terça-feira, 8 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9013: (Ex)citações (153): Oleg Ignátiev e a biografia de Amílcar Cabral (Mário Beja Santos / Mário Serra de Oliveira)

 

No seguimento da publicação dos postes 8995 e 9006 (Amílcar Cabral, a biografia romanceada de Oleg Ignátiev), de autoria do nosso camarada Mário Beja Santos, integrados na série "Notas de Leitura", ocorreu uma troca de mensagens entre o autor destas Notas e o mais recente Mário da nossa tertúlia, o camarada Mário Serra de Oliveira - que permaneceu uns anos na Guiné-Bissau depois da sua passagem à disponibilidade, e após a independência daquele país, até 1981 - que passamos a reproduzir:



i) - Mensagem de Mário S. de Oliveira com data de 6 de Novembro de 2011, dirigida a Mário Beja Santos:

Olá Amigo e Camarada Mário Beja Santos!
É um prazer contactar contigo tendo por tema esse tal Olev Ignatiev!...

É que, numa rápida análise que fiz aos teus comentários, chamam-me à atenção alguns pontos referidos e que, pontualmente farei referencia sobre cada um deles.

- Rafael Barbosa - que conheci pessoalmente durante a minha estadia na Guiné - Maio de 1967 a Dezembro de 1968, enquanto militar e, depois, até Agosto de 1981, já na vida civil.

- Grupo de estudantes foi enviado para a China - e que, sobre o qual, procuro alguns esclarecimentos.

Começando pelo último, gostaria de perguntar se acaso a informação a que tiveste acesso, indica que, desse grupo, fazia um tal Mário (tal como tu e eu) Mamadou Turé mas que dava pelo nome de MOMO TURÉ!...

A razão é que estou a terminar de alinhar os últimos retoques sobre um livro que já está escrito mas não publicado, onde entra parte da minha crítica a esse Olev Ignatiev porque, no livro "Três Tiros da Pide" de sua autoria, ele refere-se ao MOMO e a um restaurante - O PELICANO - do qual eu era encarregado geral.

Aconteceu que, o MOMO desapareceu - não compareceu ao serviço, no dia seguinte, logo após eu, minha mulher e irmã dela, meu irmão e mulher, minha irmã e marido, juntamente com alguns rebentos, incluindo a minha primeira e única filha, termos estado a celebrar (?) - foi isso que o MOMO nos disse, um aniversário de nascimento.

Aconteceu que, logo no dia seguinte, me aparecem três agentes da PIDE no Pelicano, a fazer perguntas sobre o MOMO.

Não adiantando entrar sobre qie tipo de perguntas, o certo é que, eu achei muito estranho que eles soubessem do desaparecimento dele. Nem 24 horas tinham passado!

O ponto é que, mais tarde, MOMO foi acusado - e fuzilado consequentemente - de ter participado na morte de Amílcar Cabral com a conivência da PIDE, o que eu duvido.

Por um lado, talvez mas, olhando friamente para a situação política naquela época, e, de um modo geral para a repercussões a nível internacional, não seria "smart" - vivo nos EUA - aniquilarem uma figura como AM. Se aconteceu, deverá ter sido acidental.

No entanto, o OLEV narra os acontecimentos como - O MOMO foi trabalhar para o Restaurante Pelicano e pouco tempo depois desapareceu.

Ora... fui eu quem abriu o Pelicano - em 14-11-69 - e, foi durante a minha estadia no mesmo que a minha filha veio ao Mundo 6-9-70 (um ano). Momo assistiu ao primeiro aniversário dela - 6-9-71 - e continuou ao nosso lado por bastante tempo.

Esta coisa de "pouco tempo depois" é pouco clara. Eu estava lá, porque no dia da festa de anos(?) do MOMO tive o meu primeiro acidente de carro. Nunca esqueci que me despistei, e os cavalos foram beber água a uma bolanha.

Sobre o Rafael Barbosa só te digo que o conheci tão bem tão bem que tanto no Pelicano como mais tarde no meu próprio Restaurante - O NINHO DE SANTA LUZIA - ele me visitava porque, desde o Pelicano - onde ia periodicamente a falar com o MOMO - creio até que ambos estiveram juntos no Tarrafal. A bebida predilecta dele era "Laranjina C".

Olha... há um manancial de episódios - incluindo o planeamento de uma bomba no meu restaurante pelo próprio Rafael Barbosa que, só lá não foi colocada após palestra miinha, feita a todos os meus empregados, depois de - mais uma vez a PIDE - me ter chamado à Central para me informar deste plano.

Já depois da Independência, elementos do PAICG me confirmaram da razão porque é que lá tinha sido colocada uma bomba. Foi a minmha palestra com o meu pessoal.

Enfim... se quiseres podes passar estes comentários à Tertúlia, pois até creio que eles gostarão de saber.

Um abraço.
Mario S. de Oliveira
1.º Cabo Amanuense nº262 - BA 12- 
Guiné Maio de 67 a Dez. 68. 
Durante a Guerra, durante a Independência e após. Dava para escrever 10 livros. Estou no primeiro e a alinhavar o segundo.
Boa sorte a todos.


ii) - Resposta de Mário Beja Santos ao Mário Oliveira em 7 de Novembro:

Meu caro Mário,
O teu email foi uma bonita surpresa. Ficas a saber que o meu jantar de casamento foi em "O Pelicano", em 20 de Abril de 1970. Tomei a liberdade, dada a importância das tuas informações históricas, de repassar o teu email para dentro do blogue.
Faz precisamente um ano, estive na Guiné, parei demoradamente em frente a "O Pelicano", é uma completa ruína. Se gostares, envio-te a fotografia que então tirei.

Não sabia de tantas histórias do Momo, não dou grande crédito às versões que correm relativamente à natureza da conspiração do assassinato de Amílcar Cabral devido à manipulação pela PIDE. Ainda recentemente, nas memórias do guerrilheiro Bobo Keita vem referido que Osvaldo Vieira passou uma boa parte do dia 20 de Janeiro de 1973 na companhia de Inocêncio Kani – a confirmar-se, deita completamente por terra a tese do braço longo da PIDE.

Bom seria que tu desatasses a escrever sobre aqueles tempos, tens seguramente memórias do maior valor para aquele período da história da Guiné.

Recebe um abraço do
Mário



iii) - Mensagem de Mário Oliveira para Beja Santos em 8 de Novembro

Amigo Beja Santos 
Se o teu casamento foi no PELICANO, deves de ter fotos não? Sabes, na ocasião, por um motivo ou por outro, eu não era muito de tirar fotos. Estou arrependido. Sei que existiam algumas em Portugal - inclusive o MOMO com a minha filha ao colo. Obviamente ficaria encantado por receber algumas fotos do Pelicano.
Agradeço antecipadamente.

Sobre o que sei, poderá ser tudo relativamente superficial, sem base certa. Por isso é que entrei em contacto com um ainda primo - e quando digo ainda é porque ainda vive e que, não sendo primeiro primo, é primo em segunda ou terceira. Ele era rádiotelegrafista na DGS, e à pergunta feita por mim sobre se me podia adiantar algo sobre o envolvimento da PIDE, a resposta foi que não. Que não havia interesse político em liquidarem uma pessoa como AC. Internacionalmente seria muito grave. Acredito.

O certo é que a determinado momento, o MOMO me aparece no PELICANO com uma motorizada Suzuki - transporte ideal para o movimento nos trilhos da floresta e que, não havendo muita verba, ele me disse que lhe tinham dado crédito. Eu tinha visto alguns visitantes do Pelicano - que mais tarde soube estarem ligados à DGS.

Havia ainda o facto de Rafael Barbosa ser uma assídua visita ao MOMO no Pelicano. Até que ponto se interligava fosse o que fosse não sei. Só achei muito estranho que, menos de 24 horas depois do MOMO desaparecer, me aparecer a DGS - 3 agentes - a questionarem-me sobre o paradeiro dele. E, à minha resposta negativa, vem a outra - mais suspeita ainda - se ele não me tinha dito para onde tencionava ir. Isto é factual.

