sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10246: Efemérides (107): Dia 10 de Agosto de 1972 - Naufrágio no Rio Geba de um sintex com pessoal da CART 3494 (Jorge Araújo)

1. Mensagem do nosso camarada Jorge Araújo (ex-Fur Mil Op Esp/Ranger da CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1972/74), com data de 9 de Agosto de 2012:

Caríssimo Camarada Luís Graça, e restantes operacionais do nosso blogue:

Os meus melhores cumprimentos.

Serve o presente para anexar uma narrativa dos acontecimentos relacionados com o Naufrágio de 10 Ago 1972, no Rio Geba, envolvendo alguns militares da CART 3494.

Através desta metodologia pretende-se transferir o conhecimento individual de quem viveu de forma intensa aquele contexto, descrevendo-se um conjunto de detalhes julgados pertinentes com o objectivo de se conceber a sua história, agora que estão decorridos quarenta anos após esse acidente.

Ela é, ainda, mais uma pequena contribuição que é disponibilizada à opinião pública, por meio deste espaço plural de partilha, como é o caso da «Tabanca Grande», sobre as diferentes ocorrências registadas durante o conflito militar no CTIG, quer ela seja interpretada pelos ex-combatentes quer se trate da análise a realizar pelas gerações mais novas no âmbito multidisciplinar.

Obrigado pela atenção.
Jorge Araújo.
Ex-Furriel Mil Op Esp/RANGER
CART 3494
Xime-Mansambo
1972/1974


O RIO GEBA E O MACARÉU 

O NAUFRÁGIO NO DIA 10.AGO.1972

I – O NAUFRÁGIO NO RIO GEBA – 10.AGO.1972

No intervalo das duas emboscadas sofridas pela CART 3494 na Ponta Coli, local situado na estrada entre o Xime e Bambadinca, e já objecto de narração anterior (Postes 9698* e 9802*), focalizámo-nos hoje em mais um acontecimento que marcou a vida colectiva dos seus membros, em particular daqueles que directamente nele estiveram envolvidos, e que ficou conhecido, na história da Companhia e do Batalhão, como o Naufrágio no Rio Geba.

Este episódio verificou-se exactamente a meio dos dois acontecimentos anteriormente assinalados, contabilizando-se um período de cento e onze dias entre cada um deles, o que é uma coincidência interessante.

Durante alguns minutos vivemos entre a água e o céu, entre a terra e o inferno, entre a vida e a morte, sendo que esta última expressão/conceito viria a aplicar-se, lamentavelmente, a três dos catorze militares que naquela 5.ª feira, dia 10 de Agosto de 1972, faz hoje quarenta anos, tinham por missão fazer a travessia entre as margens esquerda e direita do Rio Geba, por esta ordem, com o objectivo operacional de sinalizar eventuais vestígios deixados no terreno pelo IN, vulgo reconhecimento à zona circunvolvente ao Destacamento de Mato Cão.

Curiosamente, nessa mesma data, foi testemunhado o movimento de um meteoro, que se tornou conhecido como A Grande Bola de Fogo Diurna de 1972, sobre as Montanhas Rochosas do Sudoeste dos EUA em direcção ao Canadá e que, caso tivesse explodido (dizem os cientistas),  seria semelhante à explosão de Hiroshima (Bomba Atómica Little Boy), ocorrida em 03.Ago.1945, ou seja vinte e sete anos antes, e que acabaria por estar ligada ao términus da II Guerra Mundial concretizado oficialmente após a assinatura do armistício verificada em 02.Set.1945, na Baía de Tóquio.

Entretanto, a travessia do Rio Geba, a iniciar-se no Cais do Xime, seria feita com recurso a um bote de fibra de vidro conhecido por Sintex, com motor fora de bordo de 50 Cavalos, sendo sugerida, como elemento de segurança, que a sua lotação não deveria ultrapassar a dezena de indivíduos, incluindo o barqueiro.

Para se ter a noção deste tipo de embarcação, uma vez que não existem imagens reais da ocorrência, seleccionámos a foto ao lado, publicada pelo Correio da Manhã em 27.Jun.2010, na rubrica “A Minha Guerra”, e que serviu para enquadrar a História de Guerra contada pelo nosso amigo e camarada ex-alferes Joaquim Mexia Alves,  naquele órgão de comunicação social.

Porém, tudo leva a crer que estamos perante o mesmo bote que foi utilizado naquele dia 10 de Agosto, uma vez que o ex-alferes Mexia Alves, ao ser nomeado CMDT do Pel Caç Nat 52 algum tempo depois, viria a ser colocado no Destacamento de Mato Cão, ficando este sob a jurisdição do BART 3873, e, portanto, dependente do seu apoio logístico.

Com efeito, e porque ainda hoje subsistem algumas dúvidas sobre como tudo aconteceu, nomeadamente causas e efeitos das decisões tomadas pela linha de comando, este texto corresponde tão só e apenas ao que ainda guardamos em memória deste tema (e ainda bem que o ser humano tem memória), uma vez que também neste caso estivemos envolvidos até ao tutano.

Procuramos, através da informação retida e das muitas imagens ainda bem presentes, caracterizar cada elemento do todo fenomenal, com o objectivo de acrescentar algo mais ao que já foi tornado público em outras ocasiões, em particular no Blogue da CART 3494 (vidé: poste 17 (10.fev.2009); poste 29 (22.mar.2009) e poste 44 (12.nov.2009).

Tal como nos depoimentos anteriores, o método utilizado assenta numa estrutura organizada cronologicamente a partir de cada um dos diferentes momentos: o antes, o durante e o depois dos factos.


II – O DIA 09 DE AGOSTO DE 1972

Tendo por cenário as ocorrências contabilizadas durante a primeira emboscada sofrida pela CART 3494, através do seu 4.º GComb, no dia 22.Abr.1972, levando-o a ficar inoperacional por algum tempo, como consequência dos diferentes graus de enfermidade e de inferioridade física de parte significativa dos seus elementos, foi decidido superiormente que transitaríamos de imediato para o 1.º Pelotão, em virtude deste GComb estar desfalcado de quadros de comando.

Esta transferência, que no início tinha carácter provisório acabaria por ser definitiva, pelo que nos mantivemos neste pelotão até ao final da comissão de serviço no CTIG, justificada, em certa medida, pela transferência do seu oficial adstrito (ex-alferes Carneiro) para uma CCaç, e que, por motivos que desconhecemos, não viria a ser rendido.

Assim, em conformidade com o plano das acções/missões atribuídas a cada pelotão, o dia 09 de Agosto de 1972 foi passado no cumprimento das diferentes tarefas logísticas internas como sejam a limpeza, recolha e abastecimento de água pelos diferentes abrigos e outros serviços de manutenção ao aquartelamento, sob a orientação operacional dos três furriéis do grupo: Godinho, Ferreira e eu próprio. Concluídas as diferentes missões, o restante tempo que faltava para encerrar o dia foi utilizado no jantar, na messe, e depois recolhemos ao nosso Tê Zero, procurando recuperar energias para o dia seguinte, já que a missão atribuída na escala era de intervenção, desconhecendo-se, naquele momento, o que estava previsto ou pensado para esse efeito.

Já na posição horizontal, recebendo o ar fresco da ventoinha suspensa na estrutura da cabeceira da cama, eis que entra no quarto o ex-Furriel Ferreira, com ar de poucos amigos, contando que tinha sido chamado ao Gabinete do CMDT da Companhia, ex-Cap. J. A. Pereira da Costa, líder da CART 3494 desde 22.Jun.1972, recebendo instruções para preparar a sua Secção (Bazuca) reforçada com mais alguns elementos do Pelotão, com o objectivo de no dia seguinte, de manhã, participar num patrulhamento a efectuar na margem direita do Rio Geba, estando prevista a inclusão, na acção, do Major de Operações do BART 3873, ex-Major de Art. Henrique Jales Moreira.

Perante os sinais de ansiedade transmitidos em cada frase emitida e o nervosismo sentido em cada movimento corporal, logo o questionámos – eu e o Godinho – o que se passa contigo?

A resposta não foi imediata. Mas, depois de alguma insistência, afirmou sentir-se um pouco em baixa de forma. Perguntei-lhe se queria que eu fosse no seu lugar. A sua resposta foi afirmativa, deixando cair, então, um grande fardo que tinha sobre os seus ombros.

Questionado se já tinha dado instruções aos seleccionados para a missão, a sua resposta foi positiva.

Passado algum tempo chega a informação de que o bazuqueiro, ex-Soldado Ricardo Teixeira (imagem ao lado), tinha ficado ferido durante o serviço de limpeza, em consequência de ter espetado um prego no pé, ao tentar compactar o lixo que se encontrava na viatura, deixando-o, assim, incapacitado para a tarefa agendada para o dia seguinte.


III – O DIA 10 DE AGOSTO DE 1972 – o naufrágio no Rio Geba

As actividades militares do dia em referência foram iniciadas com a concentração vs organização dos militares destacados para a acção identificada no dia anterior, grupo constituído por nove praças devidamente equipados para a missão, por mim próprio, a quem tinha sido entregue um rádio de transmissões AVP1, a que se juntou, no Cais do Xime, o CMDT da Companhia, ex-Cap. Pereira da Costa, o ex-Alferes Guimarães, em situação de Estágio Operacional e o ex-Major de Operações Henrique Jales Moreira, totalizando treze elementos.
A este número faltava adicionar, ainda, o barqueiro do Sintex, perfazendo então um universo de catorze militares a transportar no bote que, como referido no ponto I, era aconselhada uma lotação máxima de dez indivíduos.

Parecendo estarem reunidas todas as condições operacionais para o sucesso da missão, embarcámos para o bote Sintex, distribuindo-se a totalidade dos elementos de modo equitativo, dando-se então início à navegação por volta das 09:00 horas.

Depois de percorridas algumas dezenas de metros, verificou-se que o plano de água não permitia o avanço da embarcação, uma vez que o hélice do motor batia no fundo do rio, pois estávamos ainda na situação de baixa-mar, pelo que era necessário aguardar pela passagem do macaréu. Por isso regressámos ao local da partida, dando por concluída a primeira tentativa da travessia do Geba.

Uma vez que o Aquartelamento distava do cais entre 250/300 metros, e a nossa presença não era necessária naquele contexto, decidimos ali regressar. Quando estávamos já no seu interior, muito perto da parada, depois de ultrapassada a porta de armas original, cujo modelo ou patente julgamos não ter sido registada, ouvimos um sinal sonoro no nosso rádio AVP1, que atendemos. O conteúdo da informação recebida dava conta da passagem do macaréu, pelo que se solicitava a presença de todos os militares no cais, para dar-se início a nova viagem.
Contudo, foi com algum espanto e muita perplexidade que recebemos a notícia da passagem do macaréu, na medida em que conhecíamos mais ou menos bem a sua evolução no processo de enchimento da maré, devido à situação de proximidade com o rio, facto que suscitou em nós, desde o início, uma natural curiosidade pela observação deste fenómeno da natureza.

E o que é o fenómeno macaréu?

A hidrografia explica que o macaréu é o choque das águas de um rio caudaloso com as ondas durante o início da maré enchente.

Este fenómeno das marés, que dá origem à elevação do nível das águas oceânicas, faz com as mesmas invadam a foz dos rios, podendo formar ondas até dezenas de metros de largura, com três a cinco metros de altura, atingindo uma velocidade entre trinta e cinquenta quilómetros por hora. Esta poderosa massa de água que se transforma em onda pode durar entre quinze minutos e uma hora.

