quarta-feira, 1 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8359: A rebelião das Caldas da Rainha, em 16 de Março de 1974, lembrada pelas fotos de Luís Sacadura

1. Mensagem de Juvenal Amado* (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 28 de Maio de 2011:

Caros Luís, Vinhal, Magalhães, Briote e restante Tabanca Grande
Este texto, o poema, bem como as fotos são testemunho de um tempo que foi um pesadelo que todos vivemos com maior ou menor intensidade.

Um abraço e até para a semana em Monte Real e aos que não poderem estar na nossa festa um até sempre.
Juvenal Amado


 O 16 DE MARÇO DE 1974 EM FOTOS

O meu Batalhão estava no Cumeré já a aguardar embarque quando se deu o levantamento das Caldas da Rainha.
Foi com natural apreensão que essas notícias chegaram até nós, pois já com 27 meses de comissão, os nossos receios viram eventuais atrasos no nosso embarque resultante da situação que se vivia na Metrópole.
Ainda foi alvitrado no gozo por alguém, que quando desembarcássemos nos seria distribuída novamente as G3 e ainda acabávamos na Serra da Estrela.

Quanto a mim juntava a essas preocupações o facto de o meu primo direito Luís, que era furriel miliciano e o Caetano, que era alferes miliciano, os dois de Alcobaça, estarem nessa altura a cumprir serviço militar no referido quartel e que decerto se teriam envolvido nos acontecimentos, de resultaram à volta de 200 prisioneiros.

O meu primo já estava em liberdade quando desembarquei em 4 de Abril, mas o Caetano só o vi depois do 25 de Abril quando foi solto.

Hoje quem lê sobre os acontecimentos os nomes de militares ligados à Guiné, são prova de que, o facto terem sido lá combatentes, assumiu um peso muito grande tanto neste levantamento como no 25 de Abril, que levaria por diante o derrube do regime.

Por último as fotos foram-me enviadas dos EUA pelo o meu primo com a devida autorização para as publicar.


ESTAR VIVO E NEM PODER PENSAR

As paredes estreitam-se
Formas estranhas e bizarras deslizam
A boca sabe a qualquer coisa orgânica
As mãos tacteiam um rosto desconhecido
A pernas não lhe pertencem
Os braços não lhe obedecem

Gritos ecoam pelos corredores
Na cabeça os pensamentos baralham-se
Não quer pensar em nada
Mas a vida passa-lhe em frente
É melhor não pensar em nada
Quando pensamos ficamos transparentes

O pensamento lê-se
O nosso cérebro projecta-o
Deixa-nos nus e indefesos
Noites de gemidos e silêncios
Alguém arreganhará os dentes
Já o tinham avisado que pensar é perigoso!

Falou? Não Falou?

Quando e se sair dali;
Andará cuidadosamente
Sentirá um arrepio em cada esquina
Não se olhará nas montras
À noite ficará de olhos abertos
Qualquer ruído será um sobressalto

Tentará parecer que nada aconteceu
Beijará sua mulher em privado
Nela saciará a sua sede
Responderá aos filhos que esteve doente
Não haverá escândalos nem choros
Voltará mais tarde à luta
Todos fingirão não saber
E não ousarão sequer pensar .

Juvenal Amado



O quartel das Caldas já cercado

Jeep com parlamentar governamental que será o Brigadeiro Pedro Serrano

Pelo aspecto já se estava no capitulo das ameaças

Preparados para defender o quartel

Posto com Reforço.

Tempo de incerteza

Oficiais revoltosos

Capitão Varela um dos comandantes da revolta

Luís Sacadura que me enviou as fotos

Serviço audio-visuais

Fotos: © Luís Sacadura (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8306: Blogpoesia (148): A vida e a morte na ponta de uma vara (Juvenal Amado)

Guiné 63/74 - P8358: Blogoterapia (180): Sondagem sobre a Tabanca Grande (Miguel Pessoa)

1. Daqui a dois dias entramos em reflexão e não será permitida a divulgação de sondagens pelo que desde já, e dentro dos prazos legais, aqui fica este exaustivo trabalho de pesquisa do nosso camarada Miguel Pessoa*... pessoa que dispensa apresentações.

SONDAGEM SOBRE A TABANCA GRANDE





Imbuído do espírito que nos últimos tempos tem originado uma série de sondagens efectuadas pelo nosso blogue, resolvi efectuar na minha rua uma sondagem à população local. O estudo era bastante abrangente e permitiu dar uma ideia aproximada do que pensam do blogue e dos bloguistas e do seu impacto na sociedade em geral. Foram entrevistadas 100 pessoas dos diversos extractos sociais, podendo-se dizer que a margem de erro não deverá exceder os 99%.
Os resultados valem o que valem. Alguns deles têm o seu quê de surpreendentes.

Assim:

- 90% acha que todos os bloguistas estão de alguma forma relacionados com a Guiné.

- 10% acha que há pessoal que lá anda que se enganou no blogue mas mesmo assim continua por lá a chatear.

- 57% acha que o Mexia Alves é Presidente da Câmara de Leiria, justificando a ideia com a sua presença imponente e o vozeirão que geralmente usa para expressar as suas ideias.

- 8% está convencido que ele orienta a selecção nacional de rugby, mas este número acaba por não ser representativo…

- 66% está convencido que o Carlos Vinhal é de Lisboa, pois estão habituados a ouvir dizer que ele é um mouro de trabalho (embora a expressão “mouro de trabalho” seja um bocado utópica, por ser difícil encontrar alguém nessas condições).

