segunda-feira, 5 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9559: O PIFAS, de saudosa memória (3): Depoimentos de José Santos, Luís de Sousa, Abílio Delgado e Rogério Ferreira

 1. Mais informações que nos chegaram à caixa do correio da Tabanca Grande, sobre o PIFAS ou PFA - Programa radiofónico das Forças Armadas no CTIG, no início dos anos 70. [ Imagem à esquerda: A mascote do PIFAS, de autor desconhecido - Imagem enviada pelo nosso camarada Carlos Carvalho]


(i) José Santos [, ex-1º Cabo Enf, CCAÇ 3326 (Mampatá e Quinhamel, Jan 71/Jan 73]

Caro amigo: No programa do PIFAS, uma voz que conheço é a do João Paulo Diniz, locutor da Antena 1, ao sábado, entre as 5 e as 7 horas da manhã. Estou à espera que me telefone para me encontrar com ele. Depois darei notícias. OK ?! Um abraço, Santos


(ii) Luís de Sousa [, CCAÇ 2797, Cufar, 1970/72]
 
Olá, não posso dizer grande coisa para além de que passou pelos microfones do programa o João Paulo Diniz, que deve ter muito para contar, e com o qual fiz a recruta em janeiro de 70,  na Carregueira.



 (iii)  Abílio Delgado [, ex-Cap Mil da CCAÇ 3477, Gringos de Guileje, Guileje, 1971/73]

Recordo-me do PIFAS, bem como o programa de discos pedidos. Aliás, os Gringos [de Guileje] chegaram a gravar cassetes que depois eram transmitidas nessa radio, única na Guiné. Os Gringos estiveram em Nhacra em 1972/73 e uma das missões desse aqurtelamento era precisamente a defesa da antena emissora da rádio militar da Guiné conhecida pelo PIFAS.


O Furriel Mendes, já falecido, dos Gringos, chegou a trabalhar na estação. Recordo-me que um dos responsáveis era um tipo alto, de barbas, tipo Luís Graça, cujo nome já não recordo. (...).


 (iv) Rogério Ferreira [, ex-Fur Mil Inf Minas e Armadilhas, CCAÇ 2658/BCAÇ 2905, Nhamate e Galomaro, 1970/71]


PIFAS, um amigo na tristeza, passava pelo menos à tarde. Um dos locutores era o João Paulo Diniz, mais tarde locutor da Emissora Nacional ou RDP 1. Lembro-me que nos meses de Outubro ou Novembro de 1971, ele e outro locutor, e uma senhora (da qual não recordo o nome), faziam o programa e introduziram um passatempo.

Certo dia estava de folga e,  com dois camaradas furriéis, fomos ao Solmar e ouvimos no PIFAS que quem apresentasse nos estúdios uma alface teria um prémio. Claro,  nós, alface, não tínhamos mas lembrei me que tinha uma nota de 20$00 que cá no Continente lhe chamavam as folhas de alface. Foi-nos dito que,  se não aparecesse ninguém com uma alface,  ganharíamos. Apareceu entretanto um soldado ou um cabo com uma alface mas, ó meu Deus!, ninguém podia estar perto dele.

Não sei se recordam, na avenida para o Quartel General havia umas hortas,  não sei a quem pertenceriam. O camarada, ao passar em viatura, terá visto as hortas e as alfaces, só que não viu que junto à estrada havia umas regueiras onde corriam os esgotos que vinham do QG e era dessa água (?) que regavam a horta. Como era de noit,  ele nem viu a regueira.


Imaginam o resultado!... O mau cheiro,  parecia que ele tinha passado pelos esgotos de Santarém (para quem esteve na extinta EPC- Escola Prática de Cavalaria) ou  pelas velhas salinas de Tavira, com águas podres há vários anos.

Não me lembro o que foi o prémio mas entendo que o mereceu. Terei uma fotocópia dum postal do PIFAS mas vou tentar que mo emprestem de novo,  se ainda existir,  para tirar fotocópia a cores. É giro. Se conseguir,  faço chegar à vossa posse. (...)

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Nota do editor:

Postes anteriores da série:

4 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9557: O PIFAS, de saudosa memória (1): Depoimentos de José da Câmara, Carlos Carvalho e Carlos Cordeiro




4 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9558: O PIFAS, de saudosa memória (2): Depoimentos de David Guimarães, Joaquim Romero e António J. Pereira da Costa

domingo, 4 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9558: O PIFAS, de saudosa memória (2): Depoimentos de David Guimarães, Joaquim Romero e António J. Pereira da Costa


Imagem à direita: O PIFAS - Cartoon, de autor desconhecido, enviado pelo Miguel Pessoa

1. David Guimarães [ex-Fur Mil Art Minas e Armadilhas, CART 2716/BART 2917, Xitole, 1970/72]:

Sobre o assunto em questão [, o PIFAS,]  proponho que procurem o João Paulo Diniz (ainda há dias o vi na televisão), vive por esses lados de Lisboa, creio eu. Ele mesmo foi locutor dos anos de 70/72 nessa rádio que conhecemos... 


Creio que por aí será fácil chegar a ele e ele terá então muitas histórias... E está vivo...


2. Joaquim Rodero [, ex-Fur Mil Trms, STM/QG, 1970/72]: Amigo Luís,  penso que um dos elementos a contactar, para te esclarecer sobre as actividades do PIFAS, será o ex-fur mil Vitor Raposeiro (, muito bom guitarrista!).  Fez parte do conjunto musical das Forças Armadas, que percorreu a Guiné em espectáculos ligados há acção psicológica , e era também elemento ligado à escuta das emissões da rádio Conacri , e que a partir do QG faziam o empastelamento dessas frequências de transmissão.


Também o Hélder Valério de Sousa esteve ligado à escuta, mas creio que não participou no Pifas, mas nada melhor que lhe perguntar. 


Recebe um abraço do Joaquim Rodero, extensivo a todo o corpo redactorial do blogue. 


3. António José Pereira da Costa [,  cor art ref, ex-alf art na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69,  e ex-cap art, cmdt da CART 3494/BART 3873, Mansabá, Xime e Mansambo, 1972/74] 


 Camarada,  sugiro um contacto com o locutor João Paulo Diniz que foi locutor do PFA-Noctuuuuuurrrrno! em 1971/72/73(?). Ele é capaz de ter bobines ou cassettes do tempo e contar aventuras. Por volta de Jun 72 havia programas dedicados às unidades que eram identificadas pelo nome de guerra e localidade.

Tenho um PIFAS que ainda guincha. Era um boneco de borracha que guinchava quando se apertava, vagamente parecido com [a mascote do programa televisivo] Zip Zip, mas de camuflado, rádio e gravador portátil. (...)



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Nota do editor:

Vd. poste anterior da série > 4 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9557: O PIFAS, de saudosa memória (1): Depoimentos de José da Câmara, Carlos Carvalho e Carlos Cordeiro

Guiné 63/74 - P9557: O PIFAS, de saudosa memória (1): Depoimentos de José da Câmara, Carlos Carvalho e Carlos Cordeiro



O PIFAS - Cartoon, de autor desconhecido, enviado pelo Miguel Pessoa


1. Já tínhamos, aqui no nosso blogue, três ou quatro referências ao PIFAS, acrónimo de Programa de Informação das Forças Armadas, que passava na rádio, na Guiné, no início dos anos 70... 


Alguns postes, avulsos, já foram aqui publicados sobre esse programa: recordo-me, por exemplo, do poste P6106, de 4 de abril de 2010, do Miguel Pessoal, com um história engraçada que envolve a Giselda; e de um outro mais antigo, o poste P3488, de 20 de novembro de 2008, da autoria do António Matos... Também o José Manuel Dinis se refere ao PIFAS, no seu poste de apresentação à Tabanca Grande (Poste P3147, de 24 de agosto de 2008)

" (...) Em Bajocunda criei a jornal Jagudi, que expandia textos de diversos camaradas, bem como, por vezes, transcrevia artigos de orgãos da comunicação social. O Jagudi ganhou alguma notoriedade porque era lido pelo João Paulo Diniz no PIFAS." (...) 

