domingo, 17 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5667: Da Suécia com saudade (19): Intervenção do Capitão Azevedo Martins, delegado do MFA de Angola à Assembleia de Tancos (José Belo)

1. Mensagem de José Belo (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, actualmente Cap Inf Ref), com data de 17 de Janeiro de 2010:

Caros Camaradas e Amigos.
 
Em comentário, quanto a mim, pertinente, Carlos Vinhal salienta o facto de poucas "histórias e Histórias" haver publicadas pelos que... fecharam a porta... das guerras de África.

Em complemento ao meu poste sobre a descolonização, e a propósito do referido, aqui segue a intervenção do delegado do M.F.A de Angola (Capitão Azevedo Martins) à Assembleia dos Delegados do Exército que ficou conhecida como a Assembleia de Tancos (2 de Setembro de 1975).


"Estão presentemente sediados em Nova Lisboa um Comando de Agrupamento, um Batalhão de Cavalaria e um Batalhão de Infantaria. Não existe sequer uma arma pesada, e dos dois Batalhões, o de Cavalaria ainda poderá dispor de pouco mais de 100 homens para o combate, enquanto o de Infantaria não poderá dispor de NINGUÉM, pois é o Batalhão que veio do Luso e que os próprios soldados do Comando do Agrupamento e do Batalhão de Cavalaria apelidam do "Batalhão do pé descalço.

Este Batalhão, no seu deslocamento do Luso para Nova Lisboa, foi desarmado, e espancados alguns dos seus elementos, incluindo o próprio Comandante. Perderam-se cerca de 4000 armas, rádios, munições, material cripto, tudo em posse da Unita. Foi o próprio Chiwale, 2.º Comandante Militar da Unita, que ordenou esta acção contra o Batalhão, como represália por acções menos correctas das nossas tropas em Sá da Bandeira, das quais trataremos mais à frente. Deste Batalhão, soldados houve que chegaram a Nova Lisboa em cuecas, facto que terá traumatizado esses elementos, mas é agora trauma explorado para forçar a sua retirada imediata para Portugal, embora só tenha... 3 meses de comissão!

Ciganos, que fazem parte dos elementos do Batalhão, logo após a entrada no quartel que lhes foi distribuído, começaram com arrombamentos e roubos. Impossível é, e porque tudo já se tentou, convencer a maioria a pegar em armas, mesmo que seja para desempenhar a também nobre missão de sentinela. Os factos passados com este Batalhão, e com uma "espécie de Companhia" que apareceu em Nova Lisboa, muito contribuiram para uma quebra no entusiasmo com que os poucos mais de 100 homens do BCav vinham desempenhando árduas missões, mesmo fora da zona de acção, como foi a evacuação da população de Malange.

A "espécie rara de Companhia" que atrás referi é um bando, não digo armado, por à semelhanca do Batalhão, ter sido também desarmada pela Unita, quando do regresso de uma missão de Henrique de Carvalho para Luanda. O Comandante desta Companhia apareceu em Nova Lisboa escoltado por elementos da FNLA, brancos, armados, pedindo cerca de 2.000 mil rações de combate e alguns milhares de litros de gasolina. Refere-se que o dito Comandante da Companhia não estava sob qualquer coacção!

Peço aqui licença ao meu General para usar linguagem "vicentina"... mas estamos a averiguar casos de soldados que trocaram a sua ração de combate pela... "co.." de algumas desalojadas! É um tal Capitão França e Silva e a sua Companhia que recebe na ordem de dezenas largas de contos dos desalojados, aos quais já muito pouco resta na vida, e mesmo esta em risco de perder-se se nós não lhes valermos. São as acções deste mesmo Capitão ao entregar o quartel de Pereira de Eça em condições muito mais que cobardes como consta do auto de notícia, por mim escrito, em que fez entrar no Quartel elementos do MPLA e os dispôs em posições camufladas. Seguidamente foi comunicar à UNITA para ir receber o mesmo Quartel. O resultado não precisa de ser aqui descrito.

Mas não são só os Militares. É-o também um tal Encarregado do Governo que mesmo sabendo das carências dos refugiados se permitiu arrecadar seis ou sete toneladas de arroz, pois tinha no seu palácio albergados os Srs. Ministros da UNITA. Tive mesmo oportunidade de perguntar numa reunião, a este Encarregado do Governo, porque não estaria já hasteada no seu palácio a bandeira da Unita, tal o estado, sujo e esfarrapado, em que lá tinha hasteada a bandeira Portuguesa!

E ainda porque nos comprometemos numa intransigente isenção partidária, são acções como esta que estão na origem das represálias atrás denunciadas, e que agora põem em perigo cerca da meio milhão de vidas, preço demasiado caro, e alicerces demasiado frágeis para a construção do edifício que queremos para a liberdade do nosso povo. Ou sois capazes de nos dar resposta a estas apreenções, ou deveis, se alguma dignidade vos resta, dar-nos conta da vossa... impotência!

REFUGIADOS/NOVA LISBOA.
São já mais de 70.000, contando com a população da cidade que também quer regressar a Portugal. Para a semana serão mais de 100.000. Pouca comida há. Remédios também poucos ou nenhuns. Dos que há, ou houve, esses foram trazidos de Gabela aquando da evacuação da sua população, por arrombamento das farmácias existentes. Não há roupa e agasalhos, e é no chão que dormem. Faltam adjectivos para classificar as condições sub-humanas em que vive esta gente. Homens, mulheres e crianças. Crianças que já morrem por impotência dos próprios médicos, uma vez que não possuem os meios mínimos para exercer a sua profissão.

