segunda-feira, 23 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8312: Convívios (342): Encontro do pessoal da CCAÇ 2679 e Pel Caç Nat 65, dia 29 de Maio de 2011 no Fundão (José Manuel M. Dinis)

1. Mensagem de José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de hoje, 23 de Maio de 2011:

Olá Carlos, bom dia.
Solicito a divulgação de um Encontro, já no próximo domingo, ali para as faldas da Estrêla, no Fundão, onde os heróicos sobreviventes da CCaç 2679 e do Pel Caç Nat 65, que andaram a malhar no leste da Guiné, nas terras fulas que vão do infinito Corubal em Buruntuma (onde mais parecia um regato), e subiam os marcos que fazem o ângulo recto da passagem da fronteira da Guiné-Conakry para a do Senegal, de onde se passava a calcorrear para oeste até um marco número sessenta e tal, algures entre Bajocunda e Pirada, donde se flectia para sul, novamente em direccção ao Corubal, fazendo uma barriguinha para a Z.A. de Nova Lamego. Foi nas terras atrás identificadas, quiçá a mais larga área de intervenção do TO da Guiné, que os ainda jovens veteranos ficaram a conhecer-se e vão providenciar um encontro para matança de fomes estomacais e sentimentais.

Um grande abraço
JD


No dia 13 de Maio de 2011 17:16, João Patricio <joao.patricio@finantia.com> escreveu:

É com imenso prazer que faço parte do grupo de trabalho deste grande evento conjuntamente com o Aquino e o Dinis. Agradeço o empenho de todos na abrangência do maior numero de presenças, pois  já confirmaram alguns dos companheiros, que até á presente data, desconheciam estes nossos encontros.

As metas que nos propusemos e que tomamos como objectivos estão a ser alcançadas e até ultrapassadas.
Em ficheiro encontram-se o nome todas as confirmações até à presente data.



Programa do encontro dia 29 de Maio de 2011 dos Bravos Soldados do Leste - 40 Anos de Peluda - CCac 2679 e Pel Caç Nat 65 (Leões Negros)

10.30H – Concentração no átrio do Hotel Alambique no Fundão

11.15H – Missa na Igreja Matriz de Aldeia de Joanes em Homenagem aos antigos companheiros já falecidos

13.00H – Almoço e entrega de diplomas de presença no Hotel Alambique

15.00H – Passagem de um filme “A Guiné de Hoje” apresentado pelo meu amigo Pereira Nina (que esteve na Guiné nos anos 1972/1974 e que no passado mês de Março voltou à Guiné por um período de 30 dias)

17.00H – Passeio pelos pomares de Cerejeiras da encosta da Gardunha   

18.00H – Regresso ao Hotel Alambique e encerramento do encontro

Diligenciei esforços para que todos aqueles que pretendam pernoitar de 28/29  ou 29/30 de Maio fiquem bem acomodados e com um preço acessível.

         
Hotel Alambique (275 774 145) ou www.hotealambique.com


-quartos individual normal – 29.50€
-quarto casal normal – 47.50€

quarto individual superior – 31.50€
-quarto casal superior – 62.50€  


Confirmações



Aguardo noticias Vossas
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8296: Convívios (335): Almoço/Convívio do BCAÇ 3883, dia 28 de Maio de 2011, em Viseu (António Rodrigues)

domingo, 22 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8311: Os nossos camaradas guineenses (32): José Carlos Suleimane Baldé... Pensando na CCAÇ 12, em Coimbra, em Amedalai, em Bambadinca... Andando pelo Planaltod as Cesaredas, à procura de amonites e orquídeas-abelhas... Celebrando a biodiversidade, a etnodiversidade, a camarigagem, os nossos encontros e desencontros... (Luís Graça)



Lourinhã > Planalto das Cesaredas > 22 de Maio de 2011 > Dia Mundial da Biodiversidade


1. Passeio pedestre pelo Planalto das Cesaredas (uma região calcária,  com cerca de 160 milhões de anos, do Jurássico0 Superior, pertencente aos concelhos da Lourinhã, Peniche, Óbidos e Bombarral). Belíssimo local para se abordar o tema da biodiversidade do nosso planeta, com o Oceânico Atlântico ao fundo. E para se celebrar  o Dia Mundial da Biodiversidade (sem a qual não haverá futuro para todos nós, portugueses, europeus, guineenses, africanos)...

Hoje aprendi coisas que não sabia sobre a fauna marítima fossilizada (amonites, por ex.)... E sobre as as orquídeas-abelha, uma espantosa espécie que tem, em relação, ao Homo Sapiens Sapiens, algumas semelhanças, a sua incrível capacidade de adaptação às mudanças do ambiente. Como nós, está espalhada por todos os continentes, excepto a Antártida...



Lourinhã > Planalto das Cesaredas > 22 de Maio de 2011 > Dia Mundial da Biodiversidade > A orquídea-abelha. Nome científicO: Ophrys insetifera. Além de ser parecida com um insecto, emite o mesmo odor das abelhas quando estão prontas para acasalar. A sua estratégia evolutiva levou-a a usar este estratagema para atrair os zangões que visitam as flores e assim espalhar o seu pólen, contribuindo portanto para a reprodução da planta:

 " A polinização ocorre por pseudo-cópula, sendo que o zangão (Hymenoptera) confunde-a com uma fêmea e pousa roçando seu dorso nas polínias onde o pólen se adere ao inseto e este passa à outras flores fecundando o estigma contido em uma invaginação da coluna. A atração dos zangões se dá por meio visual como também por meio bioquímico, sendo que este gênero secreta a mesma substância das fêmeas de Hymenoperos. A fecundação é facilitada devido a emergência das ninfas dos machos ocorrerem antes das fêmeas, os machos após um tempo aprendem a diferença e passam a não mais polinizar as flores, portanto são favorecidas aquelas que florescem cedo. O tamanho do labelo é um modo de seleção do polinizador" (Fonte: Irmandade Natureza Divina).



2. Obrigado aos meus amigos do Museu da Lourinhã, que organizaram o passeio e nos guiaram (uma jovem equipa multidisciplinar, com 1 paleontógo, 1 bióloga, 1 arquitecta paisagista e militante ambientalista, 1 fotógrafa da natureza...).  

Espantoso: ao longo do passeio, falámos também de Angola (onde o meu amigo, paleontólogo, Octávio Mateus descobriu recentemente o primeiro dinossauro...) bem como da Guiné e do diversidade cultural e dos fulas e do meu antigo camarada de armas José Carlos Suleimane Baldé, 61 anos, que fui abraçar a Coimbra, ontem, dia 21...


3. O Zé Carlos vive em Amedalai, região de Bafatá, Guiné-Bissau, perto do Xime e do Rio Geba, sem luz, sem internet, sem cuidados de saúde, sem água potável, sem saneamento básico, sem televisão, sem livros, sem os confortos da nossa sociedade, com duas mulheres (uma delas herdada do irmão que morreu, de acordo com os usos e costumes do seu grupo étnico, o "levirato") e uma dúzia de filhos... E em vésperas de casar uma das filhas com o filho do seu compadre e ex-camarada de armas Sori Baldé...

Pela surpresa (agradável) que eu tive, é que os tempos são outros, memso no interior da Guiné-Bissau: 

(i) já se casa por amor ("sentimento", diz o Zé Carlos),   entre as elites e os mais jovens, sobretudo escolarizados; 

e (ii) já não se submete as bajudinhas ao cruel fanado tradicional (com Mutilação Genital) (pelo menos o Zé Carlos diz que não fará isso com a sua Odetezinha, de 6 anos)...