Mais recentemente o PIFAS veio à baila, a propósito do poste P9531 (veja-se o comentário do José da Câmara, a seguir no ponto 2). Tivemos necessidade de saber algo mais sobre esse programa radiofónico. Daí o nosso apelo, através de mensagem de 27 de fevereiro último, enviada pelo correio interno da Tabanca Grande:


Amigos e camaradas: Queremos saber (mais) coisas sobre o PIFAS - Programa de Informação das Forças Armadas... Artigos, notas, memórias, conteúdo dos programas, locutores, responsáveis, músicas que lá passavam... Obrigado pela vossa colaboração... Vamos abrir uma série sobre o PIFAS, se houver material... Um Alfa Bravo. Luis Graça

As respostas não se fizeram tardar, sob a forma de diversos depoimentos, informações, historietas, esclarecimentos, apontamentos, detalhes... Temos já aqui um conjunto interessante de informação que vamos começar a partilhar com todos os nossos amigos e camaradas. A quem já respondeu, o nosso muito obrigado. De quem tiver informação adicional, ficamos a aguardar que no la enviem, para publicação. Obrigado. (LG)

 2. Comentário de José da Câmara ao poste P9531

Caros amigos,

A programação do PIFAS era feita em Bissau, num edifício cercado de muros, que ficava um pouco acima do Clube de Oficiais da Força Aérea. Admito que a memória me falhe no pormenor da localização.

A segurança ao PIFAS, como era conhecida a Estação de Rádio, esteve a cargo da CCaç 3327, nos meses de Fevereiro e Março de 1971.

Nunca estive ligado àquela segurança, pelo que não posso acrescentar muita coisa de útil.
 Julgo saber que, ligados à Rádio na Guiné, durante algum tempo da sua comissão, açorianos foram dois: o Jorge Cabral, micaelense, já falecido, e o Álamo Oliveira que vive na Ilha Terceira.

Por Eurico Mendes, combatente em Angola, locutor e jornalista dos OCS portugueses, de New Bedford, soube que o Álamo lhe dissera que o Gen Spínola gostava de passar algumas horas nocturnas na estação do PIFAS.

A rubrica Discos Pedidos era, sem dúvida alguma, a mais popular entre os militares.

Naquele programa, em 1971/1972, também houve uma voz feminina.

Um abraço amigo,
José Câmara



A mascote do PIFAS, da autor desconhecido - Imagem enviada pelo Carlos Carvalho

3. Carlos Carvalho:

O PIFAS ficava situado em Bissau, tendo como locutor dinamizador nos programas de música pedida, e com concursos, entre 1970/1972, o conhecido locutor da Antena 1, João Paulo Guerra [ou João Paulo Diniz ?]. (*)

Tinha como boneco representativo, um boneco - o PIFAS - cuja imagem anexo.

4. Carlos Cordeiro:

Além do Jorge Nascimento Cabral, que faleceu há cerca de dois anos (na época era já funcionário do Emissor Regional dos Açores da Emissora Nacional),  também o António Lourenço de Melo, antigo locutor do ERA-EN, lá trabalhou (ambos de S. Miguel). Pedi-lhe já para nos fazer uma conferência integrada no ciclo: ainda não se decidiu, mas lá chegará. Julgo que não trabalhavam só na parte militar, mas também na civil, mas não tenho a certeza.

Não sabia que o Álamo de Oliveira também tinha trabalhado no PIFAS. 


Desculpa a minha “suspensão” das lides bloguísticas. Mas, “nesta fase da vida”, meti-me em demasiadas alhadas para as quais a pedalada já vai escasseando – por muito que me queira convencer de que não.

Um abraço do  Carlos (este e não o nosso Vinhal, para quem vai o meu abraço também)

PS - Penso que os dois não trabalharam simultaneamente. O Jorge era mais velho do que o Lourenço. Na altura em que o Lourenço de Melo lá esteve, quem controlava a Emissora era Otelo Saraiva de Carvalho (nada de certezas, pois foi em conversa de há tempos e posso estar a imaginar). 

[Continua]
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Nota do editor:

(*) Sobre o jornaliste radialista João Paulo Diniz [, que tem um programa de música, "Emoções", aos sábados, às 5h às 7h da manhã, na Antena 1]:

(...) "João Paulo Diniz trabalhou cerca de 30 anos da Radiodifusão Portuguesa (RDP), tendo na noite de 24 de Abril de 1974, aos microfones dos Emissores Associados de Lisboa, lançado a música "E Depois do Adeus", de Paulo Carvalho, a senha que fez avançar a revolução que viria a derrubar o regime, então liderado por Marcello Caetano. Depois, na década de 1980, esteve na BBC, em Londres, e, entre Julho de 1997 e Dezembro de 1999, em Macau". (...) Fonte: Lusa, 11 de janeiro de 2008.

Ver também  Camões  - Revista de Letras e Culturas Lusófonas, Número 5 · Abril-Junho de 1999 > Cronologia do 25 de Abril

Dia 22 [de Abril de 1974]


c. 11H00 - O capitão FA Costa Martins contacta João Paulo Diniz, no Rádio Clube Português (R.C.P.), por incumbência de Otelo, que o tivera como subordinado no Comando Chefe na Guiné, com o objectivo de emitir um sinal radiofónico para desencadear o movimento. O radialista, que desconhecia o emissário, desconfia da sua identidade, mas aceita, depois de muito instado, aprazar um encontro entre os três, nessa noite, num bar lisboeta.

Dia 23 [de Abril de 1974] 
00h15 - Otelo Saraiva de Carvalho e Costa Martins, protegidos pelo major FA Costa Neves, avistam-se, no Apolo 70, com João Paulo Diniz. Este esclarece que apenas colabora no programa matutino Carrocel do R.C.P., razão pela qual não poderá emitir a senha pretendida. Obtêm, contudo, a garantia de transmissão do seguinte sinal, entretanto combinado, "Faltam cinco minutos para a meia-noite. Vai cantar Paulo de Carvalho «E depois do adeus»", através dos Emissores Associados de Lisboa (E.A.L), que apenas dispõem de um raio de alcance de cerca de 100 a 150 quilómetros de Lisboa. A limitada potência do emissor torna, assim, necessária a emissão de um segundo sinal, através de uma estação que alcance todo o País.

- Deslocam-se, seguidamente, para junto da Penitenciária de Lisboa, onde aguardam que o ex-locutor do Programa das Forças Armadas em Bissau obtenha informação no Rádio Clube Português sobre a constituição da equipa que entrará de serviço na madrugada de 25. Este apura que o serviço de noticiário estará a cargo de Joaquim Furtado mas, conhecendo-o mal, não arrisca estabelecer contacto.


Dia 24 [de Abril de 1974]:

(...) 11h00 - Carlos Albino adquire na então livraria Opinião o disco «Cantigas de Maio», para garantia, já que, desde Dezembro de 73 havia indícios de que a PIDE se preparava para um assalto aos escritórios do Limite, na Praça de Alvalade.

- O capitão Costa Martins contacta João Paulo Dinis e informa-o que o sinal foi antecipado em uma hora. (...)

22h55 - 1ª senha: a voz de João Paulo Diniz anuncia aos microfones dos Emissores Associados de Lisboa Faltam cinco minutos para as vinte e três horas. Convosco, Paulo de Carvalho com o Eurofestival 74 «E Depois do Adeus». Era o primeiro sinal para o início das operações militares a desencadear pelo Movimento das Forças Armadas. (...)

Dia 25 [de Abril de 1974]:

00h00 - João Paulo Dinis conclui o programa nos E.A.L. e regressa a casa, seguindo instruções do chefe militar do MFA.

00h20 – Nos estúdios da Rádio Renascença, situados na Rua Capelo, ao Chiado, Paulo Coelho, que ignora os compromissos assumidos pelos seus colegas do programa Limite, lê anúncios publicitários. Apesar dos sinais desesperados de Manuel Tomás, que se encontra na cabina técnica acompanhado de Carlos Albino, para sair do ar, o radialista prossegue paulatinamente a sua tarefa. Após 19 segundos de aguda tensão, Tomás dá uma "sapatada" na mão do técnico José Videira, provocando o arranque da bobine com a gravação que continha a célebre senha: a canção Grândola Vila Morena, de Zeca Afonso. (...)

Sobre o jornalista João Paulo Guerra, vd. entrada da Wikipédia.

sábado, 3 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9556: VII Encontro Nacional da Tabanca Grande - Monte Real 2012 (5): Sondagem, últimas horas... e resultados provisórios...42 magníficos/as já se inscreveram para a nossa festa anual...

