terça-feira, 9 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8650: Recortes de imprensa (45): Guiné: Uma diligência interrompida. Porquê? Da autoria de António Vaz Antunes (Coronel de Infantaria)


1. Publica-se hoje, para quem ainda não conhece, mais um documento que faz parte da história da guerra na Guiné (mencionado no poste P8644 e matéria com o mesmo relacionada). É um reprodução integral da narrativa original que a direcção da revista “Combatente” entendeu resumir, nas páginas 47-49 da s/edição Nº 346, publicada em 12Dez2008 – já o autor - Sr. Cor. António Vaz Antunes (21JUN1921 a 14OUT1998) havia falecido, com a simples indicação «síntese de documento enviado à LC». Na dita revista foram omissos o título original do documento bem como a data em que o mesmo foi enviado à direcção-central da Liga dos Combatentes. Também por omissas foram dadas as funções militares que o autor então desempenhava na Guiné [comandante do BCAÇ 4512/72 - RI15, Farim 13Jan73-29Ago74], e a data do seu falecimento.




Guiné: uma diligência interrompida. Porquê?
António Vaz Antunes
(Coronel de Infantaria)
Mafra, Abril de 1987



Depois da Operação Guidaje, em Maio de 1973, para apoio e reabastecimento àquela guarnição, sucederam-se vários movimentos de colunas, de ida e volta, todas com ponto de passagem em Farim, cujo sector era, por isso, muito empenhado em picar itinerários, montar seguranças, alimentar e prestar toda a ordem de apoios ao pessoal de passagem. Isto provocava um enorme desgaste nos elementos dos órgãos de comando do sector que, durante vários dias, não puderam contar com um horário normal de actividade. Dormir o indispensável era nas horas mais variadas, de dia ou de noite, nos curtos intervalos de acalmia.

Foi assim que recebi com alguma satisfação a ordem do Comando-Chefe para montar um comando avançado do sector em Cuntima. A mensagem rádio acrescentava laconicamente, como justificativo, que as informações do Quartel General davam como muito provável uma acção inimiga sobre aquela guarnição que ficava a escassas centenas de metros da fronteira com o Senegal.Relacionei esta ordem com as notícias que referiam a presença de carros de combate na Guiné-Conackry perto da fronteira entre o Senegal e a Guiné Portuguesa, ao que constava destinados a um ataque a Cuntima. Porém as informações recolhidas nesta guarnição continuavam a confirmar que o Senegal não autorizava a passagem pelo seu território.


O comandante da companhia Capitão Miliciano Vasco Vale, ao ver-me chegar imprevistamente, não escondeu a sua surpresa nem tão pouco a sua preocupação por deduzir, após a explicação da minha presença, que se punha em dúvida a sua capacidade para enfrentar a situação.

Tranquilizei-o, afirmando-lhe que não ia interferir no seu comando, confiava no seu serviço de informações (que não previa nenhum agravamento da situação a curto prazo) e que ia aproveitar para descansar. Aliás, com o mesmo intuito, levava comigo o oficial de operações (1) e o oficial de transmissões (2) que eram os mais desgastados com a Operação Guidaje e os problemas de coordenação que se seguiram com as já referidas colunas.

Distribuídos os alojamentos, depois da troca de impressões sobre a situação no subsector, os três demos de imediato cumprimento ao nosso programa: pôr o sono em dia.

A descontracção que propositadamente vivia apenas era importunada pelo clima que, em Junho, a preceder o período das chuvas, era ainda mais incómodo.

As manhãs eram agradáveis, pelo bulício resultante da chegada de senegaleses que, a partir das nove horas, acorriam ao nosso Posto Médico.

Os homens da Companhia Eventual também ali sediada, constituída por Fulas, todos voluntários, e sem quadros (3), quando estavam presentes aproveitavam para se abeirar das vistosas senegalesas todas enfeitadas, e faziam-lhes a corte à sua maneira: era a hora do ronco dos namorados.

O Capitão Vale entretanto colhia habilmente as notícias que lhe interessavam. Nada de novo.

No dia 29 de Junho, sábado, surgiu o inesperado: três helicópteros são detectados em aproximação à pista (4) e simultaneamente uma mensagem faz saber que está a chegar [era] o General Spínola [a chegar].

Havia já vários meses que nenhum meio aéreo tinha sido visto em Cuntima, excepto para raras acções de evacuação consequência das medidas preventivas contra a utilização do míssil terra-ar pelo PAIGC. Com efeito junto à fronteira não podia arriscar-se sem as adequadas medidas de segurança por ser sempre possível um lançamento partindo do Senegal.

A aterragem dos helicópteros foi festa.

Por mim encarei com certa apreensão a visita do Comandante-Chefe. A Operação Guidaje, embora tivesse dado já origem a referências especiais e muito elogiosas, não estava para mim terminada. Aguardava a oportunidade para explicações e não me tinha preparado para a discussão que previa fosse muito dura.

Eis senão quando o Comandante-Chefe desembarca sorridente, não quis fazer o questionário que lhe era habitual nas visitas aos comandos operacionais, adiantou que confiava nas medidas tornadas pelo sector e, depois de uma breve exposição do Capitão Vale sobre a situação na sua área, pediu apenas para ficarmos a sós no Gabinete do Comandante da Companhia.

Quando supunha que iríamos entrar no caso Guidaje o General nem se lhe referiu. No tom mais cordial que imaginar se possa contou-me o que tinha sido a sua acção desde que chegara à Guiné, nos contactos com o Presidente Senghor, os contactos com os comandos do PAIGC nos tempos de Amílcar Cabral e as suas diligências na interferência da escolha do próximo Secretário Geral do PAIGC cuja eleição ia ocorrer dentro de dias.

Tudo eu ouvi com um misto de surpresa e curiosidade. Muita novidade para mim e ao mesmo tempo muitas interrogações íntimas, permanentes, mas contidas: porquê esta abertura? Porquê esta abordagem de temas tão secretos, comigo que não pertenço a tal círculo? Será só para desvanecer a minha animosidade por causa dos precedentes da Operação Guidaje? Virá aí alguma missão especial? Porquê esta conversa longa, pormenorizada, esta exposição da situação de áreas tão confidenciais?

Fiquei meio atónito quando o General, que continuava [sempre] bem-humorado, se despediu de todos e regressou a Bissau.

Sempre tive a preocupação de respeitar o segredo e habituara-me a controlar a curiosidade. Sempre considerei que, em matérias classificadas, não se deve fazer pressões nem usar habilidades para conhecer mais que aquilo que o superior entenda poder e dever dizer. Por isso não fiz perguntas, limitei-me a ouvir e apenas pretendi deduzir, mas não encontrava fácil explicação para esta visita nem resposta para as perguntas que a mim próprio punha. A dúvida mantinha-se no meu espírito.