4. A escassos quilómetros de distância, camaradas meus, de armas, que passaram por Bambadinca, Guiné, nos anos 68, 69, 70, 71 e 72,  reuniram-se, ontem,   em Coimbra, em locais diferentes,  para comemorar o facto de estarem vivos e de terem partilhado, na sua juventude, a sua mesma situação-limite... Uns, na Casa do casal Sobral, em Santo António dos Olivais, Coimbra; outros na Quinta da Malhadinha, Cabouco, freguesia de Ceira...

O Zé Carlos, um fula da Guiné-Bissau, um bom muçulmano com alma de português, foi a estrela da festa (num lado e noutro).... Está felicíssimo com a oportunidade que o Jaime Pereira e a a esposa, Odete Cardoso,  lhe proporcionaram, de conhecer Portugal e de reencontrar, quarenta anos depois, alguns dos seus camaradas que conviveram com ele em Bambadinca, gente da CCAÇ 12, da CCS/BCAÇ 2852, CCS/BART 2917, Pel Caç Nat 52, Pel Caç Nat 63, Pel Rec Daimler do Jaime Machado, Pel Rec Daimler do J.L. Vacas de Carvalho, e outras subunidades adidas...




Coimbra > Convívio da CCAÇ 12 (2ª geração, 1971/72) > 21 de Maio de 2011 > Casa do casal Sobral (José e Ermelinda, ambos médicos, ele, estomatologista, ela obstetra, figuras conhecidas e estimadas no meio coimbrão)... > Na foto, a anfitriã, a Dra. Ermelinda com o Zé Carlos, fotografado junto à mesa das sobremesas, uma amostra da nossa grande, riquíssima, diversidade gastronómica... Destaque, nas frutas, para as cerejas de Resende (cada conviva trouxe a sua sobremesa).



Coimbra > Convívio da CCAÇ 12 (2ª geração, 1971/72) > 21 de Maio de 2011 > Casa do casal Sobral, ambos médicos, ele, estomatologista, ela obstetra e ginecologista... > Da esquerda para a direita, a Ermelinda, o Rui (enfermeiro, amigo e colega da Ermelinda no Hospitalar Universitário de Coimbra, se não me engano), o Sobral e o Ferreira  (eles dois, alferes milicianos da CCAÇ 12, Bambadinca, 1971/72, vivendo o Ferrreira hoje em Felgueiras, sendo professor do ensino básico aposentado)...

A chanfana, em Coimbra, não podia faltar e não faltou: estava uma delícia... Pelo mkenos na casa do casal Sobral. Obrigado, cara amiga Ermelinda, obrigado, caro camarigo Sobral, grandes anfitriões!


Coimbra > 17º Convívio do Pessoal de Bambadinca (1968/71) > Um momento de grande emoção, proporcionado pelo Jaime Pereira, ex-Alf Mil da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1971/72): o reencontro do Zé Carlos com o seu primeiro comandante de secção, a 2ª do 4º Gr Comb, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)... 

Na foto, em primeiro plano, o nosso camarigo António Marques e o Zé Carlos... Em segundo plano, o Jaime e um camarada da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) cujo nome me escapa...

O Zé Carlos manifestou o desejo de poder ir a Fátima, e esse sonho vai-se realizar graças à generosidade e disponibilidade do António Marques. Também está cá para tratar da sua "situação militar"... Como nos escvreveu a Dra. Odete Cardoso:

 "Ele traz os documentos da sua vida militar na Guiné e pretende saber a que serviço público português se há-de dirigir para indagar se esse tempo lhe dá direito a alguma pensão. Tem alguma informação que lhe possa dar a esse respeito?"...

Conforme tive ocasião de dizer pessoalmente à nossa amiga Odete, madrinha da filha mais nova do Zé Carlos, talvez o nosso António José Pereira da Costa, coronel na reserva em efectividade de funções, nos possa dar alguma pista ou até uma ajudinha...Mas temos mais gente que está por dentro deste assunto como o Carlos Silva (que é advogado, profundo conhecedor da situação dos nossos camaradas guineenses, além de dirigente da ONGD Ajuda Amiga), o José Martins (que tem bons contactos com a Liga dos Combatentes), o Inácio Silva (que lidera uma petição pública à Assembeia da República), etc.

O José Carlos Suleimane Baldé pertenceu á CCAÇ 2590 (mais tarde CCAÇ 12) e à CCAÇ 12, desde Junho de 1969 até Agosto de 1974. Já no final da guerra, foi dispensado da actividade operacional para dar aulas como monitor escolar em Dembataco. Foi, no meu tempo (1969/71), o primeiro soldado arvorado, do recrutamento local, a ser promovido (em 15 de Setembro de 1969) ao posto de 1º Cabo At Inf, por ter completado com sucesso o exame da 4ª classe.

Tive ocasião de ouvir da boca derle alguns momentos extremamente dramáticos por que passou, no início de 1975, quando os "balantas e mandingas" do PAIGC transformaram Bambadinca numa permanente Tribunal Popular e numa "matadouro humano"... Esteve sentado no banco dos réus, valendo-lhe a influência do seu  pai e o peso dos "homens grandes" do chão fula, bem como a opinião generalizada de que o Zé Carlos eram um homem bom, e um antigo militar de conduta correcta... 

Mesmo assim, foi ob5rigado a assitir à execução pública de um cipaio (polícia administrativa) em Bambadinca, à execução de "sete irmãos" em Bissorã... Descreveu as torturas horrorosas a que foi submetido o nosso "gigante", o  Abibo Jau (1º Gr Comb da CCAÇ 12, e que depois transitou para a CCAÇ 21, do Jamanca e do A,madu Djaló) antes de ser executado... 

Andou também fugido pelo Senegal e tentou ir de avião para Angola, acabando por ser recambiado para a sua terra... O seu sonho é que dois dos seus filhos consigam vir viver e trabalhar em Portugal... Hoje é agricultor em Amedalai, trabalhando no duro com as suas mulheres e filhos para sobreviver...



Coimbra > 17º Convívio do Pessoal de Bambadinca (1968/71) > Jorge Cabral (ex-Cmdt do Pel Caç Nat 63, Fá e Missirá, 1969/71) com dois camaradas da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71), o Zé Carlos e o Humberto (que veio ao convívio, pela primeira vez sozinho, sem a sua saudosa Teresa, 1947-2011).


Coimbra > 17º Convívio do Pessoal de Bambadinca (1968/71) > Dois alferes da CCAÇ 12 reencontram-se 40 anos depois: Abel Rodrigues (3º Gr Comb, 1969/71) e Jaime Pereira (4º Gr Comb,  1971/72), aqui de costas.


Fotos: © Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados

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Nota do editor: 

sábado, 21 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8310: As Nossas Madrinhas de Guerra (5): Avé-Maria do Soldado (Manuel Sousa)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Sousa* (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74, actualmente Sargento-Ajudante da GNR na situação de Reforma), com data de 18 de Maio de 2011:

Camarada Carlos Vinhal:
Na sequência das minhas memórias de guerra, cujos textos te tenho enviado, e já publicados no blogue, não me podia esquecer das nossas dedicadas madrinhas de guerra.

Em anexo envio-te um simples texto que escrevi em sua homenagem, com o título em epígrafe, ilustrado com algumas fotografias.

