terça-feira, 20 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6193: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69 / Mai 71) (9): Os padres missionários italianos de Bafatá

Coruche > IV Convívio anual da CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) > 27 de Março de 2010 > O ex-Alf Mil Capelão Arsénio Chaves Puim e o ex-Alf Mil Trms Antero Magalhães Pacheco da Silva.



Coruche > IV Convívio anual da CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) > 27 de Março de 2010 > O Antero Magalhães Pacheco da Silva, que vive no Porto e veio acompanhado da esposa.




Coruche > IV Convívio anual da CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) > IV Encontro-convívio > 27 de Março de 2010 > O Furt Mil Mec Auto Joaquim Lourenço Gião Vinagre. Em segundo plano, o camarada, ajudado pela respectiva família, que organizou o convívio. Ao todo, marcaram presença 96 ex-Militares, com 27 totalistas.


Coruche > IV Convívio anual da CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) > Dois camaradas de unidades adidas ao batalhão: o ex-1º Cabo Cripto Gabriel Gonçalves (CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71) e ex-Alf Mil Art Jorge Cabral (Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, 1969/71).



Coruche > IV Convívio anual da CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) > O ex-Alf Mil Médico António Rodrigues Marques Vilar, que veio do Olossato - se não erro - para o BART 2917, em Março de 1971. A seu lado, a esposa. Moram em Aveiro. O Dr. Vilar é um psiquiatra reformado. Deve estar neste momento na Guiné, aonde voltou, pela primeira vez, em 2001, com o David Guimarães e outros camaradas. No almoço, sentei-me à sua frente. A meu lado esquerdo, ficou o o ex-Alf Mil José Alexandre Pereira Braga Gonçalves (recomplemento da CCS, em Janeiro de 1971). Infelizmente não tenho nenhuma foto dele.

Fotos: © Luís Graça (2010). Direitos reservados


1. Mensagem, com data de 16 do corrente, do nosso muito estimado amigo e camarada Arsénio Puim, açoriano de Santa Maria, ex-capelão do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), e com que estive, recentemente, convívio realizado em Coruche (27 de Março de 2010):

Luis:

O nosso encontro em Coruche, que me deixou muito boas recordações, quase não nos proporcionou ocasião para conversarmos. Mas outras ocasiões virão.

Mando um pequeno trabalho sobre a Igreja na Guiné, e que voltarei mais tarde a abordar no que toca aos capelães militares, o qual, como todos os outros, fica ao teu critério.

Cumprimentos à Alice. Um abraço amigo
Arsénio Puim



2. RECORDANDO... IX - OS PADRES MISSIONÁRIOS ITALIANOS DE BAFATÁ (*)
por Arsénio Puim

A Igreja na Guiné, em princípios da década de 70, tinha como autoridade eclesiástica máxima o Perfeito Apostólico (não era Bispo, nem a Guiné era então Diocese, ao contrário do que acontece hoje), com sede em Bissau e dependente directamente do Papa, em Roma.

Também em Bissau, e arredores, viviam os Padres Franciscanos, exercendo ao mesmo tempo o professorado no Liceu. Mais para o interior do território, haviam-se fixado os Padres Missionários Italianos, que tinham a sede em Bafatá e, se não erro, uma pequena extensão em Catió.

Para além destes, havia os capelães militares, dependentes do Vicariato Castrense, em Lisboa, em comissão de serviço temporária, por força da guerra existente, dispersos e isolados pelos quartéis do mato, onde às vezes existiam também minúsculos núcleos de cristãos nativos.

Normalmente, os capelães só encontravam outros colegas padres, para conviver um pouco e conversar sobre os problemas inerentes à sua actividade e difícil experiência eclesiástico militar, quando se deslocavam a Bissau, onde se situava a chefia da Capelania, que, diga-se, estava sempre aberta a todos os capelães do território. Razão, talvez, por que era apelidada de «Vaticano».

A ocasião magna, durante a minha comissão, de encontro dos 18 padres que prestavam assistência religiosa às forças militares estacionadas na Guiné foi a Reunião dos Capelães do CTIG, realizada em Março de 1971 durante três dias, a qual foi repartida por Bissau e Bolama e presidida pelo capelão chefe, Pe. Gamboa.

Para mim, que vivia na zona central da Guiné, proporcionava-se, ainda, a oportunidade, uma vez ou outra, de me deslocar à pequena cidade de Bafatá, trinta quilómetros a leste de Bambadinca, onde se encontravam, além do capelão da unidade local, os Padres Missionários Italianos.

Foi na Casa destes que me «refugiei» algumas vezes, para desanuviar o espírito do clima de guerra, para falar com outros colegas, para retemperar um bocadinho as forças e levar em diante, com a autenticidade que sempre prezei, a missão de padre da Igreja no Exército.

A primeira vez foi em meados de Junho de 1970 quando decorreu ali um encontro dos capelães militares do Sector Leste - Bafatá, Bambadinca, Galomaro, Nova Lamego e Piche – promovido e orientado pelo Capelão Chefe da Guiné.

Foram dois dias preenchidos com diversas reuniões de trabalho, onde os capelães presentes puderam, num ambiente de agradável convívio, analisar e reflectir sobre a sua missão e actividades, naturalmente vistas sob ângulos de opinião diferentes.

A encerrar o encontro teve lugar uma concelebração eucarística de ronco, um tanto ao estilo da Igreja no tempo do Estado Novo, que o Capelão Chefe Gamboa sabia muito bem valorizar, em que estiveram presentes autoridades militares e civis, assim como um bom grupo de chefes religiosos muçulmanos. À cerimónia, a que se pretendeu retirar qualquer conotação política e militar, deu-se o nome de Celebração Eucarística pela Unidade.

Lembro que ainda antes de regressarem às suas Unidades, os capelães foram brindados, pelo Comando Militar de Bafatá, com um longo roteiro pela zona norte, acompanhados dum pequeno pelotão de segurança, visitando os aquartelementos de Cantuboel, Cambaju e Fajonquito, que nos disseram ficar a cerca de 500 metros do Senegal.

Voltei a estar na hospitaleira Casa dos Padres Missionários Italianos, pelo menos, mais duas vezes, por menos tempo. Eram sempre excelentes ocasiões de repouso e de convívio, assim como de troca de opiniões sobre temas então muito actuais e vividos intensamente por muitas pessoas dentro da Igreja, como fascismo e colonialismo, Exército e Igreja, guerra e Guiné, além de outros temas de cariz religioso e eclesiástico.

Pude, assim, conhecer e aquilatar do trabalho que os Padres Missionários Italianos desenvolviam na Guiné, levados pelo seu espírito missionário arejado e contando com algum apoio financeiro do Governo Português. Um trabalho profundo, enraizado e isento, que assentou, essencialmente, na formação de cidadãos da própria Guiné, de forma que o desenvolvimento desta terra se pudesse fazer a partir de dentro, pelos próprios guineenses. Para isso, haviam fundado e dirigiam um Seminário em Bafatá, já então no terceiro ano de existência, e sei que projectavam construir um outro em Bissau, visando a formação de sacerdotes e catequistas nativos, sem os desenraizar do meio nem desafricanizar.

Uma acção que foi reconhecida por quantos tiveram oportunidade e interesse de observar o desempenho da Igreja na Guiné e dela esperavam que assumisse uma acção capaz de semear nesta terra o Evangelho, no seu espírito de justiça, liberdade e progresso.

Amílcar Cabral, numa entrevista dada depois da célebre recepção dos três líderes dos Movimentos africanos pelo Papa Paulo VI em princípios de 1971, e em que faz um forte ataque à Igreja na Guiné por considerar esta estar comprometida com a guerra colonial, não deixou de expressar o seu apreço pelos Padres italianos de Bafatá, assim como pelo Pe. António Grillo, que havia sido expulso na sequência do caso de Samba Silate. (**) Uma imprudência de Amílcar Cabral, a meu ver, por poder dar origem a certos juízos políticos, na verdade infundados.

Não sei o rumo que a grande obra dos Padres Missionários Italianos tomou após a independência do território, mas acredito que a sua eliminação ou cerceamento, a ter acontecido, terá constituído um revés para a acção missionária da Igreja neste país e para o próprio desenvolvimento da Guiné.

Arsénio Puim
____________


Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 11 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5626: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/Mai 71) (8): Recordações da Belmira, da Manjaca, da Maria, da Safi, do Jamil...
(**) Vd. poste de 11 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2930: Bambadinca, 1963: Terror em Samba Silate e Poindom (Alberto Nascimento, ex-Sold Cond Auto, CCAÇ 84, 1961/63


(...) Sem conseguir precisar o mês, um dia soubemos que a PIDE estava em Bambadinca para deter o padre António Grillo, italiano da Ordem Franciscana, acusado - não sabíamos se por denúncia se por investigação - de colaborar, proteger, e fornecer alimentos a elementos do PAIGC, a partir de Samba Silate.