1.  Mensagem que acaba de circular pelo correio interno da Tabanca Grande;

Assunto: Sondagem sobre intenções de inscrição na nossa festa anual... Últimas horas...

Amigos, camaradas, camarigos:


Desculpem abusar da vossa santa paciência... Ainda há dias responderam, generosa e oportunamente, a um pedido meu sobre o PIFAS [ Programa de Informação das Forças Armadas], de saudosa memória... e sobre o qual iremos abrir uma nova série, se o volume de informação se justificar, como parece que se justifica...

Mas agora é importante que respondam à nossa sondagem, em curso... O prazo de resposta termina nesta próxima madrugada, dia 4, às 4h e picos...

Sabemos que há muita malta (, era assim que a gente se tratava nos anos 60/70), que deixa mais para o fim, à boa maneira portuguesa,  a concretização da sua intenção de ir (ou não ir) a este evento, que é a nossa festa de convívio anual, dia 21 de abril de 2012, sábado, em Monte Real... Festa que tem sido, todos os anos, desde 2006, um verdadeiro ronco...

Convenhamos: uma sondagem é apenas um exercício de simulação, mas pode dar indicações preciosas aos nossos dedicados e esforçados organizadores (Carlos Vinhal, Joaquim Mexia Alves & Companhia Lda)...

Como escrevemos na brincadeira (e sem ofensa para ninguém, como é nosso timbre), a organização do nosso VII Encontro Nacional está na fase do "Arre, Macho... & Tro(i)ka o Passo"!... Isto é: entrou na contagem decrescente... Só se realizará com 50 inscrições, no mínimo, mas a Comissão Oomissão Organizadora está a contar com o dobro (e porque não o triplo ?) das incrições. O ano passado, se não erro, juntámos cerca de 130 convivas... Este ano, e independentemente da nossa sondagem, há já "42 magníficos/as", inscritos para a grande Op Monte Real 2012...

Comparado com as penas que penámos naquela terra verde & vermelha, a festa agora é outra e o ingresso não custa muito... Nada de sangue, suor e lágrimas, nem sequer temos de passar as passas do Algarve... Desta vez são só 30... morteiradas!... O que é isso, quando  comparado com as que caíram de norte a sul, de leste a oeste.  da nossa Guiné, em cima da gente, de Gandembel a Gadamael, de Guileje a Guidaje, de Mansambo a Buruntuma, do Xime a Canquelifá, de Cancolim a Madina do Boé, de Jemberém a Infandre, de Bissorã a Farim, de São João a Fulacunda, de Bedanda a Nova Lamego...
 

Estas 30 morteiradas dão, além disso, direito à posse & ao usufruto...de um kit anti-troika completo:

(i) Aperitivos & bebidas,

(ii) Almoço & bebidas,

(iii) Lanche-buffet & bebidas, + (essa, à borla!),

(iv) a blogoterapêutica sombra do poilão, fraterno, mágico, centenário, da Tabanca Grande... Vd. poste P9534 (*).


Mas vamos aos resultados (provisórios) da nossa sondagem, às 21h de hoje, com um total de 49 respostas:

(i) Temos, pelo menos,  39 intenções de inscrição (9 irão sozinhos, 15 irão acompanhados):


(ii) Seis ainda não sabem se poderão ir;

(iii) Outros seis "infelizmente não poderão ir";

(iv) E, por fim, treze "decididamente não irão"...

Votem, amigos, camaradas e camarigos!...  Um Alfa Bravo. Luís Graça


Fotos (relativas ao encontro o ano passado): © Manuel Resende (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

As inscrições continuam a ser válidas só nos endereços dos camaradas Mexia Alves (joquim.alves@gmail.com) e Carlos Vinhal (carlos.vinhal@gmail.com).
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Nota do editor:

(*) Vd. último poste da série > 26 de fevereiro de 2012 >
Guiné 63/74 - P9534: VII Encontro Nacional da Tabanca Grande - Monte Real 2012 (4): Abertura de inscrições e informações diversas (A Organização) 

Guiné 63/74 - P9555: Caderno de notas de um Mais Velho (19): TECNIL, importante empresa de obras públicas, que desaparece do mapa (Parte I)

1. Nota do António Rosinha, que foi topógrafo na TECNIL, depois da independência da Guiné-Bissau... Enviada a 27 de fevereiro último, a meu pedido (LG):

 A TECNIL tinha a sua sede e Oficinas perto do cruzamento da estrada de Santa Luzia (Pansau Na Isna) com a avenida que vem da 1ª esquadra que ficou com o nome Unidade Africana.


Iniciou a actividade nas colónias em Angola nos anos 50, sendo já pelo ano de 1959 que iniciou na Guiné.

Estava também em São Tomé e nos Açores. O seu principal sócio (administrador, patrão) era o engº Ramiro Sobral (RS),  com empresas em Viseu, baptizando a TECNIL apenas para as colónias.

Disto tudo apenas sei a partir de 1980, quando conheci o patrão RS, 75 anos, e outros funcionários,  quase tudo gente desaparecida. Tenho ainda o contacto com um amigo desses,  já no lar da 3ª idade. Quando quero saber coisas antigas, recorro à memória desse amigo.

Ao falar da TECNIL e de RS, estamos falando de uma empresa com 3 ou 4 sócios engenheiros civis e/ou técnicos que eram muito respeitados por Spínola e outros, e pelo Luís Cabral e governos respectivos e mesmo depois com Nino. (Às vezes, muita gente que passa pouco tempo em África, não entende muito bem que haja um relacionamento óptimo entre aqueles que se podem dizer que serviram o colonialismo e os que foram as 'vítimas' dessa colonização: ex. a reacção dos cooperantes portugueses, suecos, cubanos , etc. mas mesmo muitos portugueses que passaram por lá, os 20 e tal meses e não tiveram qualquer integração; da parte dos africanos custa mais a compreender essa 'certa intimidade do cólon' quando se trata de jovens, já doutrinados no nacionalismo dos seus países).

Alem de estradas e pontes a TECNIL construía edifícios e obras marítimas. O dinamismo leva o RS a ser representante dos camiões Magirus basculantes e viaturas Peugeot e outros tipos de equipamento.








Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Piche > Ponte Caium > CCAÇ 3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974) > Foto nº 2: "As máquinas da TECNIL destruídas por ataque do PAIGC... Esta empresa estava empenhada na construção da nova estrada Piche-Buruntuma"...

Fotos: © Carlos Alexandre (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados



Em Angola era das maiores empresas, tipo Motas, que hoje são a MOTA-ENGIL. Mas perderam tudo, ao contrário dos Motas, cujos administradores estavam numa idade que lhe permitiu "ter jogo" para aguentar os trinta anos de guerra que se seguiu.

Já numa idade bastante avançada desistiram de lutar em Angola, São Tomé e Açores.

As estradas de Bafatá- Gabu, Bambadinca –Xime e Gabu-Piche-Ponte Caium foram obras da TECNIL durante a luta.

Ainda fui encontrar operadores de máquinas, motoristas e pedreiros guineenses e sãotomenses que trabalharam durante a luta nessas obras. Descreviam a destruição de um camião e morte do motorista mais 9 operários, já em finais de 1973 (?) que ao fim do dia de trabalho Gabu-Piche, os turras pediram boleia para Gabu mas o motorista não parou e daí a mortandade.

Contava a "assistência", pois vinha outro camião atrás, que os turras tinham intenção de entrar no Gabu naquele camião, onde não eram vistoriados à entrada de Gabu, e à noite fazerem um ataque ao Quartel de Gabu.

Ainda no fim da guerra construíram aquela ponte cais que fica junto da Marinha, ao fundo da av Amílcar Cabral, e já terminaram depois do 25 de Abril. 



Empresas como esta procuravam usar o máximo operários africanos, desde o servente até ao pedreiro e operador de máquinas. Só que em geral encarregados tinham que ir cá das nossas berças, nem que fossem analfabetos. Claro que melhor era se fossem já filhos ou netos de velhos colonos, que falasse« idiomas étnicos. Mas isso era difícil, porque essa malta vinha em geral, para a Universidade,  em Lisboa Porto e Coimbra.

Mas não era imposição salazarista, nem colonialista, nem economicista, ter um "capataz" tuga, nas empresas, e a estas só lhe interessa produção, e produção só se consegue com boa chefia ou "liderança",  como se diz hoje. Era em casos deste género que os movimentos acusavam o cólon que preteria o africano mesmo mais evoluído, por uma tuga, mesmo analfabeto.