Para além do Rio Geba, este fenómeno é observado em vários pontos dos cinco continentes, nomeadamente no Brasil, na foz do rio Amazonas e afluentes do litoral paraense e amapaense, como sejam os rios Araguari, Maicaré, Guamá, Capim e Moju, e na foz do rio Mearim, no Maranhão.

Nessa região amazónica, esse fenómeno é designado por pororoca, mupororoca ou macaréu. Porém, outras designações são atribuídas ao mesmo fenómeno, com diferentes escalas, observado em diferentes rios do mundo, de que é exemplo o caso de Inglaterra, na foz dos rios Severn, Tamisa e Trent, conhecido por bore. Eis algumas imagens de cada um dos diferentes fenómenos.


Na França, o exemplo observado na foz dos rios Gironda, Charante e Sena é conhecido por mascaret ou barre.

De regresso ao cais, as dúvidas suscitadas inicialmente quanto à oportunidade de dar-se início à travessia não se dissiparam, antes pelo contrário, elas ampliaram-se em função da qualidade de agitação da água do rio. Esta nossa avaliação era coincidente com a do Cabo Silva (um militar da Marinha, que durante mais de duas décadas viveu as experiências das diferentes marés por onde andou, por ter estado ligado às actividades dos submarinos) e que naquela ocasião se encontrava no cais, dirigindo os trabalhos de carregamento de madeiras para a embarcação civil CP10.

Esta conclusão resultou do facto de ter escutado a parte final da conversa havida entre aquele militar e o Major de Operações, em que o primeiro tentou convencer o segundo a não se fazer à água naquele momento, aconselhando-o a aguardar mais algum tempo de modo a diminuir o risco de um eventual acidente, mas sem sucesso. À ordem de avançar porque se fazia tarde, eis a mensagem que circulou, entrámos pela segunda vez no bote Sintex, mantendo-se a distribuição anterior.

A partida aconteceu no local indicado na foto ao lado (Cais do Xime), agora em ruínas.

O sentido da navegação corresponde igualmente à da imagem apresentada, sendo a margem esquerda aquela que se encontra à direita e a margem direita a que se encontra à esquerda.

Demos, então, início à segunda tentativa da travessia do Rio Geba. Com a navegação a cargo do barqueiro, com o motor em funcionamento e com as águas muito agitadas, certamente que cada um de nós se interrogou quanto ao sucesso da aventura em que tínhamos embarcado e que não tinha hipóteses de retrocesso.

Logo nas primeiras dezenas de metros, os “palpites” começaram-se a escutar, na medida em que a embarcação não podia tomar o rumo certo. Uma ordem foi escutada: desligue-se o motor, o que foi acatado pelo barqueiro. Mas, mesmo assim, dava a sensação de que o bote continuava com o motor ligado, tal era a velocidade com que o mesmo deslizava naquelas águas revoltas.

O pânico subia à medida que a embarcação se aproximava da cabeça do macaréu, cada vez com mais agitação e remoinhos à mistura. Naquele momento, um novo conceito surgiu no léxico dos militares, particularmente nas praças, que traduzia o sentimento que estavam a viver, ou seja “eu não sei nadar”, no princípio entredentes e depois mais audíveis e expressivos.

O cenário começava, então, a ficar cinzento, diria mesmo muito cinzento no sentido da cor negra, independentemente de estar um dia óptimo, cheio de sol e com a temperatura ambiente a aumentar.
A pergunta filosófica que, certamente, cada um formulou para si, era a de saber como poderíamos sair daquele imbróglio, sãos e salvos?

Entretanto, uma nova ordem foi dada, visando criar algumas réstias de esperança quanto à possibilidade de sobrevivência colectiva, apontando para uma “navegação o mais perto possível da margem esquerda”, ou seja, a mesma donde partíramos. Quando nos encontrávamos a cerca de quatro/cinco metros do tarrafo – zona de lodo ainda não submersa, e onde habitualmente a comunidade de crocodilos (alfaiates) se organiza em frisa apanhando os seus banhos de sol – eis que se escuta uma nova ordem: “haja um que salte para o tarrafo levando consigo as correntes do bote com o objectivo de o poder suster”.

Olhando à minha volta, e perante a ausência de candidatos e/ou voluntários disponíveis para o cumprimento deste desiderato, eis que tomámos em mãos esse desafio. Porque a embarcação continuava instável face à movimentação das águas, o salto só poderia acontecer quando a distância entre o bote e o lodo fosse de molde a facilitar a operação proposta.

Não sendo possível identificar o melhor momento para o salto, eis que no tempo «X» saltámos levando nas mãos a dita corrente já referida anteriormente. Durante o salto, feito de frente para o tarrafo, ouvimos, vindo da nossa rectaguarda, um ruído provocado pelo embate da proa do bote na parte mais alta do lodo, tendo como consequência a inclinação do mesmo projectando para a água todos os seus ocupantes, primeiro os que se encontravam no lado esquerdo da embarcação e depois os do lado direito, por efeito do desequilíbrio de peso que entretanto ocorrera (lei da física).

Quanto a nós e na sequência do salto, ficámos de imediato enterrados no lodo até aos joelhos, procurando, mesmo assim, manter o controlo da embarcação através do uso da sua corrente, mas não por muito tempo. Face à diminuição da nossa resistência por via da força da maré, que nos conseguiu arrancar ao lodo arrastando-nos num espaço de alguns metros quase até à posição de «pino», não tivemos outra alternativa senão deixar o bote entrar à deriva.

Como podem imaginar todo esta descrição corresponde a uma fracção de tempo diminuto entre alguns segundos e poucos minutos, mas que no terreno mais parece uma eternidade.

Entretanto, na água, a luta era extremamente desigual entre o poder do homem e o poder da maré. Cada um dos militares, equipados e vestidos com os seus camuflados que lhes dificultava a mobilidade dentro de água, procuravam chegar a terra firme o mais rapidamente possível, pondo-se a salvo. E isso aconteceu a oito de um total de catorzes elementos.

Dos seis em falta, três conseguiram entrar no bote: o barqueiro (nome que desconhecemos, pois era elemento da CCS), o Miranda (1.º Cabo de dilagramas) que remando com a sua sacola das granadas permitiu recolher o ex-Major de Operações Jales Moreira em situação muito difícil. E os três seguiram ao sabor da corrente na direcção de Bambadinca, local onde estava sediado o Batalhão.

Os outros três elementos em falta eram: o José Maria da Silva Sousa, o Manuel Salgado Antunes e o Abraão Moreira Rosa, que acabariam por desaparecer nas águas barrentas do Rio Geba, sem que existisse qualquer hipótese de salvamento. No caso do José Sousa ainda o vi emergir três vezes. Mas como tinha em seu poder a bazuca e esta estava presa à paleta da camisa, provavelmente esta situação não lhe foi favorável, dificultando-lhe ainda mais os movimentos.

Para além de não se ter concretizado a travessia, de o grupo ter ficado fraccionado e com baixas, de termos ficado desarmados e sem meios de comunicar com a nossa Companhia, tínhamos ainda pela frente um longo caminho a percorrer até chegarmos ao nosso Aquartelamento, no Xime.

Assim, os oito elementos que estavam aparentemente a salvo, mas ainda dentro de água tentando localizar alguma das armas perdidas, tinham ainda pela frente um osso difícil de roer, passe a imagem metafórica, uma vez que faltava transpor o obstáculo tarrafo até chegar a terra mais sólida.

E a primeira dificuldade com que nos deparámos tinha a ver com a necessidade de percorrer cerca de quinze metros de lodo extremamente mole, num momento em que as águas continuavam a subir a um ritmo veloz, e em que o movimento de elevação de cada perna, correspondente a cada passo, era sempre maior que o anterior, fazendo lembrar que estávamos perante um contexto de areia movediça.

Após os primeiros passos, não nos restava outra alternativa senão tentar nadar no lodo, agora cada qual em tronco nu mas com os seus objectos sob controlo (roupa, cinturão e carregadores). Na sequência de cada braçada, esses objectos eram arremessados para a frente, para depois se efectuar nova braçada e novo arremesso. Todo o nosso corpo era lodo: o cabelo, o rosto, a boca, os membros, etc., etc., etc.. Para percorrer os tais quinze metros de tarrafo, aproximadamente, foram gastos cerca de vinte e cinco minutos, o que diz bem das dificuldades sentidas. A meio da viagem, por efeito de estar verdadeiramente exausto, pensei que já não seria capaz de ali sair. A força e a energia tinham-se esgotado.

Depois de um curto descanso a pedido do corpo e da mente, aconteceu um novo impulso antes da última transcendência (a morte), conseguindo então chegar ao fim da linha. Espalhados ao longo do lodo encontravam-se ainda os meus sete camaradas, cada um lutando para ultrapassar as suas dificuldades.

Fazendo uso da faca de mato, que usávamos presa ao cinturão, procedemos ao corte de alguns troncos dos arbustos existentes na zona, arremessando-os na sua direcção, visando facilitar a mobilidade nos últimos metros da tortura. Os pequenos troncos, porque foram colocados entre os corpos e o tarrafo, funcionando como estrado, acabariam por provocar ligeiros ferimentos, particularmente no peito e zona abdominal, devido às suas saliências.

Tendo saído vitoriosos da primeira batalha, outra seguir-se-ia, mas esta sem alvo pré-definido, uma vez que o itinerário era desconhecido, impondo-se, então, uma decisão quanto ao rumo a tomar (sentido de orientação). É que estávamos no início de uma bolanha (exemplo: imagem ao lado) e tanto quanto o horizonte visual nos permitia enxergar, não víamos alma nem qualquer vestígio da presença humana.

Avançámos de forma empírica corrigindo a direcção por simpatia, sabendo-se, no entanto, que aquela zona estava sob controlo das NT, e que provavelmente estávamos em presença da bolanha de Nhabijões, o que se veio a confirmar depois.

Durante a caminhada, sob um sol abrasador e com uma temperatura a rondar os 35/40 graus (a estação da época era a das chuvas), a resistência de cada um de nós voltou a ser, uma vez mais, posta à prova, concluindo-se que o humano não conhece os seus limites. A exaustão e a desidratação eram compensadas com um mergulho na bolanha a cada dez metros, distância suficiente para fazer secar os corpos e a roupa. Passado algum tempo não cronometrado - esse detalhe não era importante naquela situação - avistámos ao longe umas chapas de zinco brilhando por efeito do sol, tendo seguido nessa rota. Estávamos então nas traseiras da Tabanca de Nhabijões. Aí chegados, impunha-se conquistar uma merecida sombra e a ingestão de líquidos e de alguns alimentos. Mas há falta de recursos, bebemos água e eu comi uma lata de salada de frutas de conserva que jamais esquecerei.

O CMDT do pelotão aí residente estranhou a nossa presença, pois não sabia do que nos tinha acontecido. E foi a partir desse momento que sinalizámos a nossa existência na rede de comando, solicitando uma viatura para nos transportar até ao Xime, onde chegámos a meio da tarde.

À chegada, foi-nos confirmado o desaparecimento dos três camaradas anteriormente referenciados, bem como a ancoragem do Sintex no Cais de Bambadinca transportando os três elementos que nele entraram para uma viagem única em que foi aproveitada a força da maré.

