quinta, um corpulento animalejo de raça canina que metia respeito e mantinha à distância quem ousasse aproximar-se do palacete ou do trem onde se fazia transportar.

Um dia o animal desapareceu da Quinta do Perdigão e a partir daí, deu muito que falar na região devido ás muitas histórias que sobre ele foram inventadas.

Uns chamavam-lhe LOBA, outros RAPOSA, e que esta devorava animais com as suas garras, dizimava rebanhos, coelhos, galinhas, matava vitelos, e havia quem dissesse que, no Vale Côvo (Conselho do Bombarral), chegou a matar um burro.

Formaram-se grupos populares, Milícias e até chegaram reforços Militares de Lisboa, com o intuito de abaterem a Loba. Chegou-se mesmo a pensar em evacuar a Vila, tal era o pânico da população.

Quando finalmente o animal foi abatido, verificou-se tratar-se “apenas” de uma cadela assustada e esfomeada.

Daí surgir a expressão: 'Pensas que sou da Lourinhã???', devido a este infeliz incidente. (...)".

Felizmente, meu caro Vitor, a minha terra deixou há 25 anos de ser a Terra da Loba, para se tornar a Capital dos Dinossauros... No Oeste estremenho, há outras terras que continuam a ser objecto de troça (ou até de insulto), por causa de anedotas históricas como esta... É o caso de Peniche ("Amigos de Peniche"...), de Rio Maior ("O Leão de Rio Maior")... Tu próprio fazes questão de sublinhar que és de Pombal, ou vives em Pombal (e não do Pombal, no Pombal)... Preciosismos literários ? De modo algum... É como os alentejanos de Cuba: não se vai a Cuba, vai-se à Cuba... Cada terra e cada povo tem a sua idiossincrasia... e as suas susceptibilidades...

Guiné 63/74 - P4995: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (5): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – O meu Bura… ko em Banjara!

1. Continuamos a publicar as memórias do nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda. Este é o 5º poste desta sua série, continuando os postes P4877, P4890, P4924 e P4948:

AS MINHAS MEMÓRIAS DA GUINÉ 1965/67

(Continuação)

Começando as escavações para o abrigo subterrâneo da minha Secção.
Da esquerda para a direita: Valter, Paixão, 1º. Cabo Manuel (mais conhecido pelo Cabo lateiro), o Autor, Leonel, Sold Condutor Santos, Guerreiro e 1º Cabo Vitorino.

Mais uma saída com passagem por Tumania. Tudo como dantes nem população vimos. Enveredamos pela picada à direita, em direcção a Sambulacunda. Uma vez ali chegados cercamos a tabanca, mas, mais uma vez, não vimos qualquer nativo.

Teriam com certeza sentinelas bem atentos, pelo que, apenas encontramos um deficiente locomotor que ali havia ficado.

Como a fome apertava comemos mandioca crua, após o que seguimos em direcção a Bantajá, onde entramos e, mais uma vez, nem populares vimos.

O pessoal foi distribuído por sectores nos arredores da tabanca e alguns dentro da mata, para observarem se havia algum movimento suspeito.

Repentinamente ouvem-se alguns tiros na retaguarda, que foram disparados pelo IN, que tinham trepado para cima de algumas árvores, quando se aperceberam da nossa presença.

Felizmente sem consequências para a nossa tropa. O Zé, soldado nativo, foi o único que os viu, mas com a velha Mauser não pôde fazer nada, só o ouvia a dizer: “Se eu tivesse uma G3 matava-os!”.

Mais tarde regressamos normalmente a Banjara.

Continuamos as escavações. Chega o dia de Natal e ofertaram-nos vários aerogramas amarelos e um isqueiro a cada um. Na noite de consoada comemos costeletas com batatas, bebemos uns copos e cada um regressou ao seu sector.