Claro que tenho as minhas ideias sobre isto, mas apenas digo que é mais fácil encontrar um bom médico num Africano do que um bom "capataz", encarregado ou chefe ou o nome que se queira chamar. Dizer isto é fácil explicar já é mais difícil. Do sucesso desse encarregado com o pessoal africano, ou europeu, evidentemente, dependia qualquer obra. Mas se o relacionamento com os africanos falhasse, podia fazer as malas e dedicar-se a outra coisa. O mesmo acontecia com os comerciantes do interior, podiam desistir se fossem tomados de ponta pelos africanos porque falia com certeza.



Os africanos baptizam todos com uma alcunha em língua étnica. Em Caboverde ou Guiné poderá ser em crioulo também. Eu nunca soube a minha alcunha. Se for chefe, preto ou branco, tem alcunha, se esta for para deitar a baixo estás lixado. Até as empresas chegam a ter alcunha.

Não me lembro como o povo chamava à TECNIL. Em estradas a máquina mais preciosa chama-se motoniveladora, e fui encontrar o melhor operador desta máquina na Guiné e era guineense, chamava-se Herberto, a Soares da Costa "herdou-o"com o que mais tarde sobrou da TECNIL, e levou-o para Portugal e Angola.



E como conheci e trabalhei em estradas em Angola, Brasil, Madeira (aqui foi mais túneis mas também entra a niveladora) e estradas de acesso à Expo-98, nunca vi como esse Herberto.

Luís Graça, como disseste para escrever algo sobre a TECNIL, de antes e depois da independência, publica se entenderes esta parte colonial da TECNIL, porque a outra já da minha convivência seria uma segunda parte. E aí poderá dar mais que um poste.

Há, penso que no blogue,  uma foto do tal camião de Piche onde morreram uns tantos. Não sei tirar do Google Earth a localização das instalações da TECNIL que estão com uma boa definição.

Um abraço,
Antº Rosinha
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Nota do editor:

Último poste da série > 16 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9363: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (18): Os cães abandonados de Bissau, no tempo de Luís Cabral 

sexta-feira, 2 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9554: Reflexões sobre a Guerra Colonial / Guiné-Bissau (Manuel Joaquim)

1. Mensagem de Manuel Joaquim* (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67), com data de 29 de Fevereiro de 2012:

Meus queridos editores,
Há uns tempos atrás aceitei um convite dum núcleo duma organização de juventude (JS) para participar num colóquio sobre a guerra colonial, na qualidade de ex-combatente. Ao mexer agora nuns papéis, encontrei o texto base que preparei para o colóquio e, ao relê-lo, lembrei-me de vo-lo mandar. Sinceramente acho que para o blogue não traz nada de especial. Aproveita-se alguma coisa dele para publicação no blogue? Fica à vossa disposição e ao vosso critério que muito respeito.
Um grande abraço
Manuel Joaquim


REFLEXÕES SOBRE A GUERRA COLONIAL / GUINÉ-BISSAU

Por Manuel Joaquim

Muito obrigado pelo convite que me fizeram, meus caros jovens, e pelo tema que escolheram para o efeito. A guerra colonial é um tema quase esquecido. Aproveitando este número redondo, 50, que são os anos decorridos desde o seu início, têm-se sucedido algumas realizações relembrando esta guerra que foi um caso importante da vida portuguesa do século XX. Espero que esta sessão seja frutuosa e vos seja agradável e estimulante.

Para refletirmos redigi este texto de modo a não correr o risco de ficar para aqui a divagar sem atingir o meu objetivo. É uma base para sustentar o possível e desejável debate que se seguirá, espero.

Escolhi estes cinco temas mas poderão surgir outros que tenham em mente:
- Verdade e guerra
- A guerra e a sociedade portuguesa na época
- O fim da guerra
- Guiné-Bissau
- Combatente(s)

Não venho aqui pregar verdades, dou a minha opinião que até pode merecer a devida contestação. Estamos num espaço de liberdade e a liberdade é para se gozar e não para se combater, não é? Vamos lá então ao assunto.


Verdade e guerra

Há uma verdade irrefutável, a “guerra do ultramar” ou “guerra colonial”existiu. Sobre ela abundam relatos, recordações e opiniões e mesmo já alguns trabalhos de cariz histórico. É interessante verificar ser frequente encontrar versões não coincidentes sobre os mesmos factos, a maior parte das vezes por insuficiente informação e/ou por falhas de memória de quem viveu os acontecimentos e que, de boa fé, tenta dar o seu testemunho. Claro que também há quem milite para ocultar a verdade de factos que possam beliscar opinião já tomada e quem tente reescrever a história para atingir objetivos de interesse ideológico.

Ainda é cedo para tirar conclusões definitivas sobre os acontecimentos, se é que alguma vez isso virá a acontecer. A História trabalhará a informação e procurará com esse trabalho a verdade dos factos, esperemos. Por enquanto, mesmo 37 anos passados sobre o fim dos conflitos, ainda são visíveis muitos interesses que dificultam uma visão mais correta sobre a realidade que foi uma guerra com diversas frentes e sujeita às manigâncias de centrais de propaganda de diversas origens. Estava-se no tempo da “guerra fria” da qual a nossa guerra colonial também foi peça, é preciso não esquecer.

Como ainda há muitos milhares de ex-combatentes vivos há tendência para uma frequente consulta à sua memória e às suas opiniões (a minha presença aqui é um exemplo). Acho que é uma atitude essencial mas não suficiente para dela se fazer “doutrina”. Se não houver esforço para alargar o conhecimento e cruzar a diversa informação, a visão sobre a guerra sairá limitada. A maior parte dos ex-combatentes conhecerão mais ou menos a “sua” guerra, quero dizer, o que lhe aconteceu num certo tempo e num determinado local. Para uma visão global temos de procurar informação de quem andou na guerra, sim senhor, mas abarcando os mais variados tempos e lugares e consultar documentos das mais diversas fontes. Eu que fui combatente na Guiné e que sempre me interessei pelo que lá se passava nos anos seguintes a ter regressado, verifico que a minha informação sobre a guerra é muito maior hoje do que era, por exemplo, há dois anos. A minha opinião está hoje mais consolidada mas também diferente sobre certos factos. Porquê? Simplesmente porque tive acesso a uma maior e muito mais variada informação.

Que fiabilidade merecem as informações quando se trata de uma guerra? Não sei, pois às vezes nem nas minhas próprias “verdades”confio! Umas serão verdadeiras e outras falsas ou fantasiosas, algumas outras trazem em si laivos de verdade e de mentira que é preciso identificar.

Onde está a verdade? Ela anda por aí, mas onde? Nos ex-combatentes ? Nos documentos deixados? Os documentos relatam a verdade?

É legítimo desconfiar de tudo pois não é raro detetarem-se omissões, voluntárias ou não, quando não mesmo mentiras. Os documentos oficiais merecem mais confiança do que os particulares? Deve partir-se deste princípio mas, quando se trata de guerra, todos os cuidados são poucos. A informação e a contra-informação são poderosas armas de guerra, às vezes mais poderosas do que as armas propriamente ditas. E ainda há muita “palha” a eliminar, erros a descobrir, máscaras a tirar.

Diz-se que a História precisa de tempo para se aproximar da verdade. E é certo que, neste caso, o tempo ainda não é suficiente para esse efeito. Há fontes ainda não disponíveis ou por encontrar , outras estão a emergir, algumas estão ou estarão mais ou menos “poluídas”. Opiniões, notícias e versões de factos precisam de contraditório para se usarem como contributo para a verdadeira história desta guerra. A procura da verdade exige-o. É função da História. E creio que esta procura continuará a encontrar alguns entraves nos próximos tempos. E muitas fantasias! Coisa típica das guerras.


A guerra e a sociedade portuguesa na época

Fui combatente na Guiné, de julho de 1965 até maio de 1967, 21 meses. Em meados de setembro de 1966, fiz uma pausa e vim de férias. Baseado em Pombal e com viagens frequentes a Lisboa, vi uma sociedade nitidamente alheia à existência duma guerra em África. Com certeza que a maior parte do povo sabia dela, que havia já muita gente a sofrer por sua causa, mas o comportamento da sociedade era tal como se ela não existisse. Adquiri uma certeza: o governo utilizava meios políticos (censura e repressão) para esconder a situação. Fiquei chocado e voltei para a Guiné ainda mais revoltado com o que se passava politicamente em Portugal.