Também os meus subordinados estranhavam o modo como tudo decorreu, tão fora do que era hábito em visitas do Comando-Chefe às unidades operacionais.

Mas eis que no dia seguinte, 30 de Junho de 1973, domingo, cerca do meio-dia, me procura um indivíduo fula, não guinéu, que eu conhecia desde que assumira o comando do sector por contactos estabelecidos em Farim. Era um agente de informações com o nome de código “Padre”, ao que se sabia pertencente ao “Front” da Guiné-Conackry e com especial aceitação no Comando-Chefe.

Nunca lhe perguntei o que fazia, mas facilmente se deduzia pelos apoios que lhe eram concedidos: era obsequiado em Farim pelo agente da DGS, vinha de Bissau, em regra, em avião militar e no sector havia instruções para lhe ser facultado transporte sempre que o pedisse. Dirigia-se a Cuntima e, dali, em regra ao Senegal.

Havíamos passado alguns serões em Farim falando em generalidades e, quando ele entendia, em problemas da guerra. Tinha formação de curso superior e falava apenas em francês e fula. Era bastante culto e muito correcto no trato. Talvez por nunca o ter importunado com perguntas incómodas, em obediência ao meu princípio de respeito pelo serviço de informações, fui, a pouco e pouco, ganhando a sua confiança e até a sua amizade.

Foi por força desta mútua confiança que ele agora me procurou e pediu que fizesse uma mensagem relâmpago para Bissau solicitando a presença do General Spínola nesse dia, ali em Cuntima, para um contacto com alguns [altos] dirigentes do PAIGC (5).

Pareceu-me, agora, perceber o que se passara na véspera.

Acedi ao pedido, redigi a mensagem, retroverti-lha [traduzi-a] para francês para verificação e fi-la seguir. Por volta das 14:00 horas é recebida a resposta de Bissau. Pretendia o Comandante-Chefe explicações de pormenor. O agente estranhou tal pedido uma vez que o General sabia do que se estava a passar e o seu retardamento podia prejudicar o resultado de todo um trabalho de meses.

Fez-se, no entanto, rapidamente novo texto, um pouco mais explícito. [e] Cerca das 16:00 horas vem a resposta à segunda mensagem: àquela hora já não se podia fazer a deslocação porque o regresso não era possível antes da noite e os helicópteros não estavam preparados para isso.

Foi um balde de água fria para o agente que, mal tomou conhecimento da mensagem saiu, desesperado; era, segundo dizia, todo o esforço perdido, o seu crédito junto do PAIGC abalado e, provavelmente, a impossibilidade de preparar outro encontro.

Não escondia a sua angústia.

Passado algum tempo regressa e procura-me. Trazia agora uma conversa com pouco nexo contrariamente ao seu habitual, e exteriorizava nervosismo. Pedia-me que o ajudasse, na circunstância, mas não concretizava a ajuda que queria.

Em dada altura, e perante o seu embaraço, pretendi acalmá-lo e fazer com que reflectisse friamente na situação: a reunião não podia fazer-se sem o General e ele não vinha, “ou acha que eu posso substituir o General” - perguntei em tom jocoso por supor que não tinha sentido resposta afirmativa. Mas eis que os olhos do meu interlocutor adquirem um brilho especial e ele me retorquiu:

- Mas o Coronel vai? É que eu não me atrevia a pedir, mas é mesmo essa a única hipótese de salvar a situação criada pela recusa do General Spínola.

Depois de argumentar que não estava credenciado para tal missão e de uma troca de impressões sobre o que ele pretendia, acabei por dizer-lhe:

- Nós estamos proibidos de contactos deste género mas porque confio em si aceito ir.

Eram cerca das 18:00 horas. O pessoal presente no aquartelamento preparava-se já para a 3ª refeição servida em quatro refeitórios separados, por razões de segurança. Chamei o Capitão Vale e expus-lhe resumidamente o que se passava. Precisava que ele, com toda a discrição, no final do jantar enviasse dois grupos de combate para os lados da fronteira na missão habitual de segurança afastada, que todos os dias era montada ao anoitecer em direcções diferentes; recomendei-lhe que desse a tudo o ar mais natural, mas esta missão tinha por finalidade actuar contra qualquer emboscada de que eu viesse a ser vítima e, se necessário, desenvolver uma acção de retaliação.

O Capitão Vale, homem já experiente na vida e com sentido prático muito refinado, bom caçador, entendeu rapidamente, perguntou-me apenas se o autorizava a acompanhar-me (disse-lhe que sim) e saiu de imediato a tomar as disposições requeridas.

Simulando ir à caça, montámos numa viatura e seguimos pela estrada cerca de 800 metros. Depois apeámos e dirigimo-nos ao marco nº 104 da fronteira. Ali chegados o agente estranhou que ainda não estivessem [lá] os interlocutores e não escondeu uma certa apreensão. No entanto aguardamos. Passados uns minutos vem alguém do outro lado, de bicicleta. Vem informar que o interlocutor está dentro do Senegal, receia vir até nós (terá dado conta do movimento das nossas tropas?) e solicita que nos desloquemos nós.

Recusei.

O agente insiste, pretende que eu me disfarce com um albornoz, mas não aceitei porque o disfarce não atenuava aquilo que eu considerava indisciplina: entrar em território estrangeiro. Ele porém pedia-me agora com todo o empenho que não desistisse de prosseguir na decisão tomada de não deixar gorar esta oportunidade única.

A argumentação convenceu-me e fui.

A noite estava cerrada. Na nossa frente viam-se as luzes de uma povoação senegalesa, já próxima. Caminhávamos em silêncio. Chegávamos ao local indicado pelo mensageiro da bicicleta, cerca de um quilómetro dentro do Senegal, quando se notou a aproximação de um automóvel que parou a duas centenas de metros, do qual saíram dois indivíduos que se dirigiram a pé para nós [a pé].

Era o [nosso] interlocutor.

O agente fez as apresentações e eu estendi-lhe a mão - o que, segundo soube mais tarde, o sensibilizou muito. Tratava-se do [ele era o] representante pessoal do Comandante Geral das forças do PAIGC.

Não podíamos demorar-nos porque era imperioso evitar qualquer detecção quer por parte de elementos das forças de segurança senegalesas quer por parte de elementos do PAIGC não envolvidos nesta diligência, e por isso o interlocutor foi directo:

- Não venho tratar de assunto pessoal nem de grupo restrito. Trata-se sim de problema[s] que diz[em] respeito a todos os combatentes do PAIGC. Andamos há já [há] dez anos nesta luta. Somos agora menos do que quando começámos. Actualmente não nos entendemos com o escalão político: eles são caboverdeanos e comunistas; e nós somos guinéus, combatentes e não comunistas. Desejamos apenas uma Guiné melhor. Já chegámos à conclusão de que, sozinhos, não somos capazes de a fazer, mas sê-lo-emos convosco. A nossa proposta é muito simples: em dia e hora que se combine acaba a guerra, nós seremos integrados nas forças da Guiné, sem recriminação nem vingança; e depois, juntos, faremos a Guiné melhor. Tudo isto tem que ser combinado em curto espaço de tempo e com o maior segredo, porque se fôr descoberto antes do tal dia e hora terei a mesma sorte que outros companheiros meus já tiveram.