Ali está bem patente a adversidade a que estávamos votados em terras da Guiné:
-O isolamento no interior do mato, lá no fim do mundo;
-O rigor do clima, ora o calor, ora as chuvas, a poeira vermelha, a chaga dos mosquitos;
-O suplício da guerra, que nos fez regressar sem a companhia de alguns dos nossos camaradas menos afortunados;

Também ali é notória a magia de uma carta ou de um aerograma, o célebre "bate estradas", o único meio de comunicação com os familiares, amigos, namoradas e as nossas madrinhas de guerra.
Na altura não havia telemóveis nem internete.

Um abraço
Manuel Sousa




AVÉ-MARIA DO SOLDADO

Jumbembém, 12 de Março de 1973

Dedicada madrinha:
Acabou de chegar um helicóptero a este fim de mundo.
O “pombo-correio” que trouxe no bico as sempre esperadas mensagens para todos nós militares, aqui neste cativeiro de guerra, no meio do nada. Melhor dizendo, no meio do mato, onde o calor intenso, a poeira vermelha, as tempestades tropicais e as ferradas de enxames de mosquitos já pouco incomodam, comparando com o silvo das balas, o troar dos canhões e morteiros, o metralhar da “costureirinha” e o cheiro a pólvora queimada, em dias de “festa” cá em Jumbembém e arredores.

Uma dessas mensagens era a sua para mim desejada carta, a que estou a responder através deste meu “bate-estradas”, cujas linhas os meus olhos percorreram avidamente, como sedento no deserto à procura de uma gota de água, bebendo as suas palavras uma a uma, que me transmitiram, bem haja por isso, esperança e coragem para melhor suportar estes momentos tão difíceis, neste meio hostil, longe de familiares e amigos.

Fixei-me demoradamente a contemplar o bonito sorriso do seu rosto, patente na fotografia que teve a amabilidade de me enviar, como que deslumbrado e encantado pela sua beleza e, particularmente, pela brancura da sua tez, já que há tanto tempo não via uma mulher branca e tão bonita.

Aqui as bajudas (raparigas), sendo algumas também bonitas, a cor da sua pele, como sabe, é diferente…, fazem parte de outra cultura.

Vejo em si a minha confidente, imagino-a até como a minha “Nossa Senhora”que me ampara, e, como tal, veja nesta minha missiva uma prece, uma oração, uma avé-maria deste soldado, para que continue a conceder-me a graça da sua simpatia e do seu conforto.

Termino, agradecendo-lhe esse seu gesto altruísta, de dispensar parte do seu tempo a confortar este simples soldado que sou, ao serviço da Pátria. Com as suas palavras, creia, neste quotidiano de guerra, - o perigo que espreita por entre o capim, por de trás de cada árvore, sob o chão das picadas - sentir-me-ei mais confiante, mais seguro, mais afoito, do que com a própria espingarda que tenho por companheira.

Adeus, até à volta do correio.
Manuel Luís Rodrigues Sousa


Na sequência das minhas memórias de guerra que tenho vindo a escrever, era inevitável não fazer referência às nossas simpáticas, dedicadas e altruístas madrinhas de guerra.

Como forma de as homenagear, escrevi esta carta, com data fictícia, a data do meu aniversário, tentando reconstituir, o mais fiel possível, aquilo que um dia escrevi para uma das minhas madrinhas, no decorrer dos anos de 1973 e 1974.

No fundo, condensei nesta carta as centenas de missivas que lhes dirigi, de tal forma “eloquentes” e de caligrafia aprimorada, modéstia à parte, mas elas é que o diziam, que não acreditavam que eu tivesse como habilitações literárias apenas a 4.ª classe.

Aliás, esses dotes eram-me também reconhecidos pelos meus camaradas de Pelotão, a ponto de, ainda hoje, aquando dos convívios anuais, eles me lembrarem dessa perfeição com que escrevia.

Um desses colegas, sabendo desses meus atributos, sugeriu-me para escrever a uma rapariga sua vizinha, em Castro D’Aire, uma beldade lá da terra, segundo ele dizia, mas prevenindo-me de que ela era “estudanta” e que, por isso, não ligava a qualquer um.

Sobranceria, talvez, que existia naquela época por parte dos estudantes, em relação aos menos letrados, ou, ao invés, o complexo de inferioridade por parte destes, em relação àqueles.
Aceitei a sugestão.

Escrevi-lhe, e, para admiração do Salvador Rodrigues da Costa, desse meu colega, a “estudanta” respondeu.
Foi mais uma simpática e dedicada madrinha de guerra, com quem tive o prazer de me corresponder.
Além das madrinhas de guerra com quem me correspondia, tinha uma forma peculiar de arranjar sempre mais uma.
Nunca eram de mais.

Escrevia um aerograma, o célebre “bate estradas”, com uma simples apresentação de quem eu era e fazendo o convite para o efeito.

Endereçava-o para determinada localidade da Metrópole, com a seguinte mensagem no exterior:
Para a menina que se dignar corresponder-se, como madrinha de guerra, com um soldado em serviço no ultramar

Utilizando a terminologia da pesca, o “isco” estava lançado.
Muitas vezes o “anzol” veio sem nada, ou seja, os “bate-estradas” tiveram como destino certo o caixote do lixo.
Outras vezes tinha mais sorte.

A mensagem era acolhida e iniciava-se então a troca de correspondência com mais uma das minhas confidentes, culminando algumas vezes com a troca de tórridas cartas de amor.

No final da comissão, aquando do regresso, desfiz-me do volumoso maço da correspondência trocada com as madrinhas de guerra, e não só, por falta de espaço na mala (hoje seriam uma relíquia).

Recentemente, ao fazer arrumações no sótão cá de casa, encontrei numa bolsa dessa mesma e já carcomida mala, uma pequena carteira em plástico, ressequida pelo tempo, com o desenho do crachá do Batalhão 4512, “Os Setas”, a que eu pertencia.

Já não me lembrava daquele objecto, recordando-me então que aquela mesma carteira tinha sido oferecida pelo Batalhão a todos os militares em Tomar, aquando da partida para a Guiné.
No seu interior, numa pequena bolsa, encontrei a fotografia de uma jovem que reconheci como uma das minhas madrinhas de guerra, há 38 anos atrás, de cuja naturalidade não me recordo.
 No verso tem a dedicatória: “Com muita dedicação da madrinha sempre amiga Isabel”, e tem a indicação de que foi revelada na FOTO CRISTO.

A velha carteira onde se encontrava esta fotografia, de uma das minhas bonitas madrinhas de guerra!

Verso da fotografia com a dedicatória.

Foi este achado que me levou a mais rapidamente prestar esta homenagem a todas as madrinhas de guerra, personificadas por esta jovem, hoje aproximadamente da minha idade, cuja fotografia, para o efeito, faço questão de inserir neste texto.

Como dizia no final da carta, as suas palavras produziam em nós mais confiança e mais segurança do que as próprias armas com que calcorreávamos os trilhos da mata e as picadas.
Eram a nossa arma secreta.

Assim, para todas elas, as madrinhas de guerra de Portugal, e em particular para aquelas com quem directamente me correspondi, inclusive a Isabel, como reconhecimento da estima e dedicação que nos dispensaram, tão importantes para o levantamento da moral e auto-estima de todos nós, escrevi esta carta como forma de, em meu nome pessoal e de todos os ex-combatentes, lhes prestar a mais sincera homenagem.