Este episódio motivou a intervenção militar do Comando de Bafatá com uma força equipada com as já na altura obsoletas auto-metralhadoras e lança-chamas. Essa força foi reforçada em Bambadinca com grande parte dos efectivos aí destacados e seguiu para Samba Silate.

Contar com pormenor o que se passou no decorrer da operação é impossível, já que fui colocado num posto de onde só podia abarcar uma pequena parte da povoação, que ocupava uma área enorme, mas o constante matraquear das auto-metralhadoras e G3 deixavam antever um morticínio. (...).



Vd. também poste de 14 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3059: Memórias dos lugares ( 9): Bambadinca , 1963 (Alberto Nascimento, CCAÇ 84, 1961/63)


(...) Em frente, junto à vedação do quartel, estava o gerador que por economia só funcionava poucas horas depois do anoitecer, após o que tudo passava a funcionar a petróleo. Até a iluminação exterior do quartel era feita com alguns Petromax e vulgares lanternas. Felizmente, a geleira onde se refrescava a Sagres 7dl, só funcionava a petróleo e enquanto este não faltasse, havia cerveja fresca, isto quando havia cerveja...

Continuando na estrada, a seguir ao quartel e com vedações quase encostadas ficava a última construção, a igreja onde oficiou, até à sua detenção, o padre Grillo [, o missionário italiano, acusado pela PIDE de estar ligado ao PAIGC].

Depois a estrada continuava até à bifurcação para a direita e para a esquerda e era nesta zona que existia um cemitério. A estrada que seguia para a direita dava acesso à pista se aterragem.

Bambadinca era assim...Só isto... (...)

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6192: Blogues da nossa blogosfera (34): Comandos-Guine 1964 a 1996, de Luís Raínha, o centurião-mor


O blogue Comandos Guiné 1964 a 1966 foi criado em 23 de Fevereiro de 2010 pelo nosso camarada Luís Raínha, que foi Alf Mil Comando, comandente do Grupo Os Centuriões. É também o principal editor, tendo como co-editores o João Parreira, membro do nosso blogue, e o Júlio Abreu, a residir na Holanda.

O cabeçalho do blogue tem, como fundo,. uma imagem de grupo, tirada em 8 de Novembro de 2008, por ocasião do 2º Encontro dos Velhos Comandos da Guiné 1964-1966, realizado no restaurante Os Severianos, sito na estrada Lourinhã-Torres Vedras.

Nessa foto, reconmhecemos como membros da nossa Tabanca Grande o Amadu Djaló (nº 9, Grupos Fantasmas e Centuriões), João Parreira (nº 13, Grupos Fantasmas e Apaches), Júlio Abreu (nº 18, Grupo Centuriões) e Mário Dias (nº 19, Grupos Camaleões e Apaches)... O Luís Raínha não aparece na foto, não tendo ido muito provavelmente ao encontro.

Aos nossos camaradas - que fazem questão de se chamar "velhos comandos" do CTIG, 1964/64 - desejamos os melhores votos de sucesso bloguístico.

O blogue tem por objectivo explícito "o reconstruir do puzzle que foi a nossa passagem pela Guiné", através do "relato honesto daquilo que então nos aconteceu" e que eles fazem questão de querer transmitir "aos presentes, aos filhos, aos netos e aos vindouros".

O historial militar do Luís Rainha, de 69 anos de idade, reformado, residente em Tavarede, Figueira da Foz, é apresentado no blogue nestes termos:

(i) Alf Mil Inf, tendo frequentado o COM em Mafra;

(ii) Fez um estágio de Educação Física Militar e frequentou com aproveitamento o Cursos de Operações Especiais, Oficial Miliciano de Infantaria, Ranger, e Operações Especiais, Oficial Miliciano Comando;

(iii) Colocado no Regimento de Cavalaria 7, em Lisboa;

(iv) Foi incorporado no BCAV 705/CCAV 704 e mobilizado para a Guiné;

(v) Os primeiros meses passou-os na CCAV 704 e os restantes nos Comandos do CTIG, onde formou o Grupo Centuriões;

(vi) Os seus instrutores foram o então Major Monteiro Dinis, Cap Nuno Rubim, Alf Mil Justino Godinho, Alf Mil Pombo dos Santos, Alf Mil Maurício Saraiva, Sargento Mário Dias e Furriel Mil Miranda (participantes na Op Tridente, com excepção dos dois primeiros);

(vi) Foi contemporâneo dos Alf Mil António Vilaça, Neves da Silva, Vítor Caldeira, V. Briote e do então Cap Garcia Leandro;

(vii) Foram-lhe atribuídos dois louvores, um ao serviço do BCAV 705 e outro ao serviço dos Comandos do CTIG atribuído pelo Comandante Militar da Guiné;

(viii) Mais tarde foi condecorado com a Cruz de Guerra de 2.ª Classe.

O João Parreira, por sua vez:

(i) É um lisboeta de gema, nascido em Alcântara;

(ii) Ainda antes da tropa, ingressou, em 2 de Dezembro de 196,l no Ministério dos Negócios Estrangeiros;

(iii) Prestou o Serviço Militar entre 9 de Agosto de 1963 e 19 de Agosto de 1966;

(iv) Estando colocado no BCaç 8 em Elvas, foi selecionado para frequentar o Curso de Operações Especiais;

(v) Fez um estágio no CMEFD (Centro Militar de Educação Fisica e Desporto), em Mafra, de 30 de Março a 3 de Maio de 1964;

(vi) Tendo ficado apurado, recebeu ordem para se apresentar no CIOE Centro de Instrução de Operações Especiais) em Penude (Lamego), onde frequentou o 3º Curso, C-24, que decorreu a 4 de Maio a 7 de Junho de 1964, tendo tirado o Curso com aproveitamento;

(vii) Foi incorporado na CART 730 / BArt 733, com destino à Guiné;

(viii) Fez a Comissão na Guiné de 8 de Outubro de 1964 a 14 de Agosto de 1966, primeiro na CArt 730/BArt 733;

(ix) Foi ferido em 9 de Janeiro de 1965, numa Operação à Base de Bafantandem, na Zona do Cancongo;

(x) Depois, foi para o Grupo Fantasmas, do Cap Saraiva (a que pertenceu também o Amadú Djaló);

(xi) Foi outra vez ferido em 20 de Abril de 1965 na Operação Açor, nas Tabancas de Portugal, na Zona do Incassol;

(xii) Vou a ser ferido, pela terceira vez, em Maio de 1965 na Operação Ciao, em Catungo, Cacine, "mesmo ao lado do Morais, que morreu logo ali, com o João Parreira a olhar para ele, sem nada poder fazer";

(xiii) Regressou ao MNE em Setembro de 1966; "com saudades de África", foi para o Consulado Geral de Portugal em Salisbúria, Rodésia, em 23 de Dezembro de 1966;

(xiv) Passou ainda pelas Embaixadas de Salisbúria na Rodésia, Blantyre no Malawi, Londres na Inglaterra, Lusaka na Zâmbia e Harare no Zimbadbwe.

(xv) Em Agosto de 1994, voltou a Lisboa, trabalhando no MNE;

(xvi) Da Guiné, nãou trouxe medalhas, a não ser "as que (...) trago comigo, e que estão aqui, no corpo";

(xvii) Pelo serviço prestado mo MNE, foi agraciado pelo Presidente da Repùblica com a Ordem do Infante D. Henrique.




O Júlio da Costa Abreu foi 1.º Cabo Radiomontador do Batalhão 506, Bafatá, antes de ser Chefe da 2.ª Equipa do Grupo de Comandos "Os Centuriões".



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Nota de L.G.:

(*) Último poste desta série > 30 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5730: Blogues da nossa blogosfera (33): Site da CCAÇ 4740 (Armando Faria)

Guiné 63/74 - P6191: Lançamento do livro do Amadu Bailo Djaló: Lisboa, Museu Militar, 15 de Abril (4): Intervenção do Cor Inf Ref Manuel Bernardo


1.O nosso Camarada Manuel Bernardo, Cor Inf Ref, amável e prestimosamente enviou-nos, para divulgação,  o texto da sua alocução no lançamento do livro do Amadú Djaló, Guineense,  Comando, Português,  informando-nos ao mesmo tempo, que quem quiser pode consultar as fotos do evento no site Guerra do Ultramar:




Livro “Guineense, Comando, Português; Comandos Africanos 1964-1974”, 1.º volume

1. Cumprimentos

- Dr. Lobo do Amaral
- Cor. “Cmd” Raul Folques
- Dr. Nuno Rogeiro
- O autor Amadú Djaló
- Cmd Virgínio Briote

- Todos os presentes…

Não tenho os dotes oratórios dos camaradas e amigos que me antecederam e muito menos dos do professor e ilustre comentador da SIC, que é o Dr. Nuno Rogeiro, pelo que vou limitar-me a ler um texto que elaborei para esta ocasião.

Agradeço o amável e honroso convite que me foi formulado pelo Presidente da Associação de Comandos, Dr. Lobo do Amaral, com quem já colaborara na edição de um outro livro sobre o 25 de Novembro e também incluído nesta colecção Mama Sume, da Associação de Comandos.