Entretanto, e porque o ex-Major de Operações Jales Moreira foi o primeiro a dar a notícia da ocorrência, logo se providenciou no sentido de se mobilizarem os meios operacionais, nomeadamente a partir dos recursos humanos da CART 3494. Sob o comando do ex-Cap. Pereira da Costa foi encetado um novo patrulhamento com maior incidência na zona do naufrágio, visando encontrar os corpos dos militares afogados, mas sem sucesso. Esta acção contou com o apoio de meios aéreos.

O regresso ao Xime aconteceu já de noite.


IV - CAUSAS/EFEITOS DO NAUFRÁGIO

O dia seguinte foi vivido, por todos, sob o efeito das diferentes ocorrências do dia anterior, todas elas contribuindo para um estado de espírito francamente negativo, em particular pela perda, de uma assentada, de três membros do nosso grupo, num acidente inquestionavelmente estúpido, como são todos aqueles que poderiam ser evitados. Deste modo, a angústia e a ansiedade dominaram este e os dias seguintes, desenvolvendo-se a crença e/ou a expectativa dos corpos dos desaparecidos poderem ser recuperados.
Essa crença e/ou expectativa apenas se concretizou uma vez, lamentavelmente.

Decorridas mais de trinta horas após o acidente foi localizado um corpo/cadáver junto ao Cais do Xime (imagem ao lado); era o do José Maria da Silva Sousa (o bazuqueiro).

O seu corpo estava desnudo e em processo de transformação, o que é natural neste tipo de ocorrência. O seu comprimento aumentara substancialmente, ultrapassando largamente os dois metros, assim como o seu peso, agora com valores a rondar os cento e cinquenta quilos.

Dois dias depois procedemos à realização do funeral, numa tarde de autêntico dilúvio e com direito a Honras Militares, ficando o seu corpo sepultado no cemitério de Bambadinca, conforme se demonstra na foto ao lado, cedida pelo ex-1.º Cabo Condutor Auto – Abílio Soares Rodrigues.

Durante mais alguns dias, todos os olhares estiveram direccionados para o Rio Geba, esperando que ele nos devolvesse os restantes corpos, mas em vão.
Entretanto, devido a ter-se verificado mortes e desaparecido material de guerra, foi decidido pelo CMDT do Batalhão 3873, ex-Tenente-Coronel Tiago Martins (que já não está entre nós) a abertura de um Auto de Averiguações, que decorreu durante os primeiros meses, tendo sido consultados/inquiridos os militares envolvidos neste acidente.

Treze meses depois do naufrágio – Setembro de 1973 – fomos convocados para comparecer no Tribunal Militar Territorial, em Bissau, para participar no acto de julgamento do processo, tendo como Réu o ex-Major Henrique Jales Moreira, e na qualidade de testemunhas oculares, eu próprio e o 1.º Cabo Miranda.

Tratou-se de uma nova aventura e de uma grande experiência que não gostaríamos de repetir, em função do ambiente em que decorreu.

O veredicto final do Tribunal determinou a absolvição do Réu.

Por último, resta-nos referir que esta nova história que ousei narrar sobre um tema sensível no contexto da CART 3494 / BART 3873, escrita na primeira pessoa e que agora vos dei a conhecer, ocorrida durante o projecto militar desenvolvido no CTIGuiné (1972/1974), ficará gravada indelevelmente para sempre na minha história de vida, na medida em que é difícil fazer-se o seu luto.

Em cada um dos diferentes momentos foi possível retirar lições de vida, ajudando-nos a melhor compreender os desempenhos socioculturais e sociopolíticos do ser humano.

Assim, deixo à consideração de cada um dos leitores a competente avaliação do valor do escrito e das lições que dele julguem poder retirar.

Um grande abraço para todos, e até à próxima história.
Jorge Araújo.
Agosto/2012.
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Notas de CV:

 (*) Vd. postes de:

3 DE ABRIL DE 2012 > Guiné 63/74 - P9698: O caso da ponta Coli, Xime-Bambadinca (Jorge Araújo)
e
 25 DE ABRIL DE 2012 > Guiné 63/74 - P9802: O caso da Ponta Coli (Xime-Bambadinca) II. Nova emboscada (Jorge Araújo)

- Vd. ainda postes do Blogue da CART 3494 & Camaradas da Guiné de:

10 de Fevereiro de 2009 > P17: Soldados da CART 3494 apanhados pelo Macaréu quando se deslocavam para OP no Mato-Cão (10AGO1972)

22 de Março de 2009 > P29: SITUAÇÃO DE RISCO ELEVADO - CART 3494 ( Xime, 10 de Agosto de 1972)
e
12 de Novembro de 2009 > P44 - Os mortos da Companhia de Artilharia 3494

- Vd. último poste da série de 1 DE AGOSTO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10216: Efemérides (106): Romagem ao Cemitério de Lavra, Concelho de Matosinhos, no dia 8 de Agosto de 2012, em homenagem aos militares mortos em campanha na Guerra Colonial (Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P10245: Parabéns a você (457): Alberto Nascimento, ex-Sold Cond Auto da CCAÇ 84 (Guiné, 1961/63) e Tomás Carneiro, ex-1.º Cabo Cond Auto da CCAÇ 4745 (Guiné, 1973/74)

Para aceder aos postes dos nossos camaradas Alberto Nascimento e Tomás Carneiro, clicar nos seus nomes
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10242: Parabéns a você (453): Anselmo Garvoa, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 2315/BCAÇ 2835 (Guiné, 1968)

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10244: Em busca de... (198): O nosso camarada Manuel Castro Moreira, ex-Soldado da CCAÇ 2315/BCAÇ 2835, procura camaradas da CCAÇ 2316 e do BENG 447

Ex-Combatentes do BCAÇ 2835 aquando do seu último convívio no passado dia 5 de Maio


1. Mensagem da nossa amiga Arminda Castro, filha do nosso camarada Manuel Moreira de Castro (ex-Soldado da CCAÇ 2315/BCAÇ 2835, Bula, BinarMansoa, Bissorã e Mansabá, 1968/69), com data de 6 de Agosto de 2012:

Uma vez mais, parabéns pelo blogue, sou adepta assídua mas infelizmente pouco participativa.

Como sabem sou filha de um ex-camarada da Guiné, Manuel Castro da Companhia de Caçadores 2315 (Guiné-68/69), entre muitas histórias que ele me conta (dava um livro!) destaca-se uma que demonstra uma enorme amizade e partilha que existia naquela altura e que passo a descrever:

Fevereiro de 1968, chega a Bula e nessa altura, como era habitual, os que já lá estavam por vezes faziam perguntas aos novatos ”periquitos” e num desses convívios houve um camarada que lhe perguntou de que localidade ele era, e ele respondeu que era de uma freguesia do concelho de Santo Tirso (Covelas), e esse camarada de apelido Santos, também disse que era de relativamente perto ou seja da freguesia de Balazar, concelho de Vila do Conde.
Num certo dia, estando o meu pai pronto para ir almoçar, esse senhor de apelido Santos antecipa-se e traz para o meu pai uma enorme posta de bacalhau com grão-de-bico e batatas cozidas e diz-lhe:
- Isto é para ti!

Meu pai (na foto à esquerda) ficou surpreendido, e que ainda hoje não sabe como ele conseguiu, mas desse dia ele nunca mais se esqueceu. Entretanto passados 15 dias o meu pai foi destacado para outro sítio, Binar, durante mais um mês, a seguir para Bissorã na companhia de intervenção mais 15 dias, depois Mansoa, Cutia e Mansábá, e ao fim de sensivelmente 14 meses regressou a Bissau com destino a Nova Lamego, perdendo assim o contacto com ele.

Este senhor do qual o meu pai apenas sabe o apelido, na altura andava com uma máquina da Engenharia, talvez andasse a trabalhar em alguma estrada ou construção de algo.

Ele gostaria muito de saber o paradeiro dele, sei que é muito difícil talvez até quase impossível mas eu quero tentar descobrir este senhor, para isso peço a sua ajuda. Será possível saber as companhias de engenharia que estavam destacadas nessa altura? Ele já lá estava algum tempo (Bula).

Entretanto não querendo abusar, será possivel facultar-me o contacto dos camaradas da CCAÇ 2316 que estão alistados no blogue pois gostaria de saber se há alguém que me possa ajudar a encontrar um outro camarada, o Sr. Evaristo Pinto dessa Companhia?

A foto é do encontro do Batalhão 2835 (CCS, CCAÇ 2315,CCAÇ 2316 e CCAÇ 2317) realizado no dia 05 de Maio em Loureira/Fátima.

Despeço-me com um forte abraço,
Arminda Castro


2. Notas de CV:

(i) - A nossa amiga Arminda refere que o camarada de seu pai terá dito que a freguesia de Balasar pertencia ao Concelho de Vila do Conde (o meu de nascimento), mas em abono da legalidade transcrevo o que se pode ler no sítio da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim:

O Concelho da Póvoa de Varzim é constituído por 12 freguesias: Aver-o-Mar, Aguçadoura, Amorim, Argivai, Balasar, Beiriz, Estela, Laundos, Navais, Póvoa de Varzim, Rates e Terroso; ocupa uma área de 8224 hectares e conta com cerca de 60.000 habitantes. Definido no século XIX, está delineado de forma sinuosa e insinuante... como se do mar uns ombros largos projectassem dois braços terra adentro. Esse extenso abraço vai-se estreitando para o interior, até à união das mãos. É uma configuração que lhe traça o próprio fado, confirmando-lhe a inevitável vocação marítima.

(ii) - Cara amiga Arminda, não temos nenhum camarada registado na nossa base de dados pertencente ao CCAÇ 2316, mas consultando o sítio do nosso camarada Jorge Santos, encontrei um pedido de contacto de um camarada da CCAÇ 2316 de nome Santos, com o telemóvel 962 554 192. É uma hipótese a tentar.
Julgo que o pai vai aos convívios do Batalhão. Se for, é nessa altura que junto dos camaradas presentes pode recolher informações.

Quanto ao camarada da Engenharia, por mail vou-lhe mandar o contacto de um meu amigo, ex-Furriel Miliciano do BENG 447, que tem imensas direcções dos militares que passaram por aquela Unidade durante a guerra na Guiné.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 DE JULHO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10141: Em busca de... (197): À procura de camaradas da CCS e da CCAÇ 3547 do BCAÇ 3884 (Fernando Pereira Garcia Lopes)

Guiné 63/74 - P10243: Passatempos de verão: Hoje quem faz de editor é o nosso leitor (7): Como se chamam estes frutos secos, três dos quais são usados para fazer saborosos sumos ?...


Quatro frutos secos da Guiné-Bissau, numerados de 1 a 4, da esquerda para a direita... Um deles é mais conhecido do consumidor ocidental. Todos eles são excelentes aperitivos. Três deles são excelentes sumos...


Fruto nº 1


Fruto nº 2


Fruto nº 3


Fruto nº 4

Fotos: © Luis Graça (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

1. Há dias recebemos, lá em casa, por intermédio do Pepito um encomenda com frutos secos da Guiné-Bissau... Não eram muito usados no nosso tempo. No nosso tempo, o aperativo mais popular era a mancarra (amendoím). Não figura neste lote.

O desafio que é feito aos nossos leitores é identificar estes frutos. Não é preciso ir à Guiné-Bissau para os comprar. Estão disponíveis nas lojas do Martim Moniz. São muito populares entre os guineenses que cá vivem.