Depois das escavações, fomos cortar diversas palmeiras, ao lado do pontão e transportamo-las às costas até à estrada, onde estava uma viatura. A ideia era levá-las para o destacamento e colocá-las em cima do abrigo (à laia de tecto), abrimos uns tantos bidões vazios, endireitamos as chapas e colocamo-los em cima dos troncos, após o que cobrimos tudo com uma grande camada de terra compactada, para o tornar mais sólido, protegido e seguro, contra eventuais ataques do IN.

Concluído o abrigo que servia de dormitório e tinha capacidade para catorze ou quinze pessoas, que assim deixaram de dormir nas tendas de campanha, seguiu-se a inauguração efectuada pelo Alferes Soeiro - Comandante do meu Pelotão.

Este abrigo, mal ou bem, serviria até a casa ser reconstruída.

Continuamos as nossas acções, montando emboscadas na estrada Mansoa - Bafatá para segurança das colunas que por ali passavam.

Em Janeiro de 66, apanhei uma infecção nas virilhas que mal podia andar. O enfermeiro comunicou o sucedido ao capitão, e disse-lhe que eu tinha de ir ao médico a Bafatá. Tal só possível no dia 21, porque só nesse dia é que houve uma coluna. Lembro-me exactamente deste dia, porque foi precisamente o dia em que nasceu o meu filho.

O telegrama chegou a Banjara e eu parti sem que ninguém me o tivesse entregue com a outra correspondência. Esta é uma das consequências da guerra.

Fui ao médico, que me receitou uns medicamentos, tratamentos e repouso em Camamudo. Sobre o nascimento do filho nada. Todos os dias pedia ao radiotelegrafista que ligasse para Geba e perguntasse se tinha algum telegrama. Nada!

No dia 27JAN65, voltei ao médico a Bafatá. O condutor disse-me que se a consulta fosse antes da chegada do avião, íamos ao aeroporto buscar o correio para o destacamento.

A consulta foi mesmo antes e lá fomos nós. Separamos o correio por destacamentos e quando estávamos a ordenar o nosso, diz-me o cabo: “Meu furriel tem aqui uma carta para si.”

Era a certidão de nascimento. Então não é que esta me chegou primeiro, do que o telegrama em que me era comunicado que eu era pai! Vim depois a saber que o telegrama tinha ficado em Banjara e nunca me chegou às minhas mãos.

Foi um dia de festa, para mim e para a rapaziada, que beberam e festejaram até caírem de cabeça “grande”… como diziam os nativos.

Os dias foram passando e fui-me curando da infecção nas virilhas. Uma bela noite acompanhado pelo Furriel Vargas, fomos dar uma volta pelas tabancas e lembramo-nos de ir para casa do Chefe de Posto, cada um levando uma garrafa de whisky. Conversa daqui, conversa dali, bebemos as duas garrafas e, como fosse pouco, ainda acabamos com meia garrafa que o Chefe tinha em casa.

Com a conversa em dia e bebido o wiskezinho, saímos da casa dele, por volta das duas ou três da manhã. Quando íamos a entrar no destacamento estava o 1º Cabo 147 Alfredo a sair de serviço.

Juntamo-nos os três e fomos fazer uma ronda pela Tabanca do Régulo, porque havíamos visto lá uma luz. Estavam dois miúdos a estudar àquela hora e fizemo-los deitar.

Dissemos então ao 1º Cabo para destapar uns cestos que estavam dentro da tabanca. Sabem o que estava dentro dos cestos, galinhas. Tivemos que torcer o pescoço a três, após o que regressamos, para nos deitarmos a dormir. A “alvorada” foi por volta das dez horas da manhã, porque o 1º Cabo me foi chamar, dizendo que o Chefe de Tabanca ia a caminho do Chefe de Posto, com as 3 cabeças das galinhas nas mãos.

Momentos depois regressou o Chefe de Tabanca. Fui ter com o Chefe de Posto para me responsabilizar pelo pagamento das galinhas e pedir desculpa aos lesados. A resposta deste foi: “Nem pensar o culpado fui eu e está tudo resolvido.”