Isto dito assim de chofre deixou-me um pouco perplexo e retorqui apenas:

- Do que propõe, eu, que não sou [o] Comandante-Chefe mas apenas um comandante de sector, somente posso dar como aceite com toda a certeza, já, que recriminações ou vinganças da nossa parte nunca haverá: temos todos instruções severas nesse sentido. Quanto a rapidez, amanhã mesmo vou pessoalmente dar conhecimento da sua proposta. No que se refere à segurança dos elementos que eventualmente venham a participar em conversações futuras, no caso do [se o] General comandante [chefe] concordar com a continuação dos contactos também posso garantir que os podemos recolher em qualquer ponto à vossa escolha e voltar a colocar onde desejarem.

- Eu compreendo que não pode adiantar mais do que isso, e eu próprio também apenas posso transmitir o que já disse. Não tenho poder de decisão. Mas agradeço-lhe ter vindo a este encontro e peço apenas um sinal para autenticar ou selar esta conversa.

- O sinal de autenticação que nós usamos, em conversa, é a palavra de honra. E eu dou a minha palavra de honra de que vou transmitir o que ouvi e que são verdadeiras as afirmações que fiz.

- Nós não usamos a palavra de honra, costumamos jurar perante Deus.

- Pois estamos aí à vontade: não teremos a mesma religião, mas certamente acreditamos no mesmo Deus Único, e Criador. Por mim, quando dou a palavra de honra faço-o sempre em termos de juramento perante Deus.

- Certo, mas se pudéssemos ter um sinal deste compromisso era bom.

- Pois eu julgo que já dei sinal de boa vontade: vim até aqui confiado apenas na honestidade do nosso intermediário.

Nisto o homem parece ter-se sentido atingido e interrompeu-me dando-me como que um abraço.

- Desculpe, desculpe. O senhor fez mais do que eu pois veio aqui enquanto que eu tive medo de ir ao lugar combinado.

Impunha-se que não demorássemos mais o diálogo. Fazem-se as despedidas rapidamente. Quando me apertava a mão (era o dobro da minha) dizia-me:

- Estou muito feliz. Desde há dez anos é a primeira vez que estou em conversa agradável e a primeira vez que estou desarmado.

De novo repetiu o seu agradecimento.

Regressamos alvoroçados. Teríamos nós o privilégio de ser os intermediários e os primeiros intervenientes num processo que levaria a um próximo fim da guerra com honra para ambas as partes?

Mal dormi, ansioso pela madrugada, pelo regresso a Farim, pelo avião dessa 2ª feira que me levaria a Bissau, pelo encontro com o General Spínola.

Eram 18:50 horas do dia 1 de Julho de 1973 quando cheguei ao Palácio do Governo em Bissau. O Capitão Ayala, ajudante do Governador e Comandante-Chefe atendeu-me.

Disse-lhe que tinha urgência em falar com o General Spínola.

- Não me diga que é por causa do contacto de Cuntima.

- Precisamente.

- O nosso general não o poderá receber agora porque tem o briefing às 19:00 horas no Quartel-General e vai já para lá.

- Diga-lhe que estou aqui, que não o demoro com o que tenho a dizer-lhe e que é do maior interesse não atrasar; os minutos contam.

O General recebeu-me de imediato.

- Então hoje já aqui?

- É verdade meu general. No sábado estivemos em Cuntima, não contava nada com esta vinda, para a qual nem pedi autorização, mas como fui ao contacto que estava preparado para V.Exª...

- Então o senhor não sabe que proibi todos os contactos; não sabe o que aconteceu aos três majores? Atalhou o general, irritado, levantando-se e crescendo para mim.

Mantive-me sentado, cruzei as pernas e retorqui:

- Sei e até era muito amigo de dois deles, mas entendi que era meu dever ir, e fui.

- Espere lá, mas afinal você está aqui; conte lá.

E sentou-se de novo para ouvir o resumo que lhe fiz da conversa e das propostas do interlocutor do PAIGC.

O General voltou a levantar-se, agora com entusiasmo, abraça-me ao mesmo tempo que [e] diz:

- Mal sabe o alto serviço que acaba de prestar à Nação!

- Ainda bem. Estou feliz por isso.

Dirige-se ao telefone liga para Lisboa e ouvi-lhe o seguinte:

- Allas? (era o chefe da DGS em Bissau) Está bem? Tome o avião amanhã e venha aqui.

- Pois, sei bem que foi ontem de licença... É pena não poder vir ainda hoje, pois temos aqui coisa importante que requer já a sua presença.

- Está bem, mas tenha paciência. Espero-o amanhã. Um abraço!

O General agradeceu-me de novo. Vai a sair para a reunião mas faz questão que o acompanhe a jantar no Palácio.

Era a terceira vez que me convidava para jantar na sua residência.

Não falámos mais sobre este caso. Ficou acordado que se manteria total segredo e que seria pessoalmente contactado para qualquer interferência futura se fosse necessário.

Os curiosos de Bissau bem tentaram saber da razão da minha presença ali tão imprevista. Fui escapando como pude do cerco de perguntas.

Na 3ª feira regressei a Farim onde poucos dias depois pude observar, por duas vezes, a passagem dos helicópteros que transportavam interlocutores que deviam dar continuação aos contactos de Cuntima.

O sector passou a conhecer uma tranquilidade esperançosa.

Em Agosto entrei de licença. Na metrópole soube da substituição do General Spínola pelo General Bettencourt Rodrigues. Fui à tomada de posse deste último. Ouvi os discursos e pareceu-me que estavam em dessintonia com tudo o relatado, o que muito me surpreendeu. Preso como estava à promessa de segredo não perguntei nada. Já em Bissau pedi audiência ao novo Comandante-Chefe. Abordei o caso e tive a resposta que me surpreendeu: não sabia de nada.

O agente que tinha preparado o encontro em Cuntima, manifestou-me, em Farim, o seu desgosto por se aperceber de que tudo voltara ao princípio. Não entendíamos o porquê da viragem, que era notória.

Um dia, no bar do Estado Maior do Exército, já em 1976, contava o caso [este episódio] a uns camaradas, dado que a manutenção do segredo já não tinha razão de ser.

O então Major Monge estava ao lado e certamente ouvindo o meu relato, porque a dada altura interrompeu-me e diz:

- Afinal foi o meu coronel quem provocou o 25 de Abril.