Há dias conhecemos, eu e a Alice, o pai da Alicinha do Cantanhez, filha da Cadi. O António Baldé, que foi militar da CCAÇ 11, em Paúnca, por volta de 1970, e trabalhou com o Pepito no ministério da agricultura, ensinou-nos a fazer sumos com três destes frutos secos. Acreditem que são mesmo bons.... Que o diga o Xico Allen (vd. fotos em baixo, tiradas em Guileje,. num almoço realizado a 1 de março de 2008, por ocasião do Simpósio Internacional de Guiledge, Bissau, 1-7 de março de 2008).

Só uma ajudinha: os apreciados sumos da Guiné Bissau são, entre outros, o de cabaceira, farroba (ou alfarroba) e veludo... Podem-se misturar os três... (LG)






Guiné-Bissau> Região de Tombali > Guileje > Simpósio Internacional de Guileje (1 a 7 de Março de 2008) > Visita dos participantes ao Cantanhez, no sul do país > 1 de Março de 2008 > Almoço na antiga povoação e aquartelamento de Guileje > O nosso camarada Xico Allen (e, por detrás ele, o Armindo Pereira), preparando-se para provar uma das mais populares bebidas servidas no decorrer do Simpósio, o pó di pila, feito à base do fruto da cabaceira.  Eu, na altura, não toquei em sumos nenhuns... mas o Xico e o Armindo  é que podem testemunhar se este Viagra doméstico tem mesmo efeitos... afrodisíacos(L G)

Fotos: © Luis Graça (2008) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.
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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10237: Passatempos de verão: Hoje quem faz de editor é o nosso leitor (6): Fotos à procura de uma legenda... (Juvenal Amado, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74)

Guiné 63/74 - P10242: Parabéns a você (456): Anselmo Garvoa, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 2315/BCAÇ 2835 (Guiné, 1968)

Para aceder aos postes do nosso camarada Anselmo Garvoa, clicar aqui
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Nota de CV.

Vd. último poste da série de 8 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10236: Parabéns a você (452): Henrique Martins de Castro, ex-Soldado Condutor Auto da CART 3521 (Guiné, 1971/74)

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10241: Notas de leitura (389): O Ultramar e a revisão constitucional de 1971, Revista Vida Mundial de 16 de Julho de 1971 (José Manuel Matos Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 3 de Agosto de 2012:

Viva Carlos,
Aqui vai mais um naco do meu baú.
Não é da minha autoria, mas pode reflectir aspectos interessantes das hesitações, insuficiências, e radicalismo tradicionalista de uma boa parte do Parlamento, que eram impeditivos de soluções adequadas à verdadeira fusão da sociedade portuguesa, tanto no que respeita à igualdade dos cidadãos perante a lei, como no que respeita à autonomia administrativa e financeira das colónias, condições necessárias para o seu desenvolvimento.
Como de costume, e tratando-se de um texto longo, tens liberdade para o "arquivar", ou dividi-lo em partes para publicação.

Um grande abraço
JD


O Ultramar e a revisão constitucional de 1971

O post 10208* versou o livro "O 25 de Abril e o Conselho de Estado - A Questão das actas", que suscitou interessantes comentários relativos à questão bloguiana sobre a guerra ganha, ou guerra perdida, em nítido desvio do sentido da recensão, mas que tiveram a virtude de trazer à colação novos argumentos sobre novas razões motivadoras do MFA, e deixaram para segundo plano a rebaldaria das actas, que, afinal, não estavam perdidas, antes, guardadas ou sonegadas. A comprovada desorganização do Conselho de Estado é, assim, reveladora da incompetência e das hesitações do movimento na condução do processo.

Se tivermos em conta os desenvolvimentos parlamentares desde o anterior sec. XIX, caracterizados pelas sucessivas intervenções de exaltação, ineficiência, e desinteresse pela causa pública, a notícia publicada na Vida Mundial, em 16/VII/71, é também ela reveladora de enquistamentos políticos, que muito dificultariam o melhor relacionamento da metrópole com as colónias (refiro colónias, porque é a tradução da realidade portuguesa da época), para além das maquilhagens normativas, situação, que a prazo, poderia conduzir à independência das colónias, mediante declaração da sociedade civil. Imagino que começaria por Angola, que vivia em paz quase absoluta, a que o atavismo do governo central causava constrangimentos e desconforto na população local. Não convinha às companhias coloniais, pois ali encontravam excelentes condições de "legalidade" para a prossecução das suas actividades com suavidade de custos.

Uma última nota: o texto, por vezes, mostra-se mal construído e inócuo. Tal facto não deve ter nada a ver com a competência do jornalista, mas com a actividade da Censura e do lápis azul, que, assim, coibia a informação e a discussão pública das matérias de interesse nacional. Não sei porquê, porque hoje a informação é quase livre, a discussão permitida, e o pessoal aceita passivamente o que lhe servem, apesar de, maioritariamente, reclamarmos da situação, em contradição com a passividade.


Assim, sob o título "Discussão e Interpretação na Assembleia", cito:

De todas as propostas de alteração discutidas até agora, na actual sessão extraordinária da Assembleia, as que suscitaram mais viva controvérsia foram as respeitantes ao título da Constituição que trata do Ultramar, nomeadamente a nova redacção a dar ao seu artigo 133, que determina o estatuto das províncias ultramarinas. Desde o inicio do debate que a questão do Ultramar foi alvo de particular atenção dos deputados, que souberam defender animosamente os seus pontos de vista, por vezes, até, deixando-se dominar por uma emoção bem natural a quem discute assuntos que da mais alta responsabilidade se revestem para os destinos do País. Iniciado o debate, o primeiro a referir-se à questão do Ultramar, logo após a apresentação do parecer da comissão eventual - que viria a ser, aliás, o único documento submetido à discussão na especialidade, por força de controverso requerimento enviado para a mesa e aprovado por maioria -, foi o engenheiro Ribeiro Veloso, deputado por Moçambique.

Manifestando o seu pleno acordo com a proposta de revisão apresentada pelo Governo, salientou ele que esta, "mais do que a Constituição no seu actual estado", reforçava a integração política da Nação Portuguesa "por afirmar que ela constitui um estado independente, cuja soberania é una e indivisível". Frisando que também a integração política do País ficava reforçada com o texto da proposta governamental, precisamente porque esta preconizava uma maior autonomia para as províncias ultramarinas, salientando, simultaneamente, que tal autonomia em nada afectaria a integridade da soberania do Estado, o engenheiro Ribeiro Veloso rebateu os receios daqueles que manifestavam reservas quanto ao futuro texto constitucional, afirmando que quem procedesse à leitura atenta da proposta de revisão verificaria que essa autonomia "é meramente administrativa e financeira, pois não tem poder constituinte". Na mesma sessão, referiu-se também à questão do Ultramar dr. Vaz Pinto Alves, que analisou e apoiou a proposta do Governo, a qual afirmou manter "a permanência dos traços essenciais dos altos desígnios nacionais". Salientou que, com a proposta do Governo, passava a ser comum a todo o território nacional, "na linha de integração a que obedeceu a nossa política" a lei fundamental do País. Após curta intervenção do dr. Neto de Miranda, que, referindo-se às alterações propostas pelo Governo, pôs em destaque o facto de estas buscarem "uma autonomia mais bem definida, uma descentralização menos confusa e uma desconcentração de poderes mais significativa", coube ao dr. Sá Carneiro uma das mais notáveis e desassombradas intervenções havidas no decurso do debate.

Depois de uma longa análise das revisões a que anteriormente foi submetida a Constituição de 1933 e depois expor os seus pontos de vista sobre os poderes de revisão que os deputados eram, na presente Assembleia Constituinte, chamados a exercer, rejeitando todos os condicionalismos que tendessem a limitar esses poderes, o deputado pelo círculo do Porto, cuja intervenção provocou, por vezes, enérgicas reacções da parte de alguns sectores da Câmara, referindo-se ao problema da maior autonomia a conceder às províncias ultramarinas, disse: "Vemos hoje impugnar as alterações referentes ao Ultramar, precisamente com base num conceito limitado do poder de revisão como poder constituído, o que levaria a rejeitar liminarmente a reforma que o Governo, nesse ponto, nos propõe. Esta parece ser uma constante antipática desta revisão constitucional: a tentativa de evitar a discussão daquilo com que não se concorda".

Seguiu-se uma intervenção do eng. Duarte do Amaral. Disse ser sua opinião a que quer a proposta do governo quer os projectos dos deputados eram perfeitamente constitucionais e afirmou considerar "muito grava, tanto constitucional como politicamente, a recomendação feita nos pareceres da Câmara Corporativa" no sentido de os dois projectos dos deputados serem rejeitados na generalidade. Referindo-se especificamente ao Ultramar, o eng. Duarte do Amaral, que assinara uns dos projectos rejeitados, frisou não compartilhar das preocupações que "pessoas de tanta categoria" manifestavam quanto ao texto proposto.

No inicio da segunda semana do debate, o dr. Sá Viana Rebelo teve uma curta intervenção, que dedicou à questão do Ultramar. Disse que as populações das províncias ultramarinas confiam na acção do prof. Marcelo Caetano, ao mesmo tempo que alimentam o forte desejo de uma maior autonomia política e administrativa, sem desvios em relação às directrizes traçadas pelo Governo. Aludindo, especialmente, à população de Angola, província que representa, o dr. Sá Viana Rebelo disse que esta não podia deixar de sentir-se anquilosada perante o pensamento de ser governada de longe "por departamentos estatais tantas vezes orientados por pessoas que de Angola pouco sabem".

Num extenso discurso, cuja leitura demorou mais de uma hora, o dr. Moura Ramos, deputado por Leiria, declarou que a concepção de comunidade portuguesa é a de uma nação totalmente integrada e totalmente independente, salientando ser essa "a razão por que nos choca sobremaneira a ideia de trazer à discussão aquilo que, no momento sério que vivemos, jamais o deveria ter sido - o problema do Ultramar". Em defesa do seu ponto de vista citou Paiva Couceiro, e concluiu afirmando que "não podemos deixar de lamentar o Governo, mesmo com boas intenções, venha com uma proposta de lei cujo texto sugere "profundas transformações", em que se joga uma nova concepção e orgânica da Nação, e um destino da grande comunidade portuguesa, matéria esta de grande delicadeza e melindre".

Travou-se, então, aceso diálogo entre o dr. Moura Ramos e o dr, Barreto de Lara, deputado por Angola, com intervenções esporádicas do deputado Cazal-Ribeiro. A discussão, em que os dois intervenientes defenderam, com calor, pontos de vista e concepções opostos, foi interrompida pelo presidente, ao ser excedido o tempo concedido ao dr. Moura Ramos para terminar a sua exposição.

Falou, depois, o representante de Cabo Verde, dr. Bento Levy, que, após várias considerações que o levaram à conclusão de ser o povo português destituído de "maturidade cívica e política", acabou por dar o seu apoio à proposta do Governo quanto à maior autonomia das províncias ultramarinas. O dr. Homem Ferreira, deputado por Aveiro, que denunciou a "doentia atmosfera de suspeição" gerada em torno de alguns pontos da revisão constitucional e repudiou "a campanha insidiosa , promovida na sombra, e sorrateiramente, ao longo de todo o País, pelos que, bem instalados na fortuna e nos privilégios, se dedicam à tarefa de criar fantasmas e alimentam o escuro propósito de atingir pessoas, magoar e pôr em crise o Governo e a sua "chefia", afirmou, referindo-se especificamente ao Ultramar:
"Governar à distância, longe dos factos e problemas concretos a que as decisões se dirigem, é, sempre, uma tarefa carregada de graves inconvenientes e que pode tornar a vida dos povos insuportável, o que, no campo do Ultramar, pode provocar riscos, seduções e consequências irreparáveis". E acrescentou que uma autonomia ampla permitirá afastar "a ideia de submissão, apagar a fadiga das incompreensões e evitar revoltas".