Não foi preciso eu fazer mais nada. À tarde fez-se uma petiscada onde apareceu também o Chefe de Posto. Ao fim de mais umas cervejas… nova cabeça “grande”.

Era assim a vida em Camamudo, passear pelas Tabancas, psico aos nativos, levar medicamentos para os doentes mais necessitados e receber uns ovos e galinhas em troca.

Quando não tínhamos nada para oferecer… pagávamos a mercadoria com escudos, ou pesos.

Um forte abraço do,
Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/Ranger da CCAÇ 1426

Fotos: © Fernando Chapouto (2009). Direitos reservados.
__________
Nota de MR:

Vd. postes anteriores desta série, do mesmo autor, em:

1 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4890: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (2): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Escolta a barco para Farim

9 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4924: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (3): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Operação em Mansoa

14 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4948: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (4): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Sector de Bafatá/Op. AURORA

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4994: Notas de leitura (23): "Memórias de um guerreiro colonial", de José Talhadas - Parte I (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (*), ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70, com data de 21 de Setembro de 2009:

Saúde e prosperidade para todos.
Levei as memórias do sargento Talhadas para férias e não estou nada arrependido. Afinal, ainda há muito a esperar da memória da geração combatente.

Dividi os elementos desta recensão em vários textos, para evitar ser mais enfadonho do que é usual.

Um abraço do
Mário


Um guerreiro colonial na primeira pessoa do singular
Beja Santos

Chama-se José da Conceição Gomes Talhadas, é Sargento-mor Fuzileiro Especial, tem uma folha de serviços invejável, desde condecorações a louvores.

Em Abril de 1964, com apenas 17 anos, pediu para ser incorporado na Marinha. Pediu uma especialidade, deram-lhe outra, a de fuzileiro. Foi primeiro para a Angola, fez duas comissões na Guiné-Bissau e com o 25 de Abril foi novamente destacado para a Angola onde viu os prelúdios da Guerra Civil. Resolveu passar todas as suas recordações a escrito, e o mínimo que se pode dizer do seu registo é que se trata de um relato de referência obrigatória para o conhecimento do papel dos fuzileiros em Angola e na Guiné-Bissau. Acresce que nas duas comissões que prestou na Guiné-Bissau profere considerações altamente polémicas que certamente merecerão aos estudiosos um exame muito atento para o conhecimento do moral das forças do Exército (Memórias de um guerreiro colonial, José Talhadas, Âncora Editora, 2009).

Uma questão prévia é posta pelo editor com todo o destaque. A colecção ora encetada com as memórias do sargento Talhadas têm o objectivo de dar voz aos que, tendo algo para contar, se refugiaram sempre na dificuldade de expor, de escrever, ou de serem pessoas “sem importância” em tudo o que se passou. Esta nova colecção acolherá todos aqueles que queiram dar a sua versão, a sua visão, e que tantas vezes não houve a coragem de as pôr por escrito. É este o desafio que eventualmente a Âncora Editora lança a todos nós.

O sargento Talhadas participou de uma forma activa na Guerra Colonial durante cerca de dez anos. O seu depoimento é de um homem que não quer esconder nos ideais que acreditou, assumindo-os com convicção. Toda a sua prosa espelha o sentido da disciplina e uma elevada consideração pela hierarquia militar. Começou por ser conhecido pelo Baixa da Banheira ou o 22, o que se prende com as suas origens humildes de que ele tanto se orgulha. Nascido em Moura, em 1947, veio com os pais para a Baixa da Banheira, era na cintura industrial de Lisboa que os pais buscaram melhores condições de vida. Depois da quarta classe, tinha o mundo do trabalho à sua espera: aprendiz de balcão numa loja de venda de tecidos, depois ajudante electricista, mais tarde operário corticeiro, por fim empregado de escritório em Alfama. Depois sonhou ir para a Marinha tirar um curso de electricista ou radarista. Mas o médico na inspecção foi bem claro: “Esse dá um bom fuzileiro”. Seguiu para a Escola de Fuzileiros de Vale do Zebro, feita a recruta tirou o curso geral de fuzileiro e depois foi convidado para o curso de fuzileiro especial. Aos 17 anos foi mobilizado para a Angola, onde esteve de 1965 a 1967, mobilizado para um destacamento de fuzileiros especiais. Regressa a Portugal e dois meses depois junta-se a outro destacamento de fuzileiros especiais embarcando para a Guiné onde esteve desde finais de 1967 a Outubro de 1969. Nos finais de 1969 volta à Guiné de onde regressou em Dezembro de 1971. Com quase 24 anos é um combatente veterano. Depois do 25 de Abril regressa à Angola com uma missão especial: fazer a entrega aos guerrilheiros dos postos ao longo do rio Zaire.