Mas um perigo, ainda maior que os tiros disparados por armas traiçoeiras, paira sobre Nova Lisboa. Refiro aqui que nos dias dos confrontos armados, os movimentos de libertação tiveram o cuidado de disparar para cima das instalações do recinto FINOL onde se encontrava elevado número de desalojados.

É CULPA VOSSA! Que nossa não é concerteza, embora sejamos nós que estamos a sofrer a impiedosa hostilidade dos que consideramos irmãos... e que vós considerais colonialistas. Os que lá estão não o foram, assim o demonstram as suas mãos de árduo trabalho.

DOS QUE AQUI ESTÃO... ALGUNS O TERIAM SIDO! Por duras que sejam estas palavras, ainda admitirei que alguns de vós as sintam como injustas. Mas se assim é, então provai-o por actos, dando-nos meios para cumprirmos a nossa missão, NEM QUE TENHAIS QUE SACRIFICAR EM PARTE; OU NO TODO... AS VOSSAS OPÇÕES POLÍTICAS!


No fim destas declarações o então General Otelo Saraiva de Carvalho, no calor do momento (?) disse:

- O que aqui foi dito sobre Angola deverá ser dito a todo o povo português!

Salgueiro Maia, e mais alguns Oficiais (3), ofereceram-se para, de imediato, partir para Angola.

Quantos tiveram oportunidade de ler, em comunicados oficiais, nos jornais, na televisão, ou na rádio, estas (entre outras) detalhadas, dramáticas e vergonhosas... informações?

Kíruna 17/Jan/2010
José Belo
__________

Nota de CV:

Vd. poste de 16 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5660: Da Suécia com saudade (16): Algumas considerações sobre a descolonização (José Belo)

Guiné 63/74 - P5666: Em busca de... (110): Procuro notícias de meu pai Bubacar Tenem Balde (Mário Fitas)


1. O nosso camarada Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 763, “Os Lassas”, Cufar, 1965/66, com data de 14 de Janeiro de 2010, enviou-nos a seguinte mensagem/apelo:

Camaradas,

Foi-me entregue por um elemento da Associação Nacional dos Combatentes do Ultramar uma cópia de um manuscrito, que transcrevo, com o pedido se poderia fazer alguma coisa, visto ter sido combatente na Guiné.

Como estive sempre em Cufar, no Sul, ao ler este documento, achei de grande interesse, não só pela ajuda na resolução de um problema pessoal, que se reflecte na ansiedade deste homem, ao tentar fazer a vontade do falecido pai, bem como ter aqui uma história interessante, para conhecimento da guerra nesta região.

Haverá na nossa Tabanca alguém que tenha conhecimentos sobre o assunto? Aqui vão todos os contactos do nosso homem.

Não tendo material para poder enviar o manuscrito, julgo que a transcrição será a mais fiel possível (as palavras a bold são da minha responsabilidade).

Procuro notícias de meu pai Bubacar Tenem Balde

“ Lisboa, 20/10/2009.

Exmos Senhores Combatentes do Ultramar. É com muito prazer que vos escrevo esta carta.

Sou Seco Umaru Balde, de 42 anos de idade, Guineense, nasci na região de Gabu, sector de Pirada, secção de Bajucunda, numa aldeia chamada Copa, numa distância de 29 km a Pirada (fica junto à estrada que faz a fronteira com o Senegal).

Sou filho de Bubacar Tenem Balde, um homem muito conhecido pelas tropas portuguesas daquele quartel, um homem que se dedicou à caça e à agricultura. Foi também um homem que passou toda a sua vida entre a selva e a sua aldeia, e a sua função era controlar um espaço terrestre de 25 km, que separava as aldeias vizinhas, vigiando a movimentação das tropas do P.A.I.G.C., no mato, e transmitindo informações ao senhor Samuel, que era coronel, ou furriel, no Quartel de Copa, a fim de evitar eventuais ataques terrestres nos três quartéis da área.

Entre 1966 a 1973, o meu pai foi um braço direito da tropa do aquartelamento de Copa, e foi fundamental com as suas informações sobre a movimentação e a localização das tropas do PAIGC, neste espaço terrestre que dava acesso aos referidos quartéis.

Por esta razão, por três vezes, antes e depois de independência, ele foi duramente castigado pelo PAIGC, por ter desempenhado esta função; e eu, como filho, fui moralmente castigado logo aos (7) sete anos de idade.

Durante a minha infância sofri maus tratos, castigos morais e estive a pagar as culpas do meu pai, pelas funções narradas que ele desempenhou durante a luta da libertação nacional.

Depois da independência, o meu pai teve que fugir para o vizinho Senegal para se livrar do pior que lhe poderia acontecer. Lembro-me que ele um dia me disse: “Filho, eu vou ter que fugir com o resto da família para o Senegal, tu vais ter que ficar aqui na Guiné-Bissau, vais ter de pagar a minha culpa, vais ter que sofrer muito por minha causa, mas passe o que passar, resiste e estuda, que para amanhã possas contar esta minha e tua histórias ao mundo. Não pela voz, mas sim por escrito.”

Naquela altura, eu tinha sete anos de idade, ouvi, percebi, aceitei o desafio e aqui estou a cumpri-lo.

Em 2008, recebi da minha mãe uma carta que o meu pai lhe tinha deixado escrita um mês antes da sua morte. Ela guardou esta carta durante 22 anos, pela razão de lhe ter sido pedido para ma entregarem só quando eu fosse adulto. Foi o que a minha mãe fez, respeitando o pedido do meu pai.

Agora, quero terminar este silêncio. Quero escrever mais, mas, para o fazer melhor e com mais eficácia, preciso de testemunhos e provas. Provas estas, que só os ex-tropas portugueses que estiveram no serviço militar no quartel de Copa e Bajucunda (22 Km a Pirada), me poderão ajudar a revelar.