Para quem não me conhece e não compreende a minha presença neste acto solene de apresentação do livro do Alferes graduado Amadú Djaló, adiantarei que me envolvi com a Guiné e com os guineenses, quando fui solicitado por um grande amigo e camarada do meu Curso de Infantaria, o Coronel José Pais, pouco tempo antes de falecer, para que eu denunciasse os crimes contra a humanidade praticados na Guiné, no pós-independência, contra os seus militares, e outros, que incluía os designados “comandos africanos”.
Apesar de nunca me ter deslocado a este território, fiz questão de cumprir a promessa feita.

Assim, nesse sentido, em 2007 publiquei o livro Guerra Paz e Fuzilamento dos Guerreiros; Guiné 1970-1980, onde, além dos 53 “comandos africanos”, na grande maioria oficiais e sargentos, identifiquei 182 elementos, que igualmente foram fuzilados clandestinamente pelas autoridades guineenses, depois de serem detidos, sem ser oficialmente formulada qualquer acusação.
Nesta cerca de duas centenas de vítimas estão incluídos 34 militares do Exército, 14 fuzileiros especiais e 14 milícias, além de vários régulos e cipaios.

Quero lembrar aos presentes que os nomes daqueles 53 “comandos” africanos mandados fuzilar clandestinamente pelo PAIGC, se encontram desde Novembro do ano passado inscritos nas paredes do Memorial dos Combatentes do Ultramar, no Forte do Bom Sucesso, em Belém, depois de uma porfiada campanha nesse sentido feita pela Associação de Comandos.
Pena foi que nesse acto não tivessem tomado a posição de esclarecer as pessoas, e nomeadamente os combatentes,  dessa vergonhosa afronta e dos crimes praticados e consubstanciados nesse tipo de actuação.

Questões prévias

Antes de me debruçar sobre este livro do Amadú Djaló, permitam-me que, aproveitando estar junto de tantos militares e amigos, tente esclarecer dois assuntos, que foram referidos em livros publicados recentemente.

O primeiro tem a ver com a crítica feita pelo meu amigo Cor Brandão Ferreira, no seu último livro (Em Nome da Pátria) em relação à maneira como deviam ter sido solucionadas as guerras subversivas que enfrentávamos em Angola, Guiné e Moçambique. Ele não concorda com o princípio, que eu defendo, de que “a solução para este tipo de guerra deve ser política, através de negociações para a paz, e de preferência em posição de força.”
Julgo que, genericamente, o princípio deverá ser este. Recordo ter sido o utilizado pelo General De Gaulle, na Argélia… E lembrava igualmente ter ocorrido, em 1972, a última oportunidade perdida pelo anterior regime de iniciar um processo negocial na Guiné, como foi proposto a Lisboa pelo então General António de Spínola, na sequência de um encontro com o Presidente do Senegal, Leopold Senghor.

O segundo diz respeito a uma referência errada à minha actuação antes e pós 25 de Abril, em relação ao falecido Marechal Spínola, feita pelo Professor Luís Nuno Rodrigues, na biografia deste oficial, publicada recentemente e lançado na semana passada, em Lisboa.

Afirma o referido autor, com base na transcrição de um livro meu (Memórias da Revolução; Portugal 1974-1975) em relação a um passo significativo para a reintegração de Spínola na sociedade portuguesa, o seguinte:

“(…) Os “fiéis” de sempre voltam a cerrar fileiras em torno do Velho. Em 1977, um grupo de oficiais, entre os quais Manuel Monge. Manuel Amaro Bernardo e Caçorino Dias, solicitaram ao CEME, General Rocha Vieira, que resolvesse a sua situação remuneratória (…). Meses depois, a 27-2-1978, Spínola foi finalmente reintegrado nas FA (…).”

Daquilo que conheço apenas o Manuel Monge poderá ser considerado um “fiel de sempre”, pois o Caçorino Dias apenas o terá conhecido em 1973, numa visita à Guiné, a propósito da contestação desencadeada ao Congresso de Combatentes e eu nunca o tinha visto, contactado ou trabalhado com ele até essa altura (1977). Apenas tive ocasião de lhe falar pela primeira vez, quando pedi uma entrevista, em 1993, para um trabalho universitário, depois publicado no livro Marcello e Spínola; a Ruptura (…)”.

E dos cinco oficiais, onde eu me incluo e que tomaram essa atitude de solidariedade castrense, os dois não transcritos do meu texto – os então Major José Pais e Capitão Ribeiro da Fonseca –, poder-se-iam considerar muito mais ligados ao Marechal desde os tempos da Guiné, onde prestaram serviço e comandaram companhias em operações.

Lembro ainda que imediatamente antes dessa afirmação, no livro Memórias da Revolução (…), eu frisava que apenas tinha conhecido António de Spínola depois de ele regressar do exílio, pós-11 de Março de 1975.

Mas eu já estou habituado que façam más transcrições dos meus livros, como aconteceu, com o Dr. Almeida Santos, para o seu Quase Memórias. Mas terão sempre que me ouvir em relação aos erros cometidos…, pois estou no meu direito de tentar restabelecer a verdade dos factos.

Um grande “comando” guineense”

Entrando na análise desta obra, começaria por dizer que o seu autor foi um militar perseverante e distinto, que percorreu as funções das três classes atribuídas aos combatentes: praça (soldado e cabo), sargento e oficial, ao longo dos 11 anos que durou a guerra na Guiné.
Amadú Djaló, com o Curso de Comandos, que frequentou em 1964, seria transformado de um jovem comerciante independente, na vida civil, num grande combatente.
Para tudo na vida é preciso ter sorte e ele teve-a com os militares que foram seus instrutores e, depois, com o Alferes Maurício Saraiva, comandante do seu grupo (Os Fantasmas) e que foi considerado como um dos melhores combatentes da Guerra do Ultramar.

A este propósito lembro que os instrutores e monitores deste Curso de Comandos foram militares muito valentes, quer na Guiné, quer nos outros teatros de operações.
Quatro deles viriam a ser galardoados com a mais alta condecoração, a Ordem Militar da Torre Espada, do Valor Lealdade e Mérito, em 1969/70: Tenente Jaime Abreu Cardoso, 2.º Sargento Ferreira Gaspar, 2.º Sargento Marcelino da Mata e Capitão Maurício Saraiva. Dos restantes, sete seriam condecorados com a Cruz de Guerra (alguns com mais que uma).

Aliás, durante a guerra da Guiné, e por feitos praticados em operações foram condecorados com a Torre Espada mais quatro oficiais dos comandos: Major Almeida Bruno, Capitão Ribeiro da Fonseca, e os guineenses Cherne Sissé e João Bacar Jaló.  Pena foi que o último comandante do Batalhão de Comandos Africanos da Guiné, o Coronel Raul Folques (aqui presente e também na capa deste livro), que já se distinguira em Angola e condecorado com uma terceira Cruz de Guerra em 1973, não tivesse merecido da hierarquia militar a ambicionada Torre Espada.



Lisboa > Museu Militar > 15 de Abril de 2010 > Os nossos camaradas, membros do nosso blogue, João Parreira (de costas) e Mário Dias, ex-comandos do CTIG (1964/64), em conversa com o comandante Apoim Calvão (em segundo plano, entre os dois).

Foto: © Luís Graça (2010). Direitos reservados


Quanto ao conteúdo da obra poder-se-á dizer que se trata de uma história triste, contada na primeira pessoa ao logo destas 300 páginas, como tristes e dramáticas serão todas as histórias de guerra.
Nela se descrevem as acções onde as nossas tropas sofrem feridos e mortes de camaradas, que com eles conviviam no dia-a-dia. Essas são marcas que ficarão para sempre na nossa memória. O autor fez bem em salientar, em anexo, os nomes de todos eles.
Na fase inicial de combate, no Grupo Fantasmas do então Alferes Maurício Saraiva já se nota, muitas vezes, uma mistura dos guerrilheiros com as populações, por conivência ou ameaças sobre elas, o que dificulta a actuação, sem os designados danos colaterais.
No entanto, o bom senso e a experiência do Amadú foram factores importantes para o bom andamento das operações. A sua actividade nos “comandos” manteve-se após a saída deste oficial, com a sua integração no Grupo Centuriões do Alferes Luís Rainha.

Após a intensa actividade operacional entre 1964 e 1966, nesses grupos de “comandos”, Amadú sentiu a necessidade de descansar para “recarregar as baterias”, voltando à sua condição de condutor. Assim, durante três anos passou pela CCS/QG e por vários batalhões: o BCav 757, o BCaç 1877, o BCav 1905 e BCaç 2856, que estiveram sedeados em Bafatá.

Com a ordem de regressar aos “comandos” em 1969, com vista à formação da 1.ª CCmds Af., Amadú, tal como os seus antigos camaradas Braima Bá e Tomás Camará, regressou às lides operacionais, agora (1970) sob a liderança do Tenente João Bacar Jaló, um figura mítica e muito considerada pelas gentes da Guiné.