Agora, o estar por detrás da morte de um individuo talvez pudesse ser contraproducente, o estar por detrás da fuga, creio, o fantasma ganha mais 'pernas' na última.

Por isso, e como já passou tanto tempo, creio que alguém ligado à DGS, deve ter a 'chave' do puzzle.

Se quiseres, podes passar à Tertúlia. Muitos se irão surpreender com alguns comentários reais.

Um abraço.
do Mário para o Mário
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8945: (Ex)citações (152): Strela, a ameaça ao domínio dos céus do ultramar português - Apreciação de António Martins de Matos ex-Ten Pilav, Bissalanca, 1972/74

Guiné 63/74 - P9012: Blogoterapia (191): Na varanda e a Guiné-Bissau (Carlos Filipe)

1. Mensagem do nosso camarada Carlos Filipe Coelho* (ex-Soldado Radiomontador da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 5 de Novembro de 2011:

Carlos Vinhal,
Mais um dos textos que tenho escrito últimamente.
Fica ao V. critério.
Depois de velho e esquecido, é que me está a dar para isto....

Cumprimentos e um abraço.
Carlos Filipe


Foto: © Carlos Filipe (2011). Todos os direitos reservados.


Na minha varanda e a Guiné

Na minha varanda e de janelas abertas, chega-me o cheiro intenso de mato queimado nas redondezas, nesta madrugada.
Sinto-me olhando o vazio, como orbitando a Guiné-Bissau em Galomaro, nesta noite sem luar.
Vejo e ouço, as pequenas fogueiras e o burburinho das vozes sentadas à entrada de cada tabanca.
A minha busca de uma delas no meio do labirinto das mesmas, o cheiro da sua palha rendado com outros cheiros, produz-me ânsia e ligeiro desnorte.

Com as estrelas da noite como testemunha e como guias, com a ténue luz das pequenas fogueiras..., procuro no burburinho das palavras de cada família as silabas que me permitam a comunicação. "Corpo de bô ?" "Manga de sibe", "Jametum", etc.

Beber um trago de álcool de cana, fraternalmente oferecida, concerteza com raivas contidas, e que eu obstinadamente não me sentia o destinatário..
Sentia-me honrado, pela hospitalidade, no meio de pessoas com rostos quase esbatidos pela escuridão.
E vezes sem conta, procurando dar melodia de esperança a curtíssimos diálogos nunca concluídos, sobre algo que estava para além de mim, outros berros de outras bocas mortíferas, se escutavam de vinte, trinta, quarenta quilómetros de distância.

Minha farda se transformava, no pano de fundo de cena, e toda a empatia se desvanecia na plateia à porta da tabanca.
Nossas bocas fechavam-se e só os olhares dialogavam interrogando o culpado.
Contudo, a cada noite nascia o dia com a alegria sofredora das gentes no cultivo, na bolanha, nos afazeres da tabanca ou simplesmente embelezando ainda mais frondosas florestas.
E eu, eu frequentemente voltava a renascer na esperança de encontrar esse trilho, para o qual não tive tempo de o percorrer, para alcançar uma floresta de onde se partia novamente em direcção a um palco onde decorria a peça da luta pela liberdade e independência.

Gosto muito de ti, Guiné-Bissau.

Carlos Filipe,
Out. 2011
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9004: Estórias avulsas (117): Posto avançado ou vala comum? (Carlos Filipe)

Vd. último poste da série de 4 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8996: Blogoterapia (190): É bom ter amigos (António Martins de Matos)

Guiné 63/74 - P9011: Memória dos lugares (161): O cais do Xime e a solidão do Rio Geba... (Torcato Mendonça)




Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > 1968 ou 1969  > O Rio Geba e o cais do Xime > Fotos falantes (Série II), do nosso colaborador permanente Torcato Mendonça (ex-Alf Mil Art, CART 2339, Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69).  Texto de L.G.


Legendas: De cima para baixo: (i) cais do Xime, com guindaste; (ii) aproximação de dois barcos civis: (iii) população local (da tabanca do Xime) na margem  esquerda; (iv) o fotógrafo, assitindo a um mágico pôr do sol, tendo a seus pés o Rio Geba e a sua imensa solidão... 

Fotos: © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados


1. O cais do Xime...  Era aqui que começava  a  "autoestrada" do leste... Dezenas e dezenas de batalhões, centenas de companhias e outras subunidades, milhares e milhares de camaradas, milhares de viaturas,  milhares e milhares de toneladas de géneros, munições e outros artigos que alimentavam o "ventre da guerra", passaram por aqui, a caminho de Bambadinca, Bafatá, Nova Lamego, mas também no sentido inverso, ao longo dos anos da guerra (1963/74)... 


No final, a estrada alcatroada já ia do Xime até para além de Piche, até à ponte de Caium, não sei mesmo se chegava a Buruntuma, na fronteira com a Guiné-Conacri... As ligações de Bissau, centro nevrálgico da guerra, com o leste só se podia fazer, de barco (pelo Rio Geba: até ao Xime; e, para os barcos mais pequenos, civis, até Bambadinca e nalguns casos Bafatá), ou então por via aérea (o Dakota podia aterrar em Bafatá e Nova Lamego). No final da guerra, ainda se construía o troço de estrada, alcatroada,  Jugudul-Bambadinca (que iria permitir a ligação de Bissau com o leste, atravessando a região do Oio, mas também o sul (via Badora e Corubal). 


No Xime havia uma unidade de quadrícula... e do outro lado do rio, na margem direita, um destacamento (1 Gr Com reforçado) em Enxalé. O aquartelamento do Xime dispunha de três obuses 10,5.

Recorde-se o seguinte; (i) o Geba Estreito, a partir do Xime, só era agora navegável através de LDM e LDP, e de barcos civis (em geral ao serviço da Intendência); (ii) as LDG (Lanchas de Desembarque Grandes) faziam o transporte de tropas e equipamentos e só chegavam ao Xime; (iii) entre 1961 e 1976, foram construídas, para serviçod a Marinha Portuguesa,  65 LDM e 26 LDP, dois terços das quais se destinaram à Guiné; (iv)  as LDM dispunham de uma peça Oerlinkon Mk II de 20 mm e duas metralhadoras MG 42, a sua velocidade máxima era na ordem dos 9 nós e podiam transportar uma força de 80 homens.


2. Ao que eu saiba ou me lembre, o IN de então, que com frequência flagelava o Xime e o Enxalé, nunca intentou, no meu tempo (e no nosso tempo, meu e do Torcato, que esteve no setor até ao último trimeste de 1969), levar a cabo nenhuma ação contra esta estratégica infraestrutura portuária (por ex., minagem)... Muito provavelmente por que não longe dali, a montante e a jusante do cais do Xime,  havia pelo menos dois ou mais importantes pontos de cambança do Rio Geba, permitindo a  ligação da frente sul à frente norte, através do Enxalé (e também do Geba Estreito, no Mato Cão)...  

Isso mesmo reconheceu o comandante Bobo Keita, nas suas memórias, quando Amílcal Cabral propôs o seu nome, para substituir o comandante da Zona 7, Mamadu Indjai, gravemente ferido pelas NT (e mais concretamente pela CART 2339) na Op Anda Cá (em 15 de Agosto de 1969). (Mamadu Indjai estará mais tarde implicado no assassinato de Amílcar Cabral, em 20 de Janeiro de 1973, juntamente com Inocêncio Cani e outros, tendo sido executado, a crer no depoimento de Bobo Keita)...


"Ofereci-me para lá ir esperar o restabelecimento do Mamadu Indjai. Cabral disse-me que podia então lá ir  por 15 dias pois era um lugar importante na estratégia da luta.  Ficava nas regiões de Xime, Bambadinca e Xitole. Era um triângulo   onde se encontrava uma cambança que permitia passar para o Norte [, região do Óio,] através do rio Geba, via Inchalé [sic]. Fui para 15 dias e fiquei lá nove meses. Era um lugar difícil" (In: Norberto Tavares de Carvalho - De campo em campo: conversas com o comandante Bobo Keita. Porto, ed. de autor, 2011, p. 134).