Para que eu possa localizar estes homens, ou trocar correspondência com eles, necessito do vosso maior apoio e quanto mais rápido melhor. Acreditem que tenho muito para vos contar, no que tem sucedido com muitas crianças como eu, depois de libertação daquele país lusófono.

Eu, atrever-me-ia a identificar-me como combatente infantil. Podia intitular este nome ao 1º. livro que escreveria se o pudesse fazer.

Por isso, agradecia muito que me ajudassem a contactar, ou a corresponder, com todo e qualquer tropa português, que tivesse estado em serviço militar em Copa, ou Bajucunda, no sector de Pirada, região de Gabu, entre 1966 a 1973.

Por favor, ajudem-me a realizar os sonhos do meu falecido pai, que ainda não contei, e faço questão de os contar a todos que me quiserem ouvir com atenção.

Termino dizendo-vos do fundo do meu coração, que estou de mãos dadas com todos os ex-Combatentes do Ultramar, do serviço militar pela força, coragem e sofrimento, que têm sofrido ao longo destes anos e continuam a sofrer nos dias de hoje.

Para terminar, agradeço a Deus que haja paz boa, longa vida e saúde, cheia de felicidades, aos que ainda nos acompanham neste mundo. Que haja paz para os espíritos das almas dos que ficaram pelo caminho.

Muito obrigado a Deus e ao vosso blogue.

Respondam-me por escrito ou pelo telefone.

É tudo do Vosso filho/neto de nome:

Seco Umaru Balde
Avenida da Liberdade, Nº 24 - 2º E
Monte Abraão
2745-290 QUELUZ
Telem = 966371381
Espanha = 0034 691 908 797

Esperando a atenção desejada para este assunto, o velho abraço do tamanho do Cumbijã, que já é de tanta gente.

Mário Fitas
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 763
__________

Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

16 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5656: Em busca de... (109): Manuel Quelhas, ex-1.º Cabo da CART 3567, Mansabá 1972/74, procura camaradas

Guiné 63/74 - P5665: (Ex)citações (54): Comentário ao texto de José Belo no Poste 5660 (José Brás)

1. Na impossibilidade de o nosso camarada José Brás colocar este texto como comentário no poste do outro nosso camarada José Belo, fica aqui a sua transcrição:


Comentário de José Brás* ao texto de José Belo** (Poste 5660)***:
"Algumas considerações sobre a descolonização" 


Caríssimo José Belo
Não poderia concordar mais contigo quando dizes, e passo a citar:
"Pelas dramáticas consequências, não só para Portugal nos milhares de refugiados, como para os novos países que, de imediato, se viram envolvidos em sangrentos conflitos internos, será, numa perspectiva de análise histórica futura, a descolonização, na sua forma e resultados, assunto de muito, e aprofundado, estudo. Talvez com menos "compreensão" para com alguns dos responsáveis."

E diria até mais, não deixando de colocar à frente de tudo a tragédia humana que aquilo foi, para Portugal que se viu em meia dúzia de meses com uma população muito acrescida por cidadãos sem nada para fazerem e a necessitarem de apoio, para os próprios que deixaram vidas de trabalho e esperanças e saíram escorraçados de uma terra que já consideravam sua, para os angolanos que se viram nos tais sangrentos e longos conflitos, mas também sem ninguém que soubesse construir, conduzir camiões, fazer paredes, cortar cabelos e barbas, costurar, manter as máquinas, porque eram brancos os motoristas e os pedreiros e carpinteiros e canalizadores e os barbeiros e os funcionários da estrutura administrativa e os donos de lojas e de barcos de pesca e de roças de café e, até, os cauteleiros e os donos das tascas nos musseques.

De facto, os locais que abandonámos, para além de pequenas tarefas como meter cana no engenho, nada sabiam fazer porque nada lhe ensinávamos.
A caminho de Lisboa os que sabiam produzir, Angola ficou sem ninguém para trabalhar de verdade, aceitando-se o conceito de que trabalho é a actividade que se destina a utilizar e multiplicar os recursos da natureza.
Assisti, porque transportei milhares de portugueses na ponte aérea que se estabeleceu então, vivi os seus dramas, olhei-os nos olhos. Grande é a minha dificuldade ainda hoje para, por palavras, descrever o tamanho e a profundidade da desilusão e da revolta que lhes vi.

Algumas vezes aterrámos na antiga Nova Lisboa com chamas na pista, combates na zona do aeroporto, dificuldades de peso para descolar, convivendo com portugueses analfabetos que trabalhavam em Angola como o faziam antes nas suas aldeias, olhando o pessoal de bordo como se fossemos seres de outro mundo.
Portugal, que durante séculos foi incapaz de desenvolver e aproveitar a sério das riquezas daquele território, ao contrário, portanto, da eficácia fria, desumanizada e rapaz, de verdadeiros colonialista que outros foram noutros locais de África, sacando até ao quase esgotamento da mina, Portugal que nem a metrópole era capaz de desenvolver, que poder tinha para comandar bem a descolonização em três frentes, tão importantes e longínquas?

E se não fomos verdadeiros colonizadores, como poderíamos ser verdadeiros descolonizadores?

Não serei eu a desculpar erros que dirigentes de então cometeram na pressa de "abandonar" e lavar as mãos.
Sei é que não vi por lá formas de evitar a maior parte da tragédia de que falas, perdidos e embrulhados no jogo das grandes potências por posições estratégicas globais.
E posso garantir-te que vi e vivi por dentro dessa realidade muito mais do que tu poderás imaginar.
Aliás, se tiver anos de vida e disponibilidade intelectual e da vontade, talvez que venha a escrever um dia qualquer coisa sobre isso, apesar de me parecer ainda hoje muito complicado fazê-lo.