Fiquei atónito. Mas imediatamente me veio à memória que tinha lido dias antes, uma informação do Chefe do Estado Maior General da Forças Armadas (o então General Costa Gomes) para o Governo (do Dr. Marcelo Caetano) segundo a qual para Portugal era preferível na Guiné um desastre militar a uma solução negociada...

Porquê?

(1) Capitão Beato
(2) Alferes Miliciano Costa
(3) O comandante da companhia em operações era o Cabo Sitafá
(4) Já uns dias antes tentada mas sem concretização por causa de forte trovoada
(5) Contacto que, segundo me disse, «vinha preparando havia alguns meses»
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Nota de M.R.:

Vd. também o poste relacionado com esta matéria em:

6 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8644: Recortes de imprensa (43): O pacto secreto de NINO com a PIDE, jornal TAL & QUAL, 14 Maio 1999 (Magalhães Ribeiro/Manuel Marinho)

Vd. último poste desta série em:

7 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8645: Recortes de imprensa (44): Jornal Açoriano Oriental noticía em 1961 a partida para a Guiné da Companhia de Caçadores Especiais 274 (Durval Faria)

Guiné 63/74 - P8649: Parabéns a você (298): Anselmo Garvoa, ex-Fur Mil da CCAÇ 2315/BCAÇ 2835

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Notas de CV:

Anselmo Garvoa foi Fur Mil na CCAÇ 2315/BCAÇ 2835, Mansoa e esteve na Guiné de Janeiro de 1968 até ser ferido em combate em 30/9/1968, e evacuado para o HMP

Vd. último poste da série de 8 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8647: Parabéns a você (297): Henrique Martins de Castro, ex-Soldado Condutor Auto da CART 3521

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8648: O Regresso dos Heróis (Domingos Gonçalves) (1): Muitos anos depois



O Regresso dos Heróis*

Por

Domingos Gonçalves**
(Ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887)


DEDICATÓRIA
A todos os colegas da CCAÇ 1546 do BCaç 1887



I - MUITOS ANOS DEPOIS

Agora já só resta o sonho.
A aldeia acorda, cada manhã, envolta num lençol de paz, e eu deixo-me penetrar da calma que domina as coisas que, tranquilamente, descansam à minha volta.

Pelo dia além, muito leve, a aragem sopra do pinhal e traz para junto de mim um cheiro agradável, cheio de serenidade e de saúde.
De quando em quando os pardais esvoaçam em frente da minha janela, muito alegres e pequenos, curiosos, talvez, de saber em que estou a pensar. E o Sol ilumina-lhes a penugem escura, enquanto se movem no espaço.
Todavia, este ambiente tranquilo que num passado cada vez mais distante tanto desejei, ainda me não parece verdadeiro. O meu sono é perturbado ainda muitas vezes por sinistras recordações de um passado não de todo esquecido, imagens quase vivas de tantas situações macabras em que me encontrei.

Depois, quando acordo, não posso deixar de sorrir das imagens balofas do meu sonho. E porque compreendo as causas mais profundas desse sonhar, continuo sossegado... Consigo mesmo adormecer de novo tranquilamente...
Eu sei muito bem que, agora, já só resta mesmo o sonho.
Eu sei que essa realidade passou por mim, qual sombra fugidia, se deteve à minha frente durante breves momentos, só para que eu a contemplasse, e foi depois, despedaçar-se, ingloriamente, nos abismos pedregosos do passado, desse passado amargo e doloroso, mas, apesar de tudo, feito de muita saudade.

Hoje eu posso dizer que todo o sofrimento humano é passageiro. Posso, até, afirmar que me dá uma certa alegria o facto de poder recordar alguns desses momentos passados no meio da ansiedade e do perigo.
Ainda bem que tudo assim aconteceu... Amanhã talvez consiga sonhar tranquilamente.
Foram tortuosos e difíceis, é certo, os caminhos então trilhados.

Eu, e aqueles que lutaram a meu lado, fazemos parte de uma geração sacrificada no altar da guerra colonial, para uns, profano e iníquo, para outros, algo de sagrado, quase divino e transcendente.

O sangue dos que morreram, ou o sacrifício dos que tiveram a sorte de regressar, em qualquer dos casos, nada mais representam do que a inutilidade. Sim, porque a guerra foi uma realidade inútil. Ela não serviu os interesses de ninguém, muito menos os de uma população que sofreu, e contínua ainda a sofrer, embora de formas distintas, as suas tenebrosas consequências.
Mas, apesar de tudo, os que a viveram, acabam por recordá-la com saudade. Os humanos somos assim... Até do sofrimento, quando ultrapassado sem traumas e sem mágoas, acabamos por ter saudade... Tudo o que passa nos deixa sempre pena... Às vezes mesmo muita pena.


E hoje, a Guiné permanece muito longe de nós, lá na distância do esquecimento, entregue ao seu atraso e à sua pobreza, lembrando talvez uma guerra que não lhe deu nada, e uma paz que lhe roubou quase tudo.
Mas a Guiné permanece, também, muito perto de nós, no mais íntimo de nós mesmos, porque representa um pouco das nossas vidas e do nosso sofrimento. E o mais sagrado que nós temos são as nossas vidas, feitas da lembrança do ontem e do hoje, e da esperança no amanhã.

Todos nós, os que fizemos a guerra, assim como não esqueceremos as nossas vidas, também não esqueceremos, por fazer parte delas, a Guiné.
E essa lembrança vai continuar, para além de nós próprios, no imaginário colectivo das gerações que nos sucederem.

Hoje, mergulhada na suave neblina do atraso social, no esquecimento a que os pobres, sejam eles pessoas ou países são votados, a Guiné, onde tanto se lutou e sofreu, é uma nação de que ninguém fala, e de que nenhum país, pelo menos dos mais ricos, cobiça seja o que for.
É que ninguém faz nada, muito menos uma guerra durante tão longos anos, por causa de uma terra pobre. Nós, portugueses, fomos a excepção.

Hoje, por incrível que pareça, o país quase se envergonha dos seus mortos, dos mortos que tombaram numa guerra quase sem fim, que ele, país, numa fase menos iluminada da sua história recente, quis fazer.
Existe mesmo uma certa vergonha em assumir um passado onde, por uma causa que, naquele espaço temporal, já não tinha razão de ser, foram sacrificadas muitas vidas em honra de um deus em que já ninguém acreditava. Mas, toda essa percepção deturpada, todo esse aparente esquecimento, que não passa de uma quase cobardia colectiva, será um sentimento transitório, que o tempo se encarregará de corrigir.

Todo esse passado, na crueza da sua realidade e na força que o sofrimento humano empresta à vida, permanece indelével no inconsciente do país real, que não se compadece com hiatos na sua história, que sempre soube assumir, e ressurgirá com naturalidade e sem traumas, quando a história se fizer, a da nação que lutou, e a da nação que, envergonhada, finge esquecer o sangue dos mortos e o sofrimento de muitos vivos.
E então, tudo será reposto no respectivo lugar.