Concordantes com estes pontos foram as declarações do dr. Lopes da Cruz, o qual disse da adesão das populações de Moçambique à proposta governamental, particularmente no referente à definição das províncias ultramarinas como regiões autónomas, apesar de tal ser "considerado, em vários sectores, como perigoso e inoportuno". Aludindo às grandes potencialidades das províncias e aos grandes projectos de desenvolvimento ali em vias de execução, o deputado disse que, para ser dado rápido seguimento a este desenvolvimento, se torna necessária uma descentralização administrativa efectiva.

O dr. Menezes Falcão sublinhou que a concessão de uma autonomia especial ao Ultramar "não é favor, além de não ser novidade", apoiou inteiramente as coordenadas traçadas pelo Governo e disse não haver motivo para preocupações, se tudo se processar com "boa-fé e simplicidade". Também o arquitecto Carlos Ivo repudiou "uma certa campanha de oposição contra a proposta de lei apresentada pelo Governo, campanha essa especialmente dirigida ao sector que diz respeito ao Ultramar". E falando em nome da população de Moçambique, disse estar consciente e sinceramente convencido de que "o desenvolvimento e progresso das províncias ultramarinas só se poderá processar mediante uma efectiva e real descentralização administrativa que conduza ao bem comum das populações do Ultramar no aspecto económico e social". O deputado Francisco Cazal-Ribeiro, que teceu várias considerações sobre a revisão, considerações várias vezes interrompidas pelo eng. Ribeiro Veloso, secundado pelo dr. Barreto de Lara, no caso específico do Ultramar, afirmou ser seu desejo que ele fique "cada vez mais integrado na comunidade que constituímos e devemos manter, embora ressalvando realisticamente arranjos adaptáveis à vida de hoje, mas apenas no que se refere à vida da Nação Portuguesa".

O dr. Veiga de Macedo, defensor de uma política de "avanço sem aventuras", chamou a atenção para o que considera o perigo de poderem vir a surgir nos trópicos "diversas pequenas pátrias europeias", estabeleceu um paralelo entre as soluções preconizadas pelos que pretendem "a introdução a todo o custo de Portugal na Europa" e pelos que constituem "a escassa minoria inclinada a visionar uma ampla e sempre crescente autonomia, já não tanto administrativa, mas sobretudo política, das nossas províncias ultramarinas". Repudiou ambas as atitudes, mas declarou-se favorável à promoção política, económica e cultural dos portugueses de cor, embora salientando que não admitia "autonomias que firam" [...]

A reportagem prossegue, mas não possuo essa parte da revista. Nota-se, porém, como a proposta do Governo era mais avançada e preocupada com a condição do Ultramar, do que a posição da "maioria" dos deputados, tacanhos e reaccionários, que, provavelmente, não teriam ideia do potencial das colónias, da força da difusão das ideias independentistas (no pressuposto do desenvolvimento económico e social, que a metrópole estrangulava), nem da posição relativa de Portugal no concerto das nações, que tinha em África um mercado de privilégio para os seus produtos, nem do desenvolvimento do Projecto de Sines, que seria a cereja sobre a Zona do Estudo, e a tentativa de penetração em outros mercados. Revelam-se, portanto, demasiadas tibiezas e contradições na actividade da principal câmara do país, a A.N., parecendo, ainda, que os deputados receariam a secundaridade da metrópole relativamente ao ultramar, ou alguma repreensão salazarista provínda lá dos céus, para quem a Pátria era tabu.

Nota do editor: Capa da Revista Vida Mundial retirada de Almanaque Republicano, com a devida vénia
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 30 de Julho de 2012 Guiné 63/74 - P10208: Notas de leitura (386): O 25 de Abril e o Conselho de Estado - A Questão das Actas, por Maria José Tiscar Santiago (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 6 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10230: Notas de leitura (388): Aristides Pereira, Minha Vida, Nossa História, entrevistas de José Vicente Lopes (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P10240: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (8): Nada de "mariquices"

1. Segunda estória, de mais uma série de três, dos Fidalgos de Jol, enviada pelo nosso camarada Augusto Silva Santos (ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73), em mensagem do dia 2 de Agosto de 2012:



ESTÓRIAS DOS FIDALGOS DE JOL (8)

 Nada de “Mariquices”

Foi no já longínquo dia 3 de Março de 1972 (uma sexta-feira), que recebemos indicação para mais uma acção tida como normal, com progressão de dois Grupos de Combate na região de Bagula, e respectiva emboscada em possível local de passagem de elementos do PAIGC. Tratou-se de uma actividade diurna e, quando já nos preparávamos para o possível regresso ao quartel, recebemos a informação que deveríamos pernoitar naquele local, visto que no dia a seguir estava programado juntar-se a nós mais um Grupo de Combate reforçado por elementos do Pelotão de Caçadores Nativos e alguns voluntários, para uma acção conjunta em Badã / Ponta Nhaga.

Esta alteração de planos teve origem no facto de um caçador elemento da população, ter passado nesse dia a informação, haver perto da bolanha de Badã um acampamento de passagem utilizado pelo PAIGC, onde estaria concentrado armamento e víveres vindos de Ponta Matar, com destino provável à região do Churo / Caboiana. Fomos assim surpreendidos com o facto de termos de pernoitar no mato sem que para isso o pessoal estivesse devidamente preparado / equipado. Como é sabido por quem pelas matas da Guiné andou, ao calor sufocante e húmido do dia, a seguir vem o frio e o cacimbo da noite, por vezes com temperaturas bastante baixas, de fazer tremer o queixo.

Foi assim que, a partir de determinada altura, parte do pessoal já batia o dente, encontrando-se bastante irrequieto, situação nada conveniente para aquilo que deveria ser uma emboscada nocturna. Como o problema se começasse a agravar, eu e os restantes graduados começámos a sugerir ao pessoal que se juntassem em pequenos grupos de 3 ou 4 elementos, e se aconchegassem uns aos outros, para com o calor corporal se irem mantendo mais ao menos aquecidos.

Recordo ainda o espanto que foi para o pessoal tal sugestão, pois para a maioria deles era impensável passar uma noite agarrado a outro homem, fosse por que motivo fosse, com alguns a dizer mesmo que não alinhavam nesse tipo de “mariquices”. Só que o frio começou a apertar cada vez mais, e não tardou que a solução fosse mesmo de nos juntarmos para manter uma temperatura que nos permitisse passar melhor a noite e a madrugada.

Infelizmente para nós o dia seguinte foi um com as piores recordações para a nossa Companhia, dado termos sofrido no decorrer da acção já referida um total de 10 feridos, alguns dos quais com bastante gravidade (o Capitão Comandante de Companhia, 2 Alferes, 3 Furriéis, 2 Soldados, 1 Milícia e o próprio Comandante da Milícia, o famoso Dandy).

Tirando este aspecto negativo, que recordo com alguma dificuldade dado ainda me lembrar da dor e sofrimento dos meus camaradas (dos 13 que estávamos mais ou menos juntos eu fui um dos que escapou sem qualquer ferimento), recordo também que durante algum tempo muitos dos soldados ainda evitavam falar na situação de terem pernoitado agarrados ao seu semelhante, com receio de serem gozados ou apelidados com adjectivos mais ou menos pejorativos, quando a conversa para aí decorria. Eram outros tempos.

Anos mais tarde, mais uma vez no decorrer de um dos almoços comemorativos da Companhia, um desses ex-Soldados virou-se para o seu filho, também presente no acto, mas desta vez com um sorriso bem rasgado e sem qualquer pudor, disse alto e bom som:
- Olha filho, já dormi uma noite no mato agarrado a este Furriel.

Claro que a risada foi geral.


Jolmete, Fevereiro de 972 > No Quartel

Jolmete, Março de 1972 > Fogo na Tabanca

Jolmete, Março de 1972 > Acampamento do PAIGC em Badã

Jolmete, Maio de 1972 > 1.º Grupo de Combate

Jolmete, Julho de 1972 > A caminho da Bolanha de Gel

Jolmete, Julho de 1972 > Com o pessoal que nos abastecia de mancarra

Jolmete, Agosto de 1972 > Trilhos de Calaque
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 4 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10226: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (7): Os "cubanos"

Guiné 63/74 - P10239: Estórias avulsas (61): A minha viagem de Bissau para Catió (António Melo)

1. Mensagem do nosso camarada António Melo (ex-1.º Cabo Rec Inf, BCAÇ 2930, Catió e QG, Bissau, 1972/74), com data de 7 de Julho de 2012 com a continuação da sua viagem começada em Lisboa, no aeroporto de Figo Maduro, Poste 10042*, até chegar a Catió:


A MINHA VIAGEM DE BISSAU PARA CATIÓ

Depois de ter chegado a Bissau no dia 28 fevereiro 1972 passei uns dias a aguardar embarque nos Adidos em Brá, que de verdade me souberam a pouco porque todos os dias ia visitar o meu irmão Jaime que estava a cumprir serviço militar na BA 12 em Bissalanca na Força Aérea como Policia Militar. Comia com ele na Base o que me fazia pensar estar em férias porque não fazia nada, comia e bebia, que maravilha.

No dia 9 de março este periquito fazia 22 anitos, que linda idade, e com o meu irmão mais dois amigos que eu já conhecia da metrópole compramos umas coisas, desenrascamos outras como pudemos, e lá fez um jantar de aniversário junto ao depósito da Base que era o local onde os militares da desta costumavam fazer as petiscadas. Depois de um bom jantar, bem regado com cerveja, começam as anedotas e o tempo vai passando até que a determinada altura, cerca da meia noite, e quando já estávamos bem contentes, se ouve um rebentamento e logo pensamos que alguém me estava felicitando com ruído, mas durou muito pouco porque imediatamente nos demos conta que o fogo era lançado do fundo da pista das tabancas que aí existiam.

Como baratas tontas começamos a meter-nos por onde podíamos mas não passou de um susto porque aquilo durou pouco tempo. Foi o meu baptismo de fogo porque os senhores do PAIGC quiseram festejar comigo, só que o poderiam ter feito de outra forma porque eu não gostei nada.  Haveria outras formas para felicitar um aniversariante, por exemplo com uma prenda ou um bolo. Finalmente pude hoje expressar publicamente a minha indignação ao PAIGC que me ia estragando tudo.

Três dias depois, manhã cedo, transportado num Unimog, desloquei-me para o Pidjiguiti, despedi-me do condutor e carregando a minhas trouxas para apanhar um barco para Catió. Ia encantado com o destino que me tinham traçado. Dirigi a um sargento que estava a ordenar o embarque que me disse: Nosso Cabo o seu lugar é ali naquele barco. Eu muito espantado mirei fixamente e disse parra mim: Será possível? Porque aquilo não me parecia um barco mas qualquer coisa que imitava um barco ou uma canoa, mas enfim eram aqueles barcos de madeira que estavam ao serviço das forças armadas e quase todos os que por lá passamos andamos neles. Chegada a hora partimos rumo ao destino. Quatro Fuzileiros montaram uma metralhadora e puseram tudo a postos para alguma eventualidade. Começamos a navegar, ia uma LDM à frente, três daqueles barcos velhos e robustos de madeira e outra LDM atrás.