- 85% está seguro de que a Dina irá atirar o computador do Carlos Vinhal para dentro da banheira (com água, claro) no prazo máximo de 15 dias.

- 99% acha que o Miguel Pessoa devia reduzir a sua presença nos convívios e perder uns quilinhos. O 1% restante é do Miguel Pessoa, que também foi entrevistado, e que acha que ainda consegue papar mais alguns almocinhos antes de se retirar para férias.

- 76% pensa que o Luís Graça tem uma autocaravana ou pelo menos descontos significativos numa empresa petrolífera, dada a sua permanente deslocação ao longo de todo o país (e arredores). Em compensação deve ter um computador com uma óptima autonomia, pois não deixa de escrever para o Carlos sempre que o tempo lhe permite.

- 81% considera que o Virgínio Briote é um avatar do D. Sebastião pois, como sucede com este, todos continuam a aguardar pacientemente o seu regresso.

- 77% confundiu o trabalho do Eduardo Magalhães Ribeiro na EDP com as descargas das ETAR, argumentando que por vezes ele tem que limpar a porcaria que uns tantos atiram para o blogue.

Finalmente, 

- 100% confidenciaram-me que eu devia era fazer algo de útil e deixar-me destas m….. das sondagens, que são muito subjectivas e não levam a lado nenhum. Por isso fico-me por aqui…

Podem continuar a trabalhar – O intervalo acabou…

Abraço
Miguel
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 8 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8242: Agenda cultural (120): José Brás esteve na Feira do Livro de Lisboa, dia 7 de Maio de 2011 (Miguel Pessoa)

Vd. último poste da série de 27 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7871: Blogoterapia (179): Espero, para o ano, reformado, participar no VII Encontro Nacional da Tabanca Grande (Gumerzindo Silva, CART 3331, Cuntima, 1970/72)

Guiné 63/74 - P8357: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (42): Destacamentos: Augusto Barros e o Grupo das Ostras

1. Mensagem do nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 27 de Maio de 2011:

Amigo Carlos Vinhal
Cá vai novo apontamento de “Viagem à volta das minhas memórias”, que mais uma vez me fez reviver com prazer e saudade momentos temporalmente distantes, mas presentes no coração e na memória.
Um abraço para ti e outro para a Rapaziada que me possa vir a ler, com votos de saúde, serenidade analítica, independência e responsabilidade na decisão que se avizinha.
Luís Faria


Viagem à volta das minhas memórias (42)



Destacamentos:
Augusto Barros


Para a grande maioria da rapaziada da “FORÇA”, os tempos de maior incerteza teriam ficado para trás, pelo menos durante uns meses enquanto permanecêssemos distribuídos pelos destacamentos, a sul de Bula.

Mato Dingal e João Landim eram tidos de certo modo como seguros e de população fiável. A excepção era Augusto Barros onde tínhamos conhecimento de a população ser mais “fingida” e de já terem ocorrido flagelações.

A confluência dos Rios Có e Dingal com o Mansôa, configurava uma península onde Augusto Barros se localizava, o que daria (?) o nome a uma Ponta . Era um meio-burako a meu ver mal amanhado e onde beneficiações iam muito lentamente acontecendo. Por lá, e como já referi, ficaram estacionados em coabitação, o Comando e os 2.º e 3.º GCOMB.

O trabalho era o normal, feito em idênticas situações onde havia reordenamentos: Serviços ao destacamento, picagem, deslocações para abastecimento de água e géneros, umas emboscadas nos arredores, pequenas acções de patrulhamento de proximidade, observação, apoio à população, aulas à “canalhada” e não só e em especial tentar que o tempo passasse depressa, ocupando-o com actividades de lazer, intelectuais, desportivas ou outras, que no mínimo provocassem algum prazer individual ou colectivo, todas elas úteis para que as horas se transformassem em minutos.


O Grupo das ostras!

Como é mais que natural, uma das formas encontradas para atingir esse objectivo, eram as reuniões de Pessoal em redor duma mesa, onde a petiscada bem regada, era o mote e por vezes “a morte”.

Chouriças e outros víveres de “qualidade superior lusitana”, enlatados diversos e vinho "estacionados” na arrecadação, de quando em vez sofriam “golpes de mão”, o que criava atritos entre o 1.º Sargento Guerreiro e o meu bom amigo Belchiorinho, Vaguemestre que não gostando que se abusasse, fazia de conta olhando para o lado assobiando, muitas das vezes acabando por participar também na festança! Alentejano e amante das “bazucas” era e continua a ser um maravilhoso ser humano, sempre bem aparecido e acarinhado por todos.

Para além destas reuniões comuns e despretensiosas, de quando em vez juntava-se uma meia dúzia de “privilegiados”, o denominado “grupo das ostras”.

A plena carga de ostras de um “burrito” (Unimog 411) era “tratada” com carinho por competentes entendidos, para vir a ser apreciada pelos convivas reunidos à volta da mesa na messe, onde profusamente se apresentavam as “bazucas”, frescas insubstituíveis e sempre renovadas, qual “Fénix doirada“.

Citrinos temperadores em presença eram “esganados” delicadamente de modo a verter os seus sucos sobre os moluscos bivalves, condicionando-lhes o paladar a gosto.