Mas, antes,  ainda teve que frequentar um curso acelerado com o então Capitão “Comando” Barbosa Henriques, um militar que, depois do 25 de Abril, prestaria serviço comigo no Tribunal Militar.

Recordo a manifestação sentida dos “comandos” guineenses residentes na área da grande Lisboa, com os seus trajes típicos maometanos, no dia do seu funeral, há alguns anos, no cemitério do Alto de S. João. Despediram-se do seu amigo com o habitual grito “Mama Sume”

Grandes operações nos países vizinhos

Além das mais variadas operações feitas em todo o território e nomeadamente nas matas de Morés ou da Cobaiana, saliento as duas efectuadas em território estrangeiro.
A Mar Verde, na Guiné-Conacri, em Novembro de 1970, em que previamente surgiram dúvidas nos elementos da 1.ª CCmds Af. sobre a sua participação naquelas condições e onde actuaram juntamente com elementos dissidentes daquele país.
Os principais objectivos acabariam por não ser conseguidos, devido a falhas dos serviços de informações em relação à localização dos aviões e do presidente Sékou Turé, mas ocorreu o notável feito da libertação de 26 portugueses, que o PAIGC mantinha em prisões na capital do país.
Nesta operação a companhia de Comandos teve uma baixa de peso, pois o Tenente Januário Lopes desertou e entregou-se com o seu grupo de 24 homens. Esta não é porém a versão de Marcelino da Mata, com acção de comando importante à frente do seu grupo, após a morte do alferes na fase inicial, e que diz terem-nos deixado para trás por falta de coragem em os ir lá buscar na retirada.
O facto é que nas declarações à comissão da ONU, dias depois, Januário afirmou ter de facto desertado e acabaria por ser fuzilado com os seus homens no mês seguinte.

Amadú aquando dos preparativos para esta operação afirma no livro:
“(…) A nós, o PAIGC não nos poupava. Que me lembre não me recordo ver alguns dos nossos matar os feridos. Nem deixávamos nenhum ferido do PAIGC na terra de ninguém. Se estivesse ferido, pedíamos a evacuação para o Hospital Militar. Certamente que alguns de nós, brancos ou negros não se comportavam assim tão dignamente, mas não eram a maioria. E se fossemos apanhados pela tropa do Sékou Turé, de certeza que não haveria nenhum sobrevivente. (…)

A segunda, a operação Ametista Real,  foi realizada em Maio de 1973, à base de Cumbamori, no Senegal, em que seria empenhado todo o Batalhão de Comandos Africano, sob o comando do então Major Almeida Bruno.
O objectivo, desta vez, foi conseguido, pois levou à destruição dos depósitos de armas e munições e numerosas baixas no PAIGC, tal como seria parado, pouco tempo depois, o cerco a Guidaje, que já durava havia três semanas.

O Batalhão de Comandos também sofreu bastantes baixas e a retirada do Senegal para o território da Guiné foi deveras penosa e feita com grandes dificuldades. Seria mais uma vez a grande experiência do Amadú e o apoio eficiente dado pelos aviões da Força Aérea a resolver a situação no final da operação. O autor descreve o sucedido, nas pag. 253 e 254:
“(…) Continuámos a retirar em direcção à fronteira. Não podíamos forçar muito, porque o Jamanca (tenente e comandante da companhia) só podia andar com o apoio de alguém e o Capitão Folques, com a perna ferida também tinha muita dificuldade em andar e estávamos ainda longe de Guidage.
“Pedimos apoio á aviação, mas recusaram. Que estavam a a voar muito alto e era difícil localizarem-nos. (…) Perguntei ao soldado que transportava o morteiro se tinha alguma granada de fumo. (…) O Capitão Folques transmitiu para os aviões (…). Disparei com o morteiro para sinalizar o local a partir do qual os aviões podiam bombardear.
“Uma grande bola branca de fumo já tinham visto dos aviões, ouvimo-los dizer. A partir deste momento, o Capitão Folques disse sueste do fumo, a sul, a sudoeste e a oeste, arrasar tudo, tudo! (…) Essa granada de fumo ajudou-nos muito. (…)
“Chegámos junto do arame farpado de Guidage entre as 18 e as 19H00, mortos de sede e fome. Em Guidage não havia nada para comer. Nem medicamentos. (…)

Como se vê, foram tempos dramáticos e de grande sofrimento os passados nessa altura… E pelas transcrições feitas julgo que ficarão de algum modo elucidados sobre o conteúdo desta obra.

Antes de terminar apenas quero fazer duas pequenas observações.
A primeira em relação ao editor, por na contra-capa não ter colocado outra fotografia do autor, em que no fundo estivessem nomes de guineenses (talvez os fuzilados e colocados recentemente no Memorial do Bom Sucesso) e não os que se encontram nessa foto.

A segunda por o autor não fazer qualquer referência à actuação do Marcelino da Mata naquelas grandes operações, atrás referidas, onde ele teve desempenho brilhante e relevante.
Lembro ainda o facto de ele ter sido o militar mais condecorado do Exército Português em toda a Guerra do Ultramar. Mas o Amadú Djaló, na pág. 243 do livro, esclarece a sua atitude em relação a este oficial:

“O ambiente entre nós nem sempre foi o melhor. Havia rivalidades étnicas que se cruzavam com os problemas que ocorriam em qualquer unidade militar. “

A terminar, quero elogiar o autor por esta significativa e importante obra hoje foi aqui lançada e que acabou por ser publicada mercê da sua persistência de vários anos.
De assinalar igualmente o trabalho meritório do “Comando” Virgínio Briote, que contribuiu bastante para a execução deste projecto, tal como na sua eficiente divulgação.
Elogio igualmente o editor, Dr. Lobo do Amaral, Presidente da Associação de Comandos, por numa altura de crise geral e editorial, nomeadamente em relação aos livros de ensaio ou memórias, se ter abalançado na sua publicação.

Muitas felicidades para os três, para o Coronel Raul Folques e para o Dr. Nuno Rogeiro, assim como para todos os presentes.

Muito Obrigado!

Manuel Bernardo
Lisboa, 15-04-2010
_________

Nota de MR:
Vd. último poste da série em:

18 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6180: Lançamento do livro do Amadu Bailo Djaló: Lisboa, Museu Militar, 15 de Abril (3): Intervenção do Cor Cmd Ref Raúl Folques

Guiné 63/74 - P6190: Os nossos seres, saberes e lazeres (19): Nas Caraíbas, em Castries, capital da ilha de Santa Lúcia, encontrei um amigo negro da Guiné e depois fui almoçar com uns americanos ricos (António Graça de Abreu)






1- Caraíbas > Ilha de Santa Lúcia > Castries >  St. Lúcia, é ou não é parecido com a Guiné?




2- Caraíbas > Ilha de Santa Lúcia > Castries > Bissau ou Caraíbas?


3- Caraíbas > Ilha de Santa Lúcia > Castries > O meu amigo com tetravós na Guiné prepara o seu arroz de peixe, sem peixe.


4- Caraíbas > Ilha de Santa Lúcia > Castries > O arroz... sem mafé.



5- Caraíbas > Ilha de Santa Lúcia > Castries > Sandals Resort > O bar na piscina dos ricos. Aqui bebi duas das melhores cervejas da minha vida. Melhor só na Guiné.



6- Caraíbas > Ilha de Santa Lúcia > Castries > A praia no Sandals Resort, St. Lucia.


7- Caraíbas > Ilha de Santa Lúcia > Castries > Sandals Resort > Pastelinhos de bacalhau, ou coisa parecida, à moda das Caraíbas. Deliciosos!

Fotos e legendas.  © Graça de Abreu (2010). Direitos reservados





1.
Texto do nosso camarada António Graça de Abreu, enviado em 11 do corrente (*):

Comecei a escrever um Diário em Outubro de 1963, tinha dezasseis anos. E nunca mais parei, são milhares de páginas com parte da minha vida esparramada, pontuada, condensada. O meu Diário da Guiné 1972/1974 corresponde exactamente aos textos que escrevi durante a comissão em Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar. Essas centenas de páginas estavam guardadas há muitos anos e em 2007 foi só ir buscar, melhorar ao de leve o português e publicar.

Trabalho neste momento no meu Diário de Pequim 1977/1983, os muitos textos que escrevi durante a primeira longa estadia na China, cinco anos em Pequim, sete meses em Xangai, e viagens, muitas viagens por dentro da China.

Continuo a escrever o Diário, agora mais espaçadamente, quase só em dias muito especiais.