Maio de 2011
Manuel Sousa
Até breve

(Reeditado em Outubro de 2011-10-14)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8233: Blogpoesia (147): Senhora Aparecida, freguesia de Torno, concelho de Lousada (Manuel Sousa)

Vd. postes relacionados com a nossas Madrinhas de guerra de:

22 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2572: As Nossas Madrinhas de Guerra (4): Madrinhas de Guerra (II) (José Teixeira)

23 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3348: Tabanca Grande (93): José Pinho da Costa, ex-1.º Cabo Op Mensagens da CCS/BART 1914, Guiné, 1967/69

16 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6746: Tabanca Grande (230): Felismina Costa, madrinha de guerra de Hélder Martins de Matos, ex-1.º Cabo Escriturário, Bafatá, 1963/64

Guiné 63/74 - P8309: História da CCAÇ 2403 (Hilário Peixeiro) (4): Actividade da CCAÇ 2403 em Mansabá, com passagem pelo Olossato, e regresso à Metrópole




1. Quarta e última parte da publicação da História (resumida) da CCAÇ 2403/BCAÇ 2851, Nova Lamego, Piche, Fá Mandinga, Olossato e Mansabá, 1968/70), envida pelo seu Comandante, ex-Cap Mil Hilário Peixeiro*, actualmente Coronel na situação de Reforma.






História (resumida) da CCaç 2403 – Guiné 1968/70 (4)

Actividade da CCAÇ 2403 em Mansabá, com passagem pelo Olossato, e regresso à Metrópole


Olossato

Uma das personalidades mais conhecidas do Olossato era a lavadeira Rosa que aplicava uma tabela de preços pela sua actividade, baseada no princípio de que quem mais ganha mais paga e, assim, não interessando quem entregava mais ou menos roupa para lavar, o Capitão pagava mais que todos, depois vinham os Alferes, os Furriéis e Praças sucessivamente, não havendo argumentos que a convencessem de que devia cobrar de acordo com a roupa que cada um lhe entregava. Fazia-se acompanhar pela filha pequena sempre que ia buscar e entregar roupa e um dia levou consigo uma jovem já quase adulta para a apresentar ao Capitão, como a segunda mulher do seu marido, comprada recentemente.

Contacto com a população

A estadia da Companhia no Olossato, anunciada como última até ao fim da comissão, foi de pouca duração. Poucos dias após a chegada, Mansabá sofreu um dos seus maiores ataques*, com uma duração inusual de cerca de 40 minutos que provocou grandes estragos materiais e muitas vítimas entre a população e algumas entre os militares. Logo após este ataque, a CCaç 2403 recebeu ordem de transferência para aquele aquartelamento por troca com a CCaç 2402 que ali estava colocada.

Mansabá

Em Mansabá o BCaç 2851 era comandado pelo Major Borges em substituição do Ten Coronel Luz Mendes a quem o General Spínola retirou o Comando após o ataque ao quartel. O Major Bispo tinha sido transferido para Bissau para o Serviço de Justiça, o Major Martins tinha sido evacuado por, dias antes, ter pisado uma mina, mas continuavam o Capitão Bento e o Capitão Gamelas e os Alf Mil Pimentel, Sousa, Amaral e Bentes da CCS. Foi criado um Comando Operacional sob o Comando do Ten Cor Paraquedista Fausto Marques, constituído pela CCP 122 comandada pelo Tenente Silva Pinto, a CCaç 2403 e a CCaç (?) de pessoal madeirense sob o comando do Capitão Carvalho.

Foi atribuída às Companhias do Exército, reforçadas com o Pel Daimler do Alf Mil Belo, a missão de protecção próxima dos trabalhos da estrada, enquanto a CCP 122 faria a protecção afastada através de heli-assaltos onde fossem localizadas posições do In. O COP iniciou a sua acção com o assalto a uma posição do In no Morés com o GComb do Tenente Bação, que tinha ficado em Bissau, para o efeito. Depois da actuação dos Fiats sobre o objectivo e largado o Grupo no mesmo, os helis dirigiram-se a Mansabá para transporte do resto da Companhia. Quando regressaram para transportar o terceiro Grupo, entregaram 1 Metralhadora e 1 ou 2 armas ligeiras capturadas pelo Grupo ido de Bissau.

Seguiram-se outros assaltos sempre iniciados com o Grupo que estivesse em Bissau, Tenente Terras Marques ou Tenente Avelar de Sousa, mas já sem capturas de material. A CCaç 2403 com a do Capitão Carvalho estabeleceram o sistema de protecção com 2 GComb 24 horas por dia no exterior, junto ao desenrolar dos trabalhos e desde o primeiro dia, em que foram levantadas as minas anti-pessoal colocadas na noite anterior, nunca mais, uma só que fosse, foi colocada. Quando a Companhia chegou a Mansabá, as minas, colocadas em grande quantidade, era tanto o pavor do pessoal como uma grande fonte de rendimento, dado que cada uma levantada valia bom dinheiro.

Para além da protecção aos trabalhos a CCaç 2403 ainda fez duas Operações em conjunto com a de Páras sendo, na segunda, recolhida (pela primeira vez ) de helicóptero.

Quando os trabalhos se afastaram do quartel, dificultando o apoio de fogo à reacção a prováveis ataques ou flagelações do In, a Engenharia Militar empenhada nas obras e dirigida, inicialmente pelo Capitão Engº Veiga e depois pelo seu substituto, Alf Mil Engº, também de apelido Veiga, construiu uma posição para o Morteiro 10,7 existente no quartel, a cerca de 3Km deste, protegido por um GComb. Numa das primeiras noites, após a instalação desta arma, a posição foi atacada, provocando 2 feridos ao GComb da Companhia madeirense que nessa noite a ocupava. Ou pela reacção encontrada e acção dos Páras no dia seguinte ou por outra qualquer razão foi o último ataque aos trabalhos. A partir daí apenas se verificavam flagelações de 1 ou 2 granadas de Morteiro 82 a que sempre respondia o Morteiro 10,7.

A certa altura a estrada era completamente finalizada com pavimento asfaltado, à ordem de 100 metros por dia e assim continuou até serem interrompidos os trabalhos por motivo das chuvas intensas da época. Foram terminados cerca de 6 quilómetros, até à região de Birongue, até princípios de Agosto.

Em finais de Julho o Capitão baixou ao Hospital de Bissau e foi evacuado para Lisboa, por motivos de saúde.

Após o fim dos trabalhos o Comando do COP foi transferido para a região de Bafatá e o Comando do BCaç 2851 para Galomaro, ficando apenas a CCaç 2403 em Mansabá, integrada no Batalhão de Mansoa.

Quando se encontrava em Lisboa o Capitão foi informado pelo 1.º Sargento da Companhia que o Alf Mil Brandão, em acção de patrulhamento que lhe tinha sido imposta para poder entrar de licença dias depois, tinha falecido, em 18/09/69, com um tiro, disparado, por acidente pelo Tenente que o tinha substituído no comando da Companhia, da arma de um guerrilheiro, abatido. Foi o terceiro morto da Companhia.

Não teve capacidade para vencer o pavor que tinha de sair para o mato e o Capitão nunca soube lidar com essa situação. Encontrou a morte da forma mais inesperada e estúpida.

Teve a hombridade de não ter desertado o que, quem sabe, o poderia ter tornado num importante político. Paz à sua alma.

Quando em Janeiro o Capitão teve alta do HMP contactou o Capitão Carreto Maia, então Comandante da Companhia informando-o da chegada a Bissau no dia 20 e propondo-lhe a troca de funções com a que lhe viesse a ser atribuída. No dia 21 contactado o QG de Bissau a troca não se fez porque a colocação disponível era na Companhia do Jolmete e o Capitão Maia só aceitava ficar em Bissau ou numa Companhia do Batalhão de Mansoa a que, então, pertencia e de que gostava.