O sargento Talhadas manifesta (e escreve repetidamente) que na sua ideia de nação, Portugal ia do Minho a Timor. Quando chega a Luanda, em 1965, como simples grumete, deslumbra-se, descobre o camarão e a lagosta, os bordéis, a ânsia de viver o mundo. Mas descobre também a camaradagem e o fascínio da mata, na região dos Dembos. O seu relato é tocante pela simplicidade, o verdor e a brutalidade das experiências da morte, a dor dos feridos e dos mortos. Sentiu sensações dúbias no Zaire, entre o deslumbramento e a decepção.

O registo das memórias torna-se mais intenso, viril e doloroso na primeira comissão da Guiné onde, diz ele, se tornou um guerreiro colonial. Foi na Guiné que adquiriu a capacidade de respeitar os guerrilheiros que lutavam sem desfalecimentos e enfrentando o inimigo sem virar a cara. A adaptação não foi fácil, nada se comparava a Luanda, em Bissau ouviam-se perfeitamente as armas do PAIGC. A primeira operação foi na região de Tombali. Não a esqueceu, tal a impressão que lhe deixou, um inferno de metralha e tiros, gritos lancinantes, ordens que não conseguia perceber, a fúria de um envolvimento, e o primeiro morto, o Escritas, o grumete que tinha a especialidade de escriturário e que foi atingido com um tiro na testa. Abandonado o local, avançou-se em ciclo, um truque para despistar o inimigo. Seguiram depois para o rio Cacheu, para a base de Ganturé. Nunca se esqueceu de quartéis constituídos por improvisadas habitações e a real falta de controlo da fronteira por parte das tropas portuguesas. A missão dos fuzileiros era fazer patrulhamentos de bote diários no rio Cacheu. Era a partir daqui que se faziam operações em locais tão ásperos como Sambuiá, Cumbamory ou Morés. As operações em Canjaja Mandinga revelaram-se um êxito: é apanhado um comandante, o PAIGC sofre mortos, os fuzileiros foram obrigados a retirar, seguiu-se a desforra, que foi brutal.

Em certos momentos, o sargento Talhadas deplora a falta de qualidade do comando, mas depois contém-se, era um militar altamente disciplinado, aprovou e promoveu as virtudes da estrutura hierarquizada. Em Bissau, no desfastio do guerreiro, os fuzileiros envolvem-se à porrada com civis, logo a seguir vem a guerra, novas patrulhas no rio Sambuiá, de vez em quando as minas matavam ou feriam gravemente os fuzileiros. “Ganturé era um campo de arame farpado, encostado ao rio Cacheu. Do outro lado do rio, a 100 metros, mais metros, menos metro, estendia-se uma extensa zona que ficava em permanência à mercê da guerrilha. Quando se saía desse quartel pela via fluvial, a primeira preocupação era estar atento ao que podia surgir da margem sul. E dela surgiu fogachal muitas vezes”. A vida em Ganturé era feita de muita tensão, dali se partia para o interior das matas, à procura dos santuários do PAIGC. É nestas operações que o sargento Talhadas é considerado um herói. Naquela guerra, diz ele, o que contava eram os guerrilheiros mortos e as armas capturadas. Chega o Natal, ele aí revive a camaradagem e recorda todos aqueles que viveram essa época em quartéis e acampamentos. São sempre os seus camaradas que ele recorda com carinho e saudade em todas as passagens do Natal.