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segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Guiné 63/74 – P9010: Memórias de Gabú (José Saúde) (13): Bafatá, cidade acolhedora

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabú) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série.



BAFATÁ, CIDADE ACOLHEDORA
UM OLHAR SOBRE O GEBA

Cativava-me uma viagem a Bafatá! E foram muitas as jornadas àquela cidade guineense. Um olhar lançado sobre o rio Geba, ao cimo da rua principal, deleitava espíritos de jovens militares que, no mato, se deparavam com a frequência de imensos problemas de índole diversa. A guerrilha, sempre activa, quebrava permanentemente a monotonia de tropas dispersas por toda a região.

Uma ida a Bafatá simbolizava uma ida à “civilização” para militares entregues a um profundo isolamento. A cidade debruçava-se sobre o leito do rio Geba, um portentoso curso de água guineense que ao longo da guerra registou inúmeras histórias fatídicas. Bafatá era, também, boa anfitriã.

As minhas idas a Bafatá baseavam-se em colunas de reabastecimentos. A estrada que unia, e une, Bafatá e Gabú era asfaltada. A distância que separava as duas cidades, rondavam os 45 kms, julgo. Lembro-me de uma ocasião em que o Major Óscar Castelo Silva, segundo comandante do BART 6523 de Gabú, me pediu para o acompanhar a Bafatá. Tendo em conta a distância e o ambiente de guerra que se vivia, disse-lhe que “preparava o grupo e o meu Major levava o jipe com o condutor”. Resposta: “Não, você acompanha-me, armado, e iremos os três”.

E lá nos fizemos à estrada. Confesso que a certa altura cheguei a ter receio da aventura. Havia quilómetros de mato denso. Sabia que esse trajecto, todo feito em alcatrão, não oferecia problemas de maior. Regressámos sem nada se registar.

Bafatá foi também um azimute traçado quando um dia subi o rio Geba. Embarquei em Bissau e ancorei no Xime. As ligações para Gabú, via aérea, complicaram-se. Esperei alguns dias, comparecia nos Adidos (estrada que unia Bissau a Bissalanca) e a resposta negativa mantinha-se. Aguardavam ordens, diziam-me. Numa manhã, já desolado com a situação deparada, colocaram-me como hipótese a minha ida para Gabú via fluvial. Disse prontamente que sim.

Nunca imaginei uma viagem tão atribulada. A lancha da marinha – LDG – ia cheia que nem um ovo. Os negros transportavam consigo vários apetrechos pessoais. Nem a galinha faltou à chamada!

Ao chegarmos à zona do “mato cão”, e com o rio a estreitar as suas margens, o comandante da embarcação mandou-nos deitar. “Nem uma cabeça a ver-se do exterior”, avisou. Os marinheiros, já feitos com a dita viagem, agarraram-se às metralhadoras e fez-se silêncio. O “cabo Bojador” foi ultrapassado e, desta feita, ficou isento de eventuais novidades.

Ao que me foi dado saber a zona era extremamente perigosa. Contava-se que aquela viagem já tinha conhecido contornos fatais resultantes de ataques do PAIGC a partir das margens do rio.

A navegar, depois, já em águas fluviais mais “calmas” ancorei no cais do Xime. Seguiu-se uma viagem que cruzou Bambadinca, Bafatá e, finalmente, Gabú.

Bambadinca era também conhecida como a terra do Tenente Jamanca, um negro de corpo franzino, estatura baixa e que comandava a companhia de milícias Companhia de Caçadores 21.

A rua principal de Bafatá com o Geba ao fundo
Cais do Xime – 1973
Um abraço a todos os camaradas,

José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Fotos: © José Saúde (2011). Direitos reservados.
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

1 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 – P8979: Memórias de Gabú (José Saúde) (12): O descanso do guerreiro

Guiné 63/74 - P9009: Ser solidário (115): Poço em Farim do Cantanhez (José Teixeira)

1. Mensagem de José Teixeira* (ex-1.º Cabo Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), membro da Direcção da Tabanca Pequena, Grupo de Amigos da Guiné-Bissau (ONGD), com data de 7 de Novembro de 2011:

Caros editores
A Tabanca Pequena – Grupo de amigos da Guiné-Bissau, ONGD deu mais um passo em frente no seu projeto: Sementes e água para a Guiné-Bissau com a abertura do poço de Farim do Cantanhez.

Pedia o favor de colocarem no blogue esta feliz novidade.

Abraço fraterno do
Zé Teixeira


Poço em Farim do Cantanhez

A Associação Tabanca Pequena - Grupo de Amigos da Guiné-Bissau, ONGD abriu mais um poço de água potável. Desta vez foi a Tabanca de Farim de Cantanhez a beneficiada.

Farim de Cantanhez fica no interior da mata do Cantanhez, logo a seguir a Iemberém, bem lá no sul da Guiné-Bissau. Terra que pelo seu isolamento – falta de estradas e clima adverso – tem sido esquecida pelos governantes, apesar de ter sido um dos maiores, senão o maior, centro nevrálgico da guerra colonial, pelo tipo clima agressivo, pela mata fechada e por estar junto à fronteira com a Guiné-Conakry. Dizia-me em Abril passado um antigo guerrilheiro do PAICG que percorria toda a mata do Cantanhez, da fronteira até Buba em pleno dia, sem medo da aviação tuga, dado a frondosa vegetação que lhe possibilitava rápido esconderijo. Era atravessada pelo “carreiro da morte” ou “estrada da liberdade” conforme os contendores se portugueses ou patriotas, que tanto sangue fez correr. Por ali passavam as armas, munições e bens de sobrevivência da guerrilha. Ali se acoitavam depois das refregas com a tropa portuguesa, para se esconderem e ou retemperarem forças. Ali tinham o seu hospital de campanha e bem perto, do lado de lá da fronteira a maior base logística.

Centro de Farim de Cantanhez
Imagem Google

O número de habitantes no Cantanhez tem vido a crescer. Onde há uma “lala”, logo aparece uma família a construir a sua morança, a sua tabanca.
Farim assim surgiu. Tem na sua génese antigos guerrilheiros ali colocados pelo PAIGC, idos do Norte da região de Farim, que após a independência por lá se deixaram ficar e constituíram família. Hoje aglutina pessoas de diversas etnias e origens que ali se instalaram. São cerca de quinhentos adultos e cento e vinte crianças.

As estruturas de sobrevivência, nestes casos de instalação “selvagem” são sempre as mínimas. É bastante e suficiente uma lala, uma bolanha, madeira para a construção das moranças, o que não falta, e, água, a qual nem sempre anda por perto.
Hoje, graças à acção da nossa Associação, têm ali dentro da Tabanca, um poço com sistema elevatório movido a energia solar, um depósito e uma torneira. Um milagre que os faz cantar e dançar de alegria. Um sonho de longa data, sobretudo das mulheres, que passavam grande parte do seu dia a caminhar pela mata dentro, debaixo de sol abrasador à procura de água, sendo a fonte mais próxima a cerca de três quilómetros de distância.
Só quem lá vive, ou quem por lá passou pode sentir a profundeza de tal milagre - água potável ali à porta.



A Tabanca Pequena – Grupo de Amigos da Guiné-Bissau em parceria com a AD-Acção para o Desenvolvimento, que no terreno dinamizou a construção por administração directa, responderam ao desafio para transformar o sonho em realidade. O poço foi aberto, o depósito colocado num lugar bem alto, a energia solar alimenta a bomba submersível e a torneira simples e funcional ali está a debitar água fresca.
Bem hajam todos quantos colaboraram neste projecto.

Partamos para novas aventuras.

Na tabanca de Djufunco lá no Norte vão começar as obras de abertura de novo poço, logo que o tempo o permita. O Capital necessário foi obtido no Torneio de Ténis organizado pela Escola de Ténis da Maia com o patrocínio da Câmara Municipal, graças à dinâmica dos alunos Sandra Ribeiro e Pedro Barros e do professor Nuno Carvalho.