No regresso a Mansabá, em 23 de Janeiro de 1970, a Companhia sofreu uma emboscada e na reacção, um acidente com um dilagrama provocou dois mortos, o 1.º Cabo Rebelo e o Soldado Alexandre e um ferido de média gravidade, o Soldado “Caracol”. Foram o quarto e quinto mortos e o primeiro ferido da Companhia.

Entretanto o General Spínola requisitou para a Câmara Municipal de Bissau o Comandante da CCS/BCaç 2851 por ser arquitecto e determinou a sua substituição por um Capitão disponível o que levou o Capitão Peixeiro de volta ao seu Batalhão, em Galomaro. Comandava o Ten Coronel António José Ribeiro e os restantes Oficiais eram praticamente os anteriores.

Em meados de Maio, com a comissão terminada, o Batalhão reuniu-se novamente em Bissau onde, 22 meses antes, tinha sido desmantelado.

Na formatura de despedida do General Spínola às tropas que regressavam à Metrópole foi lido o louvor atribuído pelo Comandante-Chefe à CCaç 2403.

Não regressaram com a Companhia: o Capitão Peixeiro que ficou a aguardar despacho do seu auto por doença em serviço; o Capitão Maia, os Alf Mil Carias e Amaral por não terem ainda terminado as suas comissões; e o Alf Mil Tavares que ficou na comissão liquidatária.

Assim, embarcou em Bissau no Navio Carvalho Araújo, em 28 de Maio e desembarcou em Lisboa em 04 de Junho de 1970, comandada pelo Fur Mil Casimiro Santos, a CCaç 2403.

Navio Carvalho Araújo

(FIM)
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Notas de CV:

Vd. postes anteriores da série de:

14 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8273: História da CCAÇ 2403 (Hilário Peixeiro) (1): Deslocação para a Guiné e chegada a Nova Lamego

16 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8284: História da CCAÇ 2403 (Hilário Peixeiro) (2): Actividade da CCAÇ 2403 e participação na Operação Mabecos Bravios
e
19 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8299: História da CCAÇ 2403 (Hilário Peixeiro) (3): Actividade da CCAÇ 2403 e participação na Operação Mabecos Bravios

(*) Vd. poste de 24 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3146: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (12): Ataque a Mansabá

Guiné 63/74 - P8308: Tabanca Grande (285): Ernestino Caniço, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Rec Daimler 2208 (Mansabá, Mansoa e Bissau, 1970/71)

1. Mensagem de Ernestino Caniço, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Rec Daimler 2208, Mansabá, Mansoa e Bissau, 1970/72:

Caro Luis Graça
Ao ter conhecimento do VI Encontro da Tabanca Grande em 2011/06/04 e sendo antigo combatente da Guiné, venho propor a minha inscrição para o mesmo, não sendo necessário alojamento.

Espero abraçar alguns camaradas que recordo e que já se encontram inscritos, bem como outros que terei oportunidade de conhecer.

Nascido em 1944/12/01 em Almeirim, com a especialidade de Carros de Combate M47, tirada na Escola Prática de Cavalaria em Santarém.

Ex-Alferes Miliciano, Comandante do Pel Rec Daimler 2208, chegado a Bissau em FEV70. Segui para Mansabá onde fiquei cerca de quatro meses com metade do pelotão e adido à CCaç 2403 comandada pelo Capitão Carreto Maia e posteriormente à Cart 2732. Daí recordo o Carlos Vinhal (entre outros).

Mais tarde fui para Mansoa onde fiquei cerca de seis meses com a outra metade do Pelotão, dependente do BCAÇ 2885.

Findo esse período foi desativado o Pelotão, tendo ficado colocado na Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica em Bissau, até ao meu regresso em DEZ71.

Logo que oportuno voltarei ao contacto.

Um abraço
Ernestino Caniço


Mansoa > As velhinhas máquinas do Pel Rec Daimler 2208 do Alf Mil Ernestino Caniço.
Foto do ex-Alf Mil Sapador Montezuma da CCS/BCAÇ 2885


2. Comentário de CV:

Caro Ernestino Carriço, muito obrigado por quereres participar no nosso VI Encontro da Tertúlia da Tabanca Grande, fazendo-o já na qualidade de tertuliano.

Uma vez apresentado, esperamos de ti alguma colaboração, contando as tuas memórias enquanto CMDT do Pel Rec Daimler 2208 e enquanto colocado em Bissau na Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica.

Todos os testemunhos e fotografias são necessários, e para variar, daqueles que viram a guerra na perspectiva diferente da dos infantes que palmilharam aquela terra vermelha pejada de armadilhas feitas pelo homem e pela natureza. Pela foto acima verificamos que ninguém estava a salvo até porque as Daimlers eram mesmo inapropriadas para aquelas picadas e para as minas AC que as enxameavam.

Com a vinda, mais tarde, das Panhards, a situação melhorou um pouco até porque estavam melhor armadas e já metiam mais respeito aos nossos contendores. De qualquer modo, Daimlers ou Panhards sempre davam mais confiança quando iam na frente e/ou retaguarda das colunas auto.

Pelas tuas contas, suponho que estiveste em Mansabá até Maio ou Junho de 1970. O Cap Carreto Maia deixou-nos em Junho por ter terminado a sua comissão de serviço, por ventura mais ou menos quando tu foste para Mansoa.
Não tenho ideia do pessoal do Pel Rec Daimler 2208 e 2209, porque trabalhei a tempo inteiro na Secretaria de Comando até ao mês de Outubro de 1970, quando morreu o Alferes Couto. Não sei se te lembras dele. Era "bastante mais velho" do que nós porque tinha ultrapassado já os 30 anos. Curiosamente não tenho nenhuma foto dele. 

Se tens alguma ideia de mim é por me veres a trabalhar na Secretaria junto do Sargento Rita, responsável pela Companhia, e do Cabo Duarte.

Resta-me o envio do tradicional abraço de boas vindas em nome da tertúlia e dos editores, e a certeza de um abraço a sério daqui a dias em Monte Real.

O teu camarada de Mansabá
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 17 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8285: Tabanca Grande (284): Manuel José Moreira de Castro, Soldado da CCAÇ 2315/BCAÇ 2835 (Guiné, 1968/69)

Guiné 63/74 - P8307: Agenda Cultural (124): Na Kontra Ka Kontra, a blogonovela de 49 episódios, passada na Guiné, em Portugal, no Brasil, entre 1969 e 2010, agora publicada em livro, a apresentar em Monte Real (4 de Junho) e no Porto, Espaço Vivacidade (7 de Julho) (Fernando Gouveia / Luís Graça)








Capa e contracapa do livro Na Kontra Ka kontra (Encontros e desencontros). Porto: edição de autor. 2011.  Dedicatória autografada ao Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.






A. Duas mensagens de 11 do corrente, enviadas pelo nosso querido camarada Fernando Gouveia [, foto à esquerda, com a esposa,  Regina Gouveia, ambos membros do nosso blogue, na Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria,  IV Encontro Nacional da Tabanca Grande, 20 de Junho de 2009 ]:


(i) Luís, grande guru desta verdadeira irmandade personalizada pela Tabanca Grande e respectivo blogue: 

Como muitos camaradas, já por várias vezes referi que durante quarenta anos andei esquecido da Guiné e da guerra, e só agora fui infectado, como que por um vírus informático,  que, pelo menos comigo, não é da estirpe guerreira mas tão só daquela outra, ligada ao continente africano e sua gente. 