Pelos meandros de risadas e conversas normalmente “ importantes e intelectualizantes” dos convivas, onde o calão se perfilava e a retrospectiva e futurologia analíticas podiam ter lugar, os “esqueletos externos” dos moluscos e das loirinhas, iam-se acumulando por tudo o que era espaço disponível, em montes cada vez maiores, na razão inversa da quantidade do motivo do convívio que ia gradualmente diminuindo e na razão directa das barrigas dos aderentes que se avolumavam e enrijeciam, sendo os esvaziamento de fluidos corporais cada vez menos intervalados, mais relaxantes e fontes de prazer, enquanto iam passando horas alapados naquela luta tenaz que a alguns ia levando aos limites e à consequente desistência .

Mais mortos do que vivos, de barrigões empedernidos, palavra arrastada e olhares brilhantes de vitória, satisfação e não só, era chegada a hora dos uísques e cafés em multiplicidade, na tentativa de um desejado e bem vindo “amaciamento” da digestão e optimização da circulação sanguínea e não pedonal, esta afectada com certeza e dirigida para a horizontal.

Que o digam os Fur Mil Castro, Almeida, Urbano, Belchiorinho (sempre agarrado à “bazuca”) o Alf Mil Freitas Pereira e outros não tão “empenhados”.

Luís Faria
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 30 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8185: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (41): De volta a Bula - Destacamentos

Guiné 63/74 - P8356: Parabéns a você (266): Agradecimento de Mário Beja Santos

1. Mensagem de hoje, 1 de Junho de 2011, do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), que ontem esteve de parabéns:

Meus queridos camaradas,
Tive ontem um dia muito feliz, começou logo com as vossas trombetas no blogue. Trabalhei, participei nas jornadas da Comissão Portuguesa de História Militar onde o Dr. Carlos Valentim, oficial da Armada, e que prepara o doutoramento sobre a obra o do almirante Teixeira da Mota me deu a saber que encontrara numa das caixas da correspondência do distinto historiador um maço de correio que eu lhe enviei do Cuor, com poemas e tudo. Fiquei tão emocionado que a minha intervenção reflectiu depois essa notícia. E no final recebi um abraço do Humberto Reis, ele é um dos principais responsáveis por eu ter chegado ao blogue, aquela fotografia com a capela de Bambadinca mudou o curso dos acontecimentos da minha vida, em 2006.

Agradeço oferecendo-vos a todos este textinho que saiu assim, de rajada e que passa a pertencer-vos a todos.

Agradeço o telefonema do Luís e a mensagem do Carlos Vinhal, pelo ânimo que me deram, preparando o caminho para a alegria dos vossos cumprimentos.

Não sei meter este texto no comentário, o Carlos faça como entender.

Com gratidão,
Mário


Guiné-Bissau > Zona Leste > Bambadinca > 1997 : A velha Capela de Bambadinca.
Foto: © Humberto Reis (2005) (com a colaboração do (Braima Samá)


Nós, os que viemos depois de Nuno Tristão

Beja Santos

Nuno Tristão chegou numa barca de 40 toneladas, saída de Lagos, em Junho de 1446, ia abrir caminho à primeira colónia moderna do mundo, a última que os portugueses julgavam ter pacificado, em1915. Dobrou o Cabo Verde, numa região que durante séculos foi conhecida por Senegâmbia, estava uma manhã soalheira e calma, as águas tinham uma coloração verde amarelada, o vigia, no cesto da gávea, gritou: almadias à vista!

Não eram embarcações, eram tufos de vegetação, a barca singrou por entre essa vegetação luxuriante, ladeou a costa, progrediu para sul, apontou para um rio largo, aproveitando uma maré favorável, num estuário amplo o tripulante descobriu dois rios. Apontou para a esquerda, foi nisto que se ouviu o fragor de trovões, era Junho o mês dos tornados e dos dilúvios tropicais, ouviam-se estrondos medonhos, estarrecida a marinhagem olhava para um céu umas vezes escuro outras vezes glauco, coriscos e trovões sucediam-se ininterruptamente. Depois tudo acalmou, o rio entrara na vazante, seguiu-se imprevistamente uma ondulação rumorosa, o macaréu. Nuno Tristão chegara ao Geba estreito. O Geba estreito onde vivi dois incomensuráveis anos. E definitivos.

Nós fazemos parte daquela falange que em noites de calor húmido, dentro de rolos de serpentina de vapor, ou no Geba de prata escura, pela manhã, aportámos num local chamado Pidjiquiti e daqui partimos para essa vegetação luxuriante, para aqueles tornados, talvez para ilhas, múltiplos pontos ermos numa Guiné que se transformara, na sua beleza labiríntica de tufos luxuriantes, de florestas tropicais, numa densíssima plataforma de guerra.

Viajámos, acampámos, serpenteámos entre lalas e bolanhas, chapinhámos no lodo viscoso, conhecemos gentes de sorriso largo, de pele escuríssima ou acobreada, subimos e descemos nas peças do mosaico etnográfico mais surpreendente do mundo, conhecemos povos tatuados, adornados de contaria, braceletes em alumínio e ferro, com anéis, amuletos, trabalhando a ráfia, as madeiras perfumadas, imolando animais para aplacar as fúrias dos irãs. Ouvimos tocar o korá, fomos picados por biliões de insectos, vimos os anos reduzidos a duas estações, vimos homens a caminhar como reis e mulheres a saracotearem-se como deusas de um olimpo vegetal. Olhámos a arrozais, campos de mandioca, de fundo, de feijão, vimos viajar as perdizes, as chocas, os flamingos. Dentro do arame farpado ouvimos hienas e onças, até javalis, dizem mesmo o brado dos elefantes. E combatemos rodeados pelas geobotânica mais frondosa dos jardins botânicos que África dispõe. Com espingardas metralhadoras, bazucas e morteiros, cirandámos entre o pau-conta, o pau-sangue e o pau-incenso, rasgámos a pele na alfarroba de lala, subimos e descemos caminhos de saibro assente em laterite pura, daí a Guiné ser um misto de verde que desponta num solo incendiado fendido por água enlameada.