Outra Tabanca apela ao nosso esforço. É Cauntchinque, também no Cantanhez.
Tem uma população de cerca de 480 pessoas e 100 crianças. Vamos alimentar o sonho dos seus habitantes, sobretudo as mulheres e crianças que vão buscar o precioso líquido a cerca de dois quilómetros. É para este projecto que estamos a centrar todos os nossos esforços. O resultado do jantar de Natal que a Tabanca Pequena vai organizar no próximo dia 3 de Dezembro vai ser canalizado para este novo projecto.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8927: Ser solidário (114): Farim do Cantanhez já tem água potável, com o apoio da Tabanca Pequena de Matosinhos (AD - Acção para o Desenvolvimento)

Guiné 63/74 - P9008: Os nossos Seres, Saberes e Lazeres (36): Palavras de um senhor defunto, um livro de Mário Serra de Oliveira (3): Autobiocómica: Nascimento, Educação e Amores

1. Continuando a apresentação do livro "Palavras de um senhor defunto",  de autoria do nosso camarada Mário Serra de Oliveira* (ex-1.º Cabo Escriturário, Bissau, 1967/68), publicamos hoje a primeira parte da sua Autobiocómica.


PALAVRAS DE UM SENHOR DEFUNTO

AUTOBIOCÓMICA (1)

Nascimento e propósito

O autor, veio ao mundo numa época bastante conturbada, quando quase todos os povos do Mundo andavam em guerra.
Nasceu a 15 de Janeiro de 1945 mas, derivado a que, na aldeia onde nasceu - o Alcaide - o meio de transporte mais usado era ‘a burra ou o burro’ – conforme o autor salienta várias vezes nas páginas deste livro – o registo de nascimento só foi feito dois dias depois – 17-1-1945.

Aconteceu que, conjuntamente com a humidade que existia em Janeiro, a qualidade do papel usado para os registos - de mortos e vivos - era muito relesinho, tipo papel-pardo-mata-borrão - a pontinha no cimo do ‘1’, para a esquerda, e a base tipo-tracinho abaixo do ‘1’ do número 15 ‘marearam’ pelo papel afora, transformando-se quase num dois.
Digo... quase num ‘2’ mas, na realidade é que assim foi porque, quando mais tarde foi necessário pedir uma cédula de nascimento... aconteceu que, a pessoa a cargo dos arquivos - que até era o professor da aldeia... ou, melhor dizendo, o professor dos alunos lá da aldeia - insistiu que - estivesse ele ‘c´os copos’ ou não e, como tal, se calhar já via ‘duplo’ (1+1) - insistiu... como dizia antes... que, o ‘1’ era um ‘2’!... Deste modo, não havendo forma de resolver o assunto, o autor ficou oficialmente registado como se tivesse vindo ao mundo a 27 de Janeiro de 1945.

Tanto que assim era, era que até acontecia que, alguns dos mortos registados como tal, continuaram a viver por mais algum tempo - uns mais outros menos, dependendo da circunstâncias - quando foi necessário aos familiares do ‘já defuntado’ solicitar uma certidão de óbito, o zeloso oficial guardião dos arquivos - o mesmo professor - insistiu que, quando o mesmo era um facto de ter morrido num ano a terminar em “1” - como exemplo - um morto mesmo morto em 1941, o dito oficial insistia que só tinha morrido em 1942 devido a que, o ‘1’ também tinha mareado!...

Mas, em referência ao autor, mesmo assim, atrasado por causa ‘deste pequeno precalço’, ainda veio a tempo para acabar com o flagelo da guerra que ‘flagelava’ quase o mundo inteiro!... Obviamente, tratando-se de por fim a tão grande conflagração, mais semana menos semana até nem tinha muita importância porque, o importante era acabar mesmo com a mesma!...
Este fim foi alcançado após cerca de 4 meses da vinda do autor ao mundo... e, devido a que nem gatinhava ainda, teve que pedir boleia a vários burros e burras, para chegar ao local onde os intervenientes do conflito, andavam mais assanhados!... Por fim, em Maio de 1945, alcançou o objectivo – missão primária do seu ‘envio’ à Terra... embora trouxesse como missão secundária, ‘o brincar aos meninos’, com garotas lá da aldeia do autor!...

A infância do autor foi rodeada de fértil abundância de ‘falta de tudo e mais alguma coisa’, tal como o ‘trinca-trinca do dia a dia’ e, também, do calçado que – para que conste – o primeiro par de botas, foi expressamente encomendado à prestigiosa fábrica italiana do ‘pé descalço’... a qual, ‘por não ter mãos a medir’, só pode satisfazer a encomenda feita, quando o autor fez exame da 4.ª classe, aos 11 anos!...
Convém mencionar que, a encomenda constou de um par de botas cujo cabedal foi seleccionado com todo o rigor, com monitorização do animal que viria a dar origem ao mesmo... a começar pela qualidade dos pastos onde o mesmo animal pastava para que, desse modo, fosse impedido qualquer tentativa do mesmo animal, de se aproximar de alguma erva ou arbusto menos fibroso o que, como é óbvio, causaria que a qualidade do cabedal a ser utilizado na confecção das botas, perdesse a elasticidade e a durabilidade desejada - esperada e necessária - perante tanta fartura de miséria que, saber-se-ia lá, quando é que, um novo par de botas seria possível adquirir na dita fabrica!...

Ao mesmo tempo, uma exigência feita era que, as solas, deveriam ser protegidas com protectores tipo blindagem, bem como a biqueira de cada bota, deveria ser revestida com uma chapa metálica previamente levada à forja, de modo a que a sua resistência aumentasse substancialmente para enfrentar qualquer eventualidade de sofrer escoriações previamente previstas, devido às antecipadas traquinices próprias de um ‘teen-ager’ e, por cima ainda, um ‘irrequieto, refilão e mal-criado’, conforme é mencionado nalgum lado nestas linhas, nalguma das páginas interiores deste livro!...

Uma outra exigência, era que, os atacadores deveriam ser suficientemente longos para que, quando o autor caminhasse pelas ‘avenidas’ lá da aldeia – quase todas térreas, arenosas e de pedregulhos de todo o tipo e tamanhos – pudessem ser atados um ao outro... ou seja, o atacador de uma bota devia de ser atado ao atacador da outra, para poderem ser carregadas ao ombro, a fim de se evitar qualquer ‘esfarrapadela’, quando caminhasse pelas ditas ‘avenidas’ da dita aldeia!...

A sola-couro a usar, deveria de, em conjunto com todos os outros requisitos já mencionados, ter origem num dos animais considerados ‘sagrados’, de modo a que – pelo sim pelo não – tivesse algum efeito ‘mágico’... uma espécie de influenciar religiosamente o autor, para que só calçasse as botas aos Domingos e em dia de Festa!... Isto, até talvez fosse possível de alcançar devido ao facto de o autor, conforme é referido nestas linhas, até andava bem embicado com a religião ao ponto de, conforme é também referido, até esteve quase... mas mesmo quase... a entrar para um seminário!...

Entretanto, antes que fosse tarde de mais... apesar da encomenda das botas ‘demorar tantos anos a ser satisfeita’... recebeu uma advertência que ainda hoje lhe está a ‘zunir’ nos ouvidos referente a que... ‘AI DELE’... o autor, claro... que algum dia tivesse o desplante de ir jogar à bola de botas calçadas!... Se se atrevesse a isso – e dele era de esperar tudo, se não fosse bem admoestado - eram uma vez umas botas ‘italianas’ pagas pela fartura da miséria existente na casa dos pais do autor!...

Bem, continuando com a descrição da ‘adolescência’ do autor... pois, com botas novas, lá fez a 4.ª classe mas, como se recusou a ir para o seminário, toca a alinhar a dar serventia a pedreiros... até lhe aparecer o primeiro ‘grande emprego’, altamente remunerado, quando, ao fim de seis meses sem ganhar, passou a receber 250 centavos (25 tostões) por dia... contribuindo, assim, desta forma, para atenuar o desgaste financeiro que os pais do mesmo faziam, diariamente, com 340 centavos de gastos, somente para o bilhete do comboio, de ida e volta, porque sempre era mais barato!...