Peguemos, por exemplo, nos militares profissionais de então, capitães, majores, tenentes coronéis.
Quantas comissões tinha já somado de mato, de tiros, de desilusões, de anos fora das famílias, vendo os filhos de dois em dois anos?
Que vontade tinha essa gente de prolongar estadias e responsabilidades após o destapar da panela de pressão?

Não falarei de milicianos, oficiais e sargentos, nem de soldados porque a esses estava ainda mais longínqua a capacidade de determinar formas e modos.

Nos hotéis onde ficavam as tripulações da TAP, convivíamos de muito perto com toda a fauna de indivíduos de língua inglesa, francesa, russa, castelhana, e com gente armada que se guerreava dentro do próprio hotel.

Tivemos culpas?
Claro que tivemos e muitas, ainda assim.
Luanda foi sempre uma cidade turbulenta, mesmo nos anos anteriores a setenta e quatro.
Não havia noite de estadia em que não ouvisse tiros e batalhas entre gang's do "feijão verde" e da noite marginal.

Muito antes do ano de Abril, já taxistas incendiavam musseques e lutavam com Pára-quedistas, Fuzileiros e Comandos.

Naquela situação de caos, com três movimentos no seu interior da cidade, cada qual com sua origem e realidades, odiando-se como só sabem odiar-se aqueles povos na ressaca de sociedades tribais vindas da subsistência recente, todos interessados em correr com brancos, o caldo estava temperado que bastasse.
De tão clara esta verdade, nem vale nem aproveita a pena negar que dos altos responsáveis militares e políticos portugueses, a simpatia ia maioritariamente para um dos movimentos, embora este se apresentasse à data profundamente dividido, fragilizado e quase desarmado.

Concordo contigo, também, com a leitura que fazes da passagem dos militares de uma cultura castrense para a pretensão de liderar a revolução "bolchevique", e concordando, acho que está aí, também, um dos factos que mais pesou na decisão política desencontrada que se ia tomando em Lisboa para aplicar numa Luanda que provavelmente não tinham entendido nunca na sua profundidade social e que agora se queriam afastar a todo o custo e rapidamente.

Nas minhas obrigações profissionais, pude conviver também com a sociedade portuguesa de Joanesburgo.
Com amizades femininas no mundo da moda e da beleza local, nos ambientes das discotecas e bares, pude observar com alguma profundidade as misturas que por lá se faziam com a "intelegentzia" do Estado sul-africano da época, os jornais portugueses e as suas ligações, etc.

Posso garantir-te sem qualquer dúvida que muitas mentiras foram aí forjadas, muitas manobras, muitos documentos e correspondência falsa, muitas acusações infundadas e tendenciosas em ralação a responsáveis portugueses.
Evidentemente, não tenho qualquer vontade de te convencer, seja do que for, nem aos camaradas que connosco convivem na Tabanca Grande e que têm um visão diferente da minha, umas vezes, outras vezes da tua, algumas outras diferentes da minha e da tua.
Aliás, nem tenho a certeza se não é a mim próprio que tento convencer de certezas que podem não ser assim tão certas.

A minha única vontade real que tenho é dizer-te que estou contigo na grande abordagem à tragédia que representou a descolonização portuguesa, quer para Portugal, quer para Angola, quer para os portugueses, quer para angolanos, e, também contigo, denunciar a rapina profunda de que Angola foi vítima por parte de insuspeitos amigos de Peniche, em terra e nos mares e o racismo e ódio aos negros que vi daqueles de quem eu esperava a solidariedade.

Não estou de acordo e penso que também tu não estás, é acerca das dúvidas sobre a madrugada de Abril. Tão bem ou melhor que eu, sabes da inevitabilidade das perdas quando acontecem mudanças sociais e políticas como as que aconteceram então, agravadas ainda pelo prolongamento da situação anterior, muito para além do que era esperável e necessário.

Um grande abraço
José Brás
__________

Notas de CV:

(*) José Brás foi Fur Mil na CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68. É autor do romance "Vindimas no Capim", Prémio de Revelação de Ficção de 1986, da Associação Portuguesa de Escritores e do Instituto Português do Livro e da Leitura.

(**) José Belo foi Alf Mil Inf na CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, actualmente é Cap Inf Ref e vive na Suécia.

(***) Vd. poste de 16 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5660: Da Suécia com saudade (16): Algumas considerações sobre a descolonização (José Belo)

Vd. último poste da série de 1 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5042: (Ex)citações (49): Réplica ao camarada José Belo (António Matos)

Guiné 63/74 - P5664: Banco do Afecto contra a Solidão (9): Humberto Duarte, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER, BCAÇ 4514/72, 1973/74, trava o seu último combate (2) (Ana Duarte)



1. Recebi hoje, com pedido de publicação, da Ana Duarte, esposa do nosso Camarada Humberto Duarte, ex-Furriel Miliciano do BCAÇ 4514/72, 1973/74, a seguinte mensagem:



Coragem e Dignidade

Magalhães,

A ti só tenho que agradecer, conseguistes uma coisa que vários militares, ainda no activo me diziam ser impossível, honras militares feitas por Op Esp.

Agradeço também ao Pedro Neves e a outros Amigos que souberam do que se está a passar por telefone e ou vieram cá a casa ou telefonaram. O Filipe O.E., que fez o curso em Mafra com o Humberto, está nos Açores e já falaram, e choraram ao telefone, comigo a fazer de ponte. Alguns ex-combatentes que não nos conhecem, enviaram e-mails de solidariedade, houve até quem me telefonasse e alguém que enviou uma música linda!