O mês passado fiz um cruzeiro, não no Carvalho Araújo nem no Niassa, mas no navio Pacific Dream por cinco ilhas das Caraíbas. Não conhecia, foi uma semana de excelentes prazeres e recomendo vivamente a todos os camaradas da Guiné. Por mil e poucos euros temos a viagem de avião, via Madrid, e depois o bem bom de um navio moderno, com tudo incluído, (comer e beber como um rei!) a sulcar mares calmos e a deixar-nos em ilhas e praias maravilha, recantos do paraíso na Terra. Vivam a vida, meus caros camaradas da Guiné, gastem uns tostões. Estamos todos sexagenários ou septuagenários e dinheiro, mesmo quando não é muito, é coisa que não vamos levar para a cova ou para o crematório

A primeira ilha a que aportámos chamava-se Santa Lúcia. Nem sequer sabia que existia. No meu Diário escrevi então:

St. Lúcia, 9 de Março de 2010

O navio chegou a esta ilha às oito da manhã, com o dia já bem nascido. Entrou por uma enseada em busca do cais. Ainda no mar, na linha de costa fora da baía, vi ao longe uma praia linda, um rebordo de areia e casas bonitas. Não me pareceu longe do local onde o navio atracou e decidi ir até lá, sozinho, a pé, atravessando o pequeno burgo, circundando a enseada. Saí do Pacific Dream com sapatos de ténis, uns calções de banho largos, a t-shirt Lacoste, made in China, a máquina fotográfica, pequenina, digital e cinquenta dólares no bolso.

Primeira surpresa, a população da cidade -  Castries, assim se chama - era toda negra e imaginei Bissau. Os cheiros, os mercados, as frutas, o colorido tinham semelhanças. E que gente tão simpática, sorridentes, afáveis como os nossos amigos da Guiné!... São os descendentes dos escravos que, nos séculos XVIII e XIX,  os navios negreiros foram buscar às costas de África e trouxeram para estas paragens a fim de trabalharem, por exemplo, na cana-do-açúcar em condições infra-humanas. Quanto não sofreram os antepassados destes negros hoje espalhados pelas Antilhas e Caraíbas!

Atravessei a cidade e continuei a caminhada em busca da tal esplendorosa praia.

E a praia não aparecia. Subi, desci, subi por caminhos rodeando a costa rochosa e a praia parecia não existir. Andei uns bons quilómetros, era meio dia, eu ia na direcção certa, mas nada de praia. Resolvi perguntar. Na berma do estradão de terra,  um negro igualzinho a um manjaco, balanta ou bijagó, fazia o seu almoço, numa panela com lenha a arder por baixo. Meti conversa em inglês, a língua que se fala na ilha. How are you, hey, having a nice lunch!... 


Simpático, o rapaz disse-me que era fish rice, arroz de peixe. Olhei para a panela, cheia de arroz quase cozido, mais umas lentinhas e uma espécie de coentros ou salsa por cima. Não vi peixe nenhum e perguntei-lhe:
- Where is the fish?

Sempre sorridente, o negro disse-me que não tinha peixe, mas aquilo era arroz de peixe,  só que ele era pobre e não tinha conseguido o peixe. Convidou-me a provar o seu arroz de peixe, sem peixe. Agradeci, mas eu queria era ir para a praia. 
- Where is the beach

Apontou-me lá para baixo e respondeu: 
- No way from here, and it's private.

Praia privada, e não há caminho para se lá chegar… Andei eu uma data de quilómetros, já me doem os pés dentro dos ténis e agora volto estupidamente para trás….

O meu amigo recente, descendente dos nosso irmãos negros da Guiné, concluiu o nosso diálogo mais ou menos nos seguintes termos:  Se entrar na floresta e descer por aí abaixo, vai a corta-mato e acaba por chegar ao resort. (afinal era um resort, um complexo hoteleiro), mas avisou-me, para ter cuidado com as iguanas na floresta, eram verdes e tinham meio metro.

E cobras? Ah, cobras, pois também há umas cobras pequenas!

Sou Carneiro, teimoso e decido. E gosto de répteis. Na vivenda do CAOP 1 em Teixeira Pinto tínhamos um lago com crocodilos pequenos, negros e valentes. Uma vez, num dos meus crosses em Cufar, já em 1974, na extrema a pista de aviação matei uma cobra verde, a pontapé, daquelas que diziam ser altamente venenosas. Regressei ao aquartelamento com a cobra atada ao pescoço, a modo de colar. A bicha ainda mexia e os meus soldados fugiram a sete pés. Oh, meu alferes, o meu alferes é maluco! Devo ser, ao fim destes anos todos o meu juízo ainda se avaria, de quando em quando.

Regressemos a St. Lúcia.

Despedi-me do meu amigo negro e lá fui pela floresta. Depois desci pela ribanceira, agarrando-me às lianas e à vegetação luxuriante, à espera de calcar uma cobrazinha de estimação ou uma qualquer iguana pitosga ou transviada. Só encontrei colibris, aqueles passarinhos bonitos pouco maiores do que besouros.

Quando cheguei lá abaixo, estava dentro do campo de golfe  do resort. Entrara quase aos trambolhões pela porta do cavalo. Caminhei em direcção à praia. Os empregados negros tomaram-me por um golfista, sem taco, e cumprimentavam-me afavelmente. Estava na praia. Tudo cheio de americanos anafados, ao sol, de barriguinha proeminente como a minha. Um excelente banho de mar. Depois fui buscar uma toalha de praia do resort, coloquei-a numa espreguiçadeira e deitei-me de papo para o ar, junto à deslumbrante piscina. Estava com uma sede de morte. Dentro da piscina, um bar servia bebidas aos felizes usufrutuários daqueles luxos. Agora eu era um deles. Como ali o sistema era "Tudo Incluído", comia-se e bebia-se sempre à descrição. 


Fui nadar para a piscina, cheguei-me ao bar metido na água e pedi a uma empregada negra, uma bajuda já crescida com trisavós na Guiné, acho eu, pedi uma cervejinha. Que delícia! 
- One more bear, please

Não sei se há cerveja no céu, mas eu estava no paraíso e aquelas duas cervejas souberam-me divinamente.

Eram quase duas horas da tarde. Ao lado da piscina, os americanos ricos começavam a aproximar-se, a servir-se do requintado buffet. Juntei-me a eles e pestisquei gloriosamente uns tantos peixes e carnes grelhadas, saladas, comida caribenha, sei lá, um delicioso almoço onde até apareceram uma espécie de bolinhos de bacalhau que me souberam pela vida.

Lembrei-me do meu amigo negro, lá em cima, a comer o seu arroz de peixe, sem peixe. Mas o mundo é assim, tanta desigualdade, tanta injustiça!

Regressei ao navio, ainda a pé, mais uns quatro quilómetros agora por uma boa estrada de asfalto. Ao sair do Sandals Resort St. Lucia (vejam no google), o empregado do portão da recepção e um segurança saudaram-me com um enorme sorriso.

Quando cheguei ao Pacific Dream, eram quase cinco da tarde e a minha mulher chinesa, preocupada, perguntou-me:
- Por onde é que tu andaste?
Respondi:
- Fui à praia, encontrei um amigo negro da Guiné e depois fui almoçar com uns americanos ricos.

António Graça de Abreu

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Nota de L.G.:

(*) Último poste desta série >  21 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6032: Os nossos seres, saberes e lazeres (18): Conversa com o meu neto (Jaime Machado)

Guiné 63/74 - P6189: Tabanca Grande (214): Sílvio Fagundes de Abrantes, de alcunha o Hoss, CCP 121 / BCP 12, 1970


Guiné > Algures > CCP 121 > BCP 12 > 1970 (?) > Um camarada açoriano do Hoss, num momento de pausa na guerra e com sinais de grande sofrimento estampado no rosto. A seu lado, no chão, uma MG 42, uma poderosa arma nas mãos dos páras...


Foto: © Sílvio Abrantes (2010). Direitos reservados



1.

1. Já aqui falámos do nosso camarada Sílvio Fagundes de Abrantes, conhecido entre os páras e outros camaradas da Guiné como o Hoss. Ele já consta da lista dos membros da nossa Tabanca Grande, mas certamente por lapso nosso ainda não foi apresentado formalmente aos nossos leitores. Em 21/2/2010, ele apresentara-se nestes termos:

Sou o Sílvio Fagundes de Abrantes, o HOSS.


Caro amigo Luís Graça, junto seguem as duas fotos que o amigo me pediu, uma do tempo de tropa e outra actual.


Um abraço, Hoss

Mas já antes tínhamos publicado, dele, o poste P5668, em que veio em defesa do seu "amigo Oitenta" bem como o poste P5580 (*).

Na altura esvrevemos que a alcunha Hoss tenha sido atribuída ao Sílvio por analogia com a figura do Hoss Cartwrigh, da popular série televisiva norte-americana Bonanza...(Quem, da nossa geração, não era fã da família justiceira mas bonacheirona do Faroeste, o pai Ben, e os filhos Adam, Hoss e Little Joe ?... Comecei a vê-los desde 1959, se não me engano, na RTP)...

O camarada Sílvio já leu, compreendeu e aceitou as nossas regras de bom senso e bom gosto (por exemplo, não usamos o termo "preto", pela sua conotação racista...) e manifesta o seu desejo de fazer parte desta já grande e fraternal comunidade de amigos e camaradas da Guiné.