É que, o sangue dos tantos mortos, ou o sofrimento dos muitos que ainda estão vivos, nada teve a ver, na sua quase totalidade, com o erro dos políticos que, ignorando ostensivamente as mudanças sociais e políticas que o mundo da época atravessava, não souberam tomar as decisões mais acertadas que a evolução do país, e das colónias, aconselhavam que se tomassem.
Mas nada disso justifica esta vergonha, que parece haver, desse passado recente, como que se estivéssemos perante algo que teve a ver com outro povo e se viveu num outro mundo.
O nosso passado teve a cor que teve. Serão, por isso, infrutíferas, todas as tentativas de o pintar de qualquer outra cor.

Os gestos que se façam para lhe mudar a tonalidade, para além de inúteis, serão quixotescos e ridículos. O passado foi o que foi. Ninguém o pode mudar, ou alterar.
Mas o passado é nosso. Pertence-nos. Não o podemos dar, ou alienar, seja a que pretexto, ou a que preço for.
Resta-nos, pois, e apenas, assumi-lo com toda a dignidade.

“O esquecimento é o fim da capacidade de sonhar e o reverso da vida.” Por isso, mesmo que às vezes ele seja escuro, não devemos deixar que se apague o nosso passado. O passado das pessoas apaga-se quando elas se apagam. O passado de um país só se apaga quando ele se apagar.

Este pequeno livro pretende ser uma promoção da memória, um pequeno contributo na luta contra o esquecimento intencional, ou não, de uma pequena parte do nosso passado de país e de povo.

O passado das pessoas é, quase sempre, construído de luzes e de sombras. Tem coisas boas e coisas más.
Com o passado dos países e das nações acontece algo de semelhante.
Mas, assim como as pessoas não se podem desfazer das sombras que lhes enfeitam o passado, também os países, por mais que o tentem fazer, não conseguirão apagar as tonalidades mais escuras, ou mais claras, que serviram para dar cor ao seu passado, seja ele recente ou distante.

Um dia virá em que o país, finalmente, se reconciliará com o seu passado e com a sua história, com dignidade e sem complexos de culpa. Sim, porque hoje, existe ainda um certo inconsciente colectivo, doentio e com laivos de frustração, onde predomina uma cultura de intolerância, incapaz de ao menos admitir que se entenda a história, muito embora reprovando alguns dos que foram seus actores. Mesmo sendo construídas com o sacrifício de milhares de escravos, as grandes obras da humanidade não deixaram de ter a beleza que todos hoje admiramos. E a história é, de longe e no seu todo, a mais bela de todas as obras que a humanidade construiu.

Hoje, as pessoas de bom senso todas reconhecem que a guerra foi um erro. Mas esse erro só foi possível porque a existência do regime político então vigente foi um erro muito maior. Mas, que se olhe, enfim, para o passado, mesmo que ainda bastante próximo, sem complexos e sem traumas.

(Continua)
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Notas de CV:

(*) O Regresso dos Heróis é um livro do nosso camarada Domingos Gonçalves (ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68), edição de autor, que hoje começamos a publicar no nosso Blogue por sua gentileza.

(**) Vd. poste de 3 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8633: Tabanca Grande (295): Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887 (Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68)

Guiné 63/74 - P8647: Parabéns a você (297): Henrique Martins de Castro, ex-Soldado Condutor Auto da CART 3521

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Notas de CV:

Henrique Martins de Castro foi Soldado Condutor Auto na CART 3521 que esteve em  Piche, Bafatá e Safim nos anos de 1971 a 1974

Vd. último poste da série de 4 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8634: Parabéns a você (296): José Nunes, ex-1.º Cabo Mec Elect do BENG 447 e Rui Alexandrino Ferreira, Coronel Reformado

domingo, 7 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8646: (Ex)citações (145): Uma afirmação, um desabafo, uma pacificação (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/Ranger da CART 3492/BART 3873, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 5 de Agosto de 2011:

Meus camarigos editores
Envio-vos um texto, que como sempre fica ao vosso dispor publicar ou não.

Faço aqui uma ressalva, neste "intróito", pelo que, se o texto for publicado, agradeço que também seja publicado este "naco de prosa".

E essa ressalva é a seguinte: Não responderei a provocações, nem "lugares comuns" e muito menos a idiotices.

Gosto de respeitar todos, o que significa, obviamente, uma reciprocidade.

Um abraço forte e camarigo para todos do
Joaquim Mexia Alves


UMA AFIRMAÇÃO, UM DESABAFO, UMA PACIFICAÇÃO

Sou um homem de direita!

Poderia tentar explicar o que é ser de direita para mim, mas isso seria fazer neste espaço o oposto daquilo que eu acho este espaço deve ser e repetidamente tenho afirmado, ou seja, um espaço que não deve servir para debater política.

Tive na minha adolescência pensamentos e atitudes daquilo que se poderá chamar de esquerda, mas não vingaram em mim, isto apenas para que se saiba que não sou propriamente um ignorante na “coisa” política.

Desenganem-se os que pensam que vou aqui escrever um texto político, ou de elegia de um qualquer lado em detracção do outro!
Não o vou fazer, porque como acima digo este não é o espaço para tal, e também porque penso e vivo de modo a que, lá por eu pensar de uma determinada maneira, não quer dizer que outros não possam pensar de maneira diferente, ou seja, assumo ou tento assumir que eu posso não ser o detentor da verdade, mas que com a verdade dos outros e a minha, talvez se encontre a verdade, isto falando das “coisas do mundo”, porque para mim, como todos sabem, a Verdade é só uma, e é essa que eu tento todos os dias encontrar e viver.

Mas vamos ao que interessa, ou pelo menos, ao que me interessa.

Têm surgido uns comentários, (sobretudo quando há recensões de livros sobre Amílcar Cabral ou o PAIGC), em que se pretende arrogar um pretenso patriotismo, que só existiria perante um pensamento imutável, de que o passado teria de ser o presente, chegando ao cúmulo de colocar em causa o “Juramento de Bandeira” de alguns que não pensem de tal modo.

Comentários que se arrogam o direito de colocar em causa a motivação daqueles que combateram na Guiné, ou seja onde for, por causa de se exprimirem no sentido de que a guerra de África, ou as suas motivações, não seriam correctas e estariam erradas atendendo à história do mundo.

Depois outros comentários, tentando rebater estes, vêm invocar passados, lidos à luz do presente, como se fosse possível aferir pelo mesmo padrão de hoje, a escravatura, ou as barbaridades, (aos olhos de hoje), cometidas pelos colonizadores, dos quais nós Portugueses, seriamos os últimos, pelos vistos.
Esquecemo-nos do Tibete, por exemplo, e de outros “Tibetes” pelo mundo fora, ontem, hoje e amanhã.
Esquecemo-nos, por exemplo, que segundo rezam alguns livros da história da Guiné, os Balantas seriam escravos de outras etnias.