A todos esses o nosso muito Obrigado. Mas revolta-me ver o Humberto perguntar por este ou aquele, não menciono nomes, e depois ficar magoado porque até agora nada disseram. A maioria são Op Esp e lembro-me sempre de eu dizer tenho mais consideração por qualquer ex-combatente que esteve lá fora fosse qual fosse a sua arma, até o cozinheiro do que tenho por meninos que tiraram o curso de O.E. pós-25 de Abril 74 e só por isso se acham muito importantes.

As pessoa valem pelo que fazem e não pelo que são ou dizem. Percebo que uma pessoa prefira recordar um Amigo como ele era e não quando o físico se está a degradar dia para dia, até consigo aceitar que custe falar directamente com a pessoa, mas nem enviar uma palavra amiga?!

O Humberto tem defeitos como todos, eu mesma tive problemas com ele por causa do seu stress mas tem uma Dignidade e uma Coragem que muitos nunca vão ter.

Peço que todos os que não tiveram coragem de dizer sequer uma palavra por e-mail, que na despedida não venham com palavrinhas mansas para mim e muito menos no dia 10 de Junho.

Não sou uma ex-combatente, nunca fui nem queria ser militar, sou uma entornada de Moçambique com muito mais coragem e dignidade que muitos.

Se quiseres podes publicar este desabafo no teu site e mais onde quiseres, porque o que eu digo, faço-o na cara das pessoas e não por trás.

Um abraço grande de Ana e Humberto.

P.S: Eu tinha escrito "gostava que publicasses isto no teu site" mas o Humberto pediu para pôr "se quiseres". Um pedido dele é uma ordem para mim.



2. Às 13h15, respondi assim à Ana e ao Humberto Duarte:



Coragem e Dignidade - RESPOSTA

Bom dia Amiga Aninhas e Amigo e Camarada Humberto,

Não só vou colocar nos blogues, como vou enviar este e-mail àquele pessoal de quem tenho contactos.

Também tenho um bloguesito dedicado aos RANGERS na net:


Basta clicares duas vezes sobre o endereço indicado e vais lá directamente.

Da vossa coragem conjunta não tenho palavras para definir.

Peço-vos que mandeis os nomes do pessoal com quem o Humberto gostava de falar, pois de muitos não tenho qualquer contacto, mas vou tentar arranjar.

É bem provável que muita malta ainda não saiba da situação de saúde do Duarte.

Um beijo para ti Aninhas e um abração Amigão para o RANGER Humberto.

P.S. - Amanhã ligo-vos ok!



3. Às 13h37, tive que complementar o meu anterior e-mail, para repor uma verdade inequívoca:



Coragem e Dignidade - RESPOSTA

Mais uma vez Bom dia, Amiga Aninhas e Amigo e Camarada Humberto Duarte,

Peço desculpa mas, nas pressas de ir colocar a vossa mensagem nos blogues, deixei por esclarecer um facto fundamental.

O seu a seu dono deve pertencer!

Por favor não digas que fui eu que consegui as cerimónias militares de Op Esp, mas sim pelo menos a 3 pessoas, com maior ou menor grau de responsabilidade na imediata e inequívoca decisão desta prestação.

Um foi o nosso bom amigo comum, o Sr. Coronel António Feijó, que sei, logo que soube do estado de saúde do HD, se apressou a enviar um reforço solidário do vosso pedido ao Exmo. Sr. Comandante do CTOE.

Depois a resposta imediata e afirmativa, do Exmo. Sr. 2º Comandante do CTOE, TCOR Valdemar Lima, que tenho a certeza absoluta, em pleno acordo e anuência com o Exmo. Sr. Comandante do CTOE.

Deixo aqui um grande abraço AMIGO para estes três HOMENS.

Por motivos óbvios, envio este e-mail com conhecimento a todos os meus contactos a quem havia enviado o anterior e-mail.

Para vós, mais um beijo para ti Aninhas e outro abração Amigão para o RANGER Humberto



Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.

_____________

Notas de M.R.:

Guiné 63/74 - P5663: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (4): Os últimos preparativos (Pepito)













Fotos: ©  Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento (2009). Direitos reservados




1. Mensagem de hoje, do nosso amigo Pepito:

Luís


Seguem as ultimas fotos dos preparativos para a inauguração do Museu de Guiledje.

A – CAPELA:

Já está concluída a sua construção. Será inaugurada no dia 20 de Janeiro de 2010 pela esposa do Capitão José Neto, Srª Júlia Neto [ue parte hoje para Bissau]. Recordamos que foi o Capitão Neto que teve a iniciativa e promoveu a construção da Capela, aquando da sua estadia em Guiledje [, na altura a exercer funções de 1º Sargento da CART 1613, 1967/68]. O Bispo de Bafatá, D. Pedro Zili, estará presente e dirá missa nessa ocasião.

B - MUSEU:

Com a importante colaboração da Fundação Mário Soares, o Museu está ganhando forma podendo-se ver o painel que ficará no fundo do diorama, dois computadores com toda a História existente de Guiledje (Honório Correia e Domingos Fonseca trabalhando na sua configuração como apoio do Victor Santos,  da Fundação Mário Soares) e um dos vários painéis que serão fixados nas paredes.

C – SINALIZAÇÃO:

Na parte exterior do Museu, vários motivos de visita estão devidamente assinalados: a capela, a mesquita, o obus e a pista de helicópteros.(*)

abraço

pepito
 
2. Mensagem do Pepito de 12 do corrente:
 
Luis


Obrigado pelas fotos formidaveis do Luis Guerreiro.

Não te preocupes com a representação do nosso Blogue. Ou Xico [Allen] se cá estiver, ou a mulher do Capitão Neto, estarão presentes.

