quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7518: (In)citações (23): Guiné-Bissau, país de história e de cultura: O Festival Quilombola Cacheu, Caminho de Escravos, Novembro de 2010 (AD - Acção para o Desenvolovimento)

(**)


Guiné-Bissau > Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da semana > Título: Jovem quilombola de regresso à terra dos seus tetravós... > Data de publicação > 12 de Dezembro de 2010 >Data da fotografia > 21 de Novemnro de 2010 > Legenda:
"A jovem Maria do Carmo Ribeiro Baima, quilombola de 8 anos de idade, veio à Guiné-Bissau para conhecer os seus irmãos, tios e avós de quem se tinha separado há mais de 400 anos.

"O tráfico negreiro transatlântico levou os seus antepassados desta costa da Guiné, para o Maranhão, no Brasil. De um lado e de outro ninguém mais soube o que aconteceu aos que ficaram e aos que partiram: Resistiram? Chegaram ao Brasil? Casaram? Tiveram filhos?... Hoje, Maria Baima, veio contar o que aconteceu aos que foram para o Brasil e saber o que fizeram e como ultrapassaram a dor da perda, os que ficaram na Guiné.
"Porque a força dos tambores permaneceu, ela dança a música de tina, ao som doce saído das cabaças tocadas pela mandjuandade das mulheres de Calequisse".

Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento (2010) (com a devida vénia...) 


No quadro do seu programa “Vamos contar a nossa História”, a AD participou na organização do Festival Quilombola “Cacheu, Caminho de Escravos”, que decorreu  [, entre 18 e 25 de ] Novembro de 2010, [, com o patrocínio da Comunidade Europeia e o Instituto Marquês Valle Flôr, de Portugal]

A adesão das comunidades locais, grupos de mandjuandades (*) artistas e grupos culturais de raiz étnica, foi um dos aspectos mais marcantes deste Festival, pelo que o governo guineense decidiu passar a promovê-lo anualmente, sempre nesta data.

Para os guineenses foi um grande orgulho poder apresentar e ver consagrada a sua cultura diversificada, aparecendo aos olhos de todos como um país de História e Cultura, elemento de unidade e de reforço da identidade nacional.



_________________

Notas de L.G.:


(*) Mandjuandades, na Guiné-Bissau, são "organizações associativas, [femininas],  de base voluntária e igualitária, sustentadas pela solidariedade e partilha de interesses individuais e coletivos"...O fenómeno parece-me ter algumas parecenças com a Kixikila amgolana, termo que, em kimbundu, quer dizer contribuição, em dinheiro, para um dado fim colectivo. Em África, em geral, e em Angola, em particular, é aquilo que se designa pela expressão inglesa Rotating Savings and Credit Associations (ROSCA), um sistema informal de poupança e crédito, um grupo de ajuda mútua, liderado em geral por uma mulher, a "mãe de kixikila". O pequeno grupo, de cinco a dez elementos, tende a ser constituído por pessoas que estão ligadas entre si por laços de amizade, parentesco, vizinhança ou profissão. Cada elemento faz periodicamente uma determinada contribuição para um fundo comum que é depois utilizado rotativamente por cada um, com uma taxa de juro nula ou de valor reduzido. Na ausência de sistemas de crédito bancário acessíveis à generalidade da população, o kixikila voltou aos hábitos dos kaluandas como forma de atenuar ou reduzir o impacto da pobreza. O kixikila está hoje vulgarizado, não só entre as vendedeiras, quitandandeiras e kinguilas, mas também nos serviços públicos e nas empresas (vd. Neto, S. - Kixikila não é uma lotaria.Economia & Mercado. 19 (Maio-Junho de 2004). 40-42). Vd. também: Ducados, H.L.; Ferreira, M.E. (1998) - O financiamento informal e as estratégias de sobrevivência económica das mulheres em Angola : a Kixikila no caso do município do Sambizanga (Luanda). Lisboa: CEsA - Centro de Estudos sobre África e do Desenvolvimento. Instituto Superior de Economia e Gestão. Universidade Técnica de Lisboa. 1998 (Documentos de Trabalho, 53). 


terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 – P7517: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (35): Morte a vinte e oito… na CAÇ 675




1. O nosso Camarada José Eduardo Oliveira - JERO -, (ex-Fur Mil da CCAÇ 675,
Binta
, 1964/66), enviou-nos hoje a seguinte mensagem:

Camaradas,

No rescaldo de mais um Natal mando-vos mais uma história da "minha guerra", num dia que nos marcou a todos: o primeiro morto em combate na C.Caç. 675.

Faz hoje, dia 28 de Dezembro, 46 anos. Era o meu melhor amigo e fui então incumbido de reunir todos os seus bens pessoais (livros, cartas, rádio, gravador e roupas) para os mandar para os seus pais. Assim fiz e troquei cartas bastantes emotivas com o seu Pai, Rebelo Mesquita, que era ao tempo Director do Jornal de Famalicão. Nos dias de hoje colaboro com esse jornal. Os acasos da vida.