Ele também já sabe que na nossa Tabanca Grande não cultivamos ódio nem raiva por ninguém, incluindo os antigos militares da PM e os homens (e mulheres) que nos combatíam (os guerrilheiros do PAIGC)...

No nosso blogue, simplesmente contamos histórias, partilhamos memórias e até afectos. De imediato o Sílvio, que é natural de Águeda, se mostrou com disposição de nos contar histórias do seu tempo de militar da CCP 121 / BCP 12. Explicita ou implicitamente, o seu padrinho é Paulo Santiago, seu amigo e vizinho, foi a ele que pedimos que apadrinhasse a entrada do Hoss no nosso blogue. O Sílvio é, pois, bem vindo. Já cumpriu as nossas regras formais e, além disso, já nos contou algumas histórias. Aqui vai a primeira, que achei deliciosa, e que passou despercebida, no meio dos comentários a um poste P5568(*).

O Sílvio tanmbém já nos explicou que "era soldado enfermeiro, nunca fui promovido a cabo porque num dia fui duas vezes à missa e tramei-me. Eu era apontador de MG e um colega meu trazia a bolsa de enfermagem"... Da próxima vez, vamos publicar o relato da tremenda emboscada que ele apanhou em 16 de Junho de 1970, na estrada Bissau-Teixeira Pinto, a 3 km do Pelundo. LG


2. O MUNDO É PEQUENO
por Sílvio Abrantes (Hoss)

Na minha terra realiza-se uma festa que é das maiores do distrito da Aveiro. Andava eu na festa e a certa altura com um grupo da amigos fomos beber a uma tasca. Quando lá chegámos estava um negro a ameaçar tudo e todos. A minha caixa dá meia volta e digo ao negro:
- Aqui não fazes barulho, se quiseres fazer barulho vai para a tua terra, aqui nem penses, por este dedo já passaram muitos cães e nunca ninguém foi preso por matar um cão. Desaparece e já.
O pobre não teve outro remédio. Diga-se que era um homem de 1,90 m de altura e com o corpo a condizer. Na quarta-feira a seguir volto à festa e o nosso homem viu-me e veio ter comigo. Diz ele num perfeito português:
- No domingo estavas bravo.

Metemos conversa e eu pergunto de onde era:
- Da Guiné diz ele.

Eu disse-lhe que estive lá como militar.
- E como vieste aqui parar?

Diz ele:
- Eu era turra, como vocês dizem e entrei numa conspiração para matar o Nino Vieira, só que falhou e tive de fugir e vim para Portugal.

Levanta as calças de uma das pernas e diz:
- Vês esta perna esfacelada, foi o filho da p… do Hoss que me fez esta serviço.

Eu pergunto:
- Conheces o Hoss? - e ele diz que sim.

Então pego nele e levo-a para minha casa, onde lhe mostro o meu algum de fotos da Guiné e ele reconhece o Hoss nas fotos. Eu pergunto:
- Onde é que está o Hoss? - E ele continuava a apontar para as fotos, não chegava onde eu queria, então viro a primeira página do álbum onde há uma foto minha de meio corpo, pergunto:
- É este?
- Tu és o Hoss? - Eu digo que sim. Imaginem como o meu amigo Henrique ficou. Esteve uns minutos em silêncio e depois diz:
- Leva-me a casa.

Nunca mais disse nada. Deixei-o em casa. Passados uns meses, veio ter comigo para eu ir a uma festa a casa dele onde estava gente grande da Guiné que está a viver em Lisboa. Lá fui. Quando chegámos à porta de entrada da sala, ele apresentou-me, fez-se um silêncio sepulcral. Aquele gente ficou atónita em ver ao vivo o Hoss. E assim fiquei amigo do ex-turra, Henrique

Como o mundo é pequeno.
____________

Nota de L.G.:
(*) Vd. poste de 2 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5580: FAP (44): A verdade sobre os incidentes, em Bissau, em 3 de Junho de 1967, entre páras e fuzos... (Nuno Vaz Mira, BCP 12)

Guiné 63/74 - P6188: José Corceiro na CCAÇ 5 (9): Resposta a comentário ou eu e os meus registos

1. Mensagem de José Corceiro* (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos -, Canjadude, 1969/71), com data de 10 de Abril de 2010:

Caros amigos Luís Graça, Carlos Vinhal, J. Magalhães
Por lapso da minha parte, quando devia, não respondi ao comentário deixado pelo Jorge Picado no Poste P-6117.
Deixo ao vosso critério a publicação deste artigo, caso tenha interesse, para dar resposta ao acima referido, com inclusão das fotos.

Um grande abraço
José Corceiro


José Corceiro na CCAÇ 5 (9)

Resposta ao comentário ao Poste P6117


Respondendo ao comentário que o Jorge Picado fez ao Poste P6117.
Venho pedir desculpa, mas na altura, devido a ocupações imponderáveis, não respondi, porque honestamente nem me apercebi.
Agradeço as palavras de estímulo e apreço do Jorge Picado.

O Jorge Picado apreciando a minha descrição no Poste em questão, disse: - É impressionante como conseguiste escrever um diário tão completo e descritivo no meio daquela guerra!

Eu não comecei a escrever quando fui para a Guiné. Já antes de entrar no serviço militar tinha o vício de fazer registos de determinados acontecimentos do quotidiano da minha vida e, não só. Não fui instigado por ninguém para escrever, mas comecei a criar o hábito de registar acontecimentos quando começaram os meus primeiros namoricos dos tempos de Liceu, 14, 15 anos de idade. Embora o meu forte não fosse a área de Letras (ainda que tenha dispensado das orais no 2.º e 5.º anos, antigos, em que com a média acima de 13,5 de nota na escrita, se dispensava da oral) o meu forte foi sempre nas áreas de Ciências e Matemática.

Com a entrada na tropa, o engenho afiou a arte e até tive necessidade de introduzir nos apontamentos que fazia algumas nuances, tipo códigos simples complementares para agilizar a escrita e me salvaguardar de algum curioso, uma espécie de escrita cuneiforme, em que um símbolo definido e memorizado por mim representava por exemplo um acto que eu pratiquei.

Paralelamente a estas virtudes, ou defeitos, associavam-se outras que me são peculiares na área do coleccionismo indeterminado; sem ser a mais importante, para o exemplo, cito a fotografia. Ainda antes de ir para a Guiné já tinha máquina fotográfica que me acompanhava com alguma assiduidade.
Com a ida para a Guiné, no meu caso numa conjuntura muito complicada, ainda que eu só possa aferir e valorizar o meu desconforto e a minha situação ao ver-me envolvido num teatro de guerra, que eu tinha muita dificuldade em compreender, mas que era meu dever cumprir e acatar, perante esta ambivalência de conflito psicológico e para colmatar as lacunas do ambiente, acentuou-se a necessidade de compensação e eu entre as poucas opções que tinha, refugiava-me a ler e a escrever sempre que podia. Tinha sempre duas agendas para fazer os registos, uma maior que a outra, uma das quais me acompanhava sempre para escrever na data certa e sequencialmente.

Foto 6 > Cadernos e folhas dos escritos do Corceiro, do Ano 1970, onde estão duas agendas do mesmo ano, uma cor azul (pequena) e outra cor laranja (maior).

Foto 7 > Ano visível 1970 na agenda n.º 1 do mesmo ano. As agendas para as referenciar, eram numeradas, 1 e 2.

Nas operações no mato eu ia sem saber previamente itinerários, objectivos, grau de perigosidade, pouco sabia, pois não assistia ao explanar da operação, mas a minha Especialidade, Transmissões, sempre deixava que transpirasse qualquer coisa pró meu conhecimento. Quando ia em operações, logo que nos instalávamos para descansar e comer a ração, eu fazia logo apontamentos na agenda, de memória rápida, dos casos verídicos vistos pela minha óptica, ainda que registados com a imparcialidade possível. Casos que eu considerasse importantes, tinham que ter mais conteúdo e mais pormenor, assim como outros escritos que eu intitulo de “divagações fantasiosas” que são textos com algum desenvolvimento, registava-os logo que podia, em cadernos do tipo escolar.

Há porém, uma particularidade relevante, muito importante, que não pode ser esquecida, é o fosso que havia e nos distinguia, entre o Jorge Picado que era Capitão e eu 1.º Cabo (que só me lembro de ter usado os distintivos pouco mais de meia dúzia de vezes). No meio militar tínhamos tratamentos muitíssimo distintos, um do outro, eu no meu Aquartelamento, Canjadude, praticamente nem bar tinha para meros convívios de lazer, encontro para conversação, troca de ideias e beber um copo. O bar que havia era só de sargentos e oficiais e, quer queiramos quer não, a separação era muito acentuada, dificultando a miscigenação na vertente sociocultural que é lógico se reflectia em muitas áreas, privando-nos de muita coisa. A escrita no meu caso servia de trampolim para naquele teatro me auto-valorizar e, de alguma maneira me purificar. (eu na época escrevi: -… escrevo para me enaltecer e não me sentir aqui ovelha ou carneiro…)

Foto 1 > Corceiro, com autorização do 1.º Sarg Paulino, a escrever à máquina na Secretaria de Canjadude.