Quanto ao discurso já não há espaço (como te disse desta vez não é uma iniciativa só da AD mas inclui o Governo e os oradores já estão definidos por eles, porque se trata de uma cerimónia oficial. Já não podemos alterar). Competirá à Julia Neto fazer a inauguração da Capela em nome do marido e do Blogue que teve um papel determinante.

abraços

pepito
____________
 
Nota de L. G.:
 
(*) Vd. último poste da série > 17 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5662: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (3): Algumas fotos do João Graça

Guiné 63/74 - P5662: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (3): Algumas fotos do João Graça













Guimé-Bissau > Região de Tombali > Guileje > 10 de Dezembro de 2009 > c. 17h30/18h00 >  Fotos do médico João Graça, no regresso a Bissau, depois de seis dias em Iemberém...Guileje, a 18 km de Faro Sadjuma e a 36 de Iemberém,  é agora  uma terra de paz, onde os miúdos jogam à bola e onde está instalado um núcleo museológico que vai ser, a 20 de Janeiro de 2010 - Dia de Amílcar Cabral - ser oficialmente inaugurado, com a presença do Governo guineense... A antiga população de Guileje, da época da retirada em 22 de Maio de 1973, vive hoje em Mejo, a noroeste. Mas há já um pequeno núcleo habitacional em Guileje. Toda a região do Cantanhez pode vir a tornar-se um polo de desenvolvimento, a partir do ecoturismo.

Devido à hora tardia (o João levou 10 horas a chegar a Bissau, devido a avaria mecânica no jipe da AD, conduzido pelo Antero), já não houve tempo para visitas à Capela e ao Núcleo Museológico.  No exterior (vd. fotos acima) há equipamento militar usado tanto pelo PAIGC (anti-aérea quádrupla) como pelas NT (o famoso burrinho, o Unimog 411). (*) (LG)

Fotos: © João Graça (2010). Direitos reservados

___________

Nota de L.G.:

(*) 12 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5633: Núcleo museológico Memória de Guiledje (2): Inauguração no próximo dia 20 de Janeiro, com a Júlia Neto a representar o nosso blogue

sábado, 16 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5661: FAP (44): Aerocross (Miguel Pessoa, Cor Pilav Ref)


1. Mensagem do nosso Camarada Miguel Pessoa, Cor Pilav Ref (ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74), com data de 12 de Janeiro:

Camaradas,

Fui encontrar no meu "baú dos tesourinhos deprimentes", esta pérola que escrevi há já uns meses e que ponho agora à vossa disposição. Ando a dosear bastante o envio dos meus "escritos", pois já não tenho muitos...

E faltando-me a memória para relembrar factos ocorridos há tanto tempo, também já não tenho imaginação para tentar reconstruir outros, que pudessem aproximar-se razoavelmente da realidade... Por isso, para já, terão que se contentar com esta estória, como agora se diz.

AEROCROSS

De vez em quando os aviadores da BA12 eram solicitados para missões que, por fugirem à rotina da actividade diária, eram sempre bem recebidas. Apareceu um dia um pedido de transporte de jornalistas estrangeiros para uma visita a Varela, no âmbito das "operações de charme" que o regime organizava periodicamente.

Um dos problemas apresentados era o de que a pista de Varela estava há bastante tempo desactivada - talvez porque se encontrava localizada a uma certa distância do aquartelamento e isso implicasse um empenhamento exagerado das nossas tropas na protecção aos aviões, quando ali se deslocavam.

Mas, dado o interesse em avançar com esta deslocação, foi considerado importante reabrir a pista, pelo menos para permitir a execução daquela missão. Sabia-se pouca coisa das condições do aeródromo naquele momento, pelo que o piloto teria que fazer uma prospecção cuidadosa da área de aterragem, antes de ali pousar.

Dado o número de jornalistas envolvidos, houve necessidade de se programar a ida de dois DO-27, tendo sido designados dois pilotos para esse fim - um Furriel já batido no território e um tenente ainda em princípio de comissão - eu... Já não me lembro como me calhou ir nesta missão, mas desconfio. Sucede que era eu quem indicava os pilotos da Esquadra para as missões que estavam programadas e certamente aproveitei para me nomear a mim mesmo para este trabalho, na perspectiva de aprender mais qualquer coisa e ganhar experiência.

A esta distância, parece-me que ultrapassei os limites do razoável ao meter-me nesta cena, pois não se sabia o que iríamos encontrar no terreno. A tal prospecção cuidadosa da área de aterragem era pouco praticável dado que o capim elevado não deixava ver o chão e não sabíamos se haveria obstáculos no terreno, como paus ou pedras, ou irregularidades que pudessem provocar um desequilíbrio repentino do avião durante a sua progressão, ou até o seu capotamento. E desconheço se o pessoal do aquartelamento terá analisado o local.

Tem-se por norma que no transporte de altas entidades ou de pessoal estranho à Força Aérea (que nos importa tratar bem) as regras de segurança são ainda mais rígidas que o normal. Não sei bem os antecedentes desta missão, mas não me parece que tenha sido este o caso, porque à descolagem ainda não sabíamos bem o que iríamos encontrar.

Sei que, à chegada ao local, depois de termos solicitado ao aquartelamento que montasse a segurança aos aviões junto à pista, ficou assente que um dos pilotos faria uma aterragem cuidadosa e só depois aterraria o outro avião.

Foi decidido (?) então que eu faria essa aproximação inicial. Parece-me que terá havido aqui uma passagem da batata quente feita de modo perfeito pelo outro piloto e o periquito viu-se com o menino (ou os jornalistas) nos braços e avançou destemidamente. Destemidamente é uma maneira de dizer. O facto é que arrisquei mais do que devia pois, para além dos eventuais obstáculos, que já referi, nem sabíamos se teriam colocado alguma mina naquela zona.