Quando acabou a “minha” guerra e regressei, o país continuava a parecer-me alheado de tudo o que se passava em África com os seus soldados. Perguntava-me muitas vezes como era possível serem mínimos os sinais de guerra, praticamente invisíveis na sociedade, quase limitados a funerais escondidos entre as paredes dos cemitérios, quando tantos militares tinham já morrido e outros continuavam a morrer ou a ficar feridos.
Não demorei a perceber que o poder político continuava na sua opção de que a guerra passasse despercebida na “paisagem” social. E lá o foi conseguindo fazer. Na comunicação social eram raras as referências à guerra e estas só se publicavam com autorização da sua Comissão de Censura. As notícias sobre mortes de militares limitavam-se à identificação destes, eram dadas por um serviço de informação militar e colocadas nos jornais em minúsculo espaço interior, passando despercebidas a quem as não procurasse de propósito. Deficientes das forças armadas eram tema tabu. Eram milhares mas não se “viam” nem neles se falava. Qualquer informação sobre a guerra era “cozinhada” de maneira a secundarizar o problema.

Havia um dia, o dia 10 de junho, denominado Dia da Raça (que nome!), com paradas militares pelo país, em que o governo incluía nas cerimónias uma homenagem aos combatentes, condecorando alguns. Discursos laudatórios que tentavam dissimular o desgaste das Forças Armadas, já visível no início dos anos 70, para quem “tivesse olhos de ver”. Para o governo não havia guerra mas sim um conjunto de sublevações de caráter local. Aliás, na área diplomática (e isto já é verdade histórica), Portugal nunca assumiu que estava em guerra mas sim a tentar manter a paz social no seu território pátrio que ia do Minho a Timor, como se dizia na altura, enviando forças militares em apoio às forças de segurança pública locais para ajudar a população a defender-se de ataques armados antipatrióticos praticados por alguns dos seus elementos, apoiados por inimigos externos de Portugal.

A situação não demorou muito a chegar a um ponto de quase rutura. Com visibilidade crescente a partir dos finais da década de 1960, vão surgindo sinais de falta de apoio da população, cada vez mais numerosos e contrariando a ideia espalhada oficialmente de que o povo apoiava a guerra. O sofrimento dos familiares dos combatentes não era tido em conta e o número de deficientes físicos e psicológicos das forças armadas ia crescendo rapidamente de modo a se tornar difícil esconder a situação, por mais que se tentasse fazê-lo.
Nas escolas militares os alunos começaram a escassear. Muitos, muitos mesmo, dos jovens sujeitos a incorporação militar fugiam a ela. E não era só por medo físico que se fugia, também era por motivos económicos ou políticos. A emigração clandestina, principalmente para França, crescia em progressão geométrica. Nas universidades a “tampa saltou” e a guerra começou a ser um forte tema de discussão e de revolta para grande parte dos estudantes, apesar da forte repressão política exercida sobre eles (fui testemunha presencial). Um familiar meu, ex-combatente ferido em combate em Moçambique, vi-o chorar quando lhe nasceu um filho. Pensei eu que ele chorava de alegria, enganei-me, disse-me que estava a pensar na guerra e no futuro do filho (estávamos em 1968, vejam o pânico dele e a perspetiva que tinha quanto ao fim da guerra!). Vi um colega de profissão, apoiante ativo do regime político então vigente , preparar com antecedência a maneira de “despachar” para a Suécia o filho, antes dos seus 18 anos. Teve sorte porque veio o “25de abril”. Apanhámos (eu por tabela) uma piela de “caixão à cova” no dia em que se convenceu que a guerra ia mesmo terminar.

Não tardou que o poder político começasse a não dominar a situação. O tema “guerra colonial” veio à superfície e extremou posições, tanto à direita como à esquerda. À direita, apareceram ações de propaganda (algumas estrondosas) de apoio ao regime político mas já eram tiros de pólvora seca e não “incendiavam” nada. À esquerda, para lá da “clássica” oposição, formaram-se diversas capelinhas ideológicas de pendor extremista, com forte ligação às universidades, que contestavam abertamente a situação política e a guerra no ultramar.

Muitos dos combatentes que iam para a guerra acreditando ir defender a pátria regressavam com outra crença sobre o tema. O número de oficiais saídos das escolas militares diminuía drasticamente de ano para ano quando, na altura, o quadro permanente de oficiais já não era suficiente para as necessidades pelo que se recorria a oficiais milicianos para tentar superar a situação. A emigração clandestina subia em altíssimo ritmo . Chegou-se a 1974 com um recrutamento geral a rasar a insuficiência, com as sua bases de recrutamento quase esgotadas e a certeza da sua insuficiência para os anos seguintes. O cansaço dos militares do quadro tornou-se evidente. O governo estava a entrar num beco sem saída. E sucedeu o inevitável, a tomada do poder pelos militares. O “25 de abril” abriu portas para uma saída do impasse.


O fim da guerra

Com o “25 de abril” a “panela” explodiu. Com esta explosão veio ao de cima a pressão popular para se resolver a situação de imediato. Começaram as negociações de paz mas Portugal teve de negociar numa situação de fragilidade política e militar devido à insegurança (ou falta de vontade?) das tropas combatentes para aguentarem as suas posições e darem tempo aos negociadores. Mas esta insegurança nem era de estranhar pois começou a faltar-lhes apoio político e solidariedade social para aguentarem a situação durante muito tempo. Uma solução rápida e politicamente razoável não era fácil.

Os apoiantes do regime deposto “desapareceram” ( a maior parte virou democrata!). Cobriram a fuga de alguns chefes e muitos deles correram a inscrever-se nos partidos então emergentes. Ao mesmo tempo muitos dos seus filhos juntaram-se à extrema-esquerda e tornaram-se militantes, alguns até dirigentes, de pequenos grupos marxistas-leninistas, maoistas, trotskistas, estalinistas, anarquistas, etc. Não é difícil ver hoje por aí muitos deles no exercício de altos cargos políticos, nas magistraturas, na advocacia, nas universidades e na comunicação social, nas áreas da alta finança e da economia. Tudo bem, a vida é feita de mudança (como dizia Camões).

Tudo bem, não! Ver hoje alguns deles criticando o “25 de abril” e o modo como correu o processo de descolonização mas branqueando responsabilidades e “fugindo com o rabo à seringa”, não dizendo o que pensavam e o que faziam naquela altura, custa a engolir! Pois não é que, logo após o “25deAbril”, eles próprios já gritavam na comunicação social e na rua “nem mais um soldado para as colónias” e “independência às colónias já”? Estou a ouvi-los, a vê-los e aos seus cartazes, pelas ruas de Lisboa e o mesmo aconteceu por muitos outros lados. É fácil reconhecer alguns nos jornais e noutros documentos daquela época. A consulta não é difícil.

O grito de “nem mais um soldado para as colónias” era ouvido por todo o país. E, como é natural, apoiado principalmente por aqueles que viam no horizonte a sua mobilização para a guerra. Quantos seriam os pais, os familiares, os amigos e amigas, as namoradas dos “tropas” mobilizáveis que não apoiavam estas palavras? Poucos (ou nenhuns?).

Não se falava ainda, oficialmente, em qualquer espécie de negociação. Mas como fazer negociações sem manter a força efetiva no terreno? E para manter essa força era preciso render tropas. O problema é que, socialmente, não havia “disponibilidade” para isso. Na altura pensei muitas vezes na situação de desconforto e de revolta que sentiriam os militares mobilizados no ultramar se não fossem rendidos a tempo. Como antigo combatente sentia-me amargurado e temia a ideia de que “o céu lhes poderia cair em cima”!

Ainda bem que não demorou muito até se começar a negociar o fim dos combates. Assim se evitaram muitos problemas . Criaram-se outros, é verdade, mas acredito que nesta situação a maior parte dos combatentes (ou todos?) queria era saltar de lá para fora o mais rápido possível, independentemente de pensarem ser a guerra justa ou injusta.