Em finais de 1967, surge a ameaça de infiltração de guerrilha nos arredores de Bissau, os fuzileiros recebem a missão de patrulhar o rio Mansoa. Surgem novas refregas, o sargento Talhadas descobre a população que dramaticamente tem que conviver com a presença do inimigo e com a vigilância das tropas portuguesas. E deixa uma nota emotiva de um desses desenlaces dramáticos:

“De todos os episódios que me ficaram desse combate, houve um momento marcante que ainda hoje me persegue como tragédia de guerra: o choro convulsivo de um miúdo dos seus 4 anos, completamente assarapantado no meio de rebentamentos, tiros e gritos.

Já tinha atravessado o curso de água, os tiros a convergirem para a posição onde nos encontrávamos, quando me apercebi da criança, acanhada, desorientada, apanicada, gritando junto à água. Mexeu-me com os nervos e, não estive com meias medidas, corri e consegui retirá-lo da linha de fogo e meti-o detrás de um tronco, que também me abrigou.

Chorou, chorou, mesmo depois do tiroteio terminado. Procurei acalmá-lo, fiz-lhe festas, falei-lhe suavemente. Nada teve efeito. Lembrei-me então de lhe dar de beber da água do meu cantil. Sofregamente, empanturrou-se de água e, remédio santo, apaziguou-se.
Desliguei-me dele... nunca mais vi o miúdo, mas a sua recordação perdurou todos estes anos”

(Continua)
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 7 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4913: Notas de leitura (22): Gilberto Freyre na Guiné, em 1951 (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P4993: Memória dos lugares (44): Cuntima, na fronteira com o Senegal (Ex-1º Cabo Vitor Silva, CART 3331, 1970/72)

Guiné > Zona Leste > Cuntima > CART 3331 (1970/72) > Na fronteira com o Senegal, a nordeste de Farim, longe de Lisboa e ainda mais do Porto (e do RAP2)... Junto à árvore, o 1º Cabo Vitor Silva.

Guiné > Zona Leste > Cuntima > CART 3331 (1970/72) > "Todas as manhãs bem cedo Cuntima tinha visitantes do Senegal. Uns para fazerem comércio, outros para partir mantenhas com familiares e amigos e muitos outros para serem assistidos no Posto de Socorros pelo Médico e Enfermeiros da Companhia. Estas duas bajudas senegalesas prestaram-se para a fotografia à distância conveniente, da máquina e dos militares".

Guiné > Zona Leste > Cuntima > CART 3331 (1970/72) > "Posto avançado nº 9. Estive lá de serviço no dia 31 de maio de 1971, no que foi considerado o maior flagelamento IN a Cuntima. As tropas do IN vieram mesmo ao arame farpado".

Guiné > Zona Leste > Cuntima > CART 3331 (1970/72) >"Um dos três obuses que existiam em Cuntima".

Guiné > Zona Leste > Cuntima > CART 3331 (1970/72) >"Vista panorâmica de Cuntima. Uma povoação com gentes de várias origens (não faltavam os comerciantes libaneses e os gilas)".

Guiné > Zona Leste > Cuntima > CART 3331 (1970/72) >"Cuntima: Reservatórios de água, as duas professoras ao fundo e a casa do agente da PIDE/DGS"

Guiné > Zona Leste > Cuntima > CART 3331 (1970/72) > Instalações civis ocupadas pela tropa.

Guiné > Zona Leste > Cuntima > CART 3331 (1970/72) > À hora do rancho...

Fotos e legendas: © Vitor Silva (2008). Direitos reservados.