MORTE A VINTE E OITO…

Correndo o risco do “lugar comum” poder-se-á dizer que todos nós temos na vida datas marcantes.
A data em que escrevemos este apontamento – 28 de Dezembro de 2010 – é para nós particularmente marcante por neste mesmo dia – passados que estão 46 anos – ter morrido um grande amigo: o Furriel Miliciano Álvaro Vilhena Mesquita.
Aconteceu no Norte da Guiné em 28 de Dezembro de 1964. Entre Udasse e Binta.
No “Diário da C.Caç. 675” esse trágico dia era assim descrito:
«…Meio-dia e trinta.
Um estoiro medonho, um rebentamento de violência extraordinária, faz parar a coluna. A segunda viatura, um Unimog, estava envolta numa fumarada espessa e começava a arder.
Simultaneamente de um dos lados da estrada, emboscado no mato, o inimigo começava a disparar.
Embora paralisados momentaneamente pela surpresa os nossos homens têm uma reacção fortíssima que faz calar em poucos momentos o inimigo.
Há uma pausa. Os oficiais disciplinaram o fogo e todos procuram saber o que se passa lá à frente.
A viatura sinistrada incendiara-se e há feridos que gemem e que correm perigo junto das chamas que podem provocar uma explosão no depósito do “Unimog” e incendiar o capim das bermas do caminho.
A mata fechada, a fumarada da viatura incendiada, a estrada multo estreita, mais complicam a situação e há dificuldades nos primeiros momentos em avaliar a extensão e gravidade da ocorrência.
Sob o pneu direito da retaguarda da viatura que seguia em segundo lugar, tinha rebentado um engenho explosivo de grande potência. Uma mina anti-carro.
Todos os homens que seguiam na viatura tinham sido projectados pelos ares.Com violência.
O médico e os enfermeiros acorrem à frente.
«Há um morto!».
A notícia corre ao longo da coluna e faz estremecer aqueles que a ouvem, abalando-os mais que o violento estampido de há momentos atrás.
«O furriel Mesquita está morto.»
O médico e os dois enfermeiros, auxiliados por alguns soldados, multiplicam-se em esforços para socorrer os feridos.
Há 8 feridos e o estado de alguns inspira sérios cuidados.
O “Unimog” atingido pela mina arde completamente, transformado num autêntico braseiro donde sai um fumo espesso que atinge dezenas de metros de altura. Alguns metros à sua volta há um calor horrível, mas é mesmo ali que têm de ser tratados os feridos.
É pedido um helicóptero.
Aqueles momentos infernais parecem prolongar-se indefinidamente.
A viatura destruída, que com o rebentamento, ficou atravessada no meio da estrada, é encostada à berma direita, seguindo a coluna para a frente, para uma região mais despida de vegetação, onde se aguarda o helicóptero pedido.
As palavras não poderão dar uma ideia pálida dos momentos que se viveram no dia 28 de Dezembro.
Ele ficará assinalado na existência de todos os homens da «675» como um dia trágico que não se esquecerá jamais.
As nossas tropas tiveram as seguintes baixas:
Furriel Mil. Álvaro Manuel Vilhena Mesquita, com lesões internas graves que lhe provocaram morte instantânea.
Feridos em combate:
Alferes Mil. Costa, 1.º cabo atirador n.° 2069/63, Marques, 1.º Cabo atirador n.° 2231/63, Craveiro, Soldado atirador n.° 1909, Santos, Soldado atirador n.° 2085/63, Filipe, Soldado Transmissões n.° 2978/63, Nunes e Soldado atirador n.° 6/63/U da 1.ª C. C. Nhastima Dum.»
Quarenta e seis depois por um acaso da vida, que consideramos “singular”, estamos de novo ao lado Álvaro Mesquita numa das páginas do “Jornal de Famalicão”. O jornal da sua terra natal fundado pelo seu Pai.


Desde há alguns meses que dois antigos camaradas do Álvaro – o Belmiro Tavares, ex-Alferes Miliciano e o Oliveira, ex-Furriel Miliciano – colaboram no “Jornal de Famalicão, que é agora dirigida por sua Irmã Teresa Mesquita.
Na vida e na morte… amigos até ao fim .E fiéis ao lema do emblema da sua Companhia da Guiné.
NUNCA CEDERÁ.
Um grande abraço de Alcobaça.
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675
PS: Nesta data escrevi à irmã e ao sobrinho do Álvaro Manuel Vilhena Mesquita.

“Boa noite Teresa,Recebi hoje o "nosso" jornal e confesso-lhe toda a minha emoção ao ver o meu texto lado a lado com a evocação dos 46 anos do falecimento do Álvaro.
As voltas que o mundo dá!?
Quem é que me havia de dizer que algum dia na vida eu voltaria a estar tão perto do meu querido companheiro de Binta?

Mas aconteceu e é muito bonito. Digo até que é uma das páginas mais bonitas da minha vida. Para si e para o Chico toda a minha consideração e estima.
José Eduardo Reis de Oliveira”
__________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:


Guiné 63/74 - P7516: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (23): Encontro de 1º grau na Tabanca de Matosinhos, no Milho Rei, 4ª feira, 29, às 12h30, para quem puder e quiser... (Luís Graça / Álvaro Basto)


1. Camaradas (...de armas), amigos e camarigos (sobretudo os da região de Portu Cale (*), nome primitivo da cidade do Porto em latinório...) :

Os Natais (o Natal por excelência, com letra maiúscula, e os outros) foram bons, cá em casa (Leia-se: no Hotel de Charme, SPA e Clínica da Madalena). 


Traduzida em números (já que sabemos do que somos melhor em numeracia do que em literacia), avaliação foi chapa 7, isto é,  numa escala de 1 (Péssimo) a 10 (Excelente), os natais, cá Madalena, foram 7 (Bons... podiam ter sido  8, Bastante bons,  9, Muito bons ou até 10, Excelente, mas o 10 é só reservado aos deuses e... aos professores, que os tipos mais somíticos que eu conheço; não confundir com semítico, que tem uma conotação racista...). 


Dar 10 nos tempos que correm é, além de pornográfico,  um insulto a quem não tem trabalho, passa mal, passa fome, vê o futuro negro, como acontece com muitos compatriotas nossos aqui à nossa volta, do Minho ao Algrave, da Madeira aos Açores, ou de outros homens e mulheres da nossa aldeia global, por exemplo de S. Domingos a Iemberém, na Guiné-Bissau, onde a maior parte das crianças, como a Alicinha de Farim do Cantanhez, não têm sequer água potável para beber.... Portanto, 7 só pode ser a classificação, bem ponderada, de um cliente do Hotel de Charme, Spa e Clínica da Madalena que, além de ser tratado como um nababo,  se acha (presunção...) um homem decente, razoavelmente optimista/otimista e feliz q.b., pese embora a ciaticazinha que o atormenta estes dias....


 Claro que na escala de 1 a 10, o 1 é Péssimo, o 2 é Muito mau, o  3 Bastante mau, 4 é  Mau,  5 Mais mau do que bom e o 6 Mais bom do que mau, e por aí fora….

 De Bom (7), porquê ? A ciática deixou-me sentar à mesa de Natal... mas a minha enfermeira cortou-me... na "ração de combate"... Em contrapartida, eu tenho a janela para o mundo, que é o meu portátil...e outras pequenas mordomias, as do afecto, as tais que o dinheiro não pode pagar...

