Caros Camaradas e Amigos.
Em comentário, quanto a mim, pertinente, Carlos Vinhal salienta o facto de poucas "histórias e Histórias" haver publicadas pelos que... fecharam a porta... das guerras de África.
Em complemento ao meu poste sobre a descolonização, e a propósito do referido, aqui segue a intervenção do delegado do M.F.A de Angola (Capitão Azevedo Martins) à Assembleia dos Delegados do Exército que ficou conhecida como a Assembleia de Tancos (2 de Setembro de 1975).
"Estão presentemente sediados em Nova Lisboa um Comando de Agrupamento, um Batalhão de Cavalaria e um Batalhão de Infantaria. Não existe sequer uma arma pesada, e dos dois Batalhões, o de Cavalaria ainda poderá dispor de pouco mais de 100 homens para o combate, enquanto o de Infantaria não poderá dispor de NINGUÉM, pois é o Batalhão que veio do Luso e que os próprios soldados do Comando do Agrupamento e do Batalhão de Cavalaria apelidam do "Batalhão do pé descalço.
Este Batalhão, no seu deslocamento do Luso para Nova Lisboa, foi desarmado, e espancados alguns dos seus elementos, incluindo o próprio Comandante. Perderam-se cerca de 4000 armas, rádios, munições, material cripto, tudo em posse da Unita. Foi o próprio Chiwale, 2.º Comandante Militar da Unita, que ordenou esta acção contra o Batalhão, como represália por acções menos correctas das nossas tropas em Sá da Bandeira, das quais trataremos mais à frente. Deste Batalhão, soldados houve que chegaram a Nova Lisboa em cuecas, facto que terá traumatizado esses elementos, mas é agora trauma explorado para forçar a sua retirada imediata para Portugal, embora só tenha... 3 meses de comissão!
Ciganos, que fazem parte dos elementos do Batalhão, logo após a entrada no quartel que lhes foi distribuído, começaram com arrombamentos e roubos. Impossível é, e porque tudo já se tentou, convencer a maioria a pegar em armas, mesmo que seja para desempenhar a também nobre missão de sentinela. Os factos passados com este Batalhão, e com uma "espécie de Companhia" que apareceu em Nova Lisboa, muito contribuiram para uma quebra no entusiasmo com que os poucos mais de 100 homens do BCav vinham desempenhando árduas missões, mesmo fora da zona de acção, como foi a evacuação da população de Malange.
A "espécie rara de Companhia" que atrás referi é um bando, não digo armado, por à semelhanca do Batalhão, ter sido também desarmada pela Unita, quando do regresso de uma missão de Henrique de Carvalho para Luanda. O Comandante desta Companhia apareceu em Nova Lisboa escoltado por elementos da FNLA, brancos, armados, pedindo cerca de 2.000 mil rações de combate e alguns milhares de litros de gasolina. Refere-se que o dito Comandante da Companhia não estava sob qualquer coacção!
Peço aqui licença ao meu General para usar linguagem "vicentina"... mas estamos a averiguar casos de soldados que trocaram a sua ração de combate pela... "co.." de algumas desalojadas! É um tal Capitão França e Silva e a sua Companhia que recebe na ordem de dezenas largas de contos dos desalojados, aos quais já muito pouco resta na vida, e mesmo esta em risco de perder-se se nós não lhes valermos. São as acções deste mesmo Capitão ao entregar o quartel de Pereira de Eça em condições muito mais que cobardes como consta do auto de notícia, por mim escrito, em que fez entrar no Quartel elementos do MPLA e os dispôs em posições camufladas. Seguidamente foi comunicar à UNITA para ir receber o mesmo Quartel. O resultado não precisa de ser aqui descrito.
Mas não são só os Militares. É-o também um tal Encarregado do Governo que mesmo sabendo das carências dos refugiados se permitiu arrecadar seis ou sete toneladas de arroz, pois tinha no seu palácio albergados os Srs. Ministros da UNITA. Tive mesmo oportunidade de perguntar numa reunião, a este Encarregado do Governo, porque não estaria já hasteada no seu palácio a bandeira da Unita, tal o estado, sujo e esfarrapado, em que lá tinha hasteada a bandeira Portuguesa!
E ainda porque nos comprometemos numa intransigente isenção partidária, são acções como esta que estão na origem das represálias atrás denunciadas, e que agora põem em perigo cerca da meio milhão de vidas, preço demasiado caro, e alicerces demasiado frágeis para a construção do edifício que queremos para a liberdade do nosso povo. Ou sois capazes de nos dar resposta a estas apreenções, ou deveis, se alguma dignidade vos resta, dar-nos conta da vossa... impotência!
REFUGIADOS/NOVA LISBOA.
São já mais de 70.000, contando com a população da cidade que também quer regressar a Portugal. Para a semana serão mais de 100.000. Pouca comida há. Remédios também poucos ou nenhuns. Dos que há, ou houve, esses foram trazidos de Gabela aquando da evacuação da sua população, por arrombamento das farmácias existentes. Não há roupa e agasalhos, e é no chão que dormem. Faltam adjectivos para classificar as condições sub-humanas em que vive esta gente. Homens, mulheres e crianças. Crianças que já morrem por impotência dos próprios médicos, uma vez que não possuem os meios mínimos para exercer a sua profissão.
Mas um perigo, ainda maior que os tiros disparados por armas traiçoeiras, paira sobre Nova Lisboa. Refiro aqui que nos dias dos confrontos armados, os movimentos de libertação tiveram o cuidado de disparar para cima das instalações do recinto FINOL onde se encontrava elevado número de desalojados.
É CULPA VOSSA! Que nossa não é concerteza, embora sejamos nós que estamos a sofrer a impiedosa hostilidade dos que consideramos irmãos... e que vós considerais colonialistas. Os que lá estão não o foram, assim o demonstram as suas mãos de árduo trabalho.
DOS QUE AQUI ESTÃO... ALGUNS O TERIAM SIDO! Por duras que sejam estas palavras, ainda admitirei que alguns de vós as sintam como injustas. Mas se assim é, então provai-o por actos, dando-nos meios para cumprirmos a nossa missão, NEM QUE TENHAIS QUE SACRIFICAR EM PARTE; OU NO TODO... AS VOSSAS OPÇÕES POLÍTICAS!
No fim destas declarações o então General Otelo Saraiva de Carvalho, no calor do momento (?) disse:
- O que aqui foi dito sobre Angola deverá ser dito a todo o povo português!
Salgueiro Maia, e mais alguns Oficiais (3), ofereceram-se para, de imediato, partir para Angola.
Quantos tiveram oportunidade de ler, em comunicados oficiais, nos jornais, na televisão, ou na rádio, estas (entre outras) detalhadas, dramáticas e vergonhosas... informações?
Kíruna 17/Jan/2010
José Belo
__________
Nota de CV:
Vd. poste de 16 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5660: Da Suécia com saudade (16): Algumas considerações sobre a descolonização (José Belo)