Foto 2 > Corceiro, com as suas escritas no abrigo onde dormia.

Foto 3 > Corceiro, a escrever por trás da secretaria, ao lado do abrigo de Transmissões.

Escrever era pois uma actividade que me dava gozo, ajudando-me a fugir ao tédio, suprir muitas necessidades, sublimar a solidão, de alguma maneira confortar o meu ego, compensava a minha auto-estima, a escrita era como que o elixir e refúgio dum combatente desiludido.

Estávamos confinados num meio muito restrito e carenciado, estávamos carentes, o convívio entre as praças, onde eu estava integrado, pode dizer-se que era o normal, o possível, mas faltava a componente cultural, por isso era recorrente jogar à sueca todos os dias e pouco mais.

Eu por mais duma vez, tentei diversificar os serões no abrigo, introduzindo componentes de lazer e competição, tais como: damas, xadrez, king, canasta, crapô (crapot), ler Os Lusíadas, que eu particularmente muito gostava e sabia navegar bem neles e interpreta-los, (pois tinha lá na altura e tenho, uma Edição muito boa - Porto Editora Lda. 3.ª Edição - com muitas anotações e notas que eu tomei, quando era obrigatório na disciplina de Português) fruto dum bom Professor de Português que tive no 5.º ano. Mas logo me convenci que só a minha boa vontade não era suficiente e, por isso, mais me apeguei a escrever e fiz os registos descritivos, à minha maneira, segundo o meu pulsar, transcrevendo para papel os acontecimentos da guerra que eu ia vivendo no dia-a-dia.

Foto 4 > Prateleira improvisada, junto da cama do Corceiro, onde há papelada de escrita.

Foto 5 > Corceiro, vestido à civil, em cima do abrigo de transmissões, à volta de Os Lusíadas.

Para todos muita saúde e um abraço.
José Corceiro
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6117: José Corceiro na CCAÇ 5 (8): Primeiro rebentamento de mina entre Canjadude e Nova Lamego

Guiné 63/74 - P6187: Contraponto (Alberto Branquinho) (8): Desertores? - A tertúlia anda pouca activa, porquê?

1. Mensagem de Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 9 de Abril de 2010:

Carlos
Embora não tenha recebido procuração nem do Editor nem dos Co-Editores nem indicações de ninguém, achei por bem abordar o assunto tratado no texto.

Não será pertinente, mas é, pelo menos... impertinente.

Um abraço do
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (8)

DESERTORES?


Em Março de 2008 foi inserido o meu primeiro texto neste blogue, que muitos conhecem ainda por “blogue fora nada”, nome que utilizou de Abril de 2005 até Junho de 2006.

Não foi um texto amigável. Foi uma reacção a muitos meses (clandestinos) de leitura deste espaço, porque nele encontrei matéria que entendi menosprezar o envolvimento e o sofrimento da minha Companhia (CART 1689) sobre um determinado período da sua comissão na Guiné.

Já lia, portanto, há bastante tempo, textos publicados no “luisgracaecamaradasdaguine”.

Mas o que me traz aqui hoje é o facto de, lembrando essas leituras e outras posteriores e, além disso, as que resultam de “clicar” em algumas remissões a vermelho, colocadas no final de cada poste, acabei por ler textos muito mais antigos e interessantes de autores que escreveram sobre experiências, situações, sentimentos, costumes, raças, línguas, populações, fauna, flora… Tudo vivido/sentido/absorvido na/ou por causa da experiência na Guiné. Não incluo aqui, como me parece óbvio, aqueles textos que se limitam a descrever experiências guerreiras (sem outro interesse lateral), com pormenores operacionais e fotos variadas que (quase) só aos próprios interessam.

E desses intervenientes mais antigos, que tantos textos interessantes escreveram, não houve mais “novas nem mandados”. Há muito tempo. E PORQUÊ?

- Será que disseram tudo o que tinham a dizer – se esgotaram?

- Será que “foram pregar para outra freguesia”, criando o seu próprio blogue ou outro espaço de comunicação? (De alguns temos nós conhecimento, mas aparecem, também, de vez em quando, por aqui).

- Saturaram-se das temáticas guerreiras e afins?

- Envolveram-se (aqui) em alguma quezília e, por causa dela, debandaram?

- Alguém aqui os ofendeu (voluntária ou involuntariamente) e remeteram-se ao silêncio?

- Pensam que, depois de tantos anos, não se justifica já falar de tempos tão remotos?

- Conheceram outras experiências africanas que substituíram as desses tempos dos 22, 23, 24, 25… anos?

- Entendem que vários temas aqui abordados se desviaram da temática principal, o que causou perda de interesse?

- Saturaram-se de afirmações, posições e contraposições que, de vez em quando, surgem aqui e acolá?

- Foi a entrada na “terceira idade” que os levou a concluir que “já não vale a pena”?

- Os netos (ou bisnetos) passaram a ocupar-lhes todo o tempo?

- Casaram “de novo”… e o novo casamento é muito “absorvente”?

Poderá ser alguma destas (imaginadas) causas ou outra.

Certo é que nova “gente” vem surgindo, fazendo a sua apresentação.

Tendo presente este fenómeno de comunicação e convívio em que se transformou o “luisgracaecamaradasdaguine”, termino com uma questão dirigida a esses “desertores”:

- Vocês dão ou não uma espreitadela, de vez em quando, neste espaço bloguístico?

Alberto Branquinho


2. Comentário de CV:

Caro Branquinho, caros tertulianos.
Por norma não meto colherada nos textos que publico, porque para tal não tenho arte nem engenho.

Desta vez vou abrir excepção, porque o tema levantado é premente e representa o sentir dos editores e de uma parte da tertúlia que se mantém activa.

Não nos cansamos de dizer que ninguém se deve coagir a colaborar feitura das nossas memórias, porque acha que não é capaz de se exprimir convenientemente ou por se achar demasiado intelectual para perder tempo com o que poderá considerar, ser o nosso blogue, uma manifestação naiff.
Todas as sensibilidades são bem vindas porque também todos os extratos sociais conviveram, mais ou menos de perto, dentro e fora do arame farpado. Nas horas difíceis tanto era herói o soldado como o capitão.
Por alguma razão o fundador deste Blogue quer um tratamento uniforme entre os tertulianos, independentemente da formação, emprego e ex-posto militar de cada um.

Deixamos novo apelo à participação de todos com textos elaborados conforme cada um souber e puder, com fotos ilustrativas dos acontecimentos e dos locais (as das poses para a objectiva não têm grande valor), para podermos construir um arquivo de experiências, memórias, comentários e pontos de vista (mesmo antagónicos), para os nossos vindouros saberem que houve uma geração, que mercê de uma visão desajustada da realidade por parte de um regime totalitário, foi obrigada a fazer uma guerra em África, no nosso caso particular na Guiné, que não nos envergonhamos do nosso passado, que consideramos e respeitamos hoje, os nossos inimigos de então, como um povo irmão que infelizmente ainda sofre.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6049: Contraponto (Alberto Branquinho) (7): Macaco fidalgo, inimigo?

Guiné 63/74 - P6186: Em busca de... (127): Localização de Camaradas do BART 733 (Luís F. Camolas)


1. O nosso Camarada Luis F. Camolas, Sold Mec Auto da CCS do BART 733 - Bissau/Farim, 1964/66, enviou-nos, em 18 de Abril de 2010, a solicitação de publicação da seguinte mensagem:

BART 733
Localização de Camaradas


Camaradas,

Sou o Luís F. Camolas, fui Soldado Mecânico Auto e desejo encontrar Camaradas e Amigos da CCS do Batalhão de Artilharia 733 - Bissau/Farim, 1964/66.

Vivo em Setúbal, trabalhei como engenheiro nos EUA, muitos anos, e encontro-me actualmente na situação de reforma.

Podem contactar-me para:

Telemóvel: 912641039
Telefone: 265 404 143
Ou e-mail: ginger7460@gmail.com
Um abraço,
Luís Camolas
Sold Mec Auto da CCS do BART 733

2. Camarada Camolas, numa “viagem” pelo blogue foi possível encontrar referências a 2 Camaradas deste teu batalhão:

- O Fur Mil OpEsp/RANGER João Parreira que fez a sua comissão na Guiné de 8 Outubro de 1964 a 14 Agosto 1966, primeiro na CART 730/BART 733, onde foi ferido em 9 Janeiro 1965 numa operação à base de Bafantandem, na zona de Cancongo e depois transitou para os Comandos.

- O Soldado de Transmissões de Infantaria, também da CART 730/BART 733, Artur Conceição. Era Soldado de Transmissões de Infantaria, mas foi colocado nesta Companhia de Artilharia.