Também ouvi contar outras notícias (boas ou menos más) dos tabanqueiros que andavam por baixo ou com baixa;  enfim, com o tempo a "coisa" melhora...(Cuidado, com o falar desta Naçom, que "coisar" é colher ou garfo ou faca para toda a obra; para "coisar", não há gente como a do norte; estão sempre de pau feito para o trabalho, do solstísicio do inverno para o do verão, tanto para a porrada como para a reinação, para a festa, a qualquer pretexto,  dentro e fora de portas, enfim, estão sempre afins para todas as coisas da vida, que são afinal as que importam, as que contam... Que as da morte, essas é com outro departamento (de que Deus nos livre... tão cedo!)...

Meio encalhado no estaleiro da Madalena (que eu já descrevi como misto de hotel de charme, spa e clínica, embora com  metade do pessoal engripado; não vou dar  a morada para não fazer concorrência desleal com outros camarigos que têm os seus negócios neste ramo, como o Jakim de Monte Real ou o Zé Manel da Régua...), já falei com os régulos da Tabanca de Matosinhos, e embora o negócio esteja presumivelmente fraco na 4ª feira, 29,  (depois das pantagruélicas festividades do Natal cá de cima, em que se gastou o pré de Dezembro de 2010 mais o de Janeiro de 2011...).  há sempre uns heróis que se mantêm no seu posto de combate, em terra, no ar e no mar. os tais que morrerão de pé como as árvores, a bandeira e o pau da bandeira...São os indefectíveis do Milho Rei, quer caia chuva, picaretas, ou morteiradas...

Eu e a Alice (de Lisboa), o Joaquim Peixoto  e a Margarida (de Penafiel), o Pimentel (o figueirense mais nortenho que eu conheço; não confundir com o Vasco, que é de Buarcos), o Zé Teixeira (,o Esquilo Sorridente do Cantanhez, cidadão do mundo), o Álvaro (que é o régulo dos régulos das tabancas do Norte), e mais uns tantos camarigos, paisanos ou "mulitares" da tropa como o Paulo Salgado e a São (os nossos africanistas da saúde, ontem na Guiné, hoje em Angola, com casa em Vila Nova de Gaia onde vieram passar o Natal), vamos lá, ao Milho Rei (**),  à hora do almoço, nem que mais não seja para beber um chá preto, rosé ou branco da Quinta da Senhora da Graça... Contamos lá estar à hora da bianda, antes das 12h30h... Já combinámos pelo telefone uns com os outros....


O resto, a malta do costume, essa tem sempre lugar cativo.



Obrigado a todos a todos/as pelas boas festas natalícias que enviaram à Tabanca Grande, à Tabanca de Matosinhos, à Tabanca dos Melros, à Tabanca do Centro,  e a todas as demais tabancas de Portugal, da diáspora, da Guiné-Bissau e do resto da blogosfera (da Linha, de São Martinho do Porto, de Candoz, de Piche & Arredores, do Montijo, da Lapónia, de Guilhomil, etc.) incluindo aqueles/as que desejaram melhoras e bom humor aos doentinhos, aos tristinhos, aos coitadinhos, e demais inhos... 


Um ganda xicoração e até amanhã do Luís e do Álvaro (que é o dono da casa).
_________________


Notas de L.G.


 Vd último poste desta série > 27 de Dezembro de 2010 >Guiné 63/74 - P7510: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (22): Cátix Félix, a nossa futura farmacêutica, e nossa menina de ouro, amiga de Cidália Nunes, viúva do nosso malogrado camarada António Ferreira, morto no Quirafo

(*) Já que o saber não ocupa lugar, aqui fica a resposta do meu querido  Ciberdúvidas da Língua Portuguesa a uma pergunta sobre o origem do nome ou topónimo Portugal:

O nome de Portugal, segundo o Dicionário Onomástico e Etimológico de José Pedro Machado (Editorial Confluência), vem do latim "Portucale", designação primitiva da cidade do Porto. "Portucale" resultou da aglutinação de Portu- + Cale-, do acusativo "Portum Calem", forma vulgar de "Cales Portus".
De acordo com este dicionarista, "Cales" era povoação (de origem obscura, talvez celta) junto do Douro.
José Pedro Machado, noutra entrada do dicionário (Gaia), indica que a origem de Vila Nova de Gaia "ainda não está esclarecida; provavelmente será pré-romana, de "Cale", "Cala", donde "Gaa" > Gaia. J.C.B. :: 23/03/2000

(**) Localização do restaurante Milho Rei:  R. Heróis França,  721 Matosinhos, MATOSINHOS, PORTO 4450-159 / Telef. 229 385 685  

Guiné 63/74 - P7515: Blogpoesia (97): Guiné... diferenças (Manuel Maia)

1. Mensagem de Manuel Maia* (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74), com data de  25 de Dezembro de 2010:

Carlos,
Para quando puderes, e se assim o entenderes, aqui vão sete fresquinhas.

abraço
manuelmaia


Guiné... diferenças

Se por Fatim, no forro do telhado,
por estreita rede já bem isolado,
as osgas são melhor que mosquiteiro...

No Cantanhez, a insectos se juntavam,
por vezes, cobras que até se enroscavam,
na gaita do Paulino corneteiro...

Se por Fatim, tainada é rotineira,
com nhec, porco ou cabra na fogueira,
regada a vinho tinto do maduro...
No Cantanhez, é dado arroz/cimento,
servido na marmita/desalento,
com peixe da bolanha, aqui vos juro...

De fraca qualidade, já se vê,
o dito era carvalho, mas sem vê...
a desfazer-se mal garfo o tocava...
Esparguete com chouriço ou estilhaços,
gazela, às vezes dura como o aço,
a dita massa então acompanhava...

Por Maia e Moura o chá é introduzido,
em terras de Fatim, sem alarido,
com leite, whisky, simples, vira moda...
Bebida social bate o café,
depois das refeições, que bom que é,
o chá melhora whisky, em vez da soda...,

Fiambre frito, à faca antes cortado,
servido com esparguete avermelhado,
estrelado ovo ao prato dava cor...
Quarenta dias tive de esparguete,
record desse menú, quarenta e sete,
perdi-o ao vir de férias, em rigor...