Guiné

Vou agora falar da guerra na Guiné, a respeito da qual continua o debate, principalmente no meio dos ex-combatentes, sobre “guerra ganha ou guerra perdida”. A minha opinião é a que ninguém ganhou a guerra porque nela não houve vencedores nem vencidos. Acabou porque tinha de acabar naquela altura, a situação criada em Portugal (25 abril 1974) assim o proporcionou, ou melhor, assim o obrigou. Muito provavelmente Portugal não aguentaria a guerra por muito mais tempo, o recrutamento estava cada vez mais difícil, a qualidade do armamento deixava muito a desejar e a capacidade económica era frágil. Acresciam os chamados ventos da história que não permitiriam o prolongamento da guerra. Portugal tinha o caminho aberto para uma derrota humilhante. Do lado do inimigo a luta não estava tão fácil como ele o queria fazer crer. É verdade que, sob a bandeira da auto-proclamada república da Guiné-Bissau, o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) estava a convencer cada vez mais países a reconhecer este novo estado e lá ia desgastando o nosso lado com as costumadas ações de guerrilha. Mas a sua força militar ainda não era suficiente para poder ganhar a guerra a curto prazo. O “25 de abril” facilitou a solução do conflito, para ambos os lados. Acreditando que foi a melhor solução possível custa-me muito ver que, de um lado e de outro, algo de muito melhor se poderia ter feito, nomeadamente na proteção dos combatentes guinéus que conosco combateram. Já sei que me dirão que “as circunstâncias do tempo e do lugar, etc. etc.” Também é verdade que hoje é fácil falar, ter outra opinião que não a da época.

Acredito que a história referirá o fim da guerra como resultado de negociações entre os contendores, há muitos documentos para fundamentar esta conclusão, mas a versão que vigora atualmente na Guiné- Bissau (e não só) é a da derrota das “tropas colonialistas portuguesas” perante “os heróicos guerrilheiros” do PAIGC. Mas a verdade é que as duas partes interromperam os combates para negociarem. E não os recomeçaram. Na altura, o PAIGC não tinha capacidade militar para vencer, apesar de propagandear que dominava a maior parte do território guineense. Portugal também não a tinha, estava numa de aguentar. Por isso se negociou a paz. E, pouco mais de quatro meses após o “25 de abril”, Portugal reconheceu a independência da Guiné-Bissau. Admito que se possa aceitar que Portugal foi derrotado politicamente, afinal o PAIGC obteve o que queria, a independência da Guiné-Bissau, mas obtida através de negociações e não pela vitória militar.

Percebe-se que uma conclusão desta ordem, de derrota militar, é social e politicamente conveniente para o poder político daquele país, embora não seja verdadeira. É um país em formação, enfrentando muitas dificuldades, e que precisa de alento patriótico. Compreende-se, politicamente, que na história da Guiné-Bissau figure a sua independência como resultado de uma vitória militar sobre o país seu colonizador. É quase certo que assim continuará a acontecer. É comum, na história de cada país, a apresentação de factos fantasiosos para enobrecer os seus heróis e criar e alimentar o patriotismo do seu povo. Nada de admirar encontrarem-se certos exageros e fantasias. Casos destes abundam nas sociedades organizadas, baseados em “factos” sem hipótese de verdade histórica. Heróis e factos lendários não faltam (podemos começar pela história portuguesa que é pródiga neste campo).


Combatente(s)

Quanto a nós, militares portugueses combatentes da guerra colonial, fomos postos à prova e aceitámos ter sido postos à prova, contrariados ou não. Em termos globais não há que ter vergonha da guerra que fizemos.
Eu era adversário político do chamado Estado Novo, não tinha filiação política mas quase posso dizer que odiava o regime político de então. Muitos dos jovens da minha idade, e da minha região (Pombal), emigraram clandestinamente e não cumpriram o serviço militar. E assim continuou a ser enquanto durou a guerra. Eu não o fiz, se calhar por medo, pois estava ciente dos perigos e sacrifícios que comportava a emigração clandestina. Ainda tive o projeto na calha mas aconteceu-me um imprevisto, envolvi-me de amores e não queria perder de vista o “objeto” amoroso. Amores que me levaram a pedir o adiamento de incorporação, o que consegui durante dois anos, alegando outro motivo que também era real, os estudos. Pensava eu, ao mesmo tempo, que a guerra poderia entretanto acabar. Coitado de mim, esperanças frustradas!

Lá fui para a tropa e o tempo foi passando até que, ano e meio depois, embarquei para a Guiné. Ao aceitar a mobilização, a participação nesta guerra exigia que me esforçasse por perceber quais as razões da existência de um inimigo , isto para meu próprio equilíbrio emocional, já que era adversário da guerra. E melhor do que ir com ideias feitas era ir preparado para o perceber no local, na própria Guiné. Não me foi difícil entender algumas dessas razões. Estas eram basicamente de teor político assentes no atraso económico, na pobreza do povo e na sua situação de povo colonizado. Sendo assim, aceitando-as ou não, fossem justas ou não, era fácil pôr-me na pele do inimigo e pensar que, provavelmente, estaria a fazer o mesmo que ele se estivesse no seu lugar.

Esta racionalização teve um resultado benéfico para mim, que foi fazer a guerra sem ódio. Combati o PAIGC, sim, contrariado mas sem hesitações nem complexos. O respeito por mim e pelos meus camaradas assim mo pedia. Combatíamos (eu e muitos outros) para sobreviver, para eliminar ou para neutralizar mas sem ódio. O inimigo estava ali, bem presente, com objetivos diferentes dos nossos mas éramos, nós e ele, no limite, combatentes por ideias para não dizer ideais, aceitássemos ou não tais ideais. O desafio que nos apontavam, de um lado e de outro, era vencer uma guerra, vencer um combate político com armas de guerra. Eis a razão porque nunca desprezei o inimigo, nem sequer o menosprezei, até por razões de segurança. De um lado e de outro havia gente a pensar que nada tinha a ver com aquilo mas nós não somos somente “nós”, somos nós e as circunstâncias. E as circunstâncias puseram-nos naquela situação de combatentes numa luta que para muitos não deveria existir.

Talvez seja por isto que, após certos conflitos, aparece o “charme do ex-inimigo”, tão criticado por uns quanto cultivado por outros. E a verdade é que, no caso dos ex-combatentes da guerra colonial, ele também aparece de vez em quando. É compreensível. As pessoas passaram pelas mesmas experiências em combate, por momentos semelhantes de coragem, de sofrimento, de medo, de angústia, de alegria, de euforia e/ou de depressão. A força e o caldeamento destes sentimentos podem diluir as causas e os rancores da luta de muitos antigos combatentes, de ambos os lados da guerra.

Assim não é de admirar que muitos dos inimigos de antes se possam, hoje, identificar mutuamente e relacionar-se agradavelmente, mesmo como amigos. Até porque, neste caso, a “guerra do ultramar” já acabou há muito tempo.

Acreditem que para muitos a passagem pela guerra fez a sua vida tomar outro sentido vivencial.

Conhecemo-nos melhor quando somos postos à prova. Há e houve tanta gente que durante a sua vida nunca foi posta à prova! ... Mas nós, ex- combatentes, fomos postos à prova muitas vezes e em muita coisa: na coragem, na lealdade, na doação, na solidariedade, na camaradagem, na dignidade, no sacrifício.

Muitos de nós achámos outras certezas na vida, aprendemos a relativizar os factos e as situações, aprendemos a “ver com outros olhos” e a “ouvir” de maneira diferente (é provável que um surdo, na primeira vez que vê dançar, olhe os dançarinos como loucos, disse Nietzsche). Esta “escola da guerra” ajudou-nos a perceber muitos “passos de dança”, tornou-nos pessoal e socialmente diferentes. Podem crer.

E podem crer que aquela guerra está sempre presente na nossa vida de ex-combatentes. Permitam-me uma imagem de culinária: pode até não se notar nada mas a guerra “cozeu-nos” a todos, os que nela combatemos. Fomos para ela crus, viemos dela cozinhados de todas as maneiras. E uma parte de nós mal cozinhados. Desgraçadamente, alguns não ficaram “comestíveis” e outros dificilmente “digeríveis”. Talvez alguns tenham vindo mais “apetitosos”, é possível. E deixo-vos a pensar no número de ex-combatentes da guerra colonial que “andam por aí”. Não sei quantos são mas pensem num número superior a um milhão.

Não quero terminar sem lembrar os mortos e feridos: os mortos desta guerra não devem, não podem ser esquecidos (foram à volta de onze mil!). Os deficientes desta guerra têm de ser apoiados e não postos num gueto, gueto aliás onde foram postos pelo poder político que os mobilizou e donde muitos deles não conseguiram sair (são muitos milhares!).