Assim seguia o cruzeiro de Bissau para Catió até que passadas umas horas chegamos a Bolama onde se fez um alto pois um dos barcos tivera uma avaria e já ia rebocado por uma das LDM. Como era preciso que viesse uma peça de Bissau para se proceder à reparação do barco, os Fuzileiros informaram-me que tínhamos de pernoitar ali e se eu quisesse, à saída da Ponte Cais, à esquerda, havia uma piscina onde podia dar uns bons mergulhos. Não me fiz rogado e, de fato de banho e toalha, lá fui como de um turista se tratasse. Passei um resto de tarde muito feliz e só regressei ao meu cruzeiro à hora de jantar. Fui ao saco buscar ração de combate que me haviam dado não sei se nos Adidos ou no cais e, junto a cabina do piloto, começo a comer que nem um rei.

Olhando com mais atenção, um fuzileiro vendo o que era o meu jantar, diz-me: Oh nosso Cabo, venha para aqui e coma do nosso jantar pois isto chega para todos porque o cozinheiro faz sempre comida a mais contando com a tropa que viaja connosco, e como somos só quatro, isto vai chegar pela certa. A princípio, com vergonha, diga-se a verdade, não aceitei e agradeci, mas os fuzileiros insistiram e me disseram que quem pagava eram a Armada, logo não ia comer nada que fosse deles.  Lá me juntei a eles que me serviram um prato cheio de comida que estava muito boa. Terminado o jantar ajudei a lavar a louça com água do mar.

Entretanto um deles foi ao interior do barco para ir buscar uma garrafa de whisky Ballantines, nunca mais me vou esquecer, um outro prepara uma saladeira de alumínio e acto seguido pôs-lhe um pano branco em cima da saladeira enquanto outro com a faca de mato inclina a garrafa um pouco por encima da saladeira, lhe dá uns golpes até que se parte o gargalo da garrafa. Filtrado o whisky começaram a beber o que me fez confusão. Perguntei se aquilo tinha a ver com algum rito ao que me responderam que aquela operação era para apresentarem os gargalos das garrafas intactos, como partidas na viagem, e assim conseguirem outras para beberem. Mais uma que aprendi com estes bons amigos. Noite dentro e tinham uma monumental bebedeira. Eu não bebi porque ainda hoje, com a idade que tenho não bebo porque se bebesse duas cervejas seguidas, como não estou acostumado, começava-me logo a cabeça a andar de roda. O melhor é nem tocar na bebida.

No dia seguinte passámo-lo todo em Bolama esperando a peça e um mecânico para arranjar a avaria que tinha o paquete de cruzeiro, pelo que só saímos no terceiro dia. Depois de algumas horas viajando, e chegados a foz do rio Cumbijã, paramos e aí dormimos a bordo porque se continuássemos, ao baixar da maré, ficaríamos de noite no rio por não haver já temo suficiente para chegarmos a Cufar. Seria muito perigoso ficarmos de noite metidos no rio sem água suficiente para navegar.

Ao outro dia pela manhã seguimos viagem rio Cumbijã acima até Cufar. Chegados, dirigi-me ao quartel, que mais parecia umas tabancas,  e eram de verdade, só sei que me disseram para que estivesse no outro dia pela manhã para seguir viagem com os operacionais para Catió. Voltei para o meu navio de cruzeiro que agora estava assente na lama porque já não havia água, com os nativos a descarregar tudo o que levávamos nos barcos destinado a abastecer o quartel de Cufar e as casas de comércio que vendiam aos nativos, como a Casa Gouveia e outras. Falo na Gouveia porque me lembro que existia, não sei se também em Cufar.

Vista aérea de Cufar  

Foto: © Jorge Simão (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

Voltei a comer com os fuzileiros e no dia seguinte à hora marcada estava com as coisas que devia levar, e do quartel, ou do que diziam ser um quartel, até ao cais ainda era uma distância considerável e eu já estava cansado porque a minha bagagem pesava no mínimo uns vinte quilos.

Quando cheguei de imediato me mandaram para um pelotão que estava para sair e que estava armado até aos dentes.  Aí sim se me arrepiou todo o corpo e vi que de verdade estava numa frente de guerra. Colocaram-me em quarto da frente para trás e começou a marcha. Seguiam todos armados menos eu que carregava os meus pertences. Ainda pensei: Que vai ser de mim acaso isto dê para o torto, ao primeiro que possa roubo-lhe a arma.

Levávamos já uns quilómetros, só sei que olhava para trás e só via dois ou três, então ganhava coragem e avançava mais, daí a algum tempo estava quase em ultimo. Depois de uns sete o oito quilómetros nesta luta atrás e adiante, vejo que começo a ficar sozinho e pensei: Que se está passando, não me querem? Sou mau mas por favor não me abandonem que eu prometo que não serei mais uma pessoa má e que me portarei bem.  Se for necessário até irei dar milho aos pombos do Rossio, aos corvos dos Alpes ou aos morcegos de Bolama, mas por favor não me abandonem.

Foi quando dei conta que estávamos no lugar indicado e o Alferes que comandava o pelotão me disse para caminhar mais uns duzentos metros na direcção das árvores cortadas pois estavam a abrir a estrada de Cufar a Catió e esse pelotão estava a fazer a segurança aos trabalhos. Caminhei na direcção indicada e comecei a ouvir ruídos que me causaram calafrios. De repente saiu de entre os arbustos um militar branco claro que se me dirigiu, e creio eu que a brincadeira foi de propósito pois sabiam que vinha um periquito, e devem ter pensado que me iria borrar de medo. Na verdade conseguiram.

O militar, que mais tarde vim a saber que era Alferes, disse-me para andar mais uns 150 a 200 metros e encontraria uma viatura do Exercito que me levaria ao quartel de Catió. Assim que cheguei ao local subi para a Berliet que de seguida começou a andar. Quando chegou a Catió, uns sete a oito quilómetros adiante, entrou na parada, mal desci da viatura vem um cabo que me diz: Sou o Manuel Gomes do Pelotão de Rec Inf, vem comigo que eu tenho instruções para te alojar e te guiar nos primeiros passos.

Indicou-me a minha cama que era ao lado da sua e disse-me que eu estava ali porque ia a render o Cabo Coelho que havia sido raptado num golpe de mão feito na pista.

Assim terminou a minha viagem de Bissau a Catió.


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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10042: Estórias avulsas (59): A minha ida para a Guiné (António Melo)

Vd. último poste da série de 16 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10043: Estórias avulsas (60): Gazelas em Mansambo (António Eduardo Ferreira)

Guiné 63/74 – P10238: Convívios (461): IV Almoço / Convívio do pessoal da CART 6254, dia 8 de Setembro de 2012 na Quinta de Santo Antão - Batalha (Manuel Castro)

IV ALMOÇO / CONVÍVIO DO PESSOAL DA CART 6254 
OS PRESENTES DO OLOSSATO

DIA 8 DE SETEMBRO DE 2012, NA QUINTA DE SANTO ANTÃO - BATALHA


1. Mensagem do nosso camarada Manuel Castro (ex-Fur Mil Mec da CART 6254 - Os Presentes do Olossato, Olossato, 1973/74), com data de 8 de Agosto de 2012:

Meu caro Carlos Vinhal,
Os Ex-combatentes que fizeram parte da Companhia de Artilharia 6254/72, que esteve sediada no Olossato e depois no Dugal, vão levar a cabo, no dia 08 Setembro de 2012, o seu 4.º almoço convívio.

O evento vai realizar-se na quinta de Santo Antão, na Batalha.

A concentração será, às 10 horas, no Santuário de Fátima, no recinto do lado Sul junto à Cruz Alta.

Pedia-te o favor de publicitares o nosso almoço, no site do Luís Graça.

Anexo o respetivo programa.

Contactos:
Ex-Furriel Figueiredo (Seringas) 967 090 603 - Porto
Ex-Furriel Castro (Rodinhas) 962 471 506 - 258 731 207 - E-Mail casadolaranjal@gmail.com
Carvalho e Sá (M.A.R.) 917 611 175 / 220 812 480

Um grande abraço.
Manuel Castro
(Ex-Fur Mil da CART 6254)
casadolaranjal@gmail.com

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 29 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 – P10205: Convívios (460): Almoço comemorativo dos 38 anos do regresso das 2ª e 3ª CART do BART 6523, no próximo dia 8 de Setembro, Braga (António Barbosa)

Guiné 63/74 - P10237: Passatempos de verão: Hoje quem faz de editor é o nosso leitor (6): Fotos à procura de uma legenda... (Juvenal Amado, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74)





Guiné > Zona leste > Galomaro > CCS/BCAÇ 3872, 1971/74) > O pelotão da ferrugem (?)...

1. A foto é do nosso grã-tabanqueiro Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Cond Auto, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74)... Ou pelo menos foi-nos enviada por ele... Não traz legenda. Podemos reconhecer: (i) um grupo de 16 militares, possivelmente valorosos e corajosos condutores auto e outro pessoal da ferrugem, não menos valoroso e corajoso, (ii) no refeitório (?) das praças no quartel de Galomaro (já que havia apartheid naquele tempo e naquele sítio...); (iii) numa naquelas noites quentes e longas da Guiné, na zona leste, em Galomaro; (iv) o chão, à frente do grupo, é iluminado por uma lâmpada, forte, sendo a corrente elétrica produzida por um gerador; (iv) por detrás do grupo, ao fundo do lado direito, adivinha-se a cruz de um altar (?)  onde o capelão dizia a missa; (v) seis ou sete do grupo de 16 usa bigode; (vi) a maior parte está de camuflado; (...)



(...) (vii) ao canto superior esquerdo, veem-se 9 militares, 4 dos quais a fumar; (viii) um deles segura uma terrina (?), fortemenet iluminada pela luz da lâmpada; (...)


(...) (ix) no canto superior direito, temos 6  militares, um em tronco nu, outro de cigarro ao canto da boca, e ainda um terceiro, de pé, exibindo uma garrafa de cerveja, de marca Sagres; (x) ao fundo, a tal cruz (?) possivelmente do altar de uma capela improvisada no refeitório; (...)



... Pergunta-se: Juvenal, o que é feito desta rapaziada ? O que é que eles contarão hoje aos filhos e aos netos, desses tempos de Galomaro ?...O que é feito de vocês, camaradas  da Guiné ? (LG)

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Nota do editor:

Último poste da série > 7 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10234: Passatempos de verão: Hoje quem faz de editor é o nosso leitor (5): Um sorriso para a fotografia...

Guiné 63/74 - P10236: Parabéns a você (455): Henrique Martins de Castro, ex-Soldado Condutor Auto da CART 3521 (Guiné, 1971/74)

Para aceder aos postes do nosso camarada Henrique Castro, clicar aqui
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 4 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10224: Parabéns a você (451): José Nunes, ex-1.º Cabo Mec Electricista do BENG 447 e Rui A. Ferreira, Ten-Cor Reformado

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10235: In Memoriam (123): Com a morte do Senhor Coronel Fernando Cavaleiro estou de luto, estamos todos de luto (Maria Teresa Almeida)

1. Chegou até nós, hoje, esta mensagem da nossa amiga Maria Teresa Almeida da Liga dos Combatentes, com pedido de publicação, a propósito do recente falecimento do Senhor Coronel Fernando Cavaleiro*:

Boa Tarde meu Estimado Combatente Sr. Carlos Vinhal

Estimado Combatente
Agradeço se enviava para o Blog Luís Graça e Camaradas da Guiné este meu pesar pela morte do Senhor Coronel Fernando Cavaleiro.