Um mês de vaguemestre improvisado,
comprei a vaca dois desse "reinado",
trazida d`outra banda, via nado...
Seiscentos, Mamadú que mais cá pude,
é velha, nem sequer tem atitude...
com ar de boi  "maricas escanzelado"...

Estou certo ser visita a panaceia
p`rá cura destes males, "cá na ideia"
que todos nós sentimos, muito ou pouco...
De "vacas magras", tempo não ajuda,
prioritária a vida cá não muda,
a infindável espera põe-me louco...
__________

Nota do editor

(*) Vd. último poste de 16 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7447: Blogpoesia (96): Contrato com o Exército (Manuel Maia)

Guiné 63/74 - P7514: Operação Tangomau (Álbum fotográfico de Mário Beja Santos) (6): Dia 24 de Novembro de 2010

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Dezembro de 2010:

Malta,
Um dos aspectos mais empolgantes do nosso regresso à Guiné é captar a vida que nasceu em tabancas que a guerra forçou ao desaparecimento.
O Cuor do meu tempo tinha dois campos demarcados: nós em Missirá e Finete, eles em Cabuca, Madina e Belel, o resto era terra de ninguém. Voltar ao Cuor é sentir a vida palpitante em Madina de Biassa, Madina de Gambiel, Malandim, Gambaná, Canturé, Sansão, Maná, Mato de Cão, Chicri. E ir até aos territórios do então inimigo, ver como se vive e ter tempo para conversar em paz onde antes se passava com mensagens de morte e desolação.
Amanhã, vou até ao Xitole e trarei imagens que talvez tenham muita importância para quem ali viveu.

Um abraço do Mário

 
OPERAÇÃO TANGOMAU - ÁLBUM FOTOGRÁFICO (6)


DIA 24 DE NOVEMBRO DE 2010

Tendo sempre como balcão a bolanha de Ponta Nova e o arvoredo de Mato de Cão ao fundo, ao amanhecer o Tangomau tem sempre aquela vã pretensão de manter a escrita em dia. São amanheceres frescos, o sereno só levanta pelas 8 da manhã. Assim passou uma semana desde que o Tangomau desembarcou em Bissalanca com 40 quilos de bagagem de que já largou pelo menos metade. O pior já aconteceu: a notificação dos mortos, os seus soldados que se preparava para abraçar. Há muita gente dispersa, incomunicável, desde o Domingos Silva, passando pelo Jobo Baldé, os dois Ieró Djaló, Tomani Sanhá, Sila Sabali. Fodé assegura que procurou encontrar toda esta gente, em vão. Em compensação, apareceu Zé Finete, no mercado de Bambadinca há sempre antigos combatentes a apresentar-se, de diferentes proveniências. Dão pelo nome de Demba Embaló ou Demba Djau, ou Miguel Totala Baldé. O Tangomau sentiu-se mal quando foi abordado enquanto fazia compras para família do Bairro Joli por Aliu Baldé, soldado milícia de Finete, demorou a reconhecê-lo e depois abraçaram-se efusivamente. Tinha pedido ao Cherno Suane, seu guarda-costas, para visitar a mulher, Binta Seidi, no bairro de São Paulo. Alguém lhe deu um número de telefone, aqui em Bambadinca: 6672253. Só quando passar os olhos por todo o álbum fotográfico é que ele se aperceberá de imagens para que falta a identificação. Afinal, a idade sempre conta, mudamos muito em 40 anos. O que verdadeiramente não mudou foi esta panorâmica que se desfruta do Bairro Joli sobre os meandros do Geba estreito.


Tudo mudou em Cancumba, a tabanca é de boa dimensão, está espacialmente bem-disposta, dali se desfruta belas panorâmicas em todas as direcções. A fonte impunha-se como uma visita obrigatória, sem esta nascente do precioso liquido não teria havido o destacamento de Missirá. Aqui os guerrilheiros do PAIGC procuraram raptar e intimidar; deixaram mensagens, aqui se instalavam nas mais importantes flagelações. A recordação indefectível que o Tangomau guardara ao longo de 40 anos passava pelos bidões a rolar pela estrada, dois quilómetros para lá, dois quilómetros para cá. Outra recordação eram as armadilhas do alferes sapador Reis, duas delas deram pequenos desastres com mulheres. Aqui, vários soldados dispararam para as palmeiras, em dia de visita do capitão Figueira, parecia um ataque de costureirinhas. O comandante da CCS foi bem praxado… apanhou cá um susto!


Uma outra variante da fotografia que se tirou a Mama Mané, a mãe de Abudu Soncó. Será hoje a mulher grande de Missirá. Está muito surda mas não se esqueceu de fazer a reverência mandinga. Perguntou vezes sem conta quando voltava a ver o filho. É muito provável que não tenha percebido que a enfermidade do filho não permite, por ora, que se corra o risco de uma estadia na Guiné. Enquanto captava esta imagem, o Tangomau não esqueceu a casa por detrás, pertença da família do régulo, lembrava-se perfeitamente da sua existência, resistiu a todas as flagelações e tem conhecido acrescentos, como aliás é patente.


É o último vestígio militar palpável em Missirá. Aqui se hasteava a bandeira portuguesa. Três vezes este plinto se desmoronou e reconstruiu. Tinha as insígnias do Pel Caç Nat 52, uma caveira com tíbias de que nunca o Tangomau gostou. É visível que ainda aproveitaram algumas chapas zincadas que lá se deixaram. A parada desapareceu, era ampla, permitia jogos de futebol, estava cercada de abrigos e moranças. O que não mudou foi o local da mesquita, cresceu e continua virada para Meca. O Tangomau pediu aos homens grandes e ao padre para irem rezar. Foram, todos os seus mortos conheceram a exaltação e pediu-se a misericórdia de Deus


Era tal o temor que esta imagem se perdesse que foram repetidos os disparos. Diga-se em abono da verdade que se perderam imagens fundamentais: a tabanca de Ponta Varela, antes de se viajar até ao local dos ataques aos barcos; perderam-se imagens de Samba Juli, de Finete, do destacamento de Mato de Cão. Quando o Tangomau faz o deve e haver das imagens que trouxe e as que se perderam até se dá por muito contente. Aqui, vinha-se diariamente, haja ou não coincidência, o Tangomau chegou em Agosto de 1968, cresceu assombrosamente o número de comboios de barcos, aliás em 1969, até o porto do Xime ter ganho importância, o movimento de tropas e o frenesim de abastecimentos, o transporte de materiais de construção civil era mesmo diário. O pilar que vemos fazia parte das edificações da missão geo-hidrográfica concluída em 1952. Estes pilares destinavam-se ao estudo da tabela das marés, a imagem capta o Geba na enchente, não dá para perceber que havia pilastras e um caminho de madeira até lá. Era exactamente naquele ponto que se pedia boleia às embarcações, civis e militares.