Pese embora os meus receios, a aterragem até foi perfeita e o capim ajudou mesmo o avião a travar a corrida de aterragem. Vendo o êxito da manobra o outro piloto avançou e aterrou a seguir, estacionando o avião ao lado do meu.A missão não tem muito mais a referir, pois o regresso decorreu sem problemas de maior, com uma descolagem normal de Varela, na tarde do mesmo dia (depois de termos verificado melhor as condições do terreno...).

Não pretendo aqui questionar as decisões tomadas a nível superior, porque não tinha conhecimento à data, nem tive depois, dos factores que foram tomados em linha de conta. Por outro lado, há muitos aspectos desta missão que começam a ficar esbatidos na minha memória. Porém, penso que no meu caso pessoal deveria ter tomado maiores precauções (claro! - mas quais?...).

Suponho que, afinal, muitos passaram por situações semelhantes. Quantas vezes nos encontrámos nós em situações em que sentíamos dificuldade em questionar as decisões tomadas a nível superior, quando já estávamos metidos numa engrenagem que nos arrastava e levava a situações para as quais muitas vezes já não tínhamos fuga possível e apenas nos restava avançar?

Um abraço,
Miguel Pessoa
Cor Pilav Ref

Foto: © Wikipédia, Enciclopédia livre - Exemplar em exposição no Museu do Ar (Polo de Sintra). Direitos reservados.

Emblema da BA12: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.

Emblemas do Esquadrão 121 Tigres Fiat G91 e GO1201: © Miguel Pessoa (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


Guiné 63/74 - P5660: Da Suécia com saudade (18): Algumas considerações sobre a descolonização (José Belo)


1. Texto de José Belo (**), ex Alf Mil Inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, actualmente Cap Inf Ref, a viver na Suécia, com data de 30 de Dezembro de 2009:


Algumas considerações sobre a descolonização

Caros Amigos e Camaradas,

Com as nostalgias de "fim do Ano" dediquei algumas horas à leitura de postes antigos da Tabanca Grande. Verifiquei que alguns assuntos serviram para muito interessantes contribuições e debates, com elevado número de comentários.

São exemplos: (i) A sorte reservada a muitos dos guinéus que lutaram ao nosso lado; ii) a guerra colonial, militarmente perdida, ou não; (iii) declarações menos correctas, e mesmo ofensivas, por parte de um senhor jornalista, e de um senhor general; (iv) afirmações menos verdadeiras feitas por um dos escritores mais importantes da literatura contemporânea portuguesa; (v) a forma como a descolonização foi efectuada por aqueles que, então, tinham responsabilidades de governo, tanto a nível civil como militar.

Pelas dramáticas consequências, não só para Portugal nos milhares de refugiados, como para os novos países que, de imediato, se viram envolvidos em sangrentos conflitos internos, será, numa perspectiva de análise histórica futura, a descolonização, na sua forma e resultados, assunto de muito, e aprofundado, estudo. Talvez com menos "compreensão" para com alguns dos responsáveis.

Duvidar da necessidade da descolonização no novo Portugal democrático? De modo algum. Mas daí a exibir vangloriado orgulho na "descolonização exemplar"... “Exemplar" para quem? "Exemplar" em quê? Dos políticos que a dirigiram? Dirigiram? De alguns militares bem dignos de um exército castrado pela realidade salazarista?

Seria a única possível, perante todos os entraves e sabotagens de forças reaccionárias? Da conjuntura internacional? De generais neo-colonialistas? Talvez!

Foi verdadeira coroa de glória final da política africana do Estado Novo. Os que vieram das "Franças", dos exílios, nos primeiros "comboios de Abril", regressavam de outras "lutas", de outras realidades, e, porque não dizê-lo, agora que os anos vão passando… retirando as máscaras (?!) de outros... interesses!

Não menosprezo essas lutas do exílio. Foram bem duras... para alguns. Mas nós, nós, os que mexemos na merda com ambas as mãos, os que com ela bochechámos nas bolanhas, picadas e matas. Nós, os que literalmente CARREGÁMOS OS NOSSOS MORTOS... nós devíamos ter exigido mais.

Em respeito!
Em remorso!
Em dignidade!

E hoje? Hoje, nas estatísticas da guerra, nos números dos computadores, nas tiradas brilhantes de políticos em análises de ataque (ou defesa), nos filmes... já tão "antigos", nos estropiados que evitamos olhar nos olhos... tudo se vai tornando mancha uniforme, esbatida, muito convenientemente esbatida.

Aqueles heróis de vinte anos que, geração após geração, foram LEVADOS para as colónias em verdadeira oferta de sacrifício a interesses que em nada eram os seus, cumpriam o melhor que sabiam às ordens dos senhores oficiais, que, por sua vez, as recebiam dos senhores políticos. Mas não andariam alguns destes "Senhores" mais preocupados com questões de pruridos profissionais, quanto a purezas de educação académica e a honrarias de promoções?

Pergunta menos conveniente e muito esquecida, pela simples razão de que a incrível pressão popular no próprio 25 de Abril e semanas sucessivas, terem TRANSFORMADO as realidades subjacentes às verdadeiras origens, e razões do "pronunciamento militar" obrigando a muitos a acertar a passada... imposta pela vontade popular.

Deveríamos ter, há muito, saído (MILITARMENTE) de África. E qualquer leitura apressada da História o demonstrava. Mas, e apesar de dezenas de anos de criminosa e estúpida política fascista, não teria sido Abril a oportunidade de sairmos de cabeça levantada, terminando com dignidade e assumindo as nossas responsabilidades históricas?