Fomos os últimos viajantes depois de Nuno Tristão, este fora precedido por Gil Eanes, que dobrara o Cabo Bojador, deitando por terra a lenda do mar tenebroso. Fomos intrépidos, lacrimejámos, pusemos cruzes nos dias do calendário, ouvimos o grito dos moribundos e o trovão dos palavrões dos últimos adolescentes da nossa geração. Hoje estamos aqui, confraternizando numa mesa que reunirá mesmo depois do último de nós fechar os olhos. Porque esta mesa é a história e há deveres de memória que não morrem. Ponto final.

[Negrito da responsabilidade do editor do texto]
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Nota de CV:

Vd. postes de 31 de Julho de 2011:

Guiné 63/74 - P8348: Parabéns a você (264): Mário Beja Santos, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52 (Tertúlia / Editores)

Guiné 63/74 - P8349: Parabéns a você (265): Pedido de livro emprestado... ou a fome de livros do nosso camarada Beja Santos, em dia de aniversário (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P8355: Memória dos lugares (156): Cutia em 1966, aquando do alcatroamento da estrada Mansoa-Mansabá (José Barros)

1. Mensagem de José Ferreira de Barros* (ex-Fur Mil At Cav, CCav 1617/BCav 1897, Mansoa, Mansabá e Olossato, 1966/68), com data de 26 de Maio de 2011:

Caro amigo Carlos:
A Vida em Cutia não foi fácil.
A construção da estrada Mansoa-Mansabá deu-nos o suor pela testa.
O IN não nos largava.
As condições de habitabilidade também foram bastante difíceis.

Envio algumas fotografias de Cutia que farás com elas o que muito bem entenderes

Um grande abraço
José Barros


CUTIA, 1966 - ALCATROAMENTO DA ESTRADA MANSOA-MANSABÁ

Cutia, 1966 > Barreira de Controle de passagem de colunas de Mansabá-Mansoa, com vista do aquartelamento.

Cutia, 1966 > Cozinha de campanha

Cutia, 1966 > Forno onde se cozia o pão para a Companhia ali instalada

Cutia, 1966 > Lado da estrada para o abrigo

Cutia, 1966 > Visita do Comandante Chefe e Governador da Guiné ao aquartelamento. General Arnaldo Schulz acompanhado pelo Capitão Torres Mendes, CMDT da CCAV 1617

Cutia, 1966 > Traseiras do abrigo

Cutia, 1966 > Pavilhão do Refeitório. Ceia de Natal. O Comandante da CCAV 1697, Capitão Torres Mendes a dirigir algumas palavras de ocasião

Cutia, 1966 > Hora da refeição. Bicha de pirilau para ir à cozinha de campo buscar a paparoca porque ainda não tínhamos barracão para refeitório

Cutia, 1966 > Vista parcial da tabanca de Cutia. Do lado contrário ficava o aquartelamento. O alcatrão ainda aqui não tinha chegado.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 21 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8148: Convite (9): Amigo Frade junta-te a nós para partilhares, lembrares e reviveres histórias por que passamos naquela saudosa terra (José Barros)

Vd. último poste da série de 8 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8243: Memória dos lugares (155): Bedanda 1972/73 - A Mulher, Menina, Bajuda de Bedanda (2) (António Teixeira)

Guiné 63/74 – P8354: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (12): Baile de Fim de Ano na Associação Comercial, mesmo ao lado do Palácio do Governador

1. Mensagem de Rui Silva* (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 26 de Maio de 2011:

Caríssimos Luís e Vinhal:
Recebam as maiores saudações, extensivas ao amigo Magalhães Ribeiro e outros co-editores e colaboradores deste extraordinário e insuperável Blogue.

Destas vez vai um “salpico cor-de-rosa” das minhas memórias.

Um abração
Rui Silva

Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.

- Uma história de “Guiné minha”-

-Dos tais Salpicos cor-de-rosa das minhas memórias “Páginas Negras com Salpicos cor-de-rosa”-

Baile de fim d’Ano (1966/67) na Associação Comercial em Bissau, ali na Praça do Império mesmo ao lado do Palácio do Governador.

Eu e um amigo meu do Porto, militar também, bem enfarpelados, entramos logo atrás do Schultz, pois então!

Estávamos em 31 de Dezembro de 1966 e havia passagem de Ano na UDIB e na Associação Comercial, pelo menos; também no Benfica e no Sporting. Deste ficaram as saudades das Verbenas e o “Penalty” na barraca, ao altifalante, sempre a dizer e a malhar no mesmo, até dizer chega: “Gatão é um gato com uma bengala na mão”. Vendia ou sorteava o vinho Gatão. Sala para um pezinho de dança também, e bem frequentada. A loira do Taufik Saad também.

O edifício da Associação Comercial, era um edifício de linhas modernas com um bom salão de jogos no rés-do-chão, do lado direito, e, atrás, virados para a estrada que ligava o Quartel da Amura cá em baixo junto da marginal para Santa Luzia lá em cima, onde estava o Quartel General, serviço SPM e outras instalações militares, estrada alcatroada e marginada de mangueiros, havia 1 ou 2 bons campos de ténis.