Agora, mesmo para finalizar: sou membro de um blogue, onde já escrevi diversas vezes, cujo nome por si já diz muita coisa. Chama-se “Luis Graça & Camaradas da Guiné”. Vão até lá se tiverem curiosidade de saber o que foi a guerra colonial, neste caso a havida na Guiné. Pode ser que até descubram alguns indícios do tipo de comportamento que verificaram ou verificam nos vossos familiares ex-combatentes quando vem à baila o tema da guerra. O porquê do seu silêncio sobre a guerra ou então os modos como por vezes falam nela ou como se comportam. O “stress de guerra” não é conversa fiada, é um grave problema de saúde de muitos ex-combatentes. Este blogue é muito especial, é um grande ponto de encontro de ex-combatentes da Guiné que tanto pode servir de confessionário como de centro de convívio. Identifico o espaço como um teatro: há palco para a ação mas também plateia, camarote e frisa, com a particularidade de os atores poderem escolher estarem, a cada momento, em qualquer um desses lugares. Continuam postos à prova, de modo muito diferente do que o da guerra, é verdade, agora voluntariamente. Continuam postos à prova na camaradagem, na solidariedade, no respeito, na tolerância, em suma na qualidade de seres humanos que as circunstâncias da geografia e da história juntaram, ligados pelas emoções e pela memória de uma guerra. Desculpem a presunção mas acho que, ao frequentarem este blogue, ficarão socialmente mais ricos e a compreender melhor uma fase da vida deste velho Portugal.

Muito obrigado, mais uma vez, e agora estou à vossa disposição para a conversa se acharem que vale a pena.

Manuel Joaquim
Dezembro/2011
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 24 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9396: Memórias de Manuel Joaquim (5): Raios e Carícias

Guiné 63/74 - P9553: Notas de leitura (338): Guerra Colonial & Guerra de Libertação Nacional 1950-1974: O Caso da Guiné-Bissau, de Leopoldo Amado (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Fevereiro de 2012:

Queridos amigos,
A tese de doutoramento do Leopoldo Amado tem capítulos incontornáveis, doravante são leitura de referência para entender este período da ascensão da luta. Neste texto procura-se sumariar a génese do nacionalismo guineense, o aparecimento de partidos, o aparecimento de Cabral e as sementes que levam ao PAIGC. Na transição para os anos 60, ganha expressão o que se passa em África no que respeita ao surto independentista. E depois temos um relato altamente documentado sobre a passagem para a guerra. É impossível resistir a esta leitura. Vivamente a recomendo.

Um abraço do
Mário


Guerra Colonial versus Guerra de Libertação Nacional:
O caso da Guiné-Bissau (2)

Beja Santos

O segundo capítulo da tese de doutoramento do Leopoldo Amado é porventura o mais acabado repositório de que passamos a dispor sobre a génese do nacionalismo guineense após a II Guerra Mundial, possui uma recolha espantosa de dados e fios soltos sobre o eclodir da guerrilha que, só por si, torna o seu livro “Guerra Colonial versus Guerra de Libertação Nacional, o caso da Guiné-Bissau” (IPAD, 2011) um documento de consulta obrigatória para o estudo do conflito. Reúne uma massa informativa impressionante.

É muitas vezes esquecido que logo no termo da II Guerra Mundial se registaram amplos protestos populares contra o aparelho administrativo colonial, caso das mortandades e chacinas provocadas por autoridades locais. Leopoldo Amado destaca a grande revolta ocorrida em Dezembro de 1950 contra as práticas do administrador António Pereira que foi julgado mais tarde, no tempo do governador Vaz Monteiro. É neste período que se fundou o Partido Socialista Guineense, de vida efémera. No Outono de 1952, Amílcar Cabral e a mulher chegam à Guiné. A polícia escreverá em 1955: “O engenheiro Amílcar Cabral e a sua mulher comportaram-se de maneira a levantar suspeitas de atividades contra a nossa presença nos territórios de África com exaltação de prioridade de direitos dos nativos e, como método de difundir as suas ideias por meios legalizados. O engenheiro pretendeu e chegou a requerer, juntamente com outros nativos, a fundação de uma agremiação desportiva e recreativa de Bissau, não tendo o governo autorizado”. O autor dá-nos um quadro sumário e rigoroso do que era a oposição ao salazarismo e como se estava a processar a evolução da consciência nacionalista. No fim da década, os nacionalistas podiam dizer que tinham esperanças acrescidas, após a independência do Gana, da Guiné-Conacri e do Senegal. As atitudes unionistas passaram a ganhar forma e a serem populares. Logo no termo da guerra houve propostas para a união de todos os africanos. A própria burguesia urbana protesta contra o poder colonial centralizador, mas a sua contestação é confusa e muito pouco convergente. A primeira organização política a surgir foi o MING – Movimento Nacional para a Independência da Guiné, que também não teve projeção. Seguiu-se o PAI – Partido Africano para a Independência, que só em 1962 se transformaria em PAIGC. O MLG – Movimento de Libertação da Guiné é fundado em 1958, nele participaram, entre outros, Rafael Barbosa que depois se transferirá para o PAI. O espaço político era uma verdadeira amálgama, as diferentes entrevistas e depoimentos recolhidos por Leopoldo Amado são elucidativos da ingenuidade, da falta de experiência e da muita desorientação política destes ativistas.

O massacre do Pindjiquiti veio acelerar a atuação nacionalista, quando Cabral passa por Bissau em Setembro de 1959 acordou com os seus principais colaboradores que iria partir para Conacri e dedicar-se exclusivamente ao movimento de libertação, fazia a leitura do massacre como prova eloquente de que o Governo português não aceitaria negociações para a independência. Leopoldo Amado descreve a colocação das peças políticas nos territórios limítrofes e o desencadear da mobilização dentro da Guiné. Um exemplo: “Na madrugada de 28 de Maio de 1960, foram lançados panfletos, colados nas paredes e metidos debaixo das portas, em envelopes. Na madrugada de 26 de julho de 1960, em Bissau, foram distribuídos pelos CTT de Teixeira Pinto, em carta, dois tipos de panfletos, um cicloesticado e outro impresso. Nos dias 1 e 7 de Outubro de 1960, na caixa dos CTT de Bissau, foram introduzidos panfletos subordinados ao título: “Comunicado do Movimento de Libertação da Guiné, endereçado às diversas entidades e autoridades. No dia 24 desse mesmo mês, foram colados nas montras dos estabelecimentos e postos de iluminação de Bissau, panfletos do Movimento de Libertação da Guiné”. Mais panfletos e documentos saídos do punho de Cabral vão repetir-se. Já em Conacri, Cabral criou o Lar dos Combatentes, uma verdadeira escola de guerrilha, organizam-se vários campos de treino, isto em simultâneo com a sede clandestina a funcionar em Bissau sobre a chefia de Rafael Barbosa, que virá a ser desmantelada em Fevereiro de 1962, pela PIDE. A mobilização dos camponeses é um dado assente em 1962. Um outro exemplo: “No mês de Maio, elementos do PAIGC percorrem diversas tabancas armados de pistolas. No dia 25 de Junho, foi atacada a vila de Catió marcando-se assim a passagem à ação armada. Num ataque, registou-se a destruição da jangada de Bedanda e cortes de fios telefónicos. Na noite de 27 de Junho, numa operação na tabanca de Utasse, área de Bigene, foi morto a tiro por elementos do MLG, sob o comando de François Mendy, um agente de PIDE de nome Augusto Macias”. Cabral é cada vez mais instado pelos outros movimentos de libertação a desencadear a luta armada, vai protelando por falta de condições, há poucos quadros e o armamento é ainda irrisório, por essa razão o PAIGC aposta na subversão e o Sul é a região escolhida: estradas interrompidas, pontes incendiadas, as autoridades reprimem, em vão. Apercebendo-se que as armas são fundamentais, Cabral lançou um apelo à ajuda internacional. E vai recebê-la.