Mas enfim, não é isso que está em causa, mas sim a afirmação que coloco no inicio: Sou um homem de direita!

E repito esta afirmação para dizer que considero Amílcar Cabral um pensador e um homem digno de grande estatura, que lutou pelo seu povo e pelos seus ideais.
Ao que sabemos, tentou fazê-lo primeiro pela via pacífica, e, depois, nada conseguindo, enveredou pela luta armada.
Merece todo o meu respeito, e não me custa nada reconhecê-lo!

Mas se reconheço o seu direito a lutar pelos seus ideais, reconheço também o direito de Portugal, naquele tempo, lutar por aquilo que considerava seu.
Se Portugal naquele tempo estava enganado, pelos vistos a história, (não a do 25 de Abril, mas a história do mundo), veio mostrar que sim, que os ventos eram outros, mais valia ter resolvido pacificamente o problema, do que ter morrido nem que fosse um só homem.

Mas isso não invalida em nada o esforço, a coragem, a entrega de todos aqueles que combateram a guerra de África, isso não permite de modo algum que alguém venha dizer que não cumpriram a sua missão de Portugueses!
E tanto o fizeram aqueles que acreditavam que estavam a lutar por uma causa justa, como aqueles que tinham dúvidas, ou como aqueles até, que estavam contra, mas decidiram combater como a Pátria lhes exigia.
E destas três formas de estar na guerra, surgiram heróis, surgiram referências, surgiram Portugueses que em nada negaram a história do seu País, com tudo o que à mesma pertence.

Sou um homem de direita, como tal sou um humanista, e na génese do ser Português, (como se costuma dizer), vive o meu coração, a minha alma, cristã e católica.
Como poderia eu então não respeitar o meu inimigo, perdoar-lhe, esperando ser perdoado, e acolhê-lo, se ele quiser ser acolhido?

Com a mesma vontade com que combati, com o mesmo empenho em que me coloquei ao serviço de Portugal, tento agora perdoar, acolher, perceber, e sobretudo encontrar a paz.

E isso não me diminui em nada, mesmo nada, nem eu admito que alguém, seja quem for, me venha dizer que eu sou menos Português, ou que não combati como os Portugueses combateram desde o tempo de Afonso Henriques.

Claro, não concordo, nem nunca concordarei, que se faça o elogio do inimigo em detrimento de nós Portugueses, (como alguns infelizmente se empenham em fazer por vezes neste espaço), mas não é isso que me faz sair de um “ponto de encontro” onde encontrei amigos, ou melhor, camarigos, que falam a mesma linguagem que eu, e que, embora alguns tantas vezes nas antípodas politicamente, (será que estaremos realmente tão separados politicamente?), encontramos razões para estarmos juntos, conversarmos e sobretudo fazermos um pouco de história cimentada na amizade.

Como também não concordo que se anatematize o antigo inimigo, ou aqueles que não pensam como eu, com ideias antigas ou novas, porque entre ambos, como entre aqueles que pensam como eu, há gente boa e digna, e há, (permitem-me que o diga), gente que não merece sequer uma linha de comentário.

É que o mundo não é preto e branco apenas!
O mundo tem mais cores, e são essas cores que acabam por dar graça ao preto e ao branco, e por favor, não me venham dizer o que o preto e o branco não são cores, porque não é disso que se trata.
Se apenas virmos o mundo a preto e branco, vemos apenas o mundo que queremos ver, e não o mundo como ele é realmente, com o preto e o branco, mas carregado de outras cores que lhe dão a beleza, mesmo quando a violência da natureza nos mete medo, como por exemplo numa erupção vulcânica.

Há anos atrás, o António Mourão, fartou-se de cantar “Oh tempo volta para trás”!
Cantou, cantou e há gente que ainda canta, mas o tempo não voltou, não volta e nunca vai voltar para trás.

Olhemos para o passado, para o presente e até para o futuro, como olhamos para o mundo.
Há preto e branco em tudo, mas em tudo há também outras cores!
Nem tudo foi mau no passado, nem tudo é bom agora, e no futuro teremos sem dúvida do mau e do bom.

Não sei se toda esta escrita serviu ou serve para alguma coisa, mas pelo menos a mim serviu-me para desabafar, para afirmar, para ficar mais em paz comigo mesmo e julgo que com os outros, com aqueles que querem realmente ficar em paz.

Um abraço forte e sempre camarigo para todos.
Joaquim Mexia Alves
Monte Real, 5 de Agosto de 2011
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 23 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8595: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (32): Hoje almocei com o Joaquim Gaspar (Joaquim Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 27 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8609: (Ex)citações (144): O Google Maps é agora quem mais ordena ? A confusão de topónimos: A Bissorã do nosso tempo chama-se agora Califórnia ?!... Piada de mau gosto, erro técnico, distracção, estupidez etnocêntrica... ? (Manuel Joaquim, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã, Mansabá, 1965/1967)

Guiné 63/74 - P8645: Recortes de imprensa (44): Jornal Açoriano Oriental noticía em 1961 a partida para a Guiné da Companhia de Caçadores Especiais 274 (Durval Faria)

1. Mensagem do nosso camarada Durval Faria (ex-Fur Mil da CCAÇ 274, Fulacunda, 1962/64), com data de 31 de Julho de 2011:

Caro camarada
Junto envio texto do jornal Açoriano Oriental do ano de 1961, aquando da partida da Companhia de Caçadores Especiais 274.

Um grande abraço
Durval Carlos Simas Faria



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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 21 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8583: Facebook...ando (11): Partidas e chegadas... (Durval Faria, ex-Fur Mil, CCAÇ 274, Fulacunda, 1962/64)

Vd. último poste da série de 6 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8644: Recortes de imprensa (43): O pacto secreto de NINO com a PIDE, jornal TAL & QUAL, 14 Maio 1999 (Magalhães Ribeiro/Manuel Marinho)

sábado, 6 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8644: Recortes de imprensa (43): O pacto secreto de NINO com a PIDE, jornal TAL & QUAL, 14 Maio 1999 (Magalhães Ribeiro/Manuel Marinho)


1. Com a devida vénia e agradecimentos, publica-se hoje, para quem ainda não conhece, um documento que faz parte da história da guerra na Guiné. É um artigo do jornal TAL & QUAL, do dia 14 de Maio de 1999, da autoria do jornalista José Paulo Fafe. Recorda-se que Nino Vieira, então Presidente da República da Guiné-Bissau, enquanto foi vivo (27ABR1939 - 03MAR2009), lamentavelmente, que saibamos, jamais comentou publicamente os factos ali inclusos.