Perderam-se imagens importantes de Mato de Cão, dois habitantes serviram de guias e indicaram os diferentes pontos onde ainda há vestígios do destacamento onde viveu o Mexia Alves. Este é o que resta de um abrigo. O destacamento estava bem posicionado no planalto de Mato de Cão, a vegetação fora desbastada, tinha a visibilidade do Castelo de Almeida. Agora tudo mudou, está pejado de cajueiros, as panorâmicas que dali se desfrutavam desapareceram. O Tangomau aproveitou para olhar em frente, para a bolanha de Samba Silate, devia lá ter ido, calcorreou aqueles caminhos para desfazer canoas usadas a partir de Madina, os guerrilheiros e civis atravessavam o Geba nesta região, passavam pelos Nhabijões, ali abasteciam e recolhiam informações.


Dauda Seidi ficou muito feliz e sorriu com os poucos dentes que ainda lhe restam quando o Tangomau lhe disse: “Dauda, o n.º 40”. Era diligente, hábil caçador e o Tangomau guardou sempre constrangimento de uma punição que lhe aplicou quando presenciou uma cena de violência doméstica. Foi um grande abraço, Dauda vai regressar a Cambessé e ficou radiante quando lhe dissemos que será amanhã a primeira paragem do carro de combate cheio de camaradas.


O Tangomau sempre conheceu o Zé Finete magrinho mas o brilho dos olhos está muito apagado. Ágil e cuidadoso, pediu para ser maqueiro e tão bem se desincumbiu da missão que lhe chamavam o enfermeiro de Finete. Estagiou na enfermaria de Bambadinca e nunca saia para as operações sem levar um estojo de primeiros socorros. Agarrou-se ao Tangomau com um choro manso, pediu-lhe para o trazer para Portugal, para o ajudar em tudo quanto pudesse. Acabaram por chorar os dois ao mesmo tempo. O Tangomau já não se continha quanto à quantidade e qualidade dos pedidos. Levara meses a preparar-se para esta viagem, nunca acreditou na alta voltagem destas descargas emocionais. O que se pode dizer a alguém que se dedicou incondicionalmente e viveu a nosso lado todos os perigos, sabendo que há poucas promessas de futuro, não há lembranças de gratidão da antiga potência em que o Zé Finete acreditou?


Só quem passou por Finete durante a guerra é que pode encontrar interesse nesta imagem. Aqui se chegava , vindo da bolanha de Finete. Ou daqui se partia, eram cerca de três quilómetros indispensáveis para os abastecimentos de tudo e para todos. Levava-se correio, trazia-se correio. Em momentos cruciais, levavam-se feridos às costas. Lá para Novembro de 1968, o burrinho foi de Missirá até junto ao Geba, transportava-se um Serifo Candé com uma perna que parecia gangrenada. Era uma daquelas doenças tropicais, na enfermaria de Bambadinca fizeram-lhe um emplastro, o Serifo foi metido na canoa e trazido às costas pelo tarrafo e metido no burrinho. Mas o burrinho, obstinado, recusou-se a andar. Houve que trazer o Serifo numa padiola que a meio da viagem se desfez. O Tangomau não esquece o episódio pois alombou com o matulão às costas, só o pôs no chão em Finete, onde ficou. São itinerários que marcam para toda a vida. Quem vê a imagem não lhe pode decifrar os conteúdos. Lorde Torcato inventou as foto-falantes: elas falam ainda mais quando vibram nos escaninhos da memória, ganham vida pois catapultam-nos para o que fomos, justificam no que nos transformarmos.


Outra imagem que exige um comentário, à partida é um caminho como muitos milhares de outros. Quando se chegava a Finete e se ia para Mato de Cão usava-se este caminho que levava a Malandim, daqui se partia para Gambaná, Chicri e Mato de Cão, tudo somado qualquer coisa como 5/6 km. Para o Tangomau, este caminho de Malandim ficou associado a emboscadas sangrentas, a travessias enlameadas pela bolanha, mas era um alívio nos quilómetros que se encurtava, não era necessário ir até perto de Canturé. Em Malandim aproveitou-se os materiais da destilaria e da casa do cabo-verdiano, o Sr. Spencer, que já tinha partido antes da eclosão da guerra.


A natureza tomou conta da casa do Sr. Spencer, em Malandim. Daqui saiu muita chapa, portas, janelas e ferragens para Missirá e Finete. Tínhamos aprendido a não deitar nada fora, o que parecia sem préstimo era literalmente recuperado para casas e abrigos. O Tangomau teve tantas saudades desse momento que não resistiu a captar o vestígio derradeiro da vida que desapareceu em Malandim.


Chegou a hora de mostrar o carro de combate, nele sempre cabe mais um. Ao volante vai o Calilo, segue-se Fodé que comprime o Tangomau, até as marcas do puxador ficam na sua barriga anafada. É uma viatura surpreendente. Quando o Tangomau sai, vem imediatamente Braima Fati ajudar o paizinho, o homem grande Fodé Dahaba. O que o leitor está neste momento a ver é Fodé a entrar para o carro de combate, vai começar a peregrinação ao regulado do Corubal. Seremos mais de 10, passaremos por Samba Juli, sempre a acenar. A estrada está em bom estado e em bom estado se conserva até Buba, valha-nos isto. E para que fique exarado em acta, será neste carro de combate literalmente cheio que o Tangomau irá regressar no dia 29 a Bissau, numa atmosfera de múltiplos odores, com estranhíssimos sacos, ouvindo muitos assentos do crioulo na região de Mansoa, até desembarcar, mais moído e morto do que vivo, junto à Pensão Central.