Fachada principal da Associação Comercial, vista do lado da Praça do Império e de junto ao Palácio do Governador
Foto reproduzida do ACTD (Arquivo Científico Tropical Digital, com a devida vénia

Vista da Associação Comercial do lado de trás, isto é, do lado da estrada que ligava o quartel da Amura, cá em baixo, até Santa Luzia onde estava o Quartel General e outras instalações militares. Campo de ténis em primeiro plano.
Foto reproduzida do ACTD (Arquivo Científico Tropical Digital, com a devida vénia

Quando se passava lá era olhar e andar. Aquilo era tabu para nós. A nossa vida era no mato aos tiros.
Só que na passagem de ano eu e o meu conhecido há pouco, armamo-nos em finos e apostamos no baile na Associação.
Boas instalações. Vida boa para o colono e militares de patente super. Também se viam lá negros, mas… a servir à mesa.

Então eu e o meu amigo do Porto, como já disse, conhecido (há pouco), do Hospital Militar de Bissau, onde estávamos internados, eu por uma lesão no joelho, vestidos a rigor, camisa branca “casca d‘ovo” que muito se via por lá, brancas e azuis clarinhas, diziam que vinham de Macau, gravata à maneira e fato tirado do fundo da mala, com vincos saturados nas dobras, agora bem disfarçados com a ajuda dos joelhos, e então escolhemos tentar a sorte na Associação. Era mais chique.

Tanto eu como o meu amigo apostamos com parada alta.

Cerca das 23 horas aproximamo-nos da entrada, um pouco timidamente e era só saber como é que havíamos de entrar, o que se antevia difícil. Fardados bem à civil estávamos nós, mas isso podia não chegar.

Até que chega de automóvel o dono da Ancar. Estabelecimento e fabricante (?) de artigos de livraria ali em Bissau, julgo que nas imediações do mercado. Parecia-me ser cabo-verdiano e como era empresário… devia ser mesmo.

“Alto (!)” é agora, pensei. Eu quando vinha a Bissau defendia as cores da Ancar em Andebol de Sete e portanto era aqui a grande chance. E ali o meu presidente mesmo à mão.

Dirigi-me a ele a dizer que era uma atleta da Ancar o “grande” guarda-redes de andebol e ele, sim, disse que me conhecia bem, mas, mais palavra menos argumento, “mandou-me prá bicha”, que não era ele que mandava, etc. e tal, que tivesse paciência, que era afinal o que nós tínhamos menos na altura, digo eu.

As equipas da Ancar e do Benfica antes de um jogo. Sou o 2.º em pé e a contar da esquerda. Ringue nas instalações do complexo desportivo Sarmento Rodrigues em Bissau, onde também se jogava o basquetebol. E ao lado o campo de Futebol, onde os Fuzileiros e os Páras eram assistentes com muita rivalidade. Não raras vezes havia refrega…

Recorte de um jornal, julgo que trissemanário, na época (1966) na Guiné. Este recorte jornalístico é posto à evidência, apenas para que algum nome nas equipas recorde com saudade o evento.

Pronto, gorada aquela que me parecia ser uma grande hipótese!

Passa-se mais alguns minutos e já pertinho da meia-noite eis que chega um grande carro (Mercedes?) preto e sai de lá Arnaldo Schultz, o Governador, com comitiva e com grande pompa.

Entrou com as devidas honras. Recebido, julgo, por elementos da Comissão organizadora, um casal de brancos, muito elegante, meia-idade. Subiram os degraus para o piso superior (Salão de Festas) e tudo voltou ao normal, isto é, o porteiro indígena, de luvas brancas e uma secretária (mesa) à sua frente e ali perto dois maduros desenfiados do HM 241, que não desarmavam.

- Vamos dar qualquer coisa ao preto e ele deixa-nos entrar.

- Não, isso pode ser pior - respondeu o outro.

- Carago, o que havemos de fazer?

Estávamos ali a cogitar quando nos saiu a taluda!

O porteiro dirige-nos e pergunta se nós éramos os convidados do Sr. Virgílio.

- Somos, somos - dissemos a uma só voz.

- Já podiam ter dito. Façam o favor de entrar.

Antes que houvesse alguma dúvida galgamos os degraus de acesso ao salão sem antes termos esbarrado no porteiro que queria a nota, e entramos no Salão de Festas com aparente calmaria e de peito inchado.

Caiu a meia-noite!

Ainda hoje estou por saber quem era esse Sr. Virgílio, ou se foi uma bela jogada do preto que viu ali uma rara oportunidade para ganhar algum, pois mal ele nos abordou e ao ver-nos passar por ele como flechas teve tempo de estender a mão e não era para nos cumprimentar, sabíamos nós. Lá que ficamos os três bem na fotografia lá isso foi verdade e ninguém saiu a perder.

Olha que dois! Ou que três!

Passado o reconhecimento do terreno já estávamos a dançar, cada um com o seu par, claro.

No salão, encostada a uma das paredes laterais, estava um mesa bem decorada com leitão, cabrito e mariscos variados com a lagosta a sobressair de diversos comes bem apetitosos.

Era para nós o segundo golpe de mão!

Vista do Salão, no 1.º andar, na Associação Comercial. Ao fundo o palco aonde actuou um conjunto jovem cabo-verdiano cujo nome (sugestivo) me escapa, na dita Pasagem d’Ano (1966/67)
Foto reproduzida do ACTD (Arquivo Científico Tropical Digital, com a devida vénia

À hora da mesa, aproximamo-nos e um pouco timidamente comecei então a puxar pelas barbas de um camarão fazendo-o aproximar da minha zona, e para dentro do arame farpado, a que ele logo gentilmente acedeu. O meu amigo, noutro ponto estratégico, fazia-se rogado, mas por pouco tempo. Vencidas as “sentinelas” comemos bem a nossa parte. Lá no hospital o rancho era bem diferente.