Nota: O valor do bilhete de volta, só era contabilizado – e dado ao autor – nos dias em que ele fazia falta para regressar o mais rápido possível a casa... ou para melhor dizer a condizer com a realidade... ele, o autor, ao apanhar o comboio das 5:15 no Fundão, deveria de chegar ao Alcaide cerca das 5:30 e, claro, principalmente no verão, ao chegar à estação-apeadeiro (?) deveria fazer exercício – que até fazia e faz bem à saúde – correndo estrada acima, primeiro e caminho empedrado acima, serra cima, para se juntar à sua mãe ou a outro seu irmão que já lá andava numa das hortas arrendadas para que, ou incumbir-se de regar os feijões ou lá o que fosse e, também, para que carregasse de regresso um cesto com hortaliça, batatas, maçãs ou lá o que fosse!...
Claro que, no Inverno, como os dias anoitecem mais cedo – pelo menos lá na aldeia do autor... os pais do mesmo não tinham outro remédio do que financiar a viagem de regresso, abonando o valor suficiente para ida e volta.

Aqui, neste ponto, o autor... que sempre pensou por si mesmo, sem medir as consequências e sem pedir a opinião de ninguém... querendo tentar ludibriar a sua progenitora, que o mesmo será dizer, a sua própria mãe, que lhe dava os 340 centavos diariamente, na antecipação quase garantida de que, se acaso lhe desse mais do que isso, ele – o autor – poderia entusiasmar-se com tanta fartura e gastá-los em rebuçados, daqueles que tinham embrulhados bonecos de jogadores de futebol!...
Mas, pior ainda, poderia vir a perdê-los se ele decidisse ‘trocar as voltas’ à mãe e, em vez de apanhar o comboio, decidisse correr pela linha afora, podendo dar origem a que, tal como aconteceu a um dos seus irmãos, referido nalgum lado nestas linhas, as moedas saltassem do bolso para o meio das pedras da linha férrea.


Educação profissional e ‘ileterária’

O autor... seguindo os passos de um dos seus irmãos que, na ocasião, era pastor de guardar cabras, o qual, aproveitando o tempo de ‘laser’, - enquanto observava as cabras a pastar – ia ‘majicando’ como ‘batisar’ o leite!... Deste modo, após se tornar um ‘especialista’ na matéria de‘batismos do leite’, incentivou o autor para que, aproveitando os seus ‘dons naturais’ de poder assimilar as tarefas mais difíceis, ingressasse no internacionalmente afamado Instituto Politécnico dos Mixordeiros Profissionais, o que, o autor, aproveitou sem pestanejar acabando por se especializar - refinadamente, diga-se desde já - em batismos de vinho, seu néctar favorito, conforme fica demonstrado na maior parte das páginas destas linhas - bem como em batismos de produtos alimentícios, tal como... somente como exemplo... burrificar com água o arroz ressequido, quando no serviço militar, a cargo do armazém da messe de Oficiais da FAP, na Guiné - África!...
Mas, atenção!!! Quando fazia o que fazia... não era com intenção criminal e, sim, mais na intenção de salvar ‘o rabo’ devido a que... conforme explicação substancialmente dada no interior das páginas que o autor escreveu e que, claro... quer ver se alguém está desempregado devido à crise e, como tal, poderá vir a ter tempo de o ler, após o comprar!... É que, Deus livre o autor de tentar desviar alguém dos seus afazeres diários!!!
Trabalho é trabalho!... Lazer é lazer!...

Assim, quem estiver empregado e a trabalhar – não os outros que estão a trabalhar e a ‘taxar’ ao mesmo tempo -... não deve perder tempo a ler nada, porque pode perder o emprego!...
Assim, pela destreza, dedicação e eficácia no desempenho de tão ‘dificílima’ tarefa, foi galardoado e obsequiado com nota máxima, recebendo o diploma comprovativo de tal ‘feito’... o qual ostenta orgulhosamente na entrada da ‘manjedura’ onde, naqueles tempos, os seus pais davam de comer a uma burra alugada, uma vez que, a família do autor era tão pobre, tão pobre, que nem uma burra tinha, como propriedade própria!...

Frequentou a prestigiosa Universidade Montessoriana da Puta da Vida, localizada no famosíssimo bairro da lata, junto aos luxuriosos subúrbios da Pichelheira – Lisboa - recebendo com alta distinção o diploma do ‘mestrado’ de... ‘como enganar o turista’ quando – a exemplo - como empregado de mesa, ao apresentar o troco ao cliente, escondia sempre uma nota do lado debaixo da factura, colocando as moedas em cima de outra nota - se a houvesse – e da factura, para que o cliente tirasse somente essa nota, deixando as moedas como gorjeta, em cima da factura - cujo tamanho foi cuidadosamente selecionada de propósito, de modo a cobrir na totalidade a bandejasinha – maior que as notas em uso - onde se apresentava ‘o bill’ aos turistas - na intenção que o mesmo não visse a nota que estava debaixo da factura!...

Isto, tal como constava (?) nos manuais escolares, funcionava 99% das vezes e, se acontecesse que, o 1% não funcionasse, o autor deveria usar da maior tranquilidade possível, sem pestanejar, tentando ser prestável ao máximo, ajudando a vestir o casaco, tanto à senhora, como ao senhor, clientes-turistas!...
Com esta acção, poderia ‘sensibilizar’ o coração do cliente para que... pensasse bem na gentileza ‘honesta’ (?) do autor que, ansiosamente esperava que a nota escondida debaixo da factura não fosse descoberta pelo cliente!...

1) – Mas, se tal sucedesse, e perante a gentileza do autor para com o cliente, pois, nem modo... porque só restava esperar que a ‘urdida’ funcionasse e fizesse efeito na consciência do cliente, para que, deste modo, a nota descoberta dada ‘quase’ como perdida... pudesse ainda reverter para ‘moi’ – o autor!...


Amores!

Aos montes (?)... mas, todos fracassados, incluindo aquele (?) tido com aquela (!!!) ... que o levou ao ‘altar’!...

Vejamos!...
Sofreu a sua primeira desilusão amorosa quando tinha cerca de 9 anos pelo que, para afogar o sofrimento sofrido pelo terrível ‘golpe’, apanhou a sua primeira ‘carraspana’ de aguardente logo de seguida, ao regressar de uma estadia de 6 meses, num hospital em Lisboa, devido a ter partido um braço, clavícula, costelas, etc. etc., quando caiu de uma burra abaixo, conforme é referido nalgum lado nestas linhas!...

Aconteceu que, ao regressar do hospital, a sua ex-mini-noiva, tinha-se envolvido com um dos seus melhores amigos – perdão... um dos melhores amigos (?) do autor e não da sua ex. - pelo menos era assim que ele, o autor, o considerava e, o ‘ladrão’ de corações, tinha-o atraiçoado na sua ausência, despedaçando-lhe os planos porque, ele, já no comboio de regresso à sua aldeia, vinha a magicar bem magicado que, a primeira coisa que iria fazer, quando chegasse, era ir ter com a que – pensava ele – era só sua e, como tal, seria mais que lógico, irem direitinhos ao sítio do costume, mesmo ao lado da manjedoura onde a burra que o pai do autor alugava de vez em quando, comia a suas refeições de burra, compostas de palha de trigo seca.
Ora, para tal, havia ali mesmo ao lado da manjedoura, um monte de palha de trigo, limpinha e tudo, local ideal para se brincar aos meninos!...

Essa era a ideia que ele veio a magicar todo o trajecto – Lisboa-Alcaide!... Imagine o leitor, o choque que o coração do autor sofreu quando chegou e... pois, nem vale a pena continuar porque, ainda hoje, já com 66 e ‘going-on 67’ primaveras – floridas ou não – se enche de raiva surda, ao lembrar-se do que os malvados – ‘o que pensava ser amigo e a ex.’, lhe fizeram!...