Breve historial da CART 3331 (Os Tigres de Cuntima, Cuntima, 1970/72):

(i) Mobilizada pelo RAP 2 (Vila Nova de Gaia), chega à Guiné a 19 de Dezembro de 1970;

(ii) No dia 21 de Dezembro embarcou na LDG Alfange com destino ao Centro de Instrução Militar de Bolama, para treino de adaptação ao mato e 2ª parte da Instrução de Aperfeiçoamento Operacional (IAO);

(iii) A 25 de Janeiro de 1971, de novo na Alfange, ruma para Farim onde chegou no dia 28 de Janeiro;

(iv) Em Farim participa em algumas acções no mato e na estrada Farim-Jumbembem.

(v) A 20 de Fevereiro, desloca-se em coluna-auto, rumo a Cuntima, dependente do BCAÇ 2879, onde vai render a CCAÇ 14;

(vi) A ZA do subsector de Cuntima era extenso: delimitada a Norte, numa extensão de aproximadamente 30 km, pela República do Senegal, a Este pelo rio Corlá (Sare Dambé Badoral, Sitató, Sinchã Fogã e Sare Tombom), pela bolanha de Sinchã Massa e a Sul pela bolanha de Sinchã Massa e bolanha do rio Norobanta e pelo marco 107

(vii) Na sua maioria a população era de etnia Fula, de religião muçulmana; havia uma pequena minoria Mandinga;

(viii) As acções do IN não irradiavam sempre do Senegal, pelo tradicional corredor de Sitató;

(ix) As acções contra as NT manifestavam-se especialmente por ataques ou flagelações ao aquartelamento, implantação de minas na estrada Farim-Cuntima e, esporadicamente às colunas de reabastecimentos;

(x)Havia duas unidades de quadrícula no Sector, a CART 3331 e a CCAÇ 2547, ambas instaladas em Cuntima. Para além da ocupação e defesa do Sector, a sua missão princiapl era evitar a infiltração do IN para dentro do TO da Guiné;

(xi) A CART 3331 regressou, num avião dos TAM à Metrópole no dia 25 de Novembro de 1972, com orgulho do dever cumprido;

(xii) Teve três comandantes: Cap Mil Art Manuel Sena Boleo, Cap Inf Máriop José Fernandes Jorge Rodrigues, e Cap Mil Art Armando Pimenta Cristóvão.


Letra da canção Soldado:

Partiu num qualquer navio,
Numa leva de soldados,
Ia calado e sombrio
Entre prantos desolados.

Sabia o itinerário
E o rumo antecipado,
Mas ignorava o fadário
Que lhe estava reservado.

Desembarcou na Guiné,
Em manhã enevoada,
E sentiu, ao pôr do pé
Naquela terra molhada,

Que o destino o lançava
Rumo ao desconhecido,
Sem uma ideia formada,
Numa guerra sem sentido.

Fio destacado p’ró mato,
Lá p’ra terra de Cuntima,
Tinha a fronteira a um passo
E os guerrilheiros em cima.

Sofreu ataques cerrados,
Abafou medo em trincheira,
Sentiu os dias contados,
Viu a hora derradeira.

Fez desumanas picadas,
Padeceu de sede e fome,
Viu cair em emboscadas
Camaradas de uniforme.

Chupou água na bolanha,
Rebolou-se em pó ardente,
Deixou sangue em terra estranha,
Veio-se embora doente!

E depois de tal fadário
Deram-lhe o golpe final:
- Chamaram-lhe Mercenário,
Soldado colonial.


Versos enviados pelo Vitor Silva
Revisão de texto: L.G.

Autor desconhecido,
presumivelmente um militar da CART 3331 (Cuntima, 1970/72).


[Fotos seleccionadas e reeditadas por L.G.; enviadas em Maio de 2007, num lote de 27] (*)

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Nota de L.G.:

(*) Vd. postes de:

17 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2657: Cuntima nos tempos da CART 3331 (1970/72) (Vítor Silva)

6 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2245: Cancioneiro de Cuntima (Vitor Silva, CART 3331, 1970/72)