A postagem, em formato Word, contou com a preciosa e amigável colaboração do nosso Camarada Manuel Marinho (1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Nema/Farim e Binta, 1972/74), pelo que se registam igualmente os nossos melhores e devidos agradecimentos.


O pacto secreto de NINO com a PIDE
No dia em que Nino quis desertar…

Em Fevereiro de 1974, o antigo presidente Guineense Nino Vieira encontrou-se, na Suíça com um emissário da PIDE/DGS, para negociar os termos da sua rendição às tropas Portuguesas.

Poucas semanas antes do 25 Abril de 1974, o agora deposto presidente da Guiné, João Bernardo “Nino” Vieira, esteve a um passo de trocar as matas da Guiné então portuguesa por uma “vida condigna” em Lisboa.

Nos finais do mês de Fevereiro Nino Vieira – na altura comandante – geral das forças do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo-verde) – encontrou-se secretamente, na cidade suíça de Genebra, com um funcionário da Direcção-Geral da Segurança (DGS), com o objectivo de negociar os termos da sua rendição às tropas portuguesas.

A reunião, que culminou uma série de contactos em que os serviços secretos franceses (SDECE), jogaram um papel determinante, serviu para que Nino transmitisse pessoalmente ao enviado português as suas condições para abandonar a luta guerrilheira; que os seus homens não fossem molestados, aceitando ou não, integrar as forças portuguesas; e ser evacuado juntamente com a família para Lisboa, onde o governo português lhe teria de criar condições para manter um nível de vida aceitável.

NEGOCIAÇÕES

Tudo tinha começado algumas semanas antes, quando Alexandre de Marenches, chefe da “secreta” francesa, se deslocara a Portugal, para manter uma das habituais reuniões de trabalho com o seu amigo Agostinho Barbieri Cardoso, o “homem forte” da polícia portuguesa.

Nesse encontro em que a partir de certa altura foi chamado a participar o inspector-adjunto, Abílio Pires, Marenches puxou a questão guineense, perguntando: “Porque é que vocês não voltam a sentar-se à mesa com o PAIGC?”.

Barbieri Cardoso não hesitou um segundo em responder negativamente à sugestão do chefe do SDECE, argumentando que, se Marcelo Caetano tinha proibido Spínola de prosseguir os contactos com os guerrilheiros guineenses – encetados em 1972, através do presidente senegalês, Leopold Senghor – não iria permitir à DGS fazê-lo.

Diplomaticamente, Marenches insistiu no tema e, segundo Abílio Pires, que chefiava o CI2 (o departamento da DGS encarregue de recolher e tratar as informações referentes ao Ultramar e estrangeiro), “garantiu a boa vontade de Senghor e os bons ofícios do coronel Belial Ny, ao tempo inspector-geral das Forças Armadas do Senegal”.

Barbieri manteve-se inflexível e voltou a invocar a recusa do governo em autorizar qualquer tipo de contactos com os homens do PAIGC.

Mas Marenches dispunha de um “trunfo” que, aparentemente, deixou o “número um” da polícia portuguesa de boca aberta. “Os meus serviços possuem informações que nos permitem concluir que o vosso governo se prepara para manter contactos com os guineenses através dos serviços secretos ingleses e não lhe escondo que essa situação é, do nosso ponto de vista, intolerável”.

Segundo Abílio Pires, ”a impassibilidade do rosto de Barbieri Cardoso não me permitiu concluir se estaria ou não, a par desse facto”.

A verdade é que, como viria mais tarde a saber-se (através de uma reportagem do jornalista José Pedro Castanheira publicada no semanário “Expresso”, em Março de 1994), o governo português estava a ultimar os preparativos para dois meses mais tarde, enviar o diplomata José Villas-Boas a Londres para se avistar com três representantes do PAIGC, num encontro promovido e mediado pelo Foreign Office, que teve lugar no apartamento 535 da Dolphin Square. E, logicamente, as autoridades de Paris não estariam nada interessadas em que os ingleses começassem a intrometer-se na área da chamada África francesa…


“Padre”

Foi então que Abílio Pires encontrou uma ocasião propícia para sugerir algo que há muito defendia – que em lugar de imiscuir-se em negociações directas com os guerrilheiros, a DGS promovesse a deserção de destacados combatentes do PAIGC.

Mais de um quarto de século após a reunião que o juntou a Marenches e a Barbieri, o então inspector-adjunto justifica a sua proposta: “Se era verdade que o moral das nossas tropas não era o melhor, não era menos verdade que as coisas não estavam famosas do lado deles, até porque existia uma guerra surda entre guineenses e cabo-verdianos”.

E adianta Abílio Pires: ”era a altura ideal para que tentássemos promover a deserção de gente como o Nino Vieira, de modo a levá-los a serem eles a pedir negociações”.

A proposta de Abílio Pires desanuviou o ambiente algo tenso que, a partir da revelação de Marenches sobre os contactos mediados pelos serviços ingleses, se tinha instalado na sala do primeiro andar da Rua António Maria Cardoso, onde Barbieri possuía o seu gabinete. Até porque – o próprio Barbieri têlo-ia referido explicitamente – uma tentativa de estimular a deserção de destacados combatentes de forças inimigas nunca poderia ter a oposição do poder político, bem antes pelo contrário.

O momento era único. A “ Operação Guidaje”, onde o PAIGC tinha sofrido uma pesada derrota, desmoralizara os guerrilheiros e a sucessão de Amílcar Cabral, assassinado um ano antes, tinha deixado feridas insanáveis entre os combatentes independentistas, com guineenses e cabo-verdianos a não esconderem fortes divergências, tanto a nível étnico como ideológico.

O hoje general João Almeida Bruno, que conhece aquela antiga colónia portuguesa como as suas mãos, definiu ao “T&Q”, Amílcar Cabral como o “Cimento entre guineenses e cabo-verdianos do PAIGC”.

A partir do seu desaparecimento, na opinião de Almeida Bruno, “tudo se desmoronou”, com as inevitáveis lutas intestinas a debilitar a organização nacionalista.

A reunião terminou com o acordo, entre os responsáveis da DGS e do SDECE, em desenvolver acções no sentido de abordar Nino Vieira.

Peça fulcral em todo este processo seria um agente, simultaneamente ao serviço das “secretas” francesa e portuguesa, cujo nome de código era “Padre” ou “Abbé”.

De origem fula, radicado em Conakry, este informador tinha nos últimos tempos, colaborado incessantemente com as autoridades portuguesas (ver em baixo: SENEGAL, 30 DE Junho de 1973…) e mostrava-se uma “peça essencial” na área das informações.

O primeiro contacto com Nino Vieira foi promovido pelos homens do SDECE e nas palavras de Abílio Pires, “correu inesperadamente bem”.

O guerrilheiro mostrou-se disponível para encontrar-se com um representante da DGS em terreno neutro e, à partida, não escondeu o seu desejo em abandonar a luta.