Mas muitos dos senhores responsáveis de então, estavam demasiadamente ocupados nos seus "golpes de rins", para uma nova... opção de classe (como soía dizer-se!), e em leituras muito atrasadas de educação política avançada. Não houve mesmo alguns militares que pretendiam "criar" o partido da classe operária... o "verdadeiro"?!

Toda esta ocupação libertadora (com a condição absoluta de serem eles os libertadores), acabou por levar ao esquecimento de alguns conceitos (burgueses?) de honra e respeito pelos seus mortos. Terá sido profundo sentimento de culpa (de má consciência por parte de alguns), que terá levado a extremos de procedimento, vis-a-vis ex-inimigos, de outro modo inexplicáveis?

Com o passar das décadas tantas perguntas vão surgindo. Muitas delas, já de tal modo fora dos contextos, que se tornam, mais e mais, subjectivas. Será que, em vez de agradecermos a madrugada de Abril, vamos "freudianamente" acabar por... matá-la?

Estocolmo, 30/Dez/09
José Belo

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

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Guiné 63/74 – P5659: Estórias do Tomás Carneiro (1): De Binta a Jugudul


1. Mensagem de Tomás Carneiro, ex-1.º Cabo Condutor da CCAÇ 4745/73 - Águias de Binta, (Binta, Cumeré e Farim – 1973/74), nosso Camarada que vive nos Açores, com data de 13 de Janeiro:

Olá saudosos Amigos e Camaradas,

Oxalá estejam todos bem é o que eu espero. Por cá vou-me safando, a ler alguma coisa da nossa passagem pela guerra na Guine.

Hoje vou escrever uma estoriazinha sobre o que por lá passei.


De Binta a Jugudul


Fiz parte da CCaç 4745, que esteve sediada em Binta, desde 21de Agosto a 27 de Outubro de 1973. Naqueles 3 meses passamos algumas situações de risco.

Eu como condutor só as passei pelo perigo nas “auto-estradas”, mas os meus camaradas “de mato”, podem contar muitas outras bem mais terríveis, que eu, felizmente, não passei.

A CCaç 4745 fez algumas colunas Binta/Farim/Binta, para efectuar reabastecimentos e fomos, várias vezes, ao encontro de colunas que vinham de Guidage, também para reabastecer.

Estas operações eram bastante problemáticas, porque para conduzir no meio da lama toda, atolados aqui, atolados acolá, obrigando-nos a passar os guinchos de uns carros para os outros para nos safarmos, além de moroso, era extremamente exaustivo.

Lembro-me que da 1ª vez que fomos fazer um reabastecimento a Guidage e passámos no Cufeu, eu fiquei doido com o que lá vi, nomeadamente a terra esburacada, a vegetação queimada e o estranho cheiro correspondente entre vários destroços de viaturas emboscadas por fogo IN.

Eu não sabia o que se tinha ali passado antes de chegarmos a Binta, mas jamais esquecerei que, no momento, pensei: ”Esta merda é mesmo guerra!”

Depois de passado este local, ficámos a aguardar a chegada dos nossos Camaradas de Guidage, fazendo segurança à “auto-estrada” Binta/Guidage e, passado algum tempo, apareceu-nos o Alf Mil Ávila (que penso ser natural de S. Jorge).

Quando ele chegou eu estava junto de um atirador e junto dele, no chão, estava uma granada de morteiro 60 mm.
Pergunta-me o alferes: - Oh Sousa quem é que deixou esta p... aqui no chão?

Respondi-lhe: - Não fui eu, porque nem sei isso o que é (brinquei com ele).
Disse-me ele novamente: “Isso é serio.”

Depois chegou-se a uma conclusão que era uma granada não deflagrada, do célebre ataque a Guidage em Maio de 1973.

Uma parte do que queria escrever sobre a estadia em Binta, já o fiz em anteriores postes, logo a seguir ao formidável encontro da Tabanca Grande, em Junho de 2009 na Ortigosa.

No poste P5490, está a foto do meu inesquecível e grande Amigo, o 1º Cabo Condutor Jacinto Custódio falecido devido a ferimentos causados por uma mina A/C, no dia 24 de Setembro quando seguíamos de Binta para Farim e que jamais esquecerei.

Em fins de Outubro, princípios de Novembro de 1973, fomos transferidos para um quartel novo, que se situava entre o Jugudul e Porto Gole, numa altura em que estava a ser construída uma estrada entre Jugudul e Bambadinca e a cujas obras fizemos segurança. Nesta mudança, esperámos por alguém que nos viria acompanhar e quem devia ser esse algiuém? Nada mais, nada menos, do que os-meus companheiros e amigos “Os Gringos do Guileje”.

Foi uma alegria tão grande encontrá-los 3 meses depois de partimos de Binta. Eles, os Gringos, diziam que a estrada entre o K3 e Mansoa, era bastante perigosa, submetida a inúmeras emboscadas e golpes de mão sobre as NT, que tinham sofrido várias baixas e algumas perdas de militares (apanhados pelo IN “à mão”).

A partir daí viajamos sempre com o credo na boca, não fosse o diabo tecê-las, mas, felizmente, nada de anormal ocorreu durante aquela mudança e chegamos a Jugudul ao fim da tarde, sem qualquer problema.

Passamos a primeira noite dentro do quartel, mas tivemos que preparar os nossos aposentos recorrendo ao habitual “desenrascanço” individual. Nós, os da “ferrugem”, safámo-nos da melhor maneira possível com as cobertas das viaturas e deu certo.

Por hoje é tudo. Brevemente, contarei mais algumas estórias, mas tenho que vasculhar o meu “disco rígido”.

Um Abraço desde o meio do Atlântico,
Tomás Carneiro
1º Cabo Cond CCAÇ 4745

Foto: © Tomás Carneiro (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Este é o primeiro poste desta série.