Bela noite. Um sonho realizado em palco de guerra.

Saímos já madrugada alta e viemos por a Avenida abaixo. Passamos por a UDIB e o baile também estava a terminar. Ainda deu para ver porrada à porta. Afinal a porrada estava na moda por toda a Guiné.

E pronto, foi regressar ao HM e tudo voltou à normalidade. Aí, farda branca, de algodão fininho, e havaianas. Rancho do hospital, servido à mesa, mãos no pão, na fruta, e todo o mais, (não me esqueço que na altura que o soube andei com náuseas uns dias) nada mais nada menos que servido pelo Cabo que na morgue, atrás do Hospital, lavava os mortos e os punha nas urnas. E esta!

No HM241 um grupo de camaradas (Furrieis) de ocasião, ali internados por várias razões - cada um com o seu problema -, no terraço no 1.º andar daquela unidade hospitalar. Eu estou sentado no muro.
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Notas de CV:

(*) Vd. último poste de 11 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8257: Convívios (329): Convívio da CCAÇ 816, dia 7 de Maio de 2011, em Barcelos (Rui Silva)

Vd. último poste da série de 2 de Março de 2011 > Guiné 63/74 – P7887: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (11): Operação Gamo à base inimiga do Biambe

Guiné 63/74 - P8353: Notas de leitura (243): Província da Guiné, 1972, publicado por Agência-Geral do Ultramar (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Maio de 2011:

Queridos amigos,
Isto de difundir informação fingindo que os territórios só estão a ser perturbados por meras acções de policiamento, acarreta dislates e informações cómicas ou completamente desfasadas da realidade.
O que gosto mais neste documento monográfico da Agência-Geral do Ultramar são as ilustrações a preto e branco: o Pidjiquiti, os vestígios da derradeira sumptuosidade de Bolama, o dispensário do Mal de Hansen, a Sacor, as pontes sobre o Mansoa e o Geba.
Verdadeira preciosidade é o centro telegráfico de Bissau, bem como o Grande Hotel, hoje reduzido a escombros.

Um abraço do
Mário


Província da Guiné, 1972: entre a realidade e a ficção

Beja Santos

Com regularidade, a Agência-Geral do Ultramar difundia sínteses monográficas das províncias ultramarinas ou documentos mais elaborados. Há distância de cerca de 40 anos, poderá ter utilidade apreciar o conteúdo do que se entendia ser mais pertinente para difundir juntos dos leigos: a história, a geografia, a administração, a educação, o ensino e a cultura, saúde e assistência, actividades económicas, nomeadamente.

O resumo histórico referia haver pouco conhecimento da Guiné antes da chegada dos portugueses, o que era inteiramente verdade, mesmo sabendo-se da ligação do território aos antigos impérios sudaneses, mais tarde ao império do Gana e depois o do Mali. A resenha histórica alude às etnias, populações localizadas mais ou menos como na actualidade de há 40 anos atrás: Balantas, Felupes e Baiotes, Banhuns e Cassangas, Cobianas, Manjacos, Brames e Papéis, Bijagós, Beafadas, Nalús, Bagas e Landumãs e Mandingas. A grande novidade que irá ocorrer com a chegada dos europeus é a presenças dos Fulas, que irão ter uma presença predominante no Leste.

A exposição sobre os elementos físicos e humanos é irrepreensível, dá o devido destaque à especificidade hidrográfica e a natureza do clima, descreve as vulnerabilidades do solo e subsolo (as couraças inertes de Boé, a erosão mecânica, a pobreza de grande parte dos solos, o endurecimento da camada superficial, a lateritização e cimentação ferruginosa; nada a dizer sobre a fauna e flora. Passando para a demografia, silêncio total sobre tudo quanto se passava com a chegada da guerra. A desigual concentração populacional é atribuída a factores geográficos, humanos e económicos e as migrações devem-se ao tipo de culturas itinerantes, à cultura da mancarra no Senegal e na República da Guiné.

Enuncia-se o enquadramento administrativo, omitindo como a administração estava profundamente cruzada pela presença militar e como esta invadia as esferas do ensino, da investigação, da saúde e da difusão cultural. Os dados sobre os planos de fomento e rendimentos não afloram nem ao de leve, tudo quanto estava a acontecer nomeadamente a partir de 1963. Uma curiosidade no tocante à caça. Escreve-se o seguinte: “A caça grossa é rara, como sucede com o elefante e o leão. Abundam as onças e os pequenos antílopes. No Sul encontram-se, em pequenas manadas, os búfalos. De entre os animais cuja caça é proibida contam-se: abutres, corvos, serpentários, mochos, corujas, cegonhas, garças, noitibós, andorinhas, etc. São ainda protegidos: chimpanzé, elefante, alguns macacos, jabiru”.

No mapa das estradas, Beli e Madina do Boé (abandonadas depois da chegada de Spínola) aparecem ligadas a Nova Lamego. Na rede de navegação fluvial, diz-se que o maior movimento se verifica no troço Bissau-Bafatá, era por ele que passava grande parte da mancarra de Geba e Bafatá (como é de todos sabido, o Geba estreito só era navegável até Bambadinca, daqui até Bafatá estava completamente interdito por razões elementares de falta de segurança). A única nota dissonante aparece em torno do turismo: “A província tem magníficas condições para certo tipo de turismo, sobretudo o que se processa a partir da caça e das praias e das manifestações folclórico-etnográficas. No entanto, o interesse que ultimamente as potencialidades turísticas estavam a despertar depara-se agora com a perturbação provocada pelo terrorismo desencadeado a partir dos territórios vizinhos”.