Deste modo, não aguentando o desgosto... mais até porque começou a sentir uma comichão na testa, indicativo de que o envolvimento entre a ‘sua ex.’ e o outro, tinha chegado ‘ao facto do acto’ que, para bom entendedor, significa que tinham consumado ao extremo a traição... e que, de facto, para ser mais directo, tinham ‘brincado aos meninos’, nas costas dele!...

Quer dizer!... Nas costas dele (?) ponto e vírgula... porque ele não é desses que ‘permite’ que brinquem nas traseiras da casa dele e, muito menos, nas ‘traseiras’ dele!... Mas, o que se pretende dizer é que se aproveitaram do acidente que o mesmo teve com a ‘dita burra’, para o atraiçoarem na sua ausência!...
Porra... que assim já fica mais claro, do que dizer ‘nas costas dele’!...

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. poste anterior de 4 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8994: Os nossos Seres, Saberes e Lazeres (35): Palavras de um senhor defunto, um livro de Mário Serra de Oliveira (2): Deâmbulo e Capítulo I

Guiné 63/74 - P9007: O nosso blogue em números (11): A propósito dos 3 milhões de visitas... Comentários de F. Palma, H. Sousa, F. Costa e T. Mendonça




Lourinhã > 5 de Novembro de 2011 > Pormenor do "monumento de homenagem aos combatentes do concelho da Lourinhã que participaram na guerra colonial" (incluindo os que morreram nos TO de Angola, Guiné e Moçambique). Iniciativa da CM de Lourinhã. Inaugurado em 2005. Arquitecto: Augusto Silva. Escultora: Andreia Couto.


Fotos:  © Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados.



A. Publicam-se a seguir quatros  primeiros comentários que nos chegaram, oriundos de membros da nossa Tabanca Grande, com data de 3 do corrente, a propósito dos nossos 3 milhões de visitas, 9 mil postes e 525 membros (*):


1. Francisco Palma

(...) No local das Fotos e Videos devia-se permitir criar albuns, para colocar mais que uma foto de cada vez . ..

Esta para já é uma das minhas primeiras sugestões .

Um abraço,  F. Palma

2. Hélder Valério Sousa
 
(...) Aproveito este mail para também referir o desfasamento que tenho tido relativamente a alguns assuntos/temas que apareceram e que pretendo recuperar.

No entanto o que interessa agora é o que aqui se pretende: aproveitar este marco dos 3 milhões (já parece a Troika) para voltar a reflectir sobre o Blogue. 

Acho este texto bem 'lançado' e acho que ele deve ser transformado em poste para que se dê oportunidade 'às amplas massas' para se pronunciarem.

Por mim espero poder fazê-lo.
Abraço, Hélder


3. Fernando Costa

 Camarigos,

Tem sido de louvar o empenho demonstrado pela vossa equipe, no tratamento da informação referente à Guiné.

Brevemente vou dar notícias sobre o BCAÇ 4513, mas por agora estão a "amornar".

Um abraço para todos, Fernando Costa

4. Torcato Mendonca

Li e respondo:

(i) É motivo de satisfação ver os números alcançados pelo blogue. A razão deve-se, sem dúvida, à qualidade, pluralidade de opiniões e forma e conteúdo(s) do(s) assunto(s) nele versado - a guerra colonial e sua análise.

(ii) A grande, não utopia, realidade e força estão na participação de todos os que o tomam como seu. Acreditam e trabalham desinteressadamente. É bom haver quem isso não compreenda.

(iii) No dia em que não houver nada negativo, algo diferente e divergente sobre o que eu, tu, ele,  pensamos do que eu, tu, ele dizemos e pensamos, este blogue termina por manifesta falta de interesse. Aos outros pontos (4,5, 6, ou 7 se houver) não comento.

Desejo longa vida, muitos milhões de palavras escritas a agitarem, a provocarem concórdia e discórdia entre os que fizeram a guerra e a paz na Guiné, aos que não a fazendo aqui contribuíram para que uma página da história do nosso País não morra. 

Ainda hoje lemos, com interesse e emoção, o relato histórico de uma dessas valorosas mulheres,as Enfermeiras Pára-quedistas, relato em duas partes da Tenente Maria Arminda que é um contributo para compreendermos o fim do Império Português e a guerra na frente e bastidores....

Todos com esses relatos nos vão mostrando a inutilidade de guerras, de desigualdades e opressões, secularmente ou sempre exercidas sobre o homem e da necessidade da Paz. (...)

Um abraço para todos do Torcato
______________


Nota do editor:



(...) Queremos fazer mais e sobretudo melhor, o que nos obriga a inquirir duas coisas junto dos nossos leitores:



(a) O que é que está menos bem, hoje em dia ? O que é que vocês, que estão do outro lado e nos leem (escrevo segundo a nova ortografia...), pensam do blogue atual, nos seus aspetos negativos ?


(b) O que é que está bem ? Quais os aspetos positivos, que devemos manter e valorizar ? O que é que o blogue continua a representar,  para cada um de vocês, sobretudo para aqueles que se identificam com a nossa "política editorial", com a ideia de fazer um blogue de partilha de memórias e de afetos à volta da Guiné e da guerra que nos levou lá (grosso modo, de 1961 a 1974) ?


(iv) Aceitam-se (e publicam-se, desde já) as vossas opiniões, desde que devidamente assumidas e assinadas, a remeter para o nosso endereço de correio eletrónico: luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com  (...)

Guiné 63/74 - P9006: Notas de leitura (300): Amílcar Cabral, por Oleg Ignátiev (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Outubro de 2011:

Queridos amigos,
Esta biografia romanceada, com episódios dignos da mitologia e da saga patriótica, vale pelo que vale. Foi a primeira biografia, o que se estranha é que o jornalista não tenha medido as consequências de que o panegírico tinha buracos e remendos, que tudo (ou quase tudo) se iria desvendar mais tarde.
Agora mudo de agulha.
Tenho outros panegíricos para ler, os de Horácio Caio e José Manuel Pintasilgo, ao serviço da propaganda de Marcelo Caetano. Ando a folhear o livro histórico, a grande preciosidade de JERO que o nosso confrade Belmiro Tavares depositou nas minhas mãos, o seu diário referente ao primeiro ano de comissão da CCAÇ 675 que saiu de uma tipografia, em 1965.
Afinal, não foi só o Armor Pires Mota quem escreveu diários em 1965. E o nosso confrade António Marques Lopes enviou-me as conversas com o comandante Bobo Keita que trazem algumas revelações surpreendentes.
Enfim, trabalho não me falta, como nos contos das 1001 noites.

Um abraço do
Mário


Amílcar Cabral, a biografia romanceada de Oleg Ignátiev (2)

Beja Santos

O principal mérito desta obra reside na cimentação cronológica, o jornalista soviético conhecia com alguma profundidade a formação de Amílcar Cabral e o percurso da sua formação. Daí que, nos traços essenciais, o itinerário do líder do PAIGC em Cabo Verde, Lisboa, Guiné, Lisboa, Angola, um saltitar entre a Europa e norte de África, a fixação em Conacri, etc., apareça correcto. Pode até entender-se que tenha procurado escrever, por imperativo ideológico, um retrato biográfico de hagiografia, um mártir de causas, um visionário impoluto, um marxista visionário mas agradecido às múltiplas ajudas de Moscovo. O que se torna completamente incompreensível é confundir a propaganda do PAIGC com a visão que ele próprio devia ter dos acontecimentos e da realidade da luta política e militar que se travava na Guiné.

Ele fala do congresso de Cassacá como se este tivesse sido um evento pré-programado. Luís Cabral e Aristides Pereira deixaram bem claro que Cassacá foi uma reunião que se transformou imprevistamente num congresso, durante 30 horas sem pausa Amílcar Cabral fez análise da situação política, fez aprovar o programa do PAIGC, estabeleceu uma orgânica para as forças militares, deliberou sobre infra-estruturas e subitamente encetou-se um ajuste de contas com elementos torcionários que amedrontavam a população, especialmente na região Sul.