Siderado

O segundo e último encontro deu-se em Genebra, na Suíça, em finais de Fevereiro.

Um funcionário intermédio da DGS – “até para não envolver formalmente a organização”, nas palavras de Abílio Pires – e o próprio Nino Vieira dialogaram por algumas horas, tendo o líder guerrilheiro colocado apenas as duas condições anteriormente referidas: os seus homens não serem molestados e ele e a sua família serem acolhidos em Lisboa.

Na capital portuguesa, entre os responsáveis da DGS a par destes contactos, a disponibilidade de Nino Vieira foi recebida com entusiasmo.

A consumar-se a sua deserção, a polícia portuguesa marcava pontos e acentuava mais a sua indispensabilidade na guerra do Ultramar, algo que, ainda hoje, os próprios militares reconhecem.

Os preparativos para acolher Nino Vieira e a sua família começaram então a ser tratados ao mais alto nível da DGS.

Questão essencial era encontrar um colégio para onde a filha de Nino fosse estudar, bem como escolher uma residência onde a família Vieira pudesse, em segurança, passar os primeiros tempos na então metrópole.

Anos mais tarde, em declarações ao jornalista José Manuel Barroso, o então ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Patrício, confirmou ter conhecimento dos contactos que a DGS manteve com Nino, “embora eles não fossem da minha direcção”, o que pressupõe que o próprio Marcelo Caetano estaria ao corrente das diligências levadas a cabo pelos homens da António Maria Cardoso.

Simultaneamente, Abílio Pires foi encarregado de viajar até Bissau para informar o brigadeiro Bettencourt Rodrigues – que tinha sucedido a António Spínola como governador da Guiné – das diligências que no maior dos segredos, a DGS tinha levado a cabo nos últimos meses.

Uma viagem que nunca chegou a efectuar, até porque a intentona militar de 16 de Março, que precedeu o 25 Abril, levou a que todas as atenções da política se centrassem na situação interna.

Poucos dias após o golpe militar que derrubou o regime – e já preso em Caxias – Abílio Pires recebeu uma visita de um oficial da 2ª Divisão do Estado Maior do Exército, seu velho conhecido das reuniões do Conselho de Segurança Interna, o então major Bacelar Begonha.

É que um relatório de Pires sobre a operação destinada a promover a deserção de Nino Vieira tinha sido encontrado na sede da DGS e, segundo o major Begonha o general Spínola teria ficado “siderado” ao lê-lo….

SENEGAL, 30 DE Junho de 1973…


Tudo indica que a vontade de João Bernardo “Nino” Vieira abandonar a luta guerrilheira datava já de 1973, quando o PAIGC se preparava para eleger o substituto de Amílcar Cabral – assassinado a 20 de Janeiro daquele ano, em Conakry – à frente daquele movimento nacionalista.

Nessa altura as divisões entre guineenses e cabo-verdianos eram notórias e o mal-estar tinha-se instalado no seio do PAIGC, onde Aristides Pereira (que mais tarde viria a ser presidente de Cabo Verde) era o candidato natural à sucessão de Cabral. No Verão desse ano e apesar de algumas movimentações feitas pelos seus incondicionais, caso do guineense Fidélis Almada, Nino tinha compreendido que, apesar do seu prestígio militar, não possuía condições para ascender á liderança do PAIGC – o que só veio a ocorrer após a independência, quando, a 14 de Novembro de 1980, chefiou um golpe de estado que depôs o presidente Luís Cabral.

ENCONTRO

Num documento intitulado “Guiné: uma diligência interrompida”, o já falecido tenente-coronel António Vaz Antunes refere um encontro em território senegalês que, no dia 30 de Junho de 1973, teria mantido com um representante pessoal do próprio Nino Vieira. À reunião organizada pelo já referido “padre”, deveria comparecer o então general Spínola, mas atrasos motivados pelas comunicações entre Cuntima e Bissau, impediram a sua presença.

O encontro teve lugar alguns dias depois da bem sucedida “ Operação Guidaje” (comandada pelo hoje general João Almeida Bruno e onde o PAIGC perdeu cerca de uma centena de combatentes, além de várias toneladas de armamento e munições) e o seu interlocutor foi direito ao assunto, não escondendo algum desânimo e muito pessimismo no evoluir da guerra “Já chegamos à conclusão de que sozinhos, não somos capazes de fazer uma Guiné melhor”.

Assim, segundo Vaz Antunes, o representante de Nino, após ter admitido existirem fortes divergências no interior do PAIGC entre guineenses e cabo-verdianos, teria proposto que em dia e hora que se combine, acaba a guerra e nós seremos integrados nas forças da Guiné, sem recriminação ou vingança”.

IRRITAÇÃO

O tenente-coronel Vaz Antunes, que tinha comparecido ao encontro sem dar cavaco aos seus superiores, ouviu e prometeu contactar de imediato o general Spínola, o que veio a fazer ao fim da tarde do dia seguinte já em Bissau.

A primeira reacção do general do monóculo não foi propriamente simpática.

“Então o senhor não sabe que proibi todos os contactos? Não sabe o que aconteceu aos três majores?!” – explodiu referindo-se à tentativa de abertura de conversações com o PAIGC, que resultou na trágica morte dos majores, Passos Ramos, Magalhães Osório e Pereira da Silva em 1970.

Mas após alguns momentos de irritação, Spínola não resistiu a que Vaz Antunes lhe contasse ao pormenor os detalhes do seu encontro em território senegalês – e quando o tenente-coronel terminou o relato levantou-se e foi abraçá-lo: “Mal sabe você o alto serviço que acaba de prestar à Nação!”.

Pedindo-lhe o maior segredo sobre o caso, acto contínuo, o general contactou telefonicamente o inspector António Fragoso Allas, ao tempo a chefiar a DGS na Guiné, e que ocasionalmente se encontrava de licença, mandando-o regressar de imediato a Bissau: “Tenho aqui uma coisa importantíssima que requer a sua presença”.

Dois dias depois, Vaz Antunes regressou a Farim onde, a par da passagem de alguns helicópteros que transportavam interlocutores encarregues de dar continuação aos contactos por ele encetados, apenas observou “uma tranquilidade esperançosa”.

Um mês depois, este oficial entrou de licença e, em Lisboa, teve conhecimento da substituição de António de Spínola pelo brigadeiro Bettencourt Rodrigues à frente da administração portuguesa da Guiné

“Ouvi os discursos e, pareceu-me estarem em dessintonia com tudo o que se tinha passado, o que muito me surpreendeu”.

O que, então Vaz Antunes desconhecia é que Spínola amuado por Marcelo Caetano ter-se recusado terminantemente a “cobrir” politicamente, os seus contactos com certos sectores do PAIGC, tinha apresentado a sua demissão do cargo de governador da Guiné…
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Nota de M.R.: