segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11054: Notas de leitura (455): "Raças do Império", por Mendes Corrêa (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Novembro de 2012:

Queridos amigos,
Raças do Império foi um acontecimento editorial do seu tempo, mereceu honras de edição de luxo e uma outra mais popular, um pouco como a História de Portugal, a chamada edição de Barcelos, dirigida pelo Prof. Damião Peres.
Estamos numa época de rescaldo de diferentes eventos sobre o mundo colonial português, houvera a exposição do Porto, em 1934, a do Parque Eduardo VII, em 1937, e o acontecimento excecional que foi a Exposição do Mundo Português, fazia todo o sentido divulgar, como material de estudo, com abundante mostra fotográfica, todos os povos que pertenciam ao Império e que bebiam a tão apregoada “missão civilizadora”.

Um abraço do
Mário


Raças do Império: A Guiné Portuguesa, pelo Prof. Mendes Corrêa 

Beja Santos

Em 1943, um médico que se lançara entusiasticamente na antropologia e etnografia, Mendes Corrêa, deu à estampa na Portucalense Editora um livro singular na investigação da época: “Raças do Império”. Note-se que Mendes Corrêa será convidado pelo governador Sarmento Rodrigues a visitar a colónia e daí resultará, em 1947, a sua obra “Jornada Científica na Guiné Portuguesa”, de que já aqui se deu notícia(1).

As suas teorias sobre a raça estão hoje obviamente em desuso, não aguentaram os novos estudos decorrentes da evolução trepidante que conheceu a Paleontologia, entre outros conhecimentos científicos. Define a raça como assente numa trilogia História, Psicologia e Biologia, em que nenhum dos elementos é dispensável. E diz mesmo: “Estudar a raça como um fator da História e da vida social é, afinal, estudar o papel da hereditariedade psicossomática, das causas germinais remotas, dos fatores biológicos profundos e permanentes, das energias elementares de estirpes naturais geradora dos povos, na fisionomia e atividade étnica, política e histórica destes últimos”.

Mendes Corrêa inicia a sua investigação sobre as gentes da Guiné procurando dar um quadro histórico da região antes da chegada dos portugueses. Recorda que no século III consta já junto do Níger superior, no Sudão Ocidental, o estado de Ganá, a leste do qual irá surgir o primeiro reino Songai. No século X, a invasão dos Sossos abate-se sobre o reino de Ganá que começará a desagregar-se, irão então surgir em cena populações negras oriundas de outros territórios. Formara-se entretanto o Estado de Mali, dos Mandingas, que no século XIV estendem o seu domínio até à Guiné Portuguesa. No seu apogeu, aquele reino terá incorporado Tungubutu, Songai e outras regiões, mas o Império de Songai conseguiu libertar-se. O Mandimansa seria o imperador de uma parcela do vasto reino Mandinga. Se nos recordarmos do que escreveu na sua tese de doutoramento Carlos Lopes em Kaabunké (Espaço, território e poder na Guiné-Bissau, Gãmbia e Casamance), de que igualmente aqui já se fez menção(2), os dados históricos têm larga margem de flutuação. Espero em breve referir-vos uma compilação de textos publicada pelo Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa intitulado “Mandingas – Um pouco de História” e também se verificam discrepâncias cronológicas apreciáveis.

Mas voltemos a Mendes Corrêa, estamos no Império do Mali e é a vez dos árabes se voltarem para os tesouros do Sudão. Tungubutu é conquistado em 1591 pelo Sultão de Marrocos. Songai passa a colónia marroquina. É neste entretanto que emergem os Fulas.

Na Guiné, os Mandingas são os principais adversários que os Fulas encontram no Futa-Djalon. Os Mandingas da Guiné são batidos e subjugados pelos Fulas em 1836, o mesmo sucede com os Beafadas. Para Mendes Correia é este o contexto em que se chega à carta etnológica atual.

A população da Guiné não terá mudado muito desde as descrições dos nossos autores dos séculos XV e XVI. Terão perdido importância demográfica os Nalus, os Beafadas e os Cassangas e progredido os Balantas e os Fulas. Adverte Mendes Corrêa: “Apesar das diversas investigações realizadas, não pode considerar esclarecido o problema das origens e afinidades raciais de todos os grupos étnicos da nossa Guiné”.

Os Fulas proviriam de uma mistura de Etíopes e de Negríticos (negros sudaneses e nilóticos). Os outros agregados seriam Negríticos (negros que não falam línguas Bantus), destacando-se os Mandingas (ou Mandé) num grupo à parte: todas as outras populações da nossa Guiné seriam Negríticos litorais ou guineenses, com grande uniformidade do tipo físico. Os Felupes seriam a tribo principal dos Diola de entre o Casamansa e o Gâmbia. Mendes Corrêa refere como quase autóctones os Balantas, os Banhus, os Papéis, os Bijagós, os Beafadas e os Nalus.

O Fula é suscetível de enquadramento na raça etiópica. André Álvares de Almada, no século XVI, descreve-os deste modo: são robustos, bem-dispostos, de cor amulatada, os cabelos corredios. Na nossa Guiné, mencionam-se os Fulas forros, os Futa-Fulas e os Fulas pretos. Os primeiros e os últimos terão resultados das migrações Fulas, os forros consideram os Fulas pretos são antigos escravos. Os Fulas forros são descritos como de estatura elevada, corpo delgado, cor acobreada, cabelos lanosos, nariz e lábios finos. Segundo Carvalho Viegas, um governador que se abalançou a estudar a região, o Mandinga morfologicamente é uma espécie de raça negra, sem mescla de sangue. Duarte Pacheco refere que os Beafadas estavam sujeitos aos Mandingas. Os Sossos teriam sido expulsos do Futa-Djalon e empurrados para a costa pelos Fulas. André Álvares de Almada refere que os Bijagós são “mui pretos, gentis-homens, não furam as orelhas, as mulheres sim”.

Mendes Corrêa recolhe a opinião dos colonialistas do seu tempo: Os Fulas são tipos como ambiciosos, o grupo mais civilizado e de maior superioridade intelectual; os Mandingas como inteligentes, perspicazes, observadores, empreendedores e aristas; os Felupes como independentes, corajosos e hospitaleiros; os Papéis como traiçoeiros, belicosos, pouco trabalhadores; os Brames como inteligentes, pacíficos e trabalhadores; os Manjacos como inteligentes, dominados pelo pudor, trabalhadores, os mais acessíveis a influência portuguesa, ainda que litigantes e pouco probos; os Balantas como inteligentes, tenazes, argutos, laboriosos, mas ladrões e litigantes; os Bijagós como artistas, belicosos e tímidos.

Depois, Mendes Corrêa abalança-se à descrição sobre os idiomas, mobiliário, tipos de habitação, vestuário, tatuagens, manifestações religiosas, totemismo, sistemas de justiça, panaria, olaria, escultura, trabalhos em coiro, arte musical e literatura, não há elementos inovadores, digamos que se trata de um conspecto antropológico e etnográfico com base em bibliografia recolhida.

“Raças do Império” foi uma revelação para o tempo, nunca se tinha ido tão longe numa síntese sobre todos os povos que constituíam Portugal e o seu Império. Tratou-se de uma recolha meticulosa, de acordo com a documentação existente e as preocupações raciais que fizeram furor no primeiro quartel do século, ao nível dos estudos coloniais. Mendes Corrêa procurou ser abrangente e leu alguma da melhor bibliografia internacional do seu tempo, reconheça-se.

Daí resultou um texto fluído, bem organizado para não iniciados, estamos numa época em que os autores procuravam atrair o leitor capturando-o para o exotismo e quase com ternura pelo “bom selvagem”. É assim que ele escreve: “Há, entre Mandingas, Fulas, Manjacos, Papéis, Bijagós, entre outros, canções, batuques, danças, pantominas, de variado carácter, como para incitamento ao trabalho agrícola, orgia, culto religioso, homenagens fúnebres. Entre Mandingas, as mulheres casadas, geralmente, não dançam; os Papéis cantam a valentia dos seus chefes mortos, organizando danças fúnebres em sua honra. Os Bijagós têm o culto da vaca…”.

Foi um enorme esforço, este estudo de índole imperial, e não é por acaso que refere com alguma insistência a exposição colonial de 1934 e a Exposição do Mundo Português de 1940, foram polos de atração para o desenvolvimento da curiosidade em conhecer os povos que estavam sujeitos à nossa missão civilizadora.
____________

Notas do editor:

(1) Vd. poste de 12 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9183: Notas de leitura (311): Uma Jornada Científica na Guiné Portuguesa, de António Mendes Corrêa (Mário Beja Santos)

(2) Vd. poste de 12 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10519: Notas de leitura (416): Kaabunké Espaço, território e poder na Guiné-Bissau, Gâmbia e Casamance", por Carlos Lopes (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 1 de Fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11037: Notas de leitura (454): "A Pátria ou a Vida" por Gertrudes da Silva (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P11053: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca...é Grande (62) ): Aníbal Silva, através da filha, procura e encontra o seu antigo comandante do 1º Pel da 1ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Buba, 1973/74), António Manuel Gaudêncio Nunes, ex-alf mil op esp, natural de Lisboa


Guiné > Região de Quínara > Aldeia Formosa > Comando, CCS e 1ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (1973/74)... As outras suas unidades orgânicas estiveram em Buba (a 1ª  CCAÇ) e  em Nhala (2ª CCAÇ). O 1º encontro / convívio do BCAÇ 4513 (as quatro companhias)  foi em 8 de dezembro de 2009.

Foto: © Fernando Costa (2009). Todos os direitos reservados.


1. Resposta do António Manuel Gaudêncio Nunes ao pedido de Nilza Silva (*)

Boa noite, sou António Manuel Gaudêncio Nunes, ex Alf mil Ranger, comandante do 1º pel,  1ª CCaç/BCaç 4513. Com emoção tomei conhecimento da busca da Srª prof. Nilza Silva com o intuito de surpreender seu pai e meu camarada Anibal Silva, a quem envio um forte abraço. 

Para qualquer contacto: amgnunes@sapo.pt
Cumprimentos
Nunes

2. Mensagem do nosso colaborador permanente, José Martins, que já tinha identificado a unidade, a 1ª CCAÇ / BCAÇ 4513/72  (, mobilizado em Tomar, chegou ao To da Guiné em março de 1973 e regressou em setembro de 1974). A 1ª CCAÇ esteve em Buba.

[ Temos aqui no nosso blogue, pelo menos dois camaradas deste BCAÇ 4513/72: (i) o Fernando Silva da Costa, ex-Fur Mil Trms, da CCS/BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, 1973/74), que mor em Lisboa; e (ii) o José Carlos Ramos dos Santos Gabriel (ex-1.º Cabo Op Cripto da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513, Nhala, 1973/74), que é natural de Almada.]

Caro António Nunes

São estas noticias que engrandecem este blogue. Uma noticia colocada neste espaço e aparece sempre um camarada novo. Agora, creio, que vamos ter dois.

A "porta está aberta". Não é preciso bater e/ou empurrar. Duas fotos e uma pequena história.
Resultado: lugar garantido junto ao poilão da Tabanca Grande.(**)

Matem as saudades de longas décadas e satisfaçam a alegria da "nossa filha" Niza, porque "os filhos dos nossos camaradas, nossos filhos são", ao dizer ao pai:
- Encontrei o teu camarada e amigo Nunes!

Todos nunca seremos demais. A guerra nos uniu para toda a vida.

______________

Notas do editor:

(*) 1 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11038: Em busca de... (213): Camaradas de Buba, 1972/74 (Aníbal Silva, através da sua filha Nilza Gonçalves)

(...) Sou professora, Nilza Gonçalves, filha de um ex-combatente. Aníbal Gonçalves da Silva (Aníbal Silva) esteve em Buba, na Guiné, entre 1972-1974, era o número [mecanográfico] 1014733, pertencia aos rangers, à 1.ª companhia, 1.º pelotão. O seu furriel era o senhor Peixoto e o seu alferes era o senhor Gaudêncio Nunes, natural de Lisboa...

O meu pai não se lembra do número da companhia dele, só tem na sua memória o que já descrevi. No entanto, o meu pai gostava de encontrar os seus colegas combatentes... Já procurei em sites, mas é difícil.

Será que o senhor Luís pode-me ajudar a fazer esta "surpresa" ao meu pai ? (...)

(**) Último poste da série > 4 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10481: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (61): Notícias do Luís Antunes, ex-1º cabo enf, CCAÇ 2405 (Galomaro e Dulombi, 1968/70), que participou na Op Lança Afiada (Sónia Antunes / Paulo Raposo / Rui Felício)

Guiné 63/74 - P11052: Parabéns a você (531): José Belo, ex-Alf Mil da CCAÇ 2381 (Guiné, 1968/70) e Mário Silva Bravo, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 6 (Guiné, 1971/72)

____________

Nota do editor:

Vd. último poste da série de 2 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11041: Parabéns a você (530): Germano Santos, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 3305/BCAÇ 3832 (Guiné, 1970/73)

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11051: Tabanca Grande (384): Manuel Isidro Campelo de Sousa, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista dos STM (Bafatá e Nova Lamego, 1970/72)

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano Manuel Isidro Campelo de Sousa*, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista (STM), Bafatá e Nova Lamego, 1970/72, com data de 30 de Janeiro de 2013:

Com os melhores cumprimentos,
Em anexo segue a minha identificação com as duas fotos pedidas; para que possa fazer parte desta grandiosa obra editada por vós, e que jamais possa cair no esquecimento das gerações futuras !!!

Para todo o elenco editor do blog um abraço;
Campelo de Sousa


A minha apresentação:
Nome: Manuel Isidro Campelo de Sousa
Posto: 1º Cabo Radiotelegrafista
Arma: Transmissões.
Quartel Regimento de Transmissões - Arca D'Água – Porto. 
Início de comissão na Guiné (desembarque em Bissau): 24-09-1970
Localidades onde prestei serviço: (STM) Posto de Rádio em Bafatá e Posto de Rádio em Nova Lamego (Gabu).
Fim da Comissão e regresso à metrópole: 14-10-1972

O meu Blog:



2. A minha ida para a Guiné


Foi na manhã do dia 18 de SETEMBRO do ANO de 1970 que eu embarquei em Lisboa no cais de Alcântara a caminho da GUERRA na Guiné, a bordo do navio ANA MAFALDA.

Na hora do embarque, os oficiais foram distribuídos pelos beliches dos "camarotes", o SOLDADO, como de costume nestas e noutras situações, foi mandado para o porão, amontoados como sardinhas em lata, onde não se conseguia respirar e estavam montados uns beliches de ferro com umas enxergas em cima, e onde casa de banho não havia.

Foi uma bela viagem, como devem calcular, com os baldes dos dejectos do porão a serem despejados borda fora de manhã e ao fim da tarde.

Eu, pessoalmente também enjoei e de que maneira. Recordo-me que, mais ou menos dois ou três dias depois de termos partido de Lisboa já em alto mar, durante a madrugada uns jogavam a vermelhinha, outros escreviam cartas à família, outros enjoados vomitavam, e, um ou outro estaria a dormir, quando as sirenes do barco começaram a roncar, porque havia incêndio no compartimento das máquinas que faziam mover o barco.

Toca a levantar a toda a pressa, não houve tempo para calçar nem vestir, agarrar os coletes salva vidas para a eventualidade de termos de nos atirar ao mar, e fomos evacuados a toda a pressa para a proa do navio, pois havia fumo por todos os lados. Era noite escura, só se conseguia ver estrelas no céu e ouvia-se a água a bater no casco do barco!

Foi um daqueles sustos que mesmo aos 22 anos de idade deixam marcas para o resto da vida.
Ainda hoje não gosto de andar de barco! Estivemos quase a noite inteira parados em alto mar até ser reparada a máquina que tinha ficado danificada com o incêndio, depois lá continuamos a viagem até à Guiné, chegando e atracando em Bissau na manhã do dia 24 de Setembro de 1970.


3. Comentário de CV:

Caro camarada Campelo de Sousa, és mais um ex-militar das Transmissões a juntar-se ao já numeroso grupo de camaradas desta Arma que fazem parte da nossa tertúlia.

Já fui espreitar o teu Blogue, muito bem apresentado, dedicado essencialmente à tua terra e à região do Douro, mais propriamente da margem esquerda deste rio, já pertencente ao Distrito de Viseu. Acho que estou certo.

Encontrei também no teu blogue duas alusões à tua vida militar, de onde retirei a tua ida para a Guiné no navio Ana Mafalda, que também me levou a mim e a tantos e tantos camaradas desta tertúlia.

Das muitas obrigações que assumimos quando ingressamos nesta tertúlia, contribuir com algumas histórias e fotos do nosso tempo de ex-combatentes são das principais. Podemos também colaborar comentando, chamando a atenção para algo menos verdadeiro, não porque alguém tenha mentido deliberadamente mas porque foi traído pela memória, ajudando portanto a elaborar esta memória futura, mesmo com as imperfeições próprias das histórias contadas na primeira pessoa. Isto tudo para te dizer que ficamos à espera das tuas memórias escritas e em fotografias. Andaste por Bafatá e Nova Lamego, terás muito para contar, dizemos nós.

Acabo deixando em nome dos editores e da tertúlia, um abraço de boas-vindas.
Ficamos por aqui ao teu dispor para qualquer dúvida que tenhas.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
____________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 28 DE MAIO DE 2011 > Guiné 63/74 - P8342: O Nosso Livro de Visitas (112): Campelo de Sousa, ex-radiotelegrafista de rendição individual (Bafatá, 1970; Nova Lamego, 1971/72), relembrando a sua passagem por Bambadinca

Vd. último poste da série de 24 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10995: Tabanca Grande (383): José António Gomes de Sousa, ex-Soldado Condutor Auto da CCAV 3404/BCAV 3854 (Cabuca, 1971/73)

Guiné 63/74 - P11050: In Memoriam (136): A CCAÇ 2312 do BCAÇ 2834 (1968/69) está de luto. Faleceu o Alf Mil OpEsp/RANGER Carlos Hermes Ferreira Teixeira (António Brandão)


1. O nosso camarada António Brandão (ex-Combatente em Angola), enviou-nos a seguinte mensagem. 


Camaradas, 

Apenas para te informar que o Alferes Miliciano de Infantaria, Operações Especiais, Carlos Hermes Ferreira Teixeira, acaba de falecer. 

O RANGER Hermes, frequentou o 3º curso de Operações Especiais em Lamego, em 1967. De 1968/69, esteve na Guiné, ao serviço da CCaç 2312 pertencente ao BCaç 2834. 

Porque é um dos vossos, Guiné, porque não dize-lo, nossos também, agradecia a publicação no blogue do Luís Graça. 

O nosso camarada encontra-se em Paranhos sendo o funeral amanhã, 2013-02-04 para cemitério da mesma freguesia, pelas 10h30. 

Recebam um abraço, 
António Brandão 
_____________ 
Nota de M.R.: 

Vd. o último poste desta série em: 



Guiné 63/74 - P11049: (Ex)citações (208): Monóculo de Spínola oferecido ao Museu Etnográfico de Silgueiros - Viseu (Amaral Bernardo)



1. Mensagem do nosso camarada Amaral Bernardo (ex-Alf Mil Médico, CCS/BCAÇ 2930, Catió, 1970/72), com data de 30 de Janeiro de 2013:

Luís e Carlos,

À boa maneira portuguesa,"espero que se encontrem bem".

Ao ler o poste 11024, lembrei-me de um momento de espanto, incrédulo, e que por momentos me fez pôr em causa a legitimidade de continuar a conduzir nessa tarde, quando visitava o Museu Etnográfico de Silgueiros (naturalmente após o almoço da "ordem" no "Martelo" que aconselho, mesmo aos de estômago mais delicados, se fizerem uns estágios prévios no "Cortiço" na vizinha Viseu).

Do Museu Etnográfico de Silgueiros direi apenas que é uma pérola rara, praticamente desconhecida, e cuja alma, para além do conteúdo, é a determinação de um homem, seu director, o Comandante António Lopes Pires.

Acrescento, só como exemplo e para "aguçar" a curiosidade, que tem uma colecção com 72.000 (setenta e dois mil) botões - mil e tal à vista e os restantes em caixas! Mas eu conto:

Quando admirava com atenção a coleção de óculos (eu colecciono, melhor, junto óculos antigos), as minhas retinas foram atraídas para um conjunto singelo-monóculo em estojo apropriado e com um cartão de visita com uma dedicatória manuscrita, naturalmente.

Aproximei-me o quanto o vidro me permitiu... Sim, aquele conjunto foi oferecido pelo Gen Spínola, cujo nome e dedicatória eu vi com "estes que a terra (ou o fogo) há-de comer".

Apontando o dedo, perguntei a António Lopes Pires, que teve a gentileza de me guiar na visita:
- Como é que aquilo veio parar aqui?

E ele disse-me!

 Prometi ao António Lopes Pires que divulgaria o Museu sempre que eu pudesse (cheguei a enviar imagens para a RTP2 que nunca me respondeu).

Assim, quem quiser saber o que me foi dito... terá que ir a Silgueiros.Vai gostar, garanto. Ah, e levem os "complementos afectivos" (sem ofensa) - tem uma colecção de trajes antigos...!

Mas não resisto a deixar um pormenor, quiçá o mais importante e desconhecido, e provavelmente o que melhor documenta o traço de "actor," de "persona" do Gen Spínola, também conhecido na Guiné de então por "tres ulho"- três olhos: É que o "caco" não tem graduação, é de vidro neutro!!!

Polémico, sim... mas líder carismático, foi!

Abraço para ambos.
Amaral Bernardo

____________

Nota do editor:

Vd. último poste da série de 14 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10940: (Ex)citações (207): Festejando a entrada do nosso seiscentésimo grã-tabanqueiro, Abílio Magro, natural de Fronteira, um dos seus 6 filhos que a família Magro ofereceu à ditosa Pátria amada para servir em África (Angola, Moçambique e Guiné) ...

Guiné 63/74 - P11048: Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (5): O dia em que a minha mala voou

1. Em mensagem datada de 30 de Janeiro de 2013, o nosso camarada Armando Pires (ex-Fur Mil Enf.º da CCS/BCAÇ 2861,Bula e Bissorã, 1969/70) enviou-nos mais uma das suas histórias:


Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (5)

O dia em que a minha mala voou

A coluna estava pronta para se pôr em marcha. À frente o rebenta minas, logo atrás uma das Panhard’s do EREC 2454, depois um Unimog com munições para o Óbus 14 e as restantes viaturas.

Eram seis camionetas civis que, vindas de Bissau, tinham sido cambadas, uma a uma, através do Rio Mansoa para João Landim e daí escoltadas até Bula, onde foi organizado o comboio militar que iria levar os reabastecimentos ao aquartelamento de Binar.

Além das Panhard’s, a da frente, outra colocada a meio e uma terceira a fechar a coluna, acrescia à segurança o 2º grupo de combate da CCAÇ 2466.

Cheguei-me à frente para tomar lugar no Unimog das munições. Fui para me sentar ao lado do condutor mas estava lá o Alfredo Miranda, soldado radiotelegrafista da minha CCS. Arrepiei caminho, mas ele, saltando da viatura, gritou-me:
- Ó Furriel, venha para aqui que eu vou lá atrás.

Seguiu-se, entre mim e ele, um jogo de cortesia, muito estranho para aquela hora da manhã e para aquelas circunstâncias, com o Miranda a querer dar-me o lugar e eu a dizer-lhe que não senhor, vai tu aí que lá atrás sento-me eu, a coluna presa, salvo seja, por tanta cerimónia, quando ele encontrou uma solução:
- Ó furriel Pires, então deixe ir aqui este nosso furriel que vem agora do hospital.

Sentei-me atrás, no chão do Unimog que ia sem taipais, com a chapa de matrícula a servir-me de apoio para os pés. Ao meu lado o Miranda e o Carlos Senra, também soldado radiotelegrafista da CCS. Dois homens do Norte, do Porto, com um sotaque daqueles nascidos e criados às portas do Bolhão.

Eram assim uma espécie de Roque e a Amiga. Sempre juntos.

Estiveram ambos em Binar, durante cerca de mês e meio, ao serviço da CCAÇ 2404, em substituição de dois radiotelegrafistas que tinham ido a consultas médicas em Bissau. Por lá fizeram e deixaram amizades, a tal ponto que sempre que havia uma coluna lá iam eles contribuir para o aumento das receitas do bar.

Iniciámos a nossa marcha e o Miranda explicou-me quem era o furriel a quem cedemos o lugar, lá à frente. Era um operacional da 2404 que fora ferido com estilhaços de um roquete, tinha sido evacuado para o Hospital Militar de Bissau e agora, que tivera alta, estava de regresso à sua unidade.

Contou-me ainda o Miranda que tinha saído com eles numa operação de segurança aos trabalhos de campinagem na estrada Binar, que deram voltas e mais voltas mas campinadores nem vê-los. Talvez porque… a única coisa que viram, ouviram e sentiram, foi a chuva de balas e de granadas que sobre eles choveram, vindas do lado do Choquemone. O tal furriel, que estava ali “mesmo à beira” do Miranda, foi atingido por vários estilhaços mas, felizmente, sem gravidade de maior.

Até se lamentou o Miranda que o rapaz era um dos “convocados” para a futebolada que, à tarde, iam ter lá em Binar. Cabe aqui dizer que o Miranda era bom de bola. Um centro campista com peito para o que fosse preciso, com pés capazes de meter a bola onde fosse necessário. Ou não tivesse sido ele da escola do grande “salgueiral”, o Sport Comércio e Salgueiros de belas memórias.

O Carlos Senra, que ia ali ao lado, é que não era metido na conversa. Bola para ele, só se fosse daquelas de Berlim.

Íamos nestas divagações, passámos a mata dos cajueiros, acenei ao Teixeira, o meu soldado maqueiro que saíra, ainda noite, com três secções da 2466 que ali emboscaram, em segurança aos sapadores que foram picar a estrada, aproximávamo-nos daquela mata, à esquerda da estrada, onde já “cheirava” a Choquemone, quando pelo ar viajou até nós o som cavo da saída de uma morteirada.

Impulsionado pela travagem brusca do Unimog e pela acção que exerci com os pés na chapa de matrícula, voei sei lá que distância nem com que peso bati no chão.

De um lado e do outro, o fogo era intenso.

Chamaram por mim e eu procurei a minha mala de enfermeiro.
- A mala, porra? Onde é que está a mala?
- Qual mala, furriel? – era o Miranda a perguntar.
-A minha mala, merda. Tenho ali um ferido e não sei da mala.
- Furriel, está aqui – foi o Senra a descobri-la.

Mas a mala estava vazia. No descontrole do voo fui acompanhado pela mala. Pelo ar perdeu-se tudo o que lá ia dentro.

Então, o Miranda, o Senra e eu, naquela posição em que é mister dizer-se que foi como a Alemanha perdeu a guerra, começámos a procurar e a juntar frascos de soro e garrotes, “saiam daí, merda”, ligaduras e maços de algodão, e o fogo não parava nem de um lado nem do outro, ampolas de anticoagulantes e de narcóticos analgésicos, “saiam daí”, gritava a voz, mas o Miranda e o Senra não paravam de me ajudar a apanhar tesouras, pinças e o mais que eu precisava, porque tinha ali um ferido à minha espera.

Consta do relatório de operações que aquela emboscada durou trinta minutos. E todavia, do nosso lado apenas um ferido sem grande gravidade e um outro militar com um tornozelo de todo o tamanho.

Enquanto se “limpava” o terreno, o capitão Monge, do EREC 2454, que comandava a coluna, sugeriu que dada a pouca gravidade do ferido, e a relativa pouca distância a que estávamos de Bula, em vez de se perder mais tempo com a chamada de um heli para a evacuação, que eu levasse o ferido e o coxo a Bula, num Unimog, com uma Panhard a proteger. Lá fui, e avisado pelo rádio o Machado, meu cabo enfermeiro, veio ao caminho, na ambulância, recolher os dois homens.

Eu voltei à coluna que já estava, de novo, a meter-se em marcha.

Mal chegados ao canal da bazuca, tornámos a encher.

Ainda hoje não sei quem lhe deu o nome nem porque foi que lho deram. O assim chamado canal da bazuca, era um trilho aí com uns duzentos metros, ladeado de árvores, o que lhe dava um aspecto de túnel, que ido da estrada desembocava dentro da mata do Choquemone. Era, por assim dizer, o ponto de encontro com o IN.

Aqui voltámos a ter feridos. Dois, já com uma certa gravidade. Mas do lado do PAIGC as perdas foram grandes e uma delas de enorme significado.
Foi abatido o capitão Nhaga, chefe do 1º bigrupo do Choquemone, e feitos prisioneiros os dois homens que tentavam resgatar o corpo.

Desta vez não houve que sopesar circunstâncias.

Eu com os feridos num carro, o corpo do Nhaga e os dois prisioneiros noutro, regressámos a toda a velocidade para Bula. À tarde, quando a coluna regressou de Binar, o Miranda passou pela enfermaria a cumprimentar-me:
- Então furriel, está tudo bem? Olhe que você teve uma sorte do caraças. Acabámos por embrulhar a terceira vez.

Não era preciso ele dizer-mo. Eu tinha sabido via rádio. Tinha sabido, sobretudo, que dessa vez não tivéramos baixas. Mas lá que foi uma manhã complicada, ai isso foi.


Infelizmente, há já alguns anos que o Carlos Senra nos deixou. Mas o Miranda, o Alfredo Miranda, está aí na sua cidade do Porto, muito debilitado na sua saúde, mas a malta da Gloriosa Tabanca de Matosinhos já foi umas três vezes a casa buscá-lo, para que com eles partilhasse as memórias e a camaradagem que teimamos em não querer perder.
____________

Nota do editor:

Vd. último poste da série de 6 DE DEZEMBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10768: Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (4): Eu tinha dois doutores

Guiné 63/74 - P11047: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (25): 26.º episódio: Memórias avulsas (7): 13 de Junho de 1966, inventámos o Santo António

Militares em progressão nas matas da Guiné
Foto: © José Câmara. Todos os direitos reservados



1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 30 de Janeiro de 2013, enviou-nos mais esta história para publicar na sua série "Os melhores 40 meses da minha vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS (7)

13 DE JUNHO DE 1966, INVENTÁMOS O SANTO ANTÓNIO

Adivinhava-se que esta madrugada iria ser em grande e com muito fogo de artifício. A 1.ª marcha a desfilar seria a d'um Grupo de Comandos do QG, dado que na altura ainda os não havia, formados na Metrópole.

A minha Secção de Morteiros havia sido convidada especial a participar (o que muito nos alegrou) e tendo como principal tarefa, encerrar os festejos, fazendo a segurança de retaguarda após o desenrolar do golpe de mão. Nesse sentido, saíramos do K3 com 36 granadas, enroladas que foram 4 a cada um dos nove elementos, myself incluído, bem como com os três morteiros com a boca tapada com rolhas de cortiça, dada a copiosa chuva, e devidamente poisados no dorso, a tiracolo, tais como se vulgares carabinas fossem. Nada de pratos base, nem aparelhos para medir distâncias ou altitudes, que ali para nada serviam, usando-se antes capacetes como preventivos para qualquer recuo ou coice no chão e o alcance ficava dependente da forma como se empinava mais ou menos o tubozinho 60.

Obviamente que dos nove, só seis levavam G3 e os restantes (os apontadores, eu e mais os dois 1ºs Cabos, Nascimento e Ismael) em coldre próprio, levávamos ainda pistolas Walter 9mm.

Partíramos às duas da manhã e até ao objectivo (Biribão?) por estranho que pareça não fomos detectados. A madrugada ia-se entretanto fazendo dia cada vez mais claro e deu para reparar na bela floresta virgem, enquanto atravessávamos a bolanha em maré vazia e o bucolismo do lugar, bem como a macacada que nos ia acompanhando e os belos trinados das formosas aves que despertavam, nada... mas nada mesmo... fazia prever que por ali havia um refúgio nocturno de IN's.

Colocado o dispositivo no terreno, a rodear a tabanca surgida no meio do nada, mas onde se festejava já, pois que bem ouvi, no rádio a pilhas, a coladera "chapéu de palha" e que também, bem vi uns jovenzitos quase acabados de nascer a bambolear-se ao som daquela bonita melodia que hoje ainda oiço, comovidamente acrescento, deram-se início às comemorações, após a ordem vinda de quem mandava e foi manga de ronco.

Do interior das casotas e dando razão a quem afirmara que havia ali dorminhocos marchantes doutras músicas, estes começaram a sair devidamente armados, mas não de arquinho e balão, disparando com malévolas intenções tentando escalupir-se e uns poucos conseguiram, mas à maioria não foi permitida tal possibilidade. É então que começam a surgir as costumadas fogueiras tão típicas desta época, feitas de alecrim aos molhos só que neste caso, e decerto devido à ventania, a coisa pegou-se aos colmos que faziam de telhado e dentro em pouco todas as sete ou oito moranças ardiam e nem deu para lhes saltar por cima e nem os bombeiros apareciam.

Todas as mulheres e crianças que lá estavam contra vontade (digo eu) vieram connosco no regresso a casa, mas tal foi feito em passo rápido, já que estávamos a ser flagelados e cada vez os rebentamentos estavam mais perto, vindos "sabe-se lá d'onde" e nós trinta o que pretendíamos agora era um bom pequeno almoço... dois ou três Vat's 69... uma ou duas bajudas... um banho no Spa... uma massagem... e dormir.

E foi assim, copiando-nos, que nasceram os festejos da cidade de Lisboa.
(continua)
____________

Nota do editor:

Vd. último poste da série de 27 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11012: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (24): 25.º episódio: Memórias avulsas (6): Cabeça cá tem juízo

Guiné 63/74 - P11046: Álbum fotográfico do Jorge Canhão (ex-fur mil inf, 3ª CCAÇ / BCAÇ 4612/72, Mansoa e Gadamael, 1972/74) (1): Gadamael, junho/julho de 1973 (Parte I)



O fur mil inf Jorge Canhão e o Xico, um macaco cão, mascote da companhia



O alf mil inf  Joaquim da Silva Rocha, junto a um dos edifícios de Gadamael, atingidos pelo fogo do PAIGC, na 1ª primeira quinzena de 1973.



O alf mil inf Joaquim da Silva Rocha, junto a um dos edifícios de Gadamael, atingidos pelo fogo do PAIGC.


O fur mil inf Jorge Canhão, junto a um dos edifícios de Gadamael, atingidos pelo fogo do PAIGC.


O fur mil inf  Jorge Canhão, no telhado de um dos edifícios da tabanca de Gadamael, atingidos pelo fogo do PAIGC.



O Pelotão do fur mil inf Jorge Canhão (, o terceiro da 2ª fila, de pé, a contar da esquerda para a direita).

Guiné > Região de Tombali > Gadamael > Junho de 1973 > 3ª CCAÇ/BCAÇ 4612 (1972/74) > Aspetos diversos do quartel e tabanca de Gadamael, depois dos ataques da 1ª quinzena de 1973. A companhia do Jorge Canhão esteve em reforço do COP 5, em Gadamael, de 18 de junho a 13 de julho de 1973.

Fotos do nosso amigo e camarada Jorge Canhão, que vive em Oeiras (ex-Fur Mil At Inf da 3ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa e Gadamael, 1972/74),  que nos chegaram às mãos através de outro grã-tabanqueiro, o Agostinho  Gaspar, ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74), residente em Leiria.  Os nossos especiais agradecimentos aos dois.

Fotos: © Jorge Canhão (2011). Todos os direitos reservados




Fonte:  BCAÇ 4612 (Mansoa, 1972/74) - História da Unidade (Documento, em formato pdf, que nos foi gentilmente cedido pelo Agostinho Gaspar)

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11045: Os Nossos Enfermeiros (8): Diagnóstico salomónico (Adriano Moreira)

1. Estória do nosso camarada Adriano Moreira (ex-Fur Mil Enf da CART 2412, BigeneGuidaje e Barro, 1968/70), chegada até nós em mensagem do seu camarada (e nosso tertuliano) Jorge Teixeira com data de 30 de Janeiro de 2013:


Diagnóstico Salomónico

Quando cheguei a Guidage tinha dois meses de Guiné. Depois de já ter passado mês e meio no Posto de Socorros e Enfermaria de Bigene e de ter visto com pouco pormenor a Enfermaria de Binta naqueles três dias que lá passei, quando deparei com o que me disseram ser o Posto de Socorros de Guidage, quase caí pr´o lado. Era praticamente pegado à Cantina onde toda a gente ia comprar as bebidas. Tinha porta da frente, mas sem fechadura o que equivale a dizer que não precisava de chave. Portanto ficava aberto dia e noite, porque na parte de trás nem porta tinha.

Coloquei o Atrelado Sanitário (que me tinham impingido em Bissau) de forma estratégica para dificultar um pouco mais a entrada naqueles aposentos maravilhosos com um chão tão irregular como a estrada que lhe passava à porta e nos levava até à pista. As paredes não podiam sentir nenhum desprezo pelo chão, pois estavam esburacadas e estragadas o suficiente para não serem consideradas nenhuma Obra d´Arte. Assim, aqueles aposentos dignos das Mil e Uma Noites passaram a ser o meu local de trabalho.

Com estas maravilhosas instalações, a única coisa boa que eu recebi foi o meu ajudante "TUMBULO". Era esse o nome do rapaz a quem eu muito pomposamente designava "Pelo meu Tradutor Oficial de Línguas".

Como estávamos em cima do Senegal ou o Senegal em cima de nós, tínhamos uma considerável clientela do lado de lá, que nós tratávamos gratuitamente o melhor que sabíamos e podíamos, e eles também conforme podiam lá iam trazendo uns ovitos e outras vezes as bichezas que os punham, ou seja umas galinhitas.

Dentro deste panorama geral, certo dia aparece por lá um indivíduo a quem o Tumbulo no seu afã habitual de perguntar o que as pessoas tinham para me comunicar em seguida, diz-lhe com toda a rapidez e num tom de cortar à faca: "PENCÓ".

Eu naquela altura já sabia algumas palavras de mandinga e de fula e, entre elas, que pencó ou pingo significavam injecção, portanto fiquei logo elucidado ele queria levar uma injecção e "mais nada".

O Tumbulo vira-se para mim muito atrapalhado:
- "Furié ele só fala injecção!"

Digo-lhe:
- Eu já percebi, mas volta-lhe a perguntar o que é que lhe dói ou o que ele sente para eu lhe poder dar o remédio adequado.

Então o Tumbulo cheio de boa vontade lá recomeçou com a lengalenga toda outra vez, ao que o indivíduo impávido e sereno lhe atira com outro "PENCÓ", não negociável.

O Tumbulo ainda mais atrapalhado volta-me a dizer:
- "Furié ele só fala injecção".

Nessa altura eu já estava a dar voltas à cabeça a pensar no que havia de fazer para dar a volta àquele mânfio. Então viro-me para o Tumbulo com o ar mais dramático do mundo e com uma voz muitíssimo calma para quem estava prestes a explodir e digo-lhe assim:
- Olha diz ao homem que estão aqui as injecções todas que nós temos. Umas são muito boas, fazem muito bem, outras matam. Ele escolhe a que quiser, põe mesmo a mão dele na caixa e eu dou-lha, se ele estiver com sorte a injecção faz-lhe bem ou não lhe faz nada, se ele estiver com azar leva a injecção e morre. É tudo tão simples como isto.

Quando acabei de falar deu-me mesmo a sensação que ia ficar sem tradutor oficial de línguas pois ele devia de estar com pensamentos do género: "E andei eu a dar injecções destas às bajudas sem saber podia mandar alguma pró galheiro". Logo a seguir já refeito lá passou a minha mensagem ao homem que preferiu não arriscar e acabou por dizer o que sentia e eu acabei por lhe dar a injecção adequada às suas maleitas, que espero lhe tenha feito bem, para acabar com esta treta em beleza.

O meu muito obrigado para todos os que contribuíram para que este texto e as fotografias possam sair à luz um dia qualquer num post e no blogue de todos nós, principalmente aos camarigos Teixeira e Vinhal.

Manga d´abraços para todos.
Adriano Moreira

Adriano Moreira com miúdos 

Adriano Moreira com Mulher Grande
____________

Nota do editor:

Vd. último poste da série de 20 DE SETEMBRO DE 2009 > Guiné 63/74 - P4978: Os Nossos Enfermeiros (7): Excerto do Diário de um Enfermeiro (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P11044: Do Ninho D'Águia até África (49): Eram guerreiros (Tony Borié)

1. Quadragésimo nono episódio da série "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177, chegado até nós em mensagem do dia 26 de Janeiro de 2013:


DO NINHO D'ÁGUIA ATÉ ÁFRICA (49)




Já não eram militares, eram GUERREIROS. Tinham a pele do seu corpo queimada do sol quente e húmido do Equador, alguns tinham cicatrizes e outras marcas no corpo, manuseavam a G3, com uma habilidade tal que dificilmente erravam o alvo, já não choravam e gritavam uns com os outros para afugentar o medo, alguns diziam que já não tinham lágrimas. Tinham barba e cabelo crescido, grandes bigodes que os faziam mais velhos mas, por baixo, tinham cara de adolescentes, já sabiam matar quando, num momento de aflição, debaixo de uma emboscada, mantinham a calma e um certo sangue frio, cerravam os dentes, premiam o gatilho, ou tiravam a cavilha a uma granada com precisão. Ouvir tiros ou rebentamentos de granadas era um som já familiarizado, eram feras com faro apurado, conheciam o cheiro da aproximação do perigo, ver sangue quente, a sair do corpo de um companheiro, que tinha sido atingido, fazia parte do seu dia a dia, durante uma patrulha, os seus olhos estavam sempre numa direcção, um pouco acima do capim ou outra vegetação, e sabiam detectar qualquer movimento suspeito, eram profissionais de combate.

Esta era a análise que o Cifra fazia do grupo de combate do Furriel Miliciano que andava sempre com um cigarro, feito à mão, na boca e de onde entre outros, faziam parte o Curvas, alto e refilão, o Trinta e Seis, o Setúbal, o Marafado e o Mister Hóstia. O Cifra, chamava-lhes, Os guerreiros da tribo do furriel. Iam para as matas e bolanhas, com o seu camuflado, já coçado, alguns com as mangas cortadas, levavam sempre um “lenço tabaqueiro”, que compravam na loja do Libanês, pendurado no cinto, diziam que era para lhe dar sorte, onde também ia o máximo de carregadores possível assim como uma granada, às vezes duas, que lhes eram distribuídas antes de saírem, alguns também levavam uma faca bastante afiada, com uma protecção de cabedal, colocavam os restos das meias, que lhes saíam das botas, algumas rotas, por fora das pernas das calças, e às vezes amarravam um fio ou uma tira de pano, que normalmente era feito de uns restos de uma camisa, pois aproveitavam-se todos os trapos da farda, logo a seguir às botas, para que as calças assim ajustadas protegessem a pele das pernas, o cantil também à cinta, e sempre que passavam por uma bolanha ou rio, enchiam de novo, à superfície, com gentileza, para entrar água, com poucos insectos, ou germes, a sua amada G3, sempre apontada para o chão, com bala na câmara, pronta a disparar,  ia debaixo do braço, junto ao seu corpo.
De vez em quando apalpavam-na, para se certificarem que a levavam, alguns levavam por fora, amarrada, uma imagem da Nossa Senhora de Fátima, e por dentro, entre o forro do capacete, ia o maço de cigarros e o isqueiro, às vezes embrulhado num farrapo, nos bolsos do casaco e das calças ia normalmente, um canivete, algumas munições avulso, alguma comida, que podia ser um pouco de chouriço de conserva, ou qualquer outra porção de comida sólida, que tinham trazido do refeitório, da refeição anterior, embrulhado num bocado de folha de bananeira e depois num farrapo, o naco de pão que ia nos bolsos, se não fosse rijo, era comido quase à saída do aquartelamento, pois com o andar e com os movimentos do corpo, desfazia-se em migalhas, e a ração de combate, que eles veteranos, não gostavam muito, pois era feita à base de dieta americana, e o Arroz com Pão, também veterano, sempre lhes arranjava algo para irem entretendo o estômago, que não fosse ração de combate, que alguns diziam lhe dava a volta aos intestinos, e que na linguagem local era, “panga bariga”.


Normalmente, antes de saírem, entregavam alguns bens ao Cifra, como dinheiro e outros objectos, com algumas recomendações em caso de acidente, bens esses que o Cifra guardava no centro cripto. Eram GUERREIROS, já não eram militares, eram homens de combate, tinham os seus regulamentos internos, às vezes tinham pequenas zangas no dormitório, como por exemplo, quando chamavam o Trinta e Seis, que era baixo e forte na estatura, parecia de facto uma “bola”, passe o termo, diziam:
- Trinta e Seis, rola para aqui! Ou, o Trinta e Seis, não caminha, rola!.

Claro, ele não se calava, e respondia, com a mão nos seus orgãos genitais:
- Para aqui, queres tu dizer!.

E vinha logo o Curvas, alto e refilão em sua defesa, os ânimos exaltavam-se, e havia uma barafunda, com alguns a acalmarem outros, mas quando saíam para o interior das matas, em patrulha ou para desactivarem alguma base de guerrilheiros, eram amigos e solidários, protegiam-se davam a vida uns pelos outros, eram irmãos de sangue.

Havia uns mais valentes do que outros, neste grupo, o Furriel Miliciano e o Curvas, alto e refilão sobressaíam dos demais, e até contavam uma história, que o Cifra nunca soube se era verdade, ou se alguém tinha visto em algum filme do John Wayne, que foi passada numa ocasião em que se encontravam numa normal patrulha, e verificando que vinha um grupo de guerrilheiros em fila indiana, o Furriel Miliciano e o Curvas, alto e refilão, já experientes, com a calma própria de um guerreiro experimentado, apontam a G3, disparam e depois dizem um ao outro:
- O meu chegou ao chão mais depressa!

E o outro responde:
- O meu, era mais alto!

Coisas de combatentes que já não eram militares, mas sim GUERREIROS, homens de combate, com cara de adolescentes, que já sabiam matar, por baixo de grandes bigodes, cabelo e barba também grandes que os tornavam mais velhos.

Como o Cifra dizia antes, tinham os seus regulamentos, e como o comando a que o Cifra pertencia, às vezes os mantinha “encurralados”, passe o termo, no aquartelamento, como eram GUERREIROS, sentiam a falta de combate, do som dos tiros, e o comando tirava vantagem dessa situação, “soltando-os”, também passe o termo, para irem em patrulha para as zonas mais remotas e perigosas, mas eles já veteranos, se lhe davam ordens para irem encostados à zona norte, eles iam encostados à zona sul, portando evitavam o contacto, e assim possíveis confrontos com guerrilheiros, protegiam-se, a sobrevivência já era muito importante para eles, eram veteranos na guerra, e alguns diziam ao Cifra:
- Da próxima vez que sair em patrulha, quero levar o teu comandante, e o resto desses majores das operações especiais comigo, para eles verem as zonas para onde nos mandaram. Filhos da p..., eu tenho família em Portugal, e quero vê-la de novo!
____________

Nota do editor:

Vd. último poste da série de 29 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11022: Do Ninho D'Águia até África (48): Guiné... Minho e... Algarve (Tony Borié)

Guinmé 63/74 - P11043: O Spínola que eu conheci (27): Depoimentos de António Rosinha / António J. Pereira da Costa / José Martins / Augusto Silva Santos / José Manuel Dinis



Guiné > Algures > Maio de 1973 > Costa Gomes, Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, dá início, a 25 de maio de 1973,  a uma visita ao Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG), para se inteirar do agravamento da situação militar e analisar medidas a tomar com vista a garantir o espaço de manobra do poder politico em Lisboa.   Na foto, vê-se o Gen Costa Gomes à direita de Spínola, falando com milícias guineenses. Foto do francês Pierre Fargeas (técnico que fazia a manutenção dos helis AL III, na BA 12, Bissalanca), gentilmente enviada pelo nosso camara Jorge Félix (ex-Alf Mil Pil Heli, BA12, Bissalanca, 1968/70).

Foto: © Pierre Fargeas / Jorge Félix (2009). Direitos reservados.

1. Comentários de António Rosinha ao poste P11031 (*)_


(i) Sempre houve muita inibição em falar do desempenho extraordinário de Spínola, na guerra colonial. Os oficiais superiores, até por causa do desaire da morte dos 3 majores no chão manjaco, se retraíam em o fazer.


Mas, como foi durante muitos anos politicamente incorrecto, e ainda é hoje, defender a política portuguesa para África, diferente da inglesa e francesa (e soviética / americana), talvez por isso se evite fazer um retrato real da figura de Spínola.

Mesmo aqui neste blogue quanto mais na imprensa e nos historiadores, parece que há vergonha de falar no que na realidade fez sobressair este homem de qualquer outro português da sua época.

Como militar um dia se fará o verdadeiro retrato. Mas, como Governador Geral, vai ser difícil, porque os guineenses da sua época, régulos, e homens e mulheres grandes da sua época, não sabem escrever e não "podem falar" em público.

O grande sucesso de Spínola na Guiné, foi político e social, mais do que militar. Muitos não concordarão com A J P Costa, mas vê-se que já outros o acompanham.

(ii) A diferença que este homem teve para qualquer outro português da sua geração, nunca se pode medir por mais tiro menos tiro, mais erro menos erro, (mesmo a tragédia do chão manjaco). 

O exemplo dele foi copiado em Angola por governadores de distrito, como Soares Carneiro e outros, como capitão Branco Ló, que tiveram sucessos políticos e sociais em coordenação com GE's, com resultados estrondosos ao ponto de, quando se deu o 25 de Abril, nem sinal da presença dos movimentos se sentia em regiões do tamanho de 2 Guinés.

Mas vai ser difícil um dia escrever o que foi esta guerra, até porque para calar o barulho ensurdecedor de certas claques, vai demorar muitos anos. E essas claques não permitem que se escreva a história porque eles não entram nela. 


2. Comentários de António J. Pereira da Costa ao poste P11031

Não privei com o General. Ele visitou a CArt 1692 (Cacine), em maio/junho de 68, e eu não fiquei com nenhuma foto do evento. Já contei noutro poste que foi a partir daí que o dispositivo daquele sector se começou a alterar e a história, até 1973/74, está bem documentada cá no blogue.

Foi apenas uma vez a Mansabá pelo Natal de 72, para uma curta conversa, sem consequências. Entre 68 e 73 observei-o "de longe" e conclui que "sobrevivia" bem no(s) ambiente(s), jogando com uma visão mais clara, exacta e atenta das coisas da "guerra", (por isso sabia ouvir) uma certa dose de demagogia, prática da intimidação a alguns (os famosos "pares de patins" talvez tenham sido injustos em alguns casos e necessários, mas não aplicados noutros),  promoção (às vezes discutível) de outros, à mistura com certos "ódios de estimação (artilharia, estado-maior, etc.) e ideias preconcebidas.

Quero enfatizar as suas decisões de atacar o In no estrangeiro, que não sei até quanto poderiam contar com a "cobertura e aceitação" da sua hierarquia e a tentativa de contactos com o PAIGC através do presidente do Senegal. Sabemos bem quão sacanas e hipócritas eram os políticos do seu tempo.

Os rapazes do PAIGC apareceram, agora, nos programas do [Joaquim] Furtado [, A Guerra, série da RTP,] e denegrir esta tentativa. Foi um jogo de tudo ou nada em que quiseram prosseguir. Imaginem só o que seria a obtenção de um cessar-fogo na Guiné, à revelia do governo de Lisboa. É, no mínimo, discutível a opção do PAIGC de só negociar com o governo central e não com o opositor directo. O que poderia ter sido poupado em vidas e esforço! A comunidade internacional não deixaria cair o assunto e...

Bem, isto já são hipóteses. De qualquer modo volto a repetir que o General, como todos nós, era um bombeiro que chegava atrasado ao fogo florestal com todas as condições para continuar a arder.
Posso testemunhar as grandes melhorias a nível da logística que se operaram, desburocratizando uma série procedimentos e lançando no canal de reabastecimentos tantos artigos necessários. Saliento também a aproximação (absurdamente tardia e sem nunca reverter grandes contingentes para o controlo das autoridades) às populações. Era imperiosa, mas creio que num fenómeno sociológico como aquele que vivemos era tarde para resultados mais positivos. Tinham passado mais de 500 anos entre a descoberta e o início da "guerra" e a Guiné ainda era aquilo que vimos ao chegar e deixámos para trás.

Foi uma valentia sua aceitar um último esforço para tentar fazer algo de positivo. Já tenho dúvidas na aceitação de uma "missão votada ao fracasso", e isso ele não fez. Mas isso, já são contas de outro rosário...

Concordo, em absoluto, com o José Júlio Nascimento ["Se o General Spínola fosse norte-americano e tivesse estado no Vietname, talvez já fosse êxito de bilheteira numa qualquer saga heróica, mas como é Português"...](*).  Era uma boa oportunidade para se criar um branqueamento em que os "maricanos" são especialistas. Fabricam heróis quando têm necessidade deles e querem actuar sobre a mentalidade do seu povo e do estrangeiro. Eles hoje até estão convencidos que ganharam no Viet-Nam... Para mim, os homens têm qualidades e defeitos e o branqueamentos das suas personalidades e acções só os diminui à medida que a poeira da História assenta. É a verdade da vida dos homens bem divulgada que faz deles grandes.

Um Ab.
António J. P. Costa


3. Comentário do José Marcelino Martins [, ex-fur mil trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70, foto à esquerda] ao poste P11028:

Com Spínola só falei duas vezes:
Como General, na visita que fez às tropas empenhadas na Operação Lacoste, no Burmeleu, a sul de Canjadude e muito próximo do rio Corubal. Teve de "arrancar" rapidamente devido à "saída de um morteiro In".

Como Marechal, falei com ele no Hospital da Ajuda, quando estava em tratamento e eu visitava o meu genro que estava internado.  Nessa altura falamos longa e amigavelmente, facto que foi notado por muitas das pessoas presentes.

Falamos da Operação Lacoste e falamos do meu genro e a razão por que estava internado. Já falava muito devagar e parava, porque a saúde já não ajudava. Não deixou de manifestar apreço por o ter abordado e deixou votos para as rápidas melhores "do rapaz".

Pouco tempo depois, foi ao encontro das "suas tropas celestes".

 4. Comentário de Augusto Silva Santos [, foto atual à direita,] ao poste P11028:

Curiosamente, fui eu quem lhe fez a última guarda de honra no Depósito de Adidos em Brá, antes de ele, General Spínola, sair da Guiné e ser substituído pelo General Bettencourt Rodrigues. Fui destacado para o efeito por castigo (facto que consta da minha apresentação ao blogue e que me escuso agora de repetir), mas confesso que na altura foi para mim uma honra por ser um militar e pessoa da minha admiração e respeito. Anos mais tarde viria a encontrá-lo a almoçar na Casa do Alentejo em Lisboa, e não pude deixar de me dirigir a ele e de o cumprimentar, relembrando-lhe esse facto, algo que muito o sensibilizou. Na oportunidade falei-lhe também sobre a minha passagem por Jolmete, algo que sempre mexeu muito com o Gen. Spínola, pela morte dos 4 oficiais no Chão Manjaco, perto daquele aquartelamento. Cumprimentou-me e deu-me um abraço desejando-me felicidades. Não sei se seriam muitos os oficiais generais deste país a ter tal comportamento.


5. Comentário de José Manuel Dinis  [, foto atual à esquerda, ]ao poste P11028:


Já aqui me referi ao nosso General por algumas vezes. Foi uma figura controversa, muito controversa.
Ambicioso, fazia o culto da imagem e do poder, e para o efeito utilizava como ninguém os meios de comunicação social, que davam eco às suas iniciativas. Estudioso da situação portuguesa, publicou, e as suas obras foram sempre pedradas no charco, agitando a quietude da água. Como soldado, era ousado, e preocupava-se em saber sobre as circunstâncias da tropa, tanto em acção, como na rotina aquartelada.

Onde é que terá falhado? Arrisco algumas impressões:

(i) Como estratega, parecia impulsivo, recuou e avançou com posições no terreno, que causavam alguma estupefacção à tropa (abandono e reocupação de áreas, a invasão de Pirada), além de ter tido iniciativas contraditórias e/ou que não controlou (ao nível do estabelecimento de negociações, e sobre Conakry);

(ii) Como gestor de uma organização, faltou-lhe o controle sobre os meios, o que seria relativamente fácil de implementar se tivesse criado um quadro de auditoria e controle, o que manteria melhores níveis no moral das tropas, além da poupança que incidiria no erário público;

(iii) Como discipinador, teve atitudes de punição e promoção, suscetiveis de critica severa, principalmente no que respeita às punições públicas; alternava com atitudes de tolerância, designadamente no que ao atavio dos militares e das unidades podia respeitar;

(iv) Relativamente à sua ambição política, no âmbito do confronto de posições (mais do que ideológico) com o governo, lembro-me do discurso de despedida, em que referiu: Fala-vos um soldado velho... e adiantou, os traidores estão na retaguarda. Ainda acrescentou com ar paternalista, que estaria sempre ao nosso dispor.

Foi uma figura fascinante. E ao passar revista à tropa, fez um desvio à trajectória, colocou-se à minha frente, observou-me o cabelo, o patilhame, a mosca, o ar malandro, e quando eu já imaginava que iria mandar-me para fora da formatura, virou costas e prosseguiu.
 ____________

Guiné 63/74 - P11042: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (4): Macacos, turistas e envelhecimento activo...

1. Continuação da publicação do Diário de Iemberém, da nossa grã-tabanqueira Anabela Pires, nascida em Moçambique, técnica superior de serviço social no Ministério da Agricultura, reformada, amiga dos nossos grã-tabanqueiros Jero e Alice Carneiro...

Em 2012, esteve na Guiné-Bissau cerca de três meses (, de meados de janeiro a meados de abril). Devido ao golpe de Estado de 12 de abril , acabou por sair da Guiné.-Bissau, por razões de segurança. Passou um mês no Senegal. Regressou a Portugal. Vive neste momento na Índia, em Auroville. Em Iemberém, Parque Nacional do Cantanhez, região de Tombali, esteve a trabalhar como voluntária no projeto do Ecoturismo, da AD - Acção para o Desenvolvimento. 