Não posso, nem devo, deixar de enviar o meu abraço de sentido pesar a todos os Combatentes, em especial, os Combatentes do BCAV 490, que estiveram na Guiné, pelo falecimento do nosso inesquecível, Coronel Fernando Cavaleiro.

Quando entrei para a Liga dos Combatentes, em 1970, era Secretário-Geral o Senhor Coronel Fernando Cavaleiro. Tive o privilégio durante 4 anos trabalhar sob as ordens, do nosso Coronel Fernando Cavaleiro. Conheci, também a Esposa, Sra. D. Maria Octávia, uma Senhora maravilhosa. Sempre o admirei nas suas qualidades de ser Humano. Um Militar de Valor, um Homem digno, um Combatente que Honrou bem, o nome de PORTUGAL. Só quem privou com ele, pode analisar o ser HUMANO, que ele era. Foram os meus primeiros contactos, com Militares. Era Presidente, o Senhor General Arnaldo Schulz.

Desde 24 de Abril, até aos dias de hoje nunca o esqueci, nem o nome, também nunca esqueci a sua Esposa. São recordações que o tempo não apaga. Tal eram as suas qualidades.

Quando tive conhecimento, foi um recordar de memórias. Também estou de luto. Estamos TODOS de luto. Fisicamente desapareceu um grande Combatente. Mas, o Coronel Fernando Cavaleiro, não morreu, vai estar sempre, no meu coração. Recordá-lo-ei, sempre. É um nome inesquecível.

PAZ À SUA ALMA

O meu sentido abraço.
Maria Teresa Almeida
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 5 DE AGOSTO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10229: In Memoriam (122): Fernando Cavaleiro, antigo atleta olímpico, cor cav ref, cmdt do BCAV 490, e que comandou as forças terrestres na Op Tridente, Ilha do Como (jan / mar 1964) (1917-2012) (José Martins / Virgínio Briote)

Guiné 63/74 - P10234: Passatempos de verão: Hoje quem faz de editor é o nosso leitor (5): Um sorriso para a fotografia...


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BART 2917 (1970/72) > A alegria espontânea e esfuziante das crianças de uma tabanca de Badora, nos arredores de Bambadinca, indo ao encontro do fotógrafo...


Foto: © Benjamim Durães (2010). Todos os direitos reservados.


1. De acordo com notícia da Lusa, citada pelos jornais de ontem, os portugueses tendem a manifestar cada vez mais emoções negativas e a inibir o  seu sorriso, alegadamente devido ao "contexto de crise». Esta conclusão é da autoria do director do Laboratório de Expressão Facial da Emoção, o professor doutor Freitas Magalhães,  da Faculdade de Ciências da Saúde (FCS), da Universidade Fernando Pessoa (UFP) que  está desde 2008 a analisar fotografias publicadas nos jornais diários portugueses, um projecto que faz parte de uma iniciativa mundial  (a terminar em 2013). A amosttra portuguesa inclui mais de meio milhão de fotos... O Laboratório também tem página no Facebook.



 (...) Os resultados da investigação ‘Uma década de sorrisos em Portugal’ indicam que «as mulheres continuam a sorrir mais do que os homens, apesar do registo descendente acentuadíssimo no primeiro semestre deste ano», ao passo que «os homens apresentam mais o sorriso fechado a partir dos 60 anos».

As crianças, por seu lado, «são as que continuam a apresentar mais frequentemente o sorriso largo, um padrão que se mantém desde 2003».

No universo das fotografias analisadas, explicou o investigador, verificou-se ainda que «a expressão facial de emoções negativas é mais frequente e intensa do que a de emoções positivas», comprovando-se que, no caso português, «a situação económico-social potenciou a inibição da expressão».

Para Freitas Magalhães, «os resultados são preocupantes pelas consequências na saúde e na interacção social», uma vez que «a felicidade está na cara das pessoas e o sorriso é um sinal que está a desaparecer a olhos vistos». (...)


Fonte: Lusa/SOL (com a devida vénia)


2. Comentário do editor L.G.:

Estou a banhos. Invoco o meu direito à preguiça (física e mental)... Com um sorriso (discreto que não tem  de ser amarelo)... A minha velhotinha fez ontem 90 anos. É caso para dizer "gracias a la vida, que me ha dado  tanto" (*)... Boa continuação de férias. LG
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Nota do editor:


Último poste da série > 1 de agiosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10215: Guiné 63/74 - P10215: Passatempos de verão: Hoje quem faz de editor é o nosso leitor (4): O soldado tranquilo, o soldado silencioso...


(*) Canção popular chilena magistralmente interpretada por grandes vozes latino-americanas como Violeta Parra, Mercedes Sosa ou Elis Regina. Aqui vai a letra (recolhida neste sítio brasileiro):

Gracias a la vida

Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me dio dos luceros que cuando los abro
Perfecto distingo lo negro del blanco
Y en el alto cielo su fondo estrellado
Y en las multitudes el hombre que yo amo

Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me ha dado el oído que en todo su ancho
Graba noche y día grillos y canarios
Martirios, turbinas, ladridos, chubascos
Y la voz tan tierna de mi bien amado

Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me ha dado el sonido y el abecedario
Con él, las palabras que pienso y declaro
Madre, amigo, hermano
Y luz alumbrando la ruta del alma del que estoy amando

Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me ha dado la marcha de mis pies cansados
Con ellos anduve ciudades y charcos
Playas y desiertos, montañas y llanos
Y la casa tuya, tu calle y tu patio

Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me dio el corazón que agita su marco
Cuando miro el fruto del cerebro humano
Cuando miro el bueno tan lejos del malo
Cuando miro el fondo de tus ojos claros

Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me ha dado la risa y me ha dado el llanto
Así yo distingo dicha de quebranto
Los dos materiales que forman mi canto
Y el canto de ustedes que es el mismo canto
Y el canto de todos que es mi propio canto

Gracias a la vida, gracias a la vida


Guiné 63/74 - P10233: Cartas do meu avô (16): Décima segunda: com filha e um neto em Ovar e filhos e netos em Berlim, temos de ser pela força do coração, entre Mafra, Ovar e Berlim, uns (e)ternos vagabundos ... (J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Bissau, Cachil e Catió, 1964/66)









O J.L. Mendes Gomes e os seus "netos de Berlim"... Alemanha, Berlim, Páscoa de 2012.


Fotos: © J.L. Mendes Gomes (2012). Todos os direitos reservados.

A. Continuação da publicação da série Cartas do meu avô, da autoria de J.L. Mendes Gomes, membro do nosso blogue, jurista, reformado da Caixa Geral de Depósitos, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, que esteve na região de Tombali (Cachil e Catió) e em Bissau, nos anos de 1964/66. As cartas, num total de 13, foram escritas em Berlim, onde vivem os netos, entre 5 de março e 5 de abril de 2012. (*)




B. Décima segunda carta: Como Saltimbancos


Os dois anos que faltavam à minha mulher para a sua reforma passaram. Ela podia ter continuado a trabalhar até aos setenta anos. E gostaria de fazê-lo. Mas, a meu pedido, resolveu cessar a actividade de que gostava. A biologia molecular. Era mais feliz do que eu. Na área das leis. Minha área não tinha nada de molecular.

Os filhos estavam todos a navegar. À excepção do mais novo que se encontrava entusiasmado, em Manchester, a tirar engenharia aero-espacial. Nós podíamos agora dispor de todo o tempo do mundo. Não houve recanto nos arredores de Lisboa que não revisitássemos, descontraidamente.

Entretanto a filha mais nova deu-nos o primeiro neto. Um rapaz. Viviam ao pé, na zona de Algés. Outra missão acabava de se revelar. Esplendorosa. A de avós. Outra dimensão se nos abria. A da ternura pelos netos. Era a nossa vez de os assistir enquanto os   pais iam trabalhar. O João ia para o infantário, mas havia que estar por perto, para o que fosse preciso.

Serenou-se-nos a febre do calcorrear a estrada, como pássaros vadios. Depois, as sortes do emprego ditaram a sua partida para o Porto. Eles acabaram por assentar arraiais em Ovar. A meio caminho entre o Porto e Aveiro. Ali nasceu outro neto, o Tomás.

Tínhamos acabado de comprar um apartamento na baixa de Algés. Tivemos de rever a nossa vida. Alugámos um pequeno apartamento mobilado em Aveiro e passamos a cirandar entre Lisboa e o centro. Umas semanas num lado, outras noutro. Arrastados irresistivelmente, pelos netos.

Depois, o Luís foi parar à Rolls-Royce de Berlim. Como engenheiro. A Leonor também, por razões, bem diferentes. As do desemprego fatal e abrupto para os dois. Tiveram de fugir de novo para donde, jubilosos, tinham saído três anos antes, por regressarem às origens. Sol de pouca dura. Caíram ambos no desemprego.

Foi um corre-corre para os conseguir repor lá. Em Berlim. Os dois filhos haviam nascido lá. Felizmente para todos. Não foi tão difícil a sua reinserção. No espaço de um ano, conseguiram casa, emprego, e os miúdos, chegados, com apenas quatro e seis, já falam alemão e estão perfeitamente ambientados.

A Alemanha funciona na perfeição. Dá gosto permanecer dentro da sociedade alemã. Tudo está sob exacto controlo. Aqui, vive-se plenamente. Desde a infância à velhice.

A vida acaba por ser mais barata que em Portugal. Nitidamente. A alimentação e a habitação são acessíveis e de qualidade. Só a língua dificulta um pouco as coisas.

Por isso, com filha e um neto em Ovar e filhos e netos em Berlim, temos de ser pela força do coração, entre Mafra, Ovar e Berlim uns errantes vagabundos…

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Nota do editor:

Último poste da série > 28 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10202: Cartas do meu avô (15): Décima primeira (Parte III): a reforma, :a escrita, um ano em Perpigna, o regresso a Almada e à Caparica, e por fim... à justiça disse nada... (J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Bissau, Cachil e Catió, 1964/66)

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10232: Recortes de imprensa (55): Os 50 anos da guerra colonial, a saúde publica e a lusofonia (Editorial, Revista Portugal de Saúde Pública, 2011; 29(1): 1-2) (Luís Graça)




A Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa (ENSP/UNL) edita, desde 1983, a Revista Portuguesa de Saúde Pública (RPSP), acompanhada a partir de 1999, por um número temático, subordinado a diferentes temas de interesse para a área da saúde em geral.

Razões que se prendem com a responsabilidade de manter a qualidade técnica e científica da RPSP – de molde a que esta possa continuar a ser fonte de referência básica na investigação em saúde pública – têm permitido que a sua cobertura, em termos de assinantes particulares e institucionais (IPSS, Direcções Gerais, Institutos, Empresas, Faculdades, Institutos Politécnicos, Escolas Superiores de Saúde, Escolas Superiores de Enfermagem, Centros Hospitalares, Hospitais, Câmaras, ACES, Centros de Saúde, ARS, Unidades Locais de Saúde) e a sua distribuição, através de permuta e oferta, a mais de trezentos organismos nacionais e internacionais que ocupam lugar relevante no universo da saúde em Portugal.