Fotos: © Mário Beja Santos (2010). Direitos reservados.
__________

Nota do Editor

Vd. último poste da série de 20 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7479: Operação Tangomau (Álbum fotográfico de Mário Beja Santos) (5): Dia 23 de Novembro de 2010

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7513: Os nossos seres, saberes e lazeres (28): Banco de Crachás e Guiões (António Costa)


1. O nosso Camarada António José Pereira da Costa*, Coronel Art na reserva, na efectividade de serviço, que foi comandante da CART 3494,
Xime e Mansambo, 1972/74, enviou-nos, em 26 de Dezembro de 2010, a seguinte mensagem:

Emblemas/Brasões

Camaradas,

Creio que temos estado a perder uma coisa importantíssima para a memória "futura" (será que também há memória passada? Pesada sei eu que há...) e que são os emblemas de peito (crachás) e de braço que usávamos e que hoje poderão constituir algo que se possa juntar aos números das Unidades como algo indelével e que orgulha os seus possuidores. Temos também os guiões que, nem sempre, são iguais aos emblemas. Julgo que por si só já são um bocado da História e muito faladores, como acontece aos brasões, que são "falantes".

Poder-se-ia criar no blogue um "Banco de Crachás e Guiões" onde seriam inseridos os que se encontrassem, acompanhados de uma resenha acerca da sua feitura: quem deu a ideia, quem desenhou, como foi aprovado, o quem significa, formato, etc. etc. etc.

Sabendo-se quais e quantas as Unidades que passaram pela Guiné, rapidamente atingiríamos o pleno e poderíamos expô-los à consideração dos curiosos e outros frequentadores. Nenhum deles foi aprovado pela Comissão de Heráldica, mas isso também não interessa. São distintivos populares (aos gosto dos "soldados"), como os dos clubes desportivos, de que se aprende a gostar.

Se calhar era um bom início para uma "História das Unidades"...

Um Alfa Bravo e um Bom Ano de 2011
António Costa
CMDT da CART 3494

2. Esta matéria já foi abordada neste blogue pelo nosso Camarada-de-armas Carlos Coutinho, que é um dos maiores coleccionadores nacionais desta temática. Muito dedicado, possui, segundo me disse, cerca de 2 mil emblemas e mini-guiões de Unidades que cumpriram as suas comissões no Ultramar.

Alias o Carlos Coutinho ofereceu-nos já um CD com centenas desse emblemas, que temos vindo a usar em diversos postes no blogue.

O Carlos inclusivamente já solicitou, num anterior poste do blogue, que quem tivesse algum emblema e, ou, guião em casa, e nunca os tivesse ainda visto no blogue, fizesse o especial favor de o mandar para nós, editores, para publicação.

Assim, o Carlos, posteriormente, faria a respectiva recolha e juntaria as novas peças no dito CD.

3. Quanto à criação no blogue de um banco de crachás e guiões, penso ser interessante e importante saber a experiente opinião do Carlos Coutinho, que já tem muito trabalho desenvolvido sobre esta matéria na internete e nos poderá informar de tal viabilidade neste blogue e a quem vou enviar uma cópia deste poste.

Para eventuais contactos, aqui fica o e-mail do Carlos: ccbitton@gmail.com

Emblemas de colecção: Carlos Coutinho (2010). Direitos reservados.

___________

Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

20 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7478: Os nossos seres, saberes e lazeres (27): Victor Garcia, alfacinha e benfiquista, ex-1º Cabo At, CCAV 2639 (Bula, Binar, Capunga, 1969/71): um exemplo e um motivo de orgulho, para todos nós, antigos combatentes, na luta contra a iliteracia informática (Parte I)

Guiné 63/74 - P7512: Portugalidade(s) (2): O triângulo amoroso Portugal-Macau-China, do poeta António Graça de Abreu, hao ren, boa pessoa, segundo a bisavó dos seus filhos


República Popular da China > Agosto de 2009 > O António Graça de Abreu  com a esposa, Hai Yan (aqui ao seu lado direito) e com uns primos da província de Huan... Na segunda fila, de pé, à esquerda, um jovem casal com um filho pequeno, que são seus cunhados; à direita, os dois filhos do nosso camarigo António e da Hai Yan, Pedro e João. Sei que um deles também é fã da música, como meu João... Para esta bela família luso-portuguesa que o 2011 seja um bom Ano do Coelho (LG).

Foto:  © António Graça de Abreu (2010). Direitos reservados


______________


O António Graça de Abreu teve o gesto, de grande camarigagem (e de cumplicidade, própria de dois homens que, além de camarigos, são de letras...) de mandar, pelo correio, o seu último livro de poesia, com uma bela dedicatória e uma chamada de atenção para a página 15... Título: "A cor das cerejeiras";  ano 2010;  editora: Vega, Lisboa; 142 pp.

É o seu sexto livro de poesia depois de China de Jade (1997); China de Seda (2001); Terra de Musgo e Alegria (2005); China de Lótus (2006); e Cálice de Neblinas e Silêncios (2008)... Sem, contar quatro ensaios de história,  e cinco traduções de poetas clássicos chineses, o último dos quais os Poemas de Han Shan (Macau, 2009). 

É um homem do mundo mas que vive hoje no triângulo, física, linguística, simbólica,  cultural e espiritualmente  falando, Portugal- Macau - China. Este último livro é um verdadeiro roteiro de viagens, escritos com pequenas notas poéticas, segundo o mundo japonês do haiku (versos curtos em geral de três linhas, e 17 sílabas)... É uma viagem pelos mais diversos mundos exteriores e interiores: Japónica, Sínica, Tibetana, Lusitana, Ch'an, zen, Femina, Mozartiana, Ronda Toscana, Turcomanos, Transjordânia,  In Vino, Naturaleza, etc. Tem um prefácio, mais erudito, sobre o haiku (pp. 7-22). Cita dois provérbios que eu tenho recolhido em textos meus que andam por aí na minha página pessoal, Saúde e Trabalho...