O programa do partido era inconfundivelmente baseado no socialismo autoritário: um partido vanguarda, uma economia controlada pelo Estado, propondo uma política externa formalmente de não alinhamento em blocos militares. A descrição de Ignátiev quanto à prisão dos dirigentes com comportamento repreensível é de uma candidez espantosa. Foram presos e não se fala mais no assunto.

Por conveniência de serviço, o autor maquilha a análise marxista heterodoxa de Cabral quanto ao proletariado com um partido-guia fundamentado na pequena burguesia. Mais tarde, em Havana, em 1965, Cabral expendeu doutrina que inquietou o leninismo convencional. Pela primeira vez e abertamente, um dirigente revolucionário defendia e justificava uma pequena burguesia nacionalista a liderar um proletariado rural. Na sua utopia (que Ignátiev justificadamente ignora) Cabral confiava que a classe dirigente iria por osmose adquirir uma concepção da classe operária.

Na continuação dos dislates já anteriormente escritos, Ignátiev continua descarado na menção de mentiras descomunais:

 “Nos territórios libertados o partido criou dezenas de escolas. É de destacar que até ao fim de 1966 os patriotas tinham libertado 60 % do território da Guiné portuguesa com quase 50 % da população”.

Um jornalista experimentado na luta de guerrilhas descreve a acção dos portugueses como uma invasão dos hunos, atacando aldeias pacíficas nas regiões libertadas. Aparece uma primeira referência a Inocêncio Cani, compreensivelmente desprimorosa:

“Recordo como Amílcar visitou uma base perto de Mansabá que era comandada por Inocêncio Cani. Os habitantes da região queixavam-se de que ele os tratava mal. Amílcar, depois de regressar da viajam, deu ordem para demitir Cani do posto de comandante da base”.

Depois embarca em mentiras revoltantes como o massacre de Jolmete, de 20 de Abril de 1970, isto depois de já ter dito que o PAIGC conquistara Madina de Boé, de que Spínola tinha atraído um tipógrafo coxo, Rafael Barbosa, para a sua causa e que os antigos prisioneiros libertos foram postos ao serviço da PIDE. Afinal não houve massacre nenhum, diz Ignátiev, o que se passava no chão Manjaco é que três majores que trabalhavam para a PIDE saíram de um carro durante uma operação em que se ia encontrar com um renegado do PAIGC, a coluna foi atacada com rajadas de espingardas-metralhadoras, e os oficiais ao serviço da PIDE foram capturados. E escreve sem nenhum tremor da consciência:

“No mesmo dia, o tribunal militar do PAIGC condenou os 4 ao fuzilamento, executando-os imediatamente. Foi este o desfecho de uma operação que na história do PAIGC figura como operação dos três majores. A pena de morte em relação aos dirigentes da acção psicológica devia mostrar ao general Spínola que os combatentes e os comandantes do PAIGC nem se compravam nem se vendiam e estavam determinados a lutar até expulsão do último soldado colonialista”.

Fica-se igualmente com a ideia, quando está a descrever os acontecimentos relativos a 1970, que Ignátiev está mortinho por acabar o livro, entra num rimo frenético e aborda superficialmente os eventos em catadupa: participação nas solenidades por motivo do centenário do nascimento de Lenine, a polémica audiência de Paulo VI aos representantes dos movimentos de libertação nacional. A invasão de Conacri, os périplos de relações internacionais em que Cabral andou numa roda-viva em 1971 e 1972, acrescentando o facto de ter havido uma missão especial da ONU em 1972 que aumentou a credibilidade internacional do PAIGC.

Chegamos depois à reunião em que Cabral mostrou a informação 42/71/DGS durante uma reunião partidária, versando o seu conteúdo a um plano para acirrar descontentamentos internos e levar ao derrube da actual Direcção com a promessa de Spínola assegurar postos elevados na vida política do futuro Estado guineense, donde estariam liminarmente arredados os cabo-verdianos.

A verdade é que este documento existe o que não existem são as provas de qualquer tipo do envolvimento da DGS no plano de assassínio de Amílcar Cabral ao contrário do que diz categoricamente Ignátiev. Pela primeira vez é escrito o nome, de acordo com depoimento de Ana Maria Cabral, de quem deu o tiro de misericórdia no líder do PAIGC. Terá sido Inocêncio Cani quem deu um tiro de revólver que o feriu, seguiu-se uma grande discussão e então Inocêncio Cani ordenou a Bacar que ultimamente era soldado na garagem para acabar com ele:

“Amílcar estava sentado no chão, de costas viradas para Bacar, que baixou o cano da metralhadora e disparou. Disseram-me depois que uma das balas o atingira na face e a outra na cabeça. Foi assim que eles mataram o meu marido”, remata Ana Maria Cabral que viveu todos estes acontecimentos ao lado do marido.

O jornalista não esconde o seu fraco para caracterizar Cabral como o mártir de uma causa justíssima. E volta à carga passando descaradamente dos dados biográficos para o panfleto:

“As forças armadas do PAIGC intensificaram os ataques ao inimigo, de Março a Setembro de 1973 a defesa antiaérea do PAIGC abateu mais de 40 aviões inimigos. As guarnições portuguesas eram destruídas uma após outra, libertavam-se novas áreas”.

É isto o essencial o miolo da biografia romanceada de um jornalista que visitou repetidamente a Guiné-Bissau, escrevendo sobre ela dezenas de artigos e notícias, seis livros e dois filmes documentários.

Voltaremos em breve a falar de Ignátiev e do seu livro com a versão oficial do assassinato de Cabral a soldo da PIDE.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 4 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8995: Notas de leitura (299): Amílcar Cabral, por Oleg Ignátiev (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P9005: In Memoriam (95): Recordando os camaradas mortos da 38.ª CComandos (Amílcar Mendes / Carlos Vinhal)





1. Aproveitando um trabalho efectuado a pedido do nosso camarada Amílcar Mendes (ex-1.º Cabo Comando da 38.ª Companhia de Comandos, Brá, 1972/74), publica-se a listagem dos mortos da sua Unidade.






- Soldado Comando Idílio da Costa Moreira, natural do Bonfim, Porto, faleceu no HM 241 em 15JUL72 por motivo de acidente com arma de fogo

- Soldado Comando Francisco José Matos da Silva, natural de Terena, Alandroal, faleceu no HM 241 em 08AGO72 vítima de ferimentos recebidos em combate (Mansoa)

- Fur Mil Comando Artur Jorge Tavares Pignateli Fabião, natural de Seia, faleceu no HM 241em 21NOV72 vítima de ferimentos recebidos em combate (Caboiana)

- Soldado Comando Mário Branco da Costa Chaves, natural de São Sebastião, Setúbal, faleceu no HM 241 em 21NOV72 vítima de ferimentos recebidos em combate (Caboiana)

- Soldado Comando Cecílio Manuel Ferreira Franco, natural de Milharado, Mafra, faleceu em 01FEV73 vítima de acidente com arma de fogo

- 1.º Cabo Comando José Joaquim Teixeira Simão, natural de Rio Maior, faleceu em 01FEV73 vítima de acidente com arma de fogo

- 1.º Cabo Comando Luís Manuel Oliveira Barreiras, natural de Aldeia Velha Santa Margarida, Avis, faleceu em 01FEV73 vítima de acidente com arma de fogo

- Soldado Comando José Luís Inácio Raimundo*, natural de Vila Nova de São Pedro, Azambuja, faleceu em 12MAI73 vítima de ferimentos recebidos em combate (Guidage)

- 1.º Cabo Comando Amândio da Silva Carvalho, natural de Sarzedo, Arganil, faleceu no HM 241 em 10MAR74 vítima de ferimentos recebidos em combate (Sector de Bissau)

- Soldado Atirador José Alexandre Costa, natural de Soio, Vinhais, faleceu no HM 241 em 27ABR74 vítima de ferimentos recebidos em combate (Cantanhês)
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Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