Pediste-me para escrever, para o blogue, meia dúzia de histórias e já lá vão cerca de quarenta. 

Revisitei a Guiné o ano passado e como tenho dito, “sabendo o que sei hoje, arrepender-me-ia para sempre se não tivesse ido”.  

Na sequência dessa visita surgiu, como por todos já é sabido, NA KONTRA KA KONTRA.  Muitos camaradas gostaram da estória, o que muito me sensibilizou. Também me incentivaram a continuar, com vista à publicação em livro. Assim o fiz. 


Agora, indo ao que verdadeiramente interessa, é preciso tratar da colocação dos livros junto dos leitores, tanto mais que o produto da venda se destina integralmente às crianças da Guiné-Bissau (ver carimbo na capa do livro). 


Como é sabido, actualmente é muito complicada a parte da distribuição. Quer distribuidores, quer livrarias só aceitam autores consagrados.  Assim sendo, penso fazer várias apresentações do livro, entre grupos de amigos, de camaradas, etc. Como primeira apresentação, entendo que não podia deixar de ser, a virtual, no blogue da Tabanca Grande. 

Venho pois pedir-te que consigas algum do teu pouco tempo disponível e sejas tu próprio a fazer essa primeira apresentação. Como deves entender, seria muito importante que acontecesse antes do nosso almoço anual em Monte Real, onde, mais informalmente teria lugar a segunda apresentação. 

Termino, dizendo-te que ainda não perdi a esperança que NA KONTRA KA KONTRA atinja o objectivo para que foi escrita [, a televisão]. 


Um grande abraço. 


Fernando Gouveia 



PS – Segue um livro pelo correio. 

(ii) Luís: Em complemento do e-mail anterior pedia mais o seguinte:

1 – Que indiques onde, a partir de agora, no Porto, se pode adquirir o livro.



Rua Alves Redol, 364-B, Porto 


 (traseiras do edifício com o nº 376/372)

(Telefone 220937093)


 2 – Que no mesmo espaço irá ser feita uma apresentação do livro, no próximo dia 7 de Julho,  pelas 17 h, que coincidirá com a abertura de uma exposição de fotografias do mesmo autor (oportunamente serão dados mais pormenores).



Um abraço

Fernando Gouveia
(Ex-Alf Mil Rec e Inf, Agrupamento nº 2957, Bafatá, 1968/70)


B. Comentário de L.G.:

Prometo escrever uma breve apresentação da obra, tal como ela merece, ela e o seu criador. Reli de um fôlego os 49 episódios que foram publicados diariamente, de segunda a sexta, no nosso blogue, durante semanas. Fico feliz por o Fernando Gouveia ter aceite a nossa sugestão de transformar esta originalíssima história de guerra e de amor em livro.  História (ou guião de um possível filme ou telenovela) que ele escreveu "debaixo da adrenalina acumulada durante a minha visita à Guiné-Bissau, em Março de 2010" (sic)-

Garantiu-me ele que os custos de produção ficaram por 3 euros e picos por exemplar, tendo o livro sido impresso em Espanha!!!... Tenciona vender o livro, com um preço de capa muito acessível, revertendo todas as receitas líquidas para um projecto de apoio às crianças da Guiné... Uma primeira apresentação pública (e venda directa) será feita por ocasião do nosso VI Encontro Nacional, em Monte Real, 4 de Junho próximo. 

Até lá, prometi escrever-lhe uma nota de leitura da obra, agora em livro, de 160 pp., profusamente ilustrado com fotos  do autor (dos anos 1968/70 e de 2010). O Fernando, como se sabe, foi Alf Mil Rec e Inf, em Bafatá (1968/70), tendo pertencido ao Agrupamento nº 2957, co0menado pelo então Cor Hélio Felgas.

A hora é de dar os parabéns ao promissor escritor que agora passa a concorrer lá em casa... com a consagrada Regina Gouveia. E é também a hora  de fazer votos para que alguém do cinema ou da televisão se "apaixone" por esta história, tal como me aconteceu a mim e a muitos de nós, leitores do blogue e fãs dos Na Kontra Ka Kontra, isto é, da vida que é feita de encontros e desencontros.

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Nota do editor:

Último poste da série  > 20 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8303: Agenda cultural (123): Lançamento do Livro: "Picadas e caminhos da vida na Guiné"


sexta-feira, 20 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8306: Blogpoesia (148): A vida e a morte na ponta de uma vara (Juvenal Amado)

1. Mensagem de Juvenal Amado* (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 18 de Maio de 2011:

Caros camaradas Luís, Carlos, Magalhães, Briote e restante camaradas da Tabanca Grande
A malta que passou por Galomaro tem uma página no Facebook onde, independentemente da altura em que lá estiveram, há uma constante e salutar troca de impressões, conhecimento e recordações.
Algumas dúvidas aparecem sobre este ou aquele acontecimento, que são prontamente esclarecidas. Também as fotos quartel de Galomaro no inicio da sua construção, se cruzam com as mais recentes. Também as Companhias de Cancolim, Dulombi e Saltinho têm sido largamente faladas, pois nós não podemos esquecer esses sítios, uns com mais bons momentos que os outros, na verdade mas mesmo assim relembrados aqui e ali.

Ontem o nosso camarada Luís Dias membro do blogue, com o qual acabei por dividir a construção deste texto, postou uma foto sobre a árdua e perigosa tarefa da picagem, neste caso do grupo de combate que vinha do Dulombi ao encontro da coluna que progredia de Galomaro.
Ao ver as fotos, achei graça porque eu tenho as fotos das picagem desta feita pelo Pel Rec da CCS, pois lhes calhou nesse dia fazer esse ingrato trabalho para a nossa segurança. O fotógrafo foi o mesmo sem dúvida nenhuma, o ex Furriel Carvalho do Dulombi segundo a informação do Dias.

Quem duvidará da coragem dos homens, que sabiam que um passo em falso seria a morte ou o ferimento grave que estava ali? Ainda se tinham que preocupar com as artimanhas e os avanços tecnológicos na arte de matar, que houve na evolução desse perigosos engenhos e com a esperteza dos «semeadores» que usavam por vezes o rodado mais de dentro ou mais de fora. Apanhavam assim as viaturas mais pequenas, com o rodado mais estreito que as Berliet. Penso ter sido o caso da que apanhou o nosso camarada Falé a caminho do Dulombi.

Assim as varas com a ponta em ferro foram substituídas por pontas em osso, chifre, ou simples madeira, para que as minas, denominadas de papel, não explodissem ao toque da ponta de metal (a ponta de metal furava duas placas de papel de prata/alumínio fazendo a ignição da mina).

Quem já tinha passado pela dolorosa experiência de ver morrer um camarada ou ver outro voar com a viatura, pensaria duas vezes a cada passada e cada espetadela da vara no chão.
Era o caso destes camaradas que já tinham passado por isso, mas a cada nova coluna, lá voltavam eles a pegar nas varas e tentar assim, que houvesse segurança para quem seguia um pouco mais atrás.

Camaradas do Dulombi a fazer picagem em direcção a Galomaro

Picagem

Picagem para o Dulombi

Picada do Dulombi no lugar do condutor Furriel do Dulombi


A VIDA E MORTE NA PONTA DE UMA VARA

A morte estava ali a cada passo
Não se podia ignorar
Não se podia recusar nem voltar atrás
Mão firme pensamento presente
A cada passada o arrepio do toque lúgubre
Era uma pesca mortal
Ao pescador não se era permitido errar
Quando regressar pagará aquela promessa
De repente a ponta resvala em algo
Um misto de orgasmo e terror
Percorre o corpo do infante
Estava ali, desta vez descoberta a malvada
Vamos rebentar com ela!
E desta vez a vida derrotou a morte.

A todos os camaradas que passaram por esta horrível, mas tão necessária prática.

Um abraço a todos
JA
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 15 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8276: Estórias do Juvenal Amado (38): Nunca até li tinha visto tantas mamas ao léu e tão bonitas (Juvenal Amado)

Vd. último poste da série de 6 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8233: Blogpoesia (147): Senhora Aparecida, freguesia de Torno, concelho de Lousada (Manuel Sousa)

Guiné 63/74 - P8305: Parabéns a você (262): José Manuel (...), ou Adilan, o meu menino da Guiné, fez 50 anos em Janeiro deste ano (Manuel Joaquim)

1. Mensagem de Manuel Joaquim, ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67, com data de 18 de Maio de 2011:

Meus excelsos e esforçados "camarigos" editores:
Tinha prometido noticiar uma possível festa de aniversário do Zé Manel* mas a promessa "varreu-se-me" e só agora, ao revisitar certos Posts deste blogue, me dei conta do facto.
Bom, aqui vai agora a crónica ilustrada. Vai atrasada mas julgo que ainda a tempo, tempo que se menoriza em relação à essência do ato, permito-me assim pensar.
Se a vossa opinião for pela não publicação, tudo bem, aceito-a pacificamente.

Um grande abraço do
Manuel Joaquim


ANIVERSÁRIO DE ADILAN

Meus caros “camarigos”:
José Manuel (...), ou Adilan, o meu menino da Guiné, fez 50 anos em Janeiro deste ano. Sua esposa e filha(o)s resolveram preparar-lhe (sem o seu conhecimento) uma festa de homenagem para comemorar a data. Para tal alugaram, por um dia, o salão do Grupo de Instrução Popular de Amoreira (Cascais).
Foi nesta simpática coletividade que se desenrolou uma bela manifestação de amor, carinho, amizade, companheirismo e consideração pelo aniversariante. A surpresa que lhe fizeram foi grande. Compareceram umas boas dezenas de amigo(a)s e familiares. Foi um dia lindo: apetitosa comida (a africana sobressaiu), música, dança, um sketch divertido e alusivo ao homenageado no palco do salão, canções com letra adaptada ao ato, etc.

Também eu, que não conhecia uma boa parte dos convivas, me senti muito envolvido naquela festa, tanto pelo alvo da mesma como pela estima e consideração de que fui alvo. Eu, o “culpado” primordial de todas estas vivências por ter trazido da Guiné este “menino”, já lá vão 44 anos! Olhem, senti-me bem, MUITO BEM!

Foto 1 - O nosso “Zé Manel” entre os padrinhos Deonilde e Manuel (minha esposa e eu).

Foto 2 - Com as suas duas manas de coração, minhas filhas.

Foto 3 - “Primos”, é assim que se tratam mutuamente: o filho e as filhas do aniversariante com a minha neta e os meus netos.

Foto 4 - O meu neto mais novo com o seu tio Zé Manel

Foto 5 – Reunidos em semi-círculo à volta do aniversariante, os convivas (vê-se uma terça parte) preparam-se para lhe entoar homenagens e cantar os “parabéns”.

A festa foi linda!

Olho, com ternura desmedida, para este menino de quatro anos, raptado no mato para ficar a conviver com gente estranha nos quartéis da Guiné (ele que nunca, antes, tinha visto um branco!).

Olho para este menino de seis anos subindo o Atlântico a caminho de uma aldeia de Portugal, onde se tornou no menino de uma camponesa, na casa dos 50 anos, que nunca antes teria visto um preto à sua volta. Camponesa madrinha que assumiu profundamente a sua proteção e educação, como se seu filho fosse.

Olho para este menino com dez anos, nos arredores de Lisboa, afrontando um ambiente urbano totalmente desconhecido, sem medos.

Olho para este rapaz de 17 anos a voar para a Guiné, sozinho, sem referências locais, sem família a recebê-lo, mas com o entusiasmo juvenil de quem sente que tem um mundo a construir e acredita que é capaz de fazer algo de útil, por si e pelo seu país natal.

Olho para este jovem de 25 anos, ainda acreditando nos “amanhãs que cantam”, a melhorar a sua formação académica em Berlim-Leste na mira de se tornar num quadro político e técnico capaz de ajudar a desenvolver a sua Guiné.

Olho para este homem aos trinta anos, um pouco desconsolado com o caminho que o seu país lhe parece percorrer, a vir visitar-me e a passar umas férias por cá para matar saudades dos seus tempos portugueses. Vem decidido a voltar mas as dúvidas sobre o caminho seguido na vida política guineense aumentam. Assim, decide só voltar quando for portador de identidade portuguesa. O BI de cidadão português demorou dois anos a ser-lhe entregue, a vida política e económica na Guiné degradava-se a um ritmo veloz, a caminho do desastre (que pouco tempo demorou a verificar-se). Nestas condições, e na sua situação, concordo que só um “maluco” regressaria. E o meu menino da Guiné por cá ficou.

Olho para este meu “menino” e penso como teria sido diferente a sua vida se eu tivesse impedido o seu regresso à Guiné, aos 17 anos. Seria melhor? Teoricamente, sim. Mas o meu Zé Manel também seria outro, forçosamente. E eu gosto deste. Um cidadão de corpo inteiro, íntegro, trabalhador, solidário, pobre mas “limpo” e de “espinha” direita, um grande pai de família, um grande amigo. E é ainda mais uma coisa, também é uma figura sempre querida da CCaç 1419, a cujos convívios não falta. Como costumo dizer, ele não é meu filho, nem sequer adotivo, mas é irmão das minhas filhas e tio dos meus netos.

Esperamos, eu o Zé Manel, estar em Monte Real no próximo dia 4 de Junho. Foi com prazer, e de imediato, que aceitou o meu convite.

Um abraço
Manuel Joaquim
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Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

12 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7597: Parabéns a você (201): Adilan, o menino que Manuel Joaquim trouxe da Guiné (Miguel Pessoa)

10 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7261: História de vida (32): Adilan, nha minino. Ou como se fica com um menino nos braços - 1ª Parte (Manuel Joaquim)

12 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7267: História de vida (33): Adilan, nha minino. Ou como se fica com um menino nos braços - 2ª parte (Manuel Joaquim)

Vd. último poste da série de 20 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8301: Parabéns a você (261): Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil da CART 2519 (Tertúlia / Editores)

Guiné 63/74 - P8304: Notas de leitura (240): O Meu Testemunho, uma luta, um partido, dois países, por Aristides Pereira (5) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Abril de 2011:

Queridos amigos,
Deambulação pelas quase 1000 páginas do testemunho, entrevistas e apenso documental à volta de Aristides Pereira está prestes a findar.
O livro de é de leitura obrigatória. Não descodifica os grandes enigmas porque os protagonistas teimam no silêncio e na dissimulação das respostas, quando interpretam os acontecimentos mais relevantes.
Dos intelectuais aos militares, parece que ninguém via um conflito insanável em torno de uma equação sobre a unidade de Guiné e Cabo Verde que foi criação exclusiva de Amílcar Cabral. Mas abre importantes pistas de trabalho que os historiadores de amanhã não poderão de descurar.