Apesar do seu elevado custo financeiro anual (cerca de 25 mil), a  edição deste instrumento de reconhecido valor tem importância crucial, não só para a ENSP mas também para a comunidade científica nacional e internacional, uma vez que a Revista está indexada na Latindex – Sistema regional de información en línea para revistas científicas da América Latina, el Caribe, España y Portugal (htpp://www.latindex.unam.mx) e foi considerada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) como preenchendo todos os requisitos de qualidade exigidos em termos de revistas técnico-científicas. 


A RPSP integra o Projecto SciELO Portugal - Scientific Electronic Library Online (http://www.scielo.oces.mctes.pt/) - desde Abril de 2009, passando a ficar acessível em formato electrónico (texto integral) aos investigadores de todo o mundo, 6 meses após publicação, através de uma das maiores plataformas mundiais de conteúdos digitais em língua portuguesa.  Pelas razões acima apresentadas, a RPSP está aberta ao patrocínio de empresas e demais organizações, nacionais e internacionais, e é cada mais procurada por autores de língua portuguesa, inglesa e outras para publicação de artigos científicos originais, sendo hoje considerada uma revista científica, em língua portuguesa, de referência no campo da saúde pública.

Em 2010, a Elsevier ES (http://www.elsevier.es/pt/revistas/revista-portuguesa-saude-publica-323) passou a ser a entidade responsável pela impressão e envio da Revista, pela sua publicação electrónica e atribuição automática do identificador digital único (DOI) para cada manuscrito, pela sua publicação na Science Direct, pela inclusão dos artigos na Scopus, pelo seguimento da indexação para futura inclusão em índices da especialidade (Medline/Pubmed) e pela assessoria de qualidade e estudos bibliométricos da RPSP para melhorar a sua posicão nos índices internacionais (Journal of Citation Reports), solicitando a sua inclusão nos mesmos. 

Em 2011, foi adoptada a plataforma electrónica de gestão editorial da Elsevier que utiliza um sistema integrado (autor/editor/revisor) de manuscritos através de uma página web – o EES – o que contribui para uma maior celeridade do processo de revisão.

Acrescente-se que a Elsevier é a maior editora do mundo no campo nas publicações na áreas das ciências da saúde. Luís Graça é o Director da RPSP, desde 2007 até à presente data. É apoiado por um Conselho Editorial e por um Conselho Científico, constituído por avaliadores internos e externos, nacionais e internacionais, aplicando-se o sistema de double-blind peer review [sistema de revisão duplamente cego em que o revisor não conhece o autor, nem o autor conhece o revisor] na avaliação dos artigos que lhe são submetidos electronicamente através da plataforma da Elsevier em http://ees.elsevier.com/rpsp, acompanhados de uma declaração de autor que garante o seu carácter inédito e de uma declaração de disponibilização para acesso mundial.


Aproveita-se, mais uma vez, este ensejo para fazer aqui, publicamente, um especial agradecimento à ENSP/UNL pelo alojamento da página pessoal de Luís Graça, página essa que está intimamente ligada a este blogue. Fica aqui também a informação para eventuais interessados nos cursos deste prestigiado estabelecimento de ensino: está a decorrer, de 16 de julho a 10 de setembro, a 2ª fase as candidaturas aos seus cursos de  mestrado (Saúde Pública, Gestão da Saúde, Segurança do Doente, Fisioterapia, Saúde, Ambiente e Trabalho) e especialização (Administração Hospitalar, Medicina do Trabalho).  Terminou já, por sua vez, em julho passado, a fase de candidatura ao 4º programa de doutoramento (Saúde Pública).

1. Com a devida vénia, transcreve-se aqui o editorial da Revista Portuguesa de Saúde Pública, vol 29, nº 1, 2011 (janeiro-julho), pp-1-2:






Os 50 anos da guerra colonial, a lusofonia, a cooperação e a saúde pública
por Luís Graça



A guerra colonial (1961/75) terá sido possivelmente o acontecimento mais marcante da sociedade portuguesa do Séc. xx (Em rigor dever-se-ia falar em guerras coloniais, já que há um sucessão de intervenções militares portugueses nos territórios ultramarinos, da Guiné a Timor, desde finais do Séc. xix, ou seja , desde a expansão colonial europeia, na bsequência da Conferência de Berlim, em 1884/85).

O seu desfecho levou não só à restauração da democracia em Portugal, com o 25 de Abril de 1974, mas também ao desmantelamento do velho império colonial (Índia Portuguesa, Guiné, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Moçambique, Angola, Macau, Timor), e ao aparecimento de novas nações lusófonas, mais de cento e cinquenta anos depois da independência do Brasil (em 1822).

Pela primeira vez na sua história, Portugal via-se reduzido, em 1975, aos seus 89 mil quilómetros quadrados de meados do Séc. xv, à sua dimensão atlântica, continental e europeia. E hoje, no seio da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), é um país respeitado e prestigiado, em paz (e cooperação) com as suas antigas colónias.

O enorme esforço de guerra, ao longo de 14 anos (1961/75), teve consequências, relevantes para a demografia, a economia, a política e até a saúde pública: a mobilização de quase um milhão de homens (800 mil do recrutamento metropolitano), e nomeadamente para três teatros de operações, muito distantes da rectaguarda: Guiné (a 5 mil quilómetros), Angola (a 8 mil), Moçambique (a 12 mil); uma despesa militar que chegou a ultrapassar mais de metade do orçamento de Estado (em 1969); o isolamento e o desprestígio a nível internacional, etc.

Em 25 de Abril de 1974, os efectivos das Forças Armadas Portugueses ultrapassavam os 230 mil, três quartos dos quais estavam nos citados teatros de guerra. Segundo historiógrafos militares, o esforço humano despendido por Portugal na guerra colonial, àquela data, terá sido 4 a 5 vezes superior ao do EUA que, com uma população 23 vezes maior, teve no máximo cerca de 540 mil homens no Vietname (em 1969).

Estima-se em 200 mil o número de refractários e em 3 mil o de desertores. Cerca de 9 mil combatentes morreram, em consequência de ferimentos em combate, acidente ou doença. Os feridos terão sido cerca de 30 mil. Mais difícil é contabilizar as vítimas de stress pós-traumático de guerra (cerca de 140 mil, ou seja, 15% dos efectivos metropolitanos), os que morreram precocemente, os que se suicidaram ou tentaram o suicídio, as vítimas de violência, abandono, pobreza e exclusão social (incluindo dezenas de milhares de africanos – cerca de 70 mil, no final da guerra − que combateram nas fileiras do exército português, como soldados do recrutamento local ou como milícias, e cujos direitos – a começar pela sua vida e segurança – não foram devidamente acautelados, para não dizer que foram pura e simplesmente ignorados, desprezados ou escamoteados).

Mais difícil ainda é hoje fazer a estimativa das vítimas, de todo o tipo, entre os combatentes dos movimentos de libertação e as populações africanas, de um lado e do outro. Para não falar da destruição e desarticulação das estruturas materiais e simbólicas das sociedades africanas. E, enfim, está-se longe de saber o impacto, na saúde física e mental das famílias portuguesas que aguardavam o regresso dos seus filhos, sãos e salvos, sendo o único elo de ligação o serviço postal militar (Eram distribuídos anualmente pelo Movimento Nacional Feminino, criado em 1961, cerca de 32 milhões de
aerogramas, nos últimos anos de guerra). Talvez cerca de 80 mil mulheres e outros familiares de ex-combatentes possam ainda hoje ser vítimas da chamada Pertubação Secundária de Stress Traumático (PSST).

Portugal nunca fez (ou está agora a fazê-lo, tardia e lentamente) esse balanço (global) de uma guerra que, contrariamente a outras (invasões estrangeiras, guerras civis…) se passou a muitos milhares de quilómetros de distância da Pátria, em regiões tropicais. Portugal nunca fez o luto da guerra colonial (ou está agora fazê-lo, tardia e lentamente). Mas o mesmo se passa com os novos países que combateram o exército colonial português e que, depois das suas independências, se viram envolvidos em guerras civis (Guiné-Bissau, Angola, Moçambique, Timor)...

Cinquenta anos do início da guerra colonial (em 1961, em Angola), tem vindo a aumentar a literatura memorialística, a produção ficcional, a produção bloguística, a investigação científica, o interesse dos media (cinema, televisão, imprensa escrita) pela guerra colonial… Mas não há, por exemplo, estudos de epidemiologia histórica sobre a morbimortalidade dos combatentes da guerra colonial… Nem sabemos, ao certo, quanto médicos passaram pelos teatros de operações (entre 1400 a 1600, com base dum rácio de 1 médico por 600 militares, operacionais e não operacionais). Ou a efectividade do papel dos serviços de saúde militar no apoio às populações africanas durante a guerra.

Só em 2000 foi criada “a rede nacional de apoio aos militares e ex-militares portugueses portadores de perturbação psicológica crónica resultante da exposição a factores traumáticos de stress durante a vida militar” (D. L. nº 50/2000, e 7 de Abril), rede essa que é constituída pelas instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde, no Sistema de Saúde Militar e pelas organizações não governamentais com as quais sejam celebrados protocolos.

No entanto, esta rede tem sido acusada de ter um funcionamento demasiado burocrático. Igualmente o Serviço Nacional de Saúde é alvo de críticas pelas dificuldades de resposta, rápida e eficaz, a estes casos de Perturbação Pós Stress Traumático (de acordo com a terminologia portuguesa consensualizada). E muitas dos potenciais beneficiários da rede desconhecem a sua existência.

Há associações da sociedade civil como a Apoiar que fazem acompanhamento gratuito (clínico, médico e social) às vítimas de Stress Pós-Traumático de Guerra, necessitando apenas que o interessado peça ao seu médico de família o Mode 1 devidamente preenchido e assinado por ele,  de acordo com o disposto na Circular Normativa nº 11/DSPSM, de 13/08/2001, da Direcção Geral de Saúde... Esta circular é dirigida aos técnicos dos serviços de saúde e destinada a divulgar os impressos para admissão na rede e a clarificar os procedimentos a ter na elaboração dos processos clínicos.

Talvez nenhum país europeu, em meados dos anos 70, em plena guerra fria, tenha operado tantas mudanças, institucionais, jurídicas, políticas, económicas, sociais, sanitárias, epidemiológicas, demográficas e culturais, desde o fim da guerra colonial à descolonização e à integração dos chamados retornados, da criação do Serviço Nacional de Saúde à drástica redução da mortalidade infantil… Fica-nos a dúvida se não poderíamos ter feito mais, e sobretudo melhor, pela plena reabilitação e reintegração dos combatentes da guerra colonial (aos diferentes níveis, e nomeadamente sanitário, psicossocial e sócio-familiar). Teremos também perdido aqui uma excelente oportunidade de mostrar que cooperação, saúde pública e lusofonia falam (ou devem falar) a mesma língua… e que, afinal, “em bom português nos entendemos”.


Luis Graça
Director Revista Portuguesa de Saúde Pública
Correio electrónico: luis.graca@ensp.unl.pt

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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de dezembro de 2011 >
Guiné 63/74 - P9241: Recortes de imprensa (54): No DN, declarações do Ministro da Defesa, José Pedro Aguiar-Branco, na Associação dos Deficientes das Forças Armadas: Temos que fazer a paz com a História