30 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1223: Soldado Comando Raimundo, natural da Azambuja, morto em Guidaje: Presente! (A. Mendes, 38ª CCmds)

1 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1232: O soldado comando Raimundo, morto em combate, não foi abandonado em Guidaje (A. Mendes, 38ª CCmds)

13 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2840: Efemérides (7): Morrer em Guidaje...Mama Sumé, camarada Comando José Raimundo (Amílcar Mendes, 38ª CCmds)

9 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5431: O Nosso Livro de Visitas (73): Doce lembrança do meu tio José Raimundo, da 38ª CComandos, Os Leopardos, natural da Azambuja

6 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8232: In Memoriam (76): Isabel Raimundo Conde homenageia seu tio José Luís Inácio Raimundo, Soldado Comando da 38.ª CCOM (morto em combate em Guidaje a 12 de Maio de 1973), no dia do seu 61.º aniversário

Vd. último poste da série de 15 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8910: In Memoriam (94): António Dias das Neves (1947-2001), Sold At Cav, CCAV 2486 (Bula, 1969/70), "o meu herói" (Marisa Neves)

domingo, 6 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9004: Estórias avulsas (58): Posto avançado ou vala comum? (Carlos Filipe)




1. Em mensagem do dia 5 de Novembro de 2011, o nosso camarada Carlos Filipe Coelho (ex-Soldado Radiomontador da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), enviou-nos esta, quase trágica, história passada em terras do Leste da Guiné:






POSTO AVANÇADO OU VALA COMUM ?

Local: Galomaro, Guiné-Bissau 1972

Galomaro > Entrada do Quartel
Foto: © Luís Dias (2011). Todos os direitos reservados.


Fim de tarde, o ritual do jantar quase sempre composto de vianda e estilhaços (arroz e pedaços de carne mais ou menos estufada) tinha terminado.
A maior parte dos meus camaradas dirigiam-se à entrada do destacamento onde já se encontravam as talvez três dezenas de jovens (bajudas) lavadeiras.

Com o corpo algo confortado pela refeição, dava-se inicio a um baile de tentações, libertação de afectos contidos, em que dançam alguns recalcamentos, pintalgando aqui e acolá um ambiente de sonoros risos, gritinhos e curtas corridas de tentação, num desafio quase erótico entre sexos.

Enquanto isto um pequeno grupo de soldados preparam suas armas e restante equipamento, para ocuparem seus lugares nos postos de vigilância e segurança, e partirem para os patrulhamentos até alguns quilómetros de distância durante a noite. A saber, sentinelas no interior e exterior, os chamados postos avançados.

É a partir deste clima que alcanço o meu primeiro susto, passado uma ou duas semanas da minha presença em Galomaro (sector Leste da Guiné-Bissau).

Não estando eu destacado para nenhum serviço (o que muito poucas vezes aconteceu e ainda hoje não compreendo o porquê), resolvi juntar-me a um pequeno grupo de camaradas com destino aos postos avançados. Esta iniciativa não foi por qualquer tipo de valentia, mas sim porque tinha assumido conhecer tudo que possível, conforme os objectivos a que me propus e que me levaram a admitir o meu embarque com destino aquelas paragens numa guerra injusta.

Formamos um grupo de quatro homens. Incluídos um furriel mecânico (da minha Companhia), e um cabo dos ‘velhinhos’ que ainda não se tinham retirado com destino a Portugal.

Com o ritual do fim de tarde a decorrer à porta de armas, talvez mais suavizado, dirigimo-nos ao posto avançado, uma vala no solo, talvez a 400/500 metros de distância na sua direcção.

Íamos todos de G3, sendo que o furriel (o mecânico) tinha a arma municiada com um dilagrama, que é nem mais nem menos que uma granada adaptada à ponta do cano da G3.

Aparentemente tudo dentro da normalidade. Chegados ao destino saltamos para dentro da vala e encetamos uma amena cavaqueira, enquanto por vezes dirigíamos um olhar para o limite da vegetação entrepondo-se uma bolanha (terreno para cultivo de arroz) já com pouca água, pois estávamos na época seca.

Claro que o protagonista num momento, ora autor noutro das histórias, era o ‘velhinho’ que nos deliciava com um imaginário, quando para nós ainda não tinha havido um conhecimento real do cenário de uma guerra, contra um movimento de guerrilha de difícil combate, levando-nos portanto a uma expectante futurologia.
De quando em quando o ‘velhinho’ quase poetizava o seu regresso a Portugal que seria num dos próximos dias, quem sabia se no dia seguinte.

Passado talvez uma hora, temos na escuridão da noite o desenrolar de uma cena muito próxima de um teatro de marionetas.
Na quase absoluta escuridão, um número pequeno de vacas (ou bois?) desfilam em direcção à nossa direita, sem qualquer variação de percurso, nem um pequeno desvio, sempre em fila e sem paragens. Gado “inteligente”, ainda hoje estou convicto disso...

Para o ‘velhinho’ não menos astuto, perante o desenrolar da cena, explica-nos que o comportamento do gado devia-se a que estava a ser conduzido por pessoas escondidas pelo volume do corpo dos animais; colocando-se em dúvida se seria população afecta ou não ao PAIGC, ou até mesmo seus guerrilheiros.
Já quase a saírem do nosso raio de visão, que fazer? Disparar ou não? NÃO.

Reacção talvez instintiva do ‘velhinho’, eram os seus últimos dias de mato e quem sabe o seu último dia em Galomaro. A inicial expectativa (receio?) dos ‘periquitos’ (os recém-chegados ao mato) contribuíram para aquela decisão de não disparar. Além do mais não tínhamos rádio para comunicações.

Passados estes palpitantes minutos de análise e estratégia, voltamos à descompressiva conversa, para passado momentos tornar com motivos de sobra a gelar naquela amena noite tropical.

Agora o assunto era armamento, suas características e um dos tópicos foi o alcance dos dilagramas (a tal granada na ponta da arma), e consequentemente a munição a utilizar para o seu disparo.

Como um certeiro tiro, o ‘velhinho’ pergunta ao furriel (personalidade um pouco apagada naquele convívio dentro da vala) e que transportava o dilagrama na ponta da G3, que munição tinha no carregador da arma para disparar a granada.

O furriel responde, convicto, que tinha munição real. Como disse creio que gelamos sob aquela temperatura africana.

Nosso ‘velhinho’ com uma calma indesmentivel (pelo menos aparentemente) pede a ponta da metralhadora ao furriel e sacou a granada da arma, num silêncio indecifrável.

Retirado o mortífero engenho dá-se inicio a uma rajada de improprérios. “Caralh... queria matar-nos a todos ?... o que veio para aqui fazer ?....” e continuou tá tá trá.

Não vi o estado facial do furriel, porque estávamos ao lado uns dos outros e o espaço não era muito, mas sei que não pronunciou uma palavra.

Entretanto passou o tempo deste turno de vigilância e regressamos ao destacamento. Chegados, cada um foi para seu abrigo, talvez cogitando sobre o sucedido.

Por meu lado pensei: “fod... a primeira situação de perigo que se me depara é com os meus camaradas de tropa e não com o PAIGC merd.. para isto, o que virá a seguir ?”

Sob brasa, gostei de estar na vossa companhia naquela noite, quando ainda não tinha tido alguma experiência do tipo. Embora dentro de um buraco a que chamam vala, que podia ter sido “comum” não deixamos de contar anedotas e contrariar a regra do silêncio que se impunha naquele lugar e serviço.

Obs. - Um dilagrama tem que ser disparado (lançado) a partir de uma arma, com munição de salva. Composta só de pólvora sem projéctil. Se for disparado com munição real a granada rebenta de imediato a curtíssima distância.

Carlos Filipe,
2011-11-03
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 21 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8455: Memória dos lugares (156): Texas, o anexo do Hospital Militar Principal, na Rua da Artilharia Um, em Lisboa (Carlos Rios / Rogério Cardoso / Jorge Picado / António Tavares)

Vd. último poste da série de 10 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8762: Estórias avulsas (116): O 400 da CART 1746 (Manuel Moreira)