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Nota de MR:
Vd. último poste da série em:
18 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6184: Em busca de... (126): Localização de Camaradas da CCAÇ 2382 (José M. M. Cancela)

Guiné 63/74 - P6185: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (25): Diário da ida à Guiné - 05/03/2010 - Dia dois

1. Mensagem de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), com data de 9 de Abril de 2010:

Caro Carlos:
Mais um atraso no envio deste relato devido à minha falta de prática no manuseamento das fotos da máquina de filmar. Estou a começar a encarreirar pelo que espero ser mais pontual. Aliás ontem na Tabanca Pequena vários camaradas perguntaram quando saía a próxima “estória”.

Como agora mando muitas fotos comprimi-as mais. Agradecia que me dissesses se chegaram com a qualidade necessária.

Quanto ao seriado NA KONTRA KA KONTRA, apesar de já ter vários capítulos escritos, tenho tido os mesmos problemas com as fotos, a que há que juntar o problema da publicação de fotos de pessoas, mas que não viveram os acontecimentos. Quero ver se resolvo esse problema para
começar a mandar os episódios.

Aproveito ainda para lembrar aos camaradas que futuramente visitem a Guiné-Bissau que todos (mesmo todos, até ministros!) agradecerão tudo quanto se lhe possa levar, desde lápis, roupa, livros, cadernos, etc. (Em Bissau uma bajudazinha que vendia mancarra pedia: Branco, branco
compra para eu poder comprar água!)

Termino, referindo que, em toda a Guiné não senti mais insegurança que em Portugal. Andei sozinho em Bissau, andei sozinho no mato à caça.

Um abraço.
Fernando Gouveia


A GUERRA VISTA DE FÁFATA - 25

Diário da ida à Guiné – Dia dois (05-03-2010):


Duas ideias estavam sempre presentes na minha cabeça: A ida a Báfata e, se possível, Madina Xaquili, bem como ter a experiência de ir à caça, agora sem constrangimentos da guerra.

Nesta manhã, o grupo resolveu que era o dia de ir ao Saltinho. Báfata ficava adiada. Eu próprio tinha também muito interesse em ir ver as apregoadas belezas do local. Pensando que se passava por Báfata, como há quarenta anos, pedi de “joelhos” para estarmos meia hora em Báfata, para adiantar as coisas para a próxima ida, já com mais calma. Na conversa que estabelecemos pelo caminho, percebi que a ida a Báfata era um sacrifício pois agora a boa estrada alcatroada ia directamente a Bambadinca e à direita para o Saltinho, ficando à esquerda Báfata a 30 km. Assim sendo, fomos directos para o Saltinho.

Porém, pelo caminho, passámos pelas matas de Madina, de Belel e Matu de Cão ao tempo santuários do PAIGC, que o digam os camaradas que aquartelaram por Missirã. Eu próprio, e só por muitas vezes ter colocado marcas de recontros no mapa do Comando de Agrupamento, senti uma grande emoção.

Bambadinca, como todas as grandes tabancas tinha crescido imenso e com o seu mercado de rua estava irreconhecível. Mais emoção quando no cruzamento pude ver a placa a indicar Báfata.

Logo a seguir à Ponte dos Fulas ainda conseguiu ver-se o abrigo da guarda à ponte.

Antigo abrigo de guarda à Ponte dos Fulas

Passámos a derivação à direita, para o Xime, passámos pelo Xitole e em determinada altura começou-se a avistar uma ponte aos arcos. Estávamos no Saltinho. Ainda antes da ponte e, virando à direita, entrámos no empreendimento turístico que ocupa em parte as antigas instalações do quartel, numa pequena elevação sobranceira ao rio.

Mesquita do Xitole, aliás igual a outras da região.











Pinturas murais das Companhias que passaram pelo Saltinho, agora na sala de refeições do empreendimento.


Nesta ida à Guiné não visitei o sul do Geba/Corubal, por não haver ligações de barco a partir de Bissau e pelo Saltinho tornava-se já longe a partir de Bula, mas de tudo o resto que vi, incluindo Varela, o Saltinho foi o local mais espectacular que visitei.

Na esplanada do Empreendimento Turístico do Saltinho, com o Pimentel.

Almoçámos no empreendimento um óptimo prato de peixe (bica), não sem que antes tivéssemos ido tomar banho ao Corubal, distante uns 50m. Achei a água magnífica, límpida, como não imaginava. Eu que gosto mais de rio que de mar, cheguei a atravessar o Corubal a nado. E tomar banho junto das quedas de água? Nem no meu Nordeste Transmontano.

Uma bajuda de entre os muitos miúdos que tomaram banho junto de nós.

Depois do almoço, eu e o Mesquita dirigimo-nos à tabanca do Saltinho, situada do outro lado do rio. Não fomos pela ponte principal mas sim pela antiga ponte submersível, cem metros a montante. À saída do empreendimento e do outro lado da estrada deparámos com a plataforma de poiso dos helis, que ainda tinha parte das marcações pintadas. Mais a baixo, junto a um edifício em ruínas e onde funcionaria uma escola, resolvi abrir com os dentes a castanha de um caju, aliás como costumo fazer cá com as amêndoas em verde.

Uma escola com os característicos banquinhos, num antigo edifício, já sem telhado

Queimei a boca e fiquei sem paladar durante dias, de tal forma que passados dois dias, quando tomava banho no mar em Varela achei que a água não era salgada.

Do outro lado da estrada principal e junto ao caminho que conduzia à ponte submersível, a antiga plataforma de poiso dos helis. Ao fundo, o Mesquita, dá escala ao conjunto.

Panorâmica com o heli-porto à esquerda, ao centro a ponte e à direita a entrada para o empreendimento turístico, onde antes era o aquartelamento.

A ponte submersível vista de Sul e de jusante.

Atravessámos a ponte submersível e já à entrada daquela recôndita tabanca deparámos com uma construção que numa parede ostentava os dizeres: Discoteca do Saltinho.

Deambulámos os dois pela tabanca que parecia enfermar do isolamento raiano. Em determinada altura alguém me chama, convidando-me a entrar para uma morança. Só entro eu. Lá dentro está uma família abrigada do torresmo do sol, naquela hora. Além de fotografar e filmar tive uma conversa interessante com os adultos em que um, que tinha sido guerrilheiro, me manifestou o desagrado da situação em que se encontravam e que achava que estariam bem melhor se Portugal não tivesse saído da Guiné.

Os adultos com quem conversei, dentro de uma morança, na tabanca do Saltinho.

Já fora da morança uma muher grande pediu-me que lhe desse um telemóvel. Expliquei-lhe o melhor possível, que embora tivesse gasto muito para vir de Portugal e estar ali, não podia andar a dar telemóveis.

Por ter dado alguns lápis e canetas aos miúdos que sempre me rodearam, não mais me largaram até ao empreendimento. Desta vez atravessámos a ponte principal, de Sul para Norte, portanto.

Chegados ao empreendimento ainda houve tempo para mais uma vez mergulhar e sobretudo refrescar, no Corubal. Pouco depois iniciámos o regresso.

Como já anteriormente tinha falado com o Allen sobre um tal Sr. Camilo (de quem já falei noutra estória), que há quarenta anos, em Báfata, costumava oferecer uns lautos jantares aos oficiais e para os quais eu nunca aceitei o convite, disse-me que talvez fosse um caboverdiano que morava em Bambadinca. Apesar de não me lembrar se realmente alguma vez o tinha visto adiantei que não deveria ser o mesmo pois achava que não devia ser caboverdiano e que já devia ter morrido. O Chico disse então que íamos tirar isso a limpo. Em Bambadinca parámos junto à casa desse Sr. Camilo, estando ele sentado à porta, um caboverdiano com 76 anos. Era realmente ele. Pedi-lhe desculpa (passados 40 anos) de nunca ter aceite os seus convites (já noutra estória referi as razões) e na conversa que se seguiu ele referiu que há 40 anos pertencia à PIDE (se pertencia a algo mais, não disse). Tirámos as fotos da praxe e seguimos caminho.

Em Bambadinca com o Sr. Camilo. (foto do Pimentel ou do Mesquita)

O Chico, em Jugudul quis parar para visitar um amigo que tinha a principal destilaria de aguardente de cana da Guiné, a “Bordão”. Também bebemos umas cervejas e sobretudo fiquei a saber as últimas novidades de Báfata, nomeadamente sobre o cinema e o seu proprietário, o Sporting Club de Báfata. Interessava-me esse tipo de informações pois tinha prometido a um amigo santomense (Silas Tiny) que anda a fazer um trabalho ligado ao Cinema de Báfata, que lhe recolheria toda a informação sobre o assunto.

O proprietário da destilaria, que nos recebeu em sua casa.

Regressados ao Anura, penso que comemos uma sopa (ao almoço comia-se normalmente muito). Noticiário (com as invariáveis notícias das falcatruas habituais do nosso país) e cama.

Até amanhã camaradas.
Fernando Gouveia
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6101: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (24): Diário da ida à Guiné - 04/03/2010 - Dia Um