Para que conste, para que os estudiosos tomem em consideração esta difusão de informações na Guiné de 1972.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8335: Notas de leitura (242): O Meu Testemunho, uma luta, um partido, dois países, por Aristides Pereira (6) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P8352: Blogpoesia (150): A todas as crianças do mundo (Felismina Costa)





Guiné-Bissau > Bissau > 17 de Dezembro de 2009 > 17h46 > Crianças de um tabanca dos arredores de Bissau, numa tarde em que o João Graça foi ouvir (e tocar com) os Supercamarimba, um grupo de música afrio-mandinga que está ligado a tabanca de Tabatô, perto de Bafatá, e que tem actuado em Portugal. (Merece ser melhor conhecido e divulgado).



Fotos: © João Graça (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


 1. Mensagem da nossa tertuliana Felismina Costa* , com data de 1 de Junho de 2011:


Caro Editor e amigo Carlos Vinhal!
Resolvi, à última hora, enviar umas palavras às nossas crianças, visto ser hoje, "o seu dia".
Sei que o mundo em que vivemos, não oferece grandes condições à maioria, mas, em cada um de nós, existe capacidades infindáveis para revolucionar.
Acreditar, é crescer feliz!


Um abraço
Felismina Costa




A todas as crianças do Mundo…


Acredito em ti, criança!
Acredito em ti!
E, em quem mais poderei acreditar?
Pois se os jovens já se perdem de intemperança
Dos adultos… nem é bom falar!


Dos velhos, o que podemos esperar?
A experiência, o conhecimento
Que chegam no fim da vida?
Muito importantes… tão importantes…
Que é com eles, que deves governar…


Aceita, criança de hoje,
O vivido conhecimento de teus avós,
Feito de enganos e desenganos,
Feito de uma sucessão de dias e de anos
Que compõem os manuais da sabedoria…


Procura, neles, a melhor forma de viver
E partilha com outros o teu saber.
Faz com que o mundo, seja mais belo,
Faz com que a vida valha a pena ser vivida…
Criança, quando nasces… nasce a vida!


Pára, criança, para ouvires
O que a vida ensinou a teus avós,
Escuta a voz da dor, da alegria,
A voz da esperança a renascer,
Do saber, aprendido, em cada dia.


Ouve-o falar do que viveu.
Do que sofreu e aprendeu.
Ouve-o falar do tempo atrás.
Segue em frente na luta por um mundo melhor!
Sei que se quiseres… és capaz!
Sei que se quiseres… conseguirás!


E deixa-me ser também, essa criança…


Felismina Costa
Agualva, 1 de Junho de 2011
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Notas de CV:


(*) Vd. poste de 26 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8330: As mulheres que, afinal, também foram à guerra (12): Tão sinceras e tão ingénuas as minhas cartas de madrinha de guerra, entre os meus 15 e 19 anos (Felismina Costa)


Vd. último poste da série de 25 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8325: Blogpoesia (149): Hino à Terra (Felismina Costa)


terça-feira, 31 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8351: Tabanca Grande (290): Aura Emília Rico Teles, ex-Tenente Enfermeira Pára-quedista (1963/1984)

1. Com a preciosa ajuda do casal Giselda e Miguel Pessoa contamos na tertúlia com mais três Enfermeiras Pára-quedistas, além da nossa veterana Giselda, claro, a Rosa Serra, a Maria Arminda, e a Aura Teles que agora se apresenta.

É para nós uma subida honra contar entre a tertúlia com quatro representantes de um grupo generoso de senhoras que, parecendo não ter mais nada para fazer na vida, se lembraram um dia de que podiam pôr ao serviço dos militares que combatiam em Angola, Guiné e Moçambique, os seus conhecimentos e sua capacidade de ajudar nos momentos de infortúnio, quando mais precisavam de uma palavra meiga para além do tratamento das feridas corporais.

Levantemo-nos pois, porque vai entrar uma senhora. Mais um Anjo da Guarda.

[Acrescente-se que a Aura Teles é também um das oito ex-enfermeiras pára-quedistas que entra no filme Quem Vai  à Guerra, da realizadora Marta Pessoa, a estrear em Lisboa, Porto e Aveiro, no próximo dia 16].


Aura Emília Rico Teles
Ex-Tenente Enf.ª Pára-quedista
Natural de Vendas Novas
Profissão: Enfermeira (Aposentada)
Ingresso na Força Aérea Portuguesa no curso de Enfermeiras Pára-quedistas em Agosto 1963.

Datas precisas e concisas ao rigor do dia e do mês como têm a Maria Arminda, isso eu não tenho assim tão prestigiada memória, mas prometo dar o meu melhor.


1963 — Fui para Tancos e ingressei no curso de pára-quedismo.

Em Novembro fui para o Hospital da B.A.4 (Terra Chã) Ilha Terceira, Açores com todas as enfermeiras que acabaram o curso de pára-quedismo.

Eu por acidente fracturei uma clavícula a oito dias do primeiro salto em pára-quedas “com recruta terminada” não acabei o curso claro.

Estive nos Açores um ano.

1964 — Em Setembro regressei a Tancos para finalizar o curso.