As divergências entre as formações políticas guineenses eram um motivo de preocupação internacional. O presidente Modibo Keita, do Mali, promoveu em Bamako, em 16 de abril desse ano, uma reunião visando estabelecer um acordo entre os líderes dos vários partidos: Labery, Vicente Có, François Mendy, Amílcar Cabral e Ibraima Djalo. Assinaram-se papéis mas não se conseguiu constituir uma frente de luta, tal o número de divergências. A FLING acaba por ser a fórmula encontrada para a conjugação dos vários grupos nacionalistas que não aceitavam as teses da unidade Guiné-Cabo Verde. Um dos grupos, o MLG, liderado por François Mendy, desencadeia os ataques em S. Domingos, Suzana e Varela. A recetividade da população foi praticamente nula, já que não tinha havido consciencialização política. Os ataques prosseguem, mas a população não adere. Leopoldo Amado descreve os grupos sediados em Dakar. Em 3 de Agosto de 1962, visando unicamente a independência da Guiné, fundou-se a FLING, fusão do MLG, do UPG – União Popular da Guiné, UPLG – União Popular de Libertação da Guiné e, mais tarde, da UNGP.

É neste contexto que o PAIGC deflagra a luta armada, a partir do Sul. Em Março de 1963 a subversão é inequívoca no Sul: Tite e Buba, corte das estradas de acesso a Empada; incêndio de um barco a motor da carreira Bolama – Ponta Bambaiã; ataque à tabanca fula de Priame; flagelações a Cufar e Fulacunda; captura no porto de Cafine dos barcos a motor Mirandela, de Casa Gouveia, e Arouca, da Casa Brandão, foram levados para a república da Guiné Conacri. De uma forma detalhada, Leopoldo Amado elenca os ataques nos meses seguintes, no Sul, no Leste e no Norte. O PAIGC instala-se no Morés, fica aqui a sua base no interior de onde nunca sairá. A evolução da guerrilha vai entrar em espiral. Na segunda metade de outubro de 1964, o PAIGC iniciou o emprego generalizado de minas anticarro e fornilhos. E começaram a atuar nas áreas de Porto Gole, Enxalé, Xime e Bambadinca. Silva Cunha visita a Guiné e escreve um relatório: “Fiquei com o conhecimento exato da situação gravíssima que a província atravessa. Os seus aspetos mais alarmantes eram a rivalidade patente, inequívoca, entre o governador e comandante militar, a incapacidade deste para fazer frente às dificuldades e a sua falta de fé na possibilidade de o fazer. A intenção da manobra do PAIGC era nítida: dividir a província, de Norte a Sul, com base nas zonas do Morés e do Oio, em duas partes, para isolar Bissau e tornar cada vez mais difícil a defesa da zona Leste, onde era mais densa a concentração dos fulas, que se mantinham indefetivelmente fiéis; a partir deste momento, é o PAIGC quem irá encarnar e definir as orientações da luta armada".

(Continua)

O Real Instituto Tropical, dos Países Baixos, editou em 1980 uma brochura de divulgação sobre a Guiné-Bissau. Por mera curiosidade, fica aqui a capa do documento. Folheando a brochura, encontrei ainda autocarros que circulavam dentro de Bissau. A empresa faliu, a seguir vieram as candongas. Recordação de um sábado de manhã na Feira da Ladra.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9540: Notas de leitura (337): Guerra Colonial & Guerra de Libertação Nacional 1950-1974: O Caso da Guiné-Bissau, de Leopoldo Amado (1) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 1 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9552: Notas de leitura (338): A resposta que me veio pelo correio, quatro anos e meio depois: o livro do Idálio Reis, A CCAÇ 2317, na guerra da Guiné. Gandembel/Ponte Balana (Luís Graça)



Acima: Capa e ficha técnica do livro do Idálio Reis, que acaba de sair do prelo... e de que o editor deste blogue teve o privilégio de receber, em primeira mão, no último dia do mês de fevereiro de 2012, um exemplar autografado... O livro, brochado, tem 256 páginas. Abaixo: Dedicatória autografada.



Uma das notáveis fotografias (num total de 22), que ilustram profusamente o livro, e que foram tiradas pelo próprio Idálio Reis, documentando magistralmente o duro quotidiano da CCAÇ 2317 em Gandembel e em Ponte Balana, entre 8 de abril de 1968 e 28 de janeiro de 1969 (menos de 9 noves, o tempo para construir de raíz um aquartelamento, defendê-lo  até à morte e receber ordem para depois o abandonar...). Legenda: "Cada abrigo tinha uma única entrada e um pequeno espaço para o sentinela" (p. 82)





Reprodução da carta com que o autor fez acompanhar o exemplar do seu livro. Recorde-se que o nosso camarada Idálio Reis foi alf mil (e comandante) da CCAÇ 2317/BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana, 1968/69, tendo publicado no nosso blogue uma notável série, a Fotobiografia da CCAÇ 2317 (19689/69), em 11 postes (*).

Na altura da publicação do último poste, em 10 de outubro de 2007, deixei escrito o seguinte:

Querido amigo e camarada Idálio:

Não há, na guerra, um fim feliz, como no cinema. Mas gostei de saber que os últimos meses dos homens-toupeiras de Gandembel/Balana permitiram-vos retemperar as forças para o regresso à Pátria, à Mátria ou à Madrasta da Pátria...

Continua a dar-nos notícias da tua/nossa gente, cuja epopeia tão bem soubeste evocar e descrever nesta fotobiografia... O teu testemunho honra-nos a todos e orgulha os editores e autores do blogue bem como todos membros da nossa Tabanca Grande.

A fotobiografia da CCAÇ 2317, escrita pelo teu punho, foi um dos momentos altos do nosso blogue. Faço daqui um veemente apelo a um editor português que arrisque publicar, em livro, esta extraordinária aventura de 9 meses no corredor da morte. Porque não o Círculo de Leitores ? (...)
A resposta, quatro anos e meio depois, e quando menos esperava, veio através do correio... Fiquei muito feliz por receber a encomenda do Idálio, com o seu livro lá dentro.  Agradeço-lhe, de todo o coração, a dedicatória e a carta que me escreveu, a mim e aos demais camaradas da Tabanca Grande. Tenho o dever de a partilhar com todos. Quanto à leitura atenta e apaixonada do livro, um "novo filho" do blogue,  essa, ficará para o próximo fim de semana. E o xicoração que o Idálio merece, esse, ficará para Monte Real, dia 21 de Abril de 2012. LG


Meu caro Luís:

Decerto,  este livro dificilmente se concretizaria se não fora a existência do blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné".

Aos que, a maior parte de nós, tiveram a desdita de se embalar [?] num perverso palco de guerra, reconhecem na lonjura dos tempos que valeu a pena o lampejo da perseverança e do querer, num propósito de congregar ex-camaradas de entrar adentro de uma porta comum, sempre aberta, para exorcizarem os seus fantasmas, dando azo à reconstituição e partilha de muitas das suas mais impressivas memórias.

Se ao blogue se aditar a premência de companheiros da minha companhia, de todo me não poderia ficar indiferente, a não tentar escrever, em formarto genérico, a história de uma crucial parte da comissão de soberania, porquanto a guardada pela instituição militar é clamorosamente contristadora.

Mas tentei escrever um livro onde explanasse os condicionalismos em que assentou esse "suplício de Sísifo",  vivido pelos de Gandembel/Ponte Balana, sob uma observação muito cuidada de António Spínola e Nino Vieira, seria sempre uma tarefa difícil de expor claramente, e que somente uma motivação muito forte poderia sobrepujar.

O tempo que demorei a escrever o livro, foi algo moroso, reconheço. Mas , à medida que ia alinhavando a narrativa, revelaran-se nosvos factos, que o blogue ou os meios de comunicação de massa devem [?] à estampa, e novas perspectivas se afloravam.

E fui absorvendo tudo isso, e contudo tem um limite, houve que lhe dar um fim,  o que me causou bastante satisfação. 


É um livro meu. E assim , terei o grato prazer  de o partilhar com todos os que manifestarem interesse na sua narrativa, desde logo na próxima festa de Monte Real. Com  grande estima e consideração, Idálio Reis. (**)


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Notas do editor:


(*) Vd. todo o dossiê do Idálio Reis (11 postes, profusamente ilustrados) sobre Gandembel/Balana, e que já na altura dizíamos que "merecia ser publicado em livro": 10 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2172: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/69) (Idálio Reis) (11): Em Buba e depois no Gabu, fomos gente feliz... sem lágrimas (Fim)


Último poste da série > 27 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9540: Notas de leitura (337): Guerra Colonial & Guerra de Libertação Nacional 1950-1974: O Caso da Guiné-Bissau, de Leopoldo Amado (1) (Mário Beja Santos)