Independentemente de uma leitura mais atenta e crítica, que a minha ciática (e o solstício do inverno...) não me não aconselham de momento, devo dizer, desde já, que gosto de muitos dos haikus que ele dedicou à nossa Lusitânia,  e onde referenciei  alguns dos meus lugares preferidos como a praia do Paimogo, na Lourinhã,... Mas antes de repoduzir aqui algumas páginas, digitalizadas à pressa, em Lisboa, já meio adoentado, deixam-me transcrever um dos momentos sublimes do livro que é quando o poeta, depois de atravessar meio mundo,  vai conhecer a bisavó dos seus filhos, já cega, e já quase centenária:

(...)

Após o cintilar das montanhas,
do amarelo dos rios,
do branco-azul do céu,
do ondular das searas em Anhui,
venho encontrar a velha senhora Dong,
bisavó dos meus filhos,
na grande cidade,
no simples lar da família, em Hefei,
Cega, ouve atentamente o meu entaramelado falar.
Depois, com as mãos nodosas,
gastas por quase nove décadas de labor e luta, 
rodeia a minha cabeça,
os dedos percorrem o meu estranho rosto,
palpam-me a testa, os olhos,
nariz, as maçãs do rosto,
os lábios, o queixo.
Uma pausa para meditar,
um levíssimo sorriso
e por fim diz,
para tranquilidade de todos
"hao ren", boa pessoa (...)(p.43)


Da Lusitana (sic) (pp. 55-62), temos mesmo que reproduzir aqui, com a dupla vénia ao autor e ao editor, as páginas inteirinhas (pp. 55-629...




55


56


57


58


59

60




61
 62
 ___________


Nota de L.G.:
Primeiro poste desta série >21 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7483: Portugalidade(s) (1): A recepção dos goeses ao Navio Escola Sagres

Guiné 63/74 - P7511: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (8): O primeiro dia no Cuor (continuação)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Dezembro de 2010:

Malta,
Foi um dia em cheio. Amanhã vamos para o Xitole. Depois regresso a Finete, visito demoradamente Canturé, vou encontrar um número apreciável de vestígios da presença militar no Enxalé e depois subo até Cabuca, Madina e Belel, numa tentativa de conhecer mais e melhor o Cuor.
No Xitole ainda se encontram bastantes vestígios. Os reencontros com Albino Amamdu Baldé em Sinchã Indjai e Dauda Seidi em Cambessé foram emocionantes.
Dentro da lógica de que era uma viagem de trabalho, afastei a ideia de revisitar Cusselinta, ali tão perto e sempre tão deslumbrante.
O carro de combate do Fodé vai cada vez mais cheio com camaradas do Pel Caç Nat 52 e milícias de Missirá e Finete.
Ao findar do dia, voltei a Finete, à procura de uma casa para o Jorge Cabral.
Estejam atentos.

Um abraço do
Mário


Operação Tangomau (8)

Beja Santos

O primeiro dia no Cuor (continuação)



O Tangomau irá recebendo petições da mais variada índole: dinheiro, bolsas de estudo, vistos para Portugal, ofertas de emprego. Haverá situações muito comoventes. No último dia da sua viagem, em plena Pensão Central, Filomeno, que aliás se chama Eufrágio (sim, Eufrágio) Júlio Vinício Júnior, que perdeu os pais no conflito político-militar de 1998-1999, pede a intercessão do Tangomau para ter uma bolsa de estudo, fez o seu liceu com notas brilhantes, julga-se à altura de uma justa recompensa dos seus méritos. Aqui e acolá, e depois de já ter distribuído todos os seus livros e livros alheios reportados à Guiné, os pedidos não irão faltar. Por exemplo o Prof. Moreira Nhaga pede com toda a naturalidade que lhe envie os livros para o Xime, agradece sobe para o quadro da bicicleta, acena ao longe e deixa o Tangomau com mais um pequeno problema para resolver.


Discursava o homem grande Fodé Dahaba quando em toda a sua mansuetude se perfilou diante do Tangomau Braima Mané. Para quem leu o primeiro volume do seu diário, o grito de felicidade que o Tangomau deu quando viu claramente visto que era Braima Mané, que ele julgava falecido, tudo compreenderá sobre os sentimentos humanos. Braima quase que tinha perdido tudo na vida quando o Tangomau o conhecera: repudiado pela família, com um braço inutilizado, o corpo coberto de estilhaços, vivia esmoler. Foi operado em Bissau, conseguiu-se algum trabalho em Bambadinca, aos poucos foi recuperando a sua auto-estima. Poucas pessoas procuravam o Tangomau com tanta alegria e gratidão como Braima Mané. Vê-lo a envelhecer e respeitado foi como se tivesse chegado uma estrela da tarde a cintilar sobre o céu de Missirá.


Que uma alegria nunca vem só comprova exemplarmente esta fotografia de Inderissa Soncó, o irmão mais novo do meu querido amigo Lânsana Soncó, o padre de Missirá. Com toda a sua dignidade, Inderissa encostou-se à parede para não se perceber como todo o seu corpo treme, convulsionado por algum mal parkinsónico. Mantém toda a sua delicadeza, era um agricultor laborioso, hoje reduzido à situação de deficiente imprestável, o grau mais intolerável da hierarquia socioeconómica africana. Não foi por acaso que o Tangomau se deslocou por Missirá de mão dada com este Inderissa que tem a vida num calvário. A seu lado, entregou prendas a Missirá, a começar pelo álbum do primeiro repórter militar português José Henriques Mello que cobriu as campanhas de 1907-1908 mostrando Infali Soncó e a chegada das tropas portuguesas ao Cuor. Missirá mudou muito, ampliou-se em todas as direcções, sobretudo para Sansão que, cem anos antes era a sede do regulado, aí viveu Infali e seu filho Bacari, o pai de Malã.


Aqui fica uma prova provada da revolução de costumes em Missirá: a discoteca. O Tangomau não teve coragem de perguntar nada sobre o horário de funcionamento e a natureza dos serviços prestados.