Um abraço do
Mário


O testemunho de Aristides Pereira (5):
Gérard Challaind, Idrissa Sow, Manecas, Oscar Oramas e Osvaldo Silva

Beja Santos

Gérard Challaiand foi um dos primeiros estudiosos ocidentais a interessar-se pela problemática das lutas de libertação africanas. Nos anos 60 chamou a atenção do público europeu para o que se estava a passar na Guiné. O seu depoimento é muito elucidativo, de acordo com a entrevista que lhe fez Iva Cabral, a filha de Amílcar. Começa por enquadrar historicamente as lutas de libertação a partir da II Guerra Mundial e observa os sistemas coloniais inglês, português e francês. Paris irá ser um farol para todos aqueles que lutam pela emancipação do jogo colonial e recorda o presidente do Senado de França, Gaston Monnerville, um africano. Igualmente Senghor aqui publicou a sua poesia em louvor de negritude. A ONU começara a dedicar atenção às lutas de libertação no final dos anos 50 quando o mapa das nações já era bem distinto daquele que levou à sua fundação. O PAIGC surpreendeu a opinião pública mundial pela personalidade de Amílcar Cabral, tido inquestionavelmente como um dirigente excepcional: pela sua capacidade de passar da ideia ao acto, pela estratégia de sensibilização das populações camponesas, dando-lhes confiança, misturando a guerrilha com a organização civil e depois a sua capacidade de diplomata. A sua projecção internacional tornou-se notória no discurso que ele pronunciou na conferência da Tricontinental. Para Challaiand, Cabral esteve sempre a altura de todos os desafios: pela surpresa de 1963, quando em escassos meses implantou a guerrilha em zonas estratégicas; quando soube ultrapassar o impasse militar anunciando a proclamação da independência, deixando Lisboa sem um só trunfo na arena internacional.

Indrissa Sow desempenhou funções militares durante a luta de libertação e veio mais tarde a ser embaixador da Guiné-Bissau em Conacri. Guineense, assistiu na juventude em Bissau à simpatia dos ideais nacionalistas, pôde presenciar o regresso dos militantes desterrados e os outros que terão sido aliciados pela PIDE. Nesta entrevista parece ser importante reter o que ele nos diz sobre os autores morais do assassínio de Cabral: o que me lembro é que quando o Momo (um dos assassinos) chegou a Conacri fizeram-se reuniões na Escola-Piloto e na cantina, onde Cabral apresentou Momo a todos nós. O Momo começou com conversas contra a unidade. Com essas conversas, as tensões foram aumentando em Conacri. Depois fui como comandante de bi-grupo para Beli e quando regressei senti que a tensão tinha aumentado. Falei com a Ana Maria Cabral sobre essas tensões em Conacri. Já não nos tratávamos como irmãos, cada um parecia querer apenas desembaraçar-se e viver a sua vida”.

Manuel dos Santos (Manecas) fala detalhadamente da sua vida de combatente, das relações entre cabo-verdianos e guineenses e comenta tanto o significado do 25 de Abril como as negociações de Londres que levaram à independência da Guiné. Sem hesitar, atribui a revolução do 25 de Abril aos guineenses, terá mesmo dito a Durão Barroso que ainda há uma dívida que os portugueses não pagaram à Guiné que é a dívida de eles terem o regime democrático: “Nós fomos os grandes actores do 25 de Abril, é sintomático o facto de todos os grandes comandantes do 25 de Abril terem passado por aqui”. Quanto às negociações que levaram à paz ele refere igualmente que elas não podiam falhar, argumentando assim: “Sabe porquê? Porque Portugal não tinha nenhuma capacidade de continuar a guerra, sobretudo aqui na Guiné. Nós tínhamos tirado ao Exército português a capacidade de continuar a guerra. Tenho algumas fotografias feitas na estrada de Farim, aquando dos primeiros contactos com a tropa portuguesa, a 2 de Junho de 1974. Os nossos soldados e os soldados portugueses já estavam a beber juntos. A partir daí, já não havia guerra que fosse possível”.

Oscar Oramas, antigo embaixador de Cuba em Conacri e que foi o primeiro estrangeiro a chegar ao pé de Amílcar Cabral depois do seu assassinato escreve uma carta a Aristides Pereira onde confirma todos os eventos que tiveram lugar após o assassinato do líder. Logo que soube que Aristides Pereira fora raptado contactou Sékou Touré e solicitou-se ao embaixador soviético que se fosse em perseguição das embarcações usadas pelos conspiradores no rapto do futuro secretário-geral do PAIGC. Oramas assistiu ao encontro entre Sékou Touré e os assassinos de Cabral. E escreve: “Eles confessam que tiveram uma discussão com Amílcar e que este não quis escutá-los, que teria havido violência e depois soaram os disparos. Eles quiseram evidenciar que existiam grandes contradições no seio do partido, que os guineenses estavam a ser preteridos e que havia um grande monopólio dos cabo-verdianos na direcção do PAIGC”.

E temos por último Osvaldo Lopes Viera, o operacional que preparou o bombardeamento de Guileje. Fala assim de Osvaldo Vieira: “Foi nos primeiros anos da luta um grande comandante. Mas a partir do momento em que se alcoolizou, passou a cometer muitos erros que deram lugar a frequentes críticas por parte de Cabral. Essas críticas, mal recebidas, foram transformando o Osvaldo num revoltado, com predisposição para entrar em pequenos complôs ou emprestar o seu nome para fomentar um clima de contestação a Cabral”. E refere-se assim a Nino: “No aspecto operacional era muito activo. Nunca entrámos em intimidades. Eu tinha a consciência de que havia entre os guineenses questionamentos quanto ao exercício do poder no pós-independência… O Nino tinha uma muito grande experiência da guerra, um conhecimento perfeito do teatro das operações e do inimigo. Gozava de muita autoridade junto dos combatentes”.

Protagonista de Guileje, conta assim a sua participação nas operações decisivas para a retirada das forças portuguesas: “Guileje era o quartel mais bem fortificado do sul. Cabral demonstrara a importância do quartel como peça mestra de um dispositivo que pretendia reconquistar o controlo da fronteira sul: “Se este quartel cai, todo o resto à volta também cai”. Cabral deu instruções no sentido de serem postos meios à minha disposição. Não dispondo de mapa da região, lancei mão de vários métodos para determinação dos dados de tiro. Procurei determinar as coordenadas geográficas das posições de fogo a partir da medição da altura do sol reflectido numa superfície de mercúrio a fazer de espelho. O método que acabou por funcionar foi o de levantamento topográfico, ligando posições distantes do quartel entre 4 a 12 quilómetros, de acordo com o alcance das peças que iríamos utilizar. Feito o levantamento topográfico, procedemos a vários flagelamentos, com vista a provocar a resposta do inimigo e podermos assim determinar o azimute do quartel. Atacávamos em noites de lua nova, quando se podia detectar com maior precisão o clarão da artilharia inimiga. Depois, era só pôr os dados no papel e resolver um problema simples de geometria. Igual trabalho foi efectuado relativamente a Gadamael e Quebo”. Depois relata o cerco e o uso da artilharia. Mais adiante, depõe com elevada coragem sobre as tensões surdas que minavam as relações entre cabo-verdianos e guineenses.

Esta ronda pelas entrevistas irá terminar ouvindo Rafael Barbosa e Silvino da Luz. Seguir-se-á uma curta viagem sobre o apenso documental, que é de uma enorme riqueza.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 17 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8286: Notas de leitura (239): O Meu Testemunho, uma luta, um partido, dois países, por Aristides Pereira (4) (Mário Beja Santos)