 Chegou em Iemberém no dia 17/1/2012. E ficou hospedada nas instalações locais da AD, a ONGD que é dirigida pelo nosso amigo Pepito (*)


2. Diário de Iemberém, por Anabela Pires [, que escreve de acordo com a antiga ortografia] > Parte IV


31 de Janeiro de 2012

Há dias que não escrevo. Gosto de aqui me sentar de manhã bem cedo mas só o faço quando me levanto antes das 7 da manhã. Ontem iniciámos limpezas de fundo aos bungalows e à Casa do Ambiente. O conceito de limpeza das senhoras passa sobretudo pela limpeza do chão. Não admira. As suas casas, as moranças (uma morança pode ser um conjunto de casas tradicionais onde vive uma família alargada ou uma única habitação caso se trate de uma família nuclear; em Moçambique são as palhotas), não têm azulejos, nem vidros, nem outras coisas semelhantes.

Diga-se, em abono da verdade, que, pelo menos nesta época seca, é muito difícil manter uma casa limpa. A semana passada, na 4ª feira, fizemos uma grande “barrela” à minha casa. Só ainda não foram limpas as paredes. Pois hoje, 7 dias depois, os vidros da minha cozinha já estão castanhos da poeira! A mulher do meu vizinho padeiro, todos os dias a esta hora, faz o favor, por sua iniciativa, de varrer as traseiras da minha casa. O redor da casa é todos os dias varrido das muitas folhas (a que chamam palha) que caem, mas a poeira levantada vem para dentro de casa. 

Mais ainda do que em qualquer parte da Europa, os trabalhos domésticos são, aqui, inglórios! Não me admira agora que elas ignorem a sujidade provocada pela terra vermelha. Depois são as crianças … rebolam-se pela terra (quando os vejo e me lembro dos meninos em Portugal …. Que grande liberdade diária têm estas crianças!) e vêm à minha varanda! Mãos e pés sujos de terra e a parede em menos de nada está toda cheia de dedinhos vermelhos. Mas alguns já vêm mais limpos e arranjados. 

O Mamadu, ou Du para a família, tem 4 anos. É filho da Jóia, irmão da Oina. Estamos a tornarmo-nos bons amigos. Ainda não percebe tudo o que eu digo mas quando lhe peço um beijo já mo dá. E o Alaje Turé, um pouco mais velho, deve ter 5 anos, é sobrinho da Satu. É tão inteligente. Percebe tudo o que digo e explica aos outros. E quando não consegue dizer-me alguma coisa por palavras usa a mímica. Dos pequenitos, estes são, para já, os meus melhores amigos. 

Ontem o Alberto fez anos. Enviei uma sms à Priscila mas penso que não a deve ter recebido. A Isabel já me tinha dito que as sms nem sempre chegam ao destino. Já enviei umas quantas mas creio que poucas terão chegado aos destinatários. E continuo sem Internet pelo que só tenho tido contacto com a minha irmã. O que mais me tem custado é esta falta de comunicação e as poucas horas em que consigo sintonizar o meu rádio. Consigo sintonizar a RDP África de manhã, quando estou em casa, e pouco mais. À tarde já nem tento ouvir rádio. Pensei que conseguiria apanhar outras emissoras mais próximas mas nem isso. E quando consigo os ruídos são tantos que acabo por desistir. Será por esta razão que sempre vi os pretos em Moçambique de rádio na mão, quase encostado ao ouvido?! Se voltar, terei de ver como resolver este problema. 

Outro problema é o acesso a Bissau. Todos os meses um dos técnicos locais da AD lá vai buscar os salários, mas como atualmente o jipe desta região está avariado o Adulai foi de “Toca-toca” (tipo autocarro local). Assim, das inúmeras coisas que pedi à Isabel para me enviar, poucas irei receber, para já. No “Toca-toca” vem tudo ao monte e não sei o que me trará o Adulai. Aqui em Iembérem nem papel higiénico há à venda. Mas tudo se vai resolvendo. A Satu desenrasca-me sempre! Tem sido uma belíssima companheira, que começou por me chamar professora, que se recusa a tratar-me pelo meu nome (considera que isso é uma falta de respeito porque tenho quase mais vinte anos do que ela) e que acabámos concordando que me chama por “formadora”. Gostaria de continuar mas são 8 horas e daqui a pouco tenho de estar a ensinar as senhoras a limpar o que nunca limparam. Para isso tenho de demonstrar como se faz e, assim, ontem, fiquei cansadíssima!

3 de Fevereiro de 2012

Esta semana tem sido dedicada às limpezas de fundo dos alojamentos turísticos mas como as senhoras da limpeza só trabalham meio-dia só ficarão limpos 2 dos 3 bungalows e os 4 quartos e 2 casas de banho da Casa do Ambiente (antes chamada Casa de Passagem e que ainda assim está no site). 

Continuaremos para a semana pois nos próximos 3 dias teremos cá um grupo de 17 pessoas – um realizador guineense com parte da sua equipa. No fim-de-semana passado apareceram de surpresa 2 casais. Um era holandês, a viver na Suiça, de onde vieram de jipe até aqui. O senhor com 73 anos e a senhora com 66. O jipe estava preparado para dormirem lá dentro e por isso só quiseram acampar, de forma muito rudimentar. 

Ela passou o tempo a fotografar e ele a ler. Vi algumas fotografias que ela tirou aos macacos e fiquei a roer-me de inveja! Com uma super máquina conseguia apanhar os pormenores a uma grande distância. Penso que ainda não falei dos macacos. Aqui dentro da zona onde estão os alojamentos e onde vivo, há, para além de mangueiras, outras enormes árvores. Sobretudo da parte da tarde, quando começo a ouvir muitas folhas a caírem ao mesmo tempo, vou ver e lá andam eles aos saltos e pulos! Uns são de pêlo avermelhado (não sei ainda o nome da espécie) e outros são os macacos fidalgos que são pretos mas têm uma enorme cauda branca. 

Outro dia vi um bando (não será este o nome de um conjunto de macacos!) de fidalgos a atravessarem o terreiro para subirem para as árvores que estão no centro. Mas não se aproximam de nós, andam sempre bem nas copas das altas árvores. Neste momento têm crias mas com muita pena ainda não consegui ver nenhum de perto (se voltar será boa ideia trazer binóculos), só o Neca. Este macaco não era daqui, terá vivido preso e foi devolvido à liberdade. Apesar de ser de uma espécie diferente (parece que portadora de Sida) das que habitam este Parque, adaptou-se bem. 

O Neca é o único que se aproxima dos humanos e ainda assim não se deixa tocar. Mas aceita mandioca, banana, laranja… Uma tarde os meninos pensaram em agarrá-lo para que eu lhe pudesse chegar ao pé. Pobre Neca! Apanhou um tal susto que agora não se tem aproximado. 

Até os gatos são arredios. Tenho a impressão de que as pessoas não lhes dão de comer, eles que se amanhem! Mas um deles já percebeu que eu estou disposta a dar-lhe os meus restos de peixe e já vem miar à minha porta. No entanto, se saio para lhe dar a comida foge logo! Tenho de deixar o peixe a alguma distância de casa para depois ele ir comer. Já vi uns 2 ou 3 cães, mal tratados também. Aqui a prioridade são mesmo as pessoas pois o que há chega mal para elas. São já 7 e 17 e ainda não vejo nada dentro de casa. Estou para aqui a tentar acertar nas teclas do computador pois ainda não arranjei forma de pendurar a bendita lanterna solar que a Catarina me deu. 
Voltando ao holandeses/suíços do último fim-de-semana. Só foram comer uma vez ao restaurante da Satu pois o senhor não gostava da comida guineense. Propusemo-nos então fazer uma salada de repolho e cenoura (receita da Tia Anica), arroz de peixe (sem coentros!) e Laranjas da Rosinda (sem licor de Whisky). Adoraram a refeição.

O outro casal que apareceu era francês. Uma senhora de Lyon, com a linda idade de 87 anos! Um espanto! Há três anos que vem com um amigo, bastante mais novo do que ela, passar 3 meses do ano a África. Viajam de avião até Burkina-Faso onde alugam um jipe e depois andam por aí. 

Depois da passagem desta senhora fiquei convencida de que ainda tenho muitos anos para por aqui andar! O mais engraçado foi o espanto das pessoas. Para elas eu sou velha, quanto mais uma senhora de 87 anos! Isto não significa que aqui não haja pessoas idosas. Há, mas são raras, e talvez até por isso muito veneradas. O Homem Grande que morreu em Madina de Cantanhez, logo após a minha chegada, deveria ter, pelos cálculos dos locais, bem mais de 100 anos!

(Continua)


[Fotos: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados]
_______________