Diz-se que os velhos perdem a memória. Estou a preparar o caminho para a desculpa. Sei que este homem me disse chamar-se Miguel Totala Baldé, pertenceu ao 3.º pelotão da CCaç 12 e disse-me assim: o meu alferes era o Abel Rodrigues. E disse mais: sou o soldado arvorado n.º 82108769, e o meu telefone é o 002456462497. O Abel que me telefone e que me venha buscar. O recado está dado. O que confunde o Tangomau é como é que esta fotografia aparece no meio das imagens de Missirá, isto numa altura em que nos apontamentos ele escrevia nomes e idades: Lamine Mané, 59 anos; Braima Mané, 70 anos; Ansumane Indjai, 68 anos; Calilo Soncó, soldado de milícias n.º 101, 63 anos. Convém ainda referir que Mama Mané, a mãe de Abudu, tem mais de 80 anos e Ansumane Soncó, que aparece no comité de recepção, também cerca de 80 anos. Não é por acaso que na fotografia do comité de recepção para Iussufo Soncó: ele dirigiu-se em voz alta ao Tangomau lembrando-lhe que era filho de Bacari Soncó, ambos tinham o mesmo sangue, o Tangomau que nunca se esqueça.


Esta é a nova Missirá e estes meninos olham para o futuro. Está na hora de partir, o Tangomau sabe que vai voltar, mais cedo do que a população de Missirá pensa. Até porque há muita coisa para ver nos arrabaldes: Madina de Gambiel, Sansão, Maná. Há uma grande nostalgia por percorrer a velha estrada que ligava Bissau a Bafatá. O Tangomau não sairá defraudado. Toda a comitiva entra no carro de combate conduzido por Calilo Dahaba e marcha-se para Mato de Cão. Ponham-se em sentido todos aqueles que ali vigiaram e viveram!


Lembram-se? Havia umas pilastras que aguentavam uma passadeira de madeira, ali o Tangomau, em cima deste pilar que permite a leitura da tabela das marés, tal como Ponta Varela, pedia boleia aos barcos civis e militares quando era necessário ir buscar comida e aparato bélico a Bambadinca. O nosso Mato de Cão não desapareceu mas está irreconhecível. Da nova estrada até lá são algumas centenas de metros, devido ao traçado da estrada alcatroada. Para se tirar esta fotografia é preciso estar com os pés bem enterrados no tarrafo, contemplar a enchente, este pilar tem vários metros na vazante. Contemplando todo este barro sujo a contrastar com o verdejante arvoredo, o Tangomau deu asas à imaginação, pensando as vezes que aqui veio, contornados, chuvas diluvianas, a fornalha do sol, os entardeceres cálidos, as noites de breu. Conheceu Mato de Cão em todos os segundos do dia. E tem sempre orgulho em dizer que naqueles 17 meses nem um só barco foi atacado nesta entrada do Geba estreito. Para que conste.


Presta-se agora homenagem a quem viveu no destacamento de Mato de Cão. Referenciado o local onde se montava obrigatoriamente a vigilância à navegação, subiu-se ao planalto onde hoje viceja a tabanca e onde vive o régulo Carambá Soncó. Aqui também tudo mudou, ou quase tudo. Havia que identificar vestígios do destacamento. Este é o primeiro, o resto vai aparecer no álbum fotográfico. O Tangomau teve um desgosto: plantaram tantos e tais cajueiros que já não se avista nem o palmar de Chicri nem o palmar orientado para Sinchã Corubal (às vezes, enquanto se esperava a chegada dos navios ouviam-se os tiros dos caçadores de Madina que percorriam esta velha tabanca). Nisto, o anarca Jorge Cabral e o Tangomau cantam à mesma voz: são alguns dos mais belos palmares e panorâmicas da Guiné e do mundo que conhecem.


Aqui fica uma prova de vida em Mato de Cão, um friso de mulheres ao entardecer. Não foi uma visita prolongada, há pouco menos de uma hora de sol, a peregrinação vai findar em Chicri, o Tangomau está trémulo de emoção, Chicri está associado a emboscadas e a sangue derramado, está morto de curiosidade pelo que vai encontrar. E dali sairá consolado.


A seguir a Mato de Cão inflecte-se pela esquerda, é uma bonita e aprazível picada sempre a avistar os campos tratados, os muitos cajueiros e palmares. Coisa curiosa, o Tangomau percepcionou que estava em Chicri independentemente da tabanca nova, havia qualquer coisa na natureza que mantinha o arvoredo frondoso de há 40 anos. Todos saíram do carro de combate, como seria de esperar Fodé Dahaba já tinha preparado um contacto com um parente, prepara-se um cerimonial de recepção, os homens grandes equiparam-se, não escondiam o seu júbilo. Enquanto tudo isto acontecia, o Tangomau afastou-se discretamente e minutos depois olhava para a picada que conduz a Madina. Teve mesmo um assomo, uma vontade súbita de se pôr ao caminho. Perguntou a alguém qual a distância. “É lunge, mais de três horas, andando depressa”. Foi o que o desencorajou, senão tinha cometido a traquinice de entrar na floresta pela noite escura.


Sopram os ventos de mudança em Chicri, os miúdos já se misturam com os graúdos nas fotografias. Tinha acabado a escola, mordidos pela curiosidade, os pequenos vieram até àquela sessão pública em que um branco mostrava livros e fotografias de um passado semilongínquo. O que se avista em todas as direcções é mais do que o verde luxuriante: há os meandros barrentos do Geba, há as palmeiras gigantes graciosamente dispostas, os campos lavrados, o arroz amadurecido na bolanha. Aqui respira-se alguma prosperidade. O dia finda, todos dão sinais de cansaço, há gente que irá de bicicleta para Amedalai. E regressamos a Bambadinca. Em casa do Fodé, Albino Amadu Baldé deixara uma carta que encheu de alegria o Tangomau. Todos à uma tomaram a decisão: amanhã vamos para o Xitole, vamos dar um abraço ao Albino. Como aconteceu.

Fotos: © Mário Beja Santos (2010). Direitos reservados.
__________

Nota do Editor

Vd. último poste da série de 26 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7504: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (7): O primeiro dia no Cuor