1965 — Colocada na Guiné-Bissau na B.A. 12.

No dia seguinte comecei logo a fazer evacuações na província e todas as semanas uma enfermeira transportava feridos para Lisboa.

1967 — Voltei aos Açores, Hospital da Força Aérea para trabalho nas enfermarias, quarto de queimados e bloco operatório.

1968 — Guiné-Bissau, colocada novamente.

Nessa altura já ia muito mais à vontade e segura do que ia encontrar e contente por voltar à Guiné-Bissau. Foi a unidade onde mais gostei de trabalhar. Era lá que me sentia útil e era muito gratificante quando trazíamos militares, civis e até “os chamados inimigos” para Bissau, Hospital Militar.

1969 — Angola onde estive seis meses no B.C.P. em Belas e os outros seis meses na Direcção dos Serviços de Saúde em Luanda.

1970 — Moçambique onde fui colocada na 3ª Região Aérea.

Destacada de seguida para Nampula, onde fiquei seis meses e os outros seis meses trabalhei na Direcção dos Serviços de Saúde em Lourenço Marques.

1971 — Guiné-Bissau novamente. Estive lá um ano e meio.

1973 — Angola, colocada na Direcção dos Serviços de Saúde em Luanda.

1975 — Regressei ao Hospital da Força Aérea Portuguesa, Lumiar Lisboa.

1984 — Passei à reforma por incapacidade física.

No fim de uma década de vai e vem, saltitando de província em província, graças a DEUS que terminou o sofrimento de muitos jovens, pais, filhos, esposas e até avós, com o regresso a casa dos seus entes queridos.

Os que lá tombaram, esses estão de pé nas nossas memórias para sempre.

Foi duro demais para nos esquecermos DELES e de uma colega nossa CELESTE [PEREIRA] (*). PAZ ÀS SUAS ALMAS.

De facto vivemos situações muito frustrantes, querer salvar todos mas era impossível, resta-nos o conforto que trouxemos a muitos camaradas vivos do mato para o hospital militar de Bissau.

Essa sim é a nossa glória, sentir que cumprimos o que nos propusemos, utilizando todo o nosso saber com humanismo, carinho para que cada situação a tratar fosse menos dolorosa, procurando não só cuidar do corpo mas também do espírito.

Os nossos cuidados estenderam-se a todos que deles precisavam, nomeadamente os militares das forças armadas, seus familiares, populações civis e repito até o “ inimigo”.

Bem…. é uma alegria interior tão grande que só por quem lá passou pode senti-la.
Mas nem tudo foi mau e stressante, também tivemos momentos inesquecíveis com amizades que fizemos e que ainda hoje perduram.

Com verdade vos digo camaradas… sinto-me orgulhosa de todo o trabalho que fiz, “porque fiz o meu melhor” e muito em especial na Guiné.

Foi na Força Aérea que cresci e me orgulho de pertencer a esta organização e tenho “vaidade” de ter sido enfermeira pára-quedista e muito amor à minha boina verde.


Tenente Enf.ª Pára-quedista Aura Emília Rico Teles

Curso de Pára-quedistas de 1964


Guiné 1965 > Uma evacuação

Luanda 1967


PÁRA-QUEDISTAS

Se o ter asas simboliza a liberdade
Que a vida nega e a alma precisa
Olhai Pára-quedistas, tendes tudo
Lá no céu elevai vossas almas
Que cá na terra a dor é nossa
E a fraqueza que ela tem
Tendes ao menos a força de não a
Mostrardes a ninguém.

Aura Rico Teles
Tenente Enfª Pára-quedista


2. Comentário de CV:

Cara enfermeira Aura, com muito prazer a recebemos nesta Caserna Virtual. Tem lugar junto das suas camaradas: Giselda, Rosa Serra e Maria Arminda.

Agora que faz parte desta comunidade, onde são maioria os infantes que atravessavam bolanhas e rios da Guiné na esperança de que nunca fosse necessária a vossa presença junto deles, sinal de que nada de mau havia acontecido.

Agora, afastados esses tempos, é com o maior carinho que as recebemos, porque apesar de muitas preces, muitos foram os que necessitaram do socorro dos nossos anjos da guarda, que se não guardavam, estavam presentes sempre que necessário, porque o azar nos batia à porta.

Anjos que vinham do céu, que nas horas de horror aplicavam o seu saber tentando aliviar a dor, fazendo alguns milagres, ao mesmo tempo que davam uma palavra meiga e amiga, qual mãe, irmã ou namorada.

Diz o Miguel que a Aura tem uma memória prodigiosa, pelo que ficamos à espera das suas narrativas que não terão a ver forçosamente só com a Guiné.

Permita que no fim destas palavras de agradecimento, lhe envie um abraço colectivo da tertúlia do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, e por que não, de todos os militares que fizeram a guerra colonial nos três teatros de operações.

Bem hajam.

Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8334: Tabanca Grande (289): António Luiz Figueiredo, ex-Fur Mil TRMS TSF (Pirada, Teixeira Pinto e Bissau, 1972/74)

(*) Vítima de acidente mortal, ocorrido  na Guiné, em fevereiro de 1973.  Segundo se lê no poste nº 1668, de 17 de Abril último, a Celestet Pereira "ao correr para uma DO que se preparava para levantar voo a fim de proceder a evacuação,  foi morta pela hélice da avioneta que lhe cortou a cabeça, no aeroporto de Bissalanca" (Nota de rodapé do autor de Diário da Guiné, António da Graça Abreu, p. 64).