sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11921: Convívios (523): Comemoração do 39.º aniversário do regresso da CCAÇ 4544/73, dia 8 de Setembro de 2013 (António Agreira)

1. Mensagem do nosso camarada António Agreira (ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 4544/73, Cafal, 1973/74), com data de 8 de Agosto de 2013:

Camarada, Carlos Esteves Vinhal 
Em primeiro lugar os meus cumprimentos, para si e de um modo geral a todos os camaradas residentes ou não na tabanca grande.

Passadas que são algumas Luas volto a contactá-lo no sentido de que dentro da medida do possível seja publicada a seguinte informação:


A CCAÇ 4544/73 vai comemorar o 39.º Aniversário do seu regresso no próximo dia 8 de Setembro.

O programa é muito simples, consta a concentração dos participantes junto ao mercado Municipal de Condeixa-a-Nova (visita ao museu de Conímbriga facultativa) e partida para o restaurante (O Careca) por volta das 12H30.

Sendo certo que todas as presenças carecem de confirmação prévia, seria bom contarmos com o maior número de camaradas possível.
Nesta ordem de ideias, agradeço que esta informação seja passada a todos os residentes na tabanca grande, e em particular ao Sr. Coronel Pratas, a quem desde já envio um grande abraço, e com pena minha não envio o convite directamente por não ter o contacto. 
Este convite é claramente extensivo a todos os camaradas residentes na Tabanca Grande.

Para algum contacto mais directo pode ser utilizado o telemóvel 912 550 634.

A todos os camaradas um forte abraço
António Agreira
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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11895: Convívios (522): 5.º Almoço do pessoal da CART 6254/72 - "Os Presentes do Olossato", dia 14 de Setembro de 2013 em Paramos-Espinho (Manuel Castro)

Guiné 63/74 - P11920: Notas de leitura (509): "Fuzileiros, Força de Elite", por Ilídio Neves, José Manuel Parreira e Mário Henriques Manso (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Abril de 2013:

Queridos amigos,
Trata-se do testemunho, narrado na primeira pessoa, de um conjunto de fuzileiros que conheceu os três teatros de operações.
Dois deles, Zé da Vinha e Xaitinho, estiveram na Guiné, onde Xaitninho se cobriu de glória e é um dos militares portugueses mais condecorado.
Temos aqui a trajetória das suas vidas, as suas infâncias paupérrimas, a vontade de desbravar horizontes, assim chegaram a fuzileiros, por vezes adolescentes, ofereceram-se como voluntários, punham assim termo a vidas incolores. Não esqueceram a instrução dura que tiveram, guardam os nomes dos camaradas, cedem à emoção na lembrança dos que tombaram, por vezes a seu lado.
Cobre-se assim uma lacuna que tínhamos nas recensões.

Um abraço do
Mário


Fuzileiros, força de elite

Beja Santos

Ficaram conhecidos por o Esquelas, o Zé da Vinha, o Naine e o Xaitinho. Tinham em comum infâncias muito duras, confiaram na Marinha para a abertura de horizontes. Conheceram-se cedo ou tarde, nalguns casos nunca se encontraram em teatros de operações. Foi a Associação de Fuzileiros que os juntou. Sempre que podem elogiam os fuzileiros, com orgulho e mística. Resolveram passar a limpo reminiscências, reproduzir em linguagem de caserna acontecimentos vividos. O resultado é “Fuzileiros, força de elite”, por Ilídio Neves Luís, José Manuel Parreira e Mário Henriques Manso (Clássica Editora, 2007).

O Esquelas comeu o pão que o diabo amassou, veio lá dos confins de Pedrógão Grande, a capital atraiu-o, começou por marçano, alombava com grandes cargas às costas. Sonhou com a marinha, ofereceu-se como voluntário, era um adolescente. Em 1962 chegou a Vale de Zebro: ordem unida, aprender a bater a continência, instrução versátil. Os instrutores não eram complacentes: “Eram gritos, insultos e castigos de toda a ordem, que deixavam os mais humildes e vulneráveis completamente estarrecidos". Fez a instrução técnica complementar, depois o curso de fuzileiros especiais. Os aspetos traquinas e brejeiros nunca foram esquecidos. Em 1963, parte para Angola no Destacamento n.º 6 de Fuzileiros Especiais, a sua missão era o Zaire. Fez duas comissões em Angola. Saiu da marinha em 1969, após o que ingressou na TAP, onde trabalhou durante 36 anos.

O Zé da Vinha veio de Ermidas do Sado. Nunca esqueceu a brutalidade dos mestres-escolas e a dureza doméstica, concluída a 4.ª classe foi logo para a ceifa. Foi empregado de balcão de mercearia e vinhos. Pelos 11 anos, resolveu mudar de vida, voltou aos trabalhos de campo, suportou a muito custo as agruras dessa vida isolada e depois partiu para a margem sul do Tejo, tinha um emprego à espera numa pequena casa comercial, seguiram-se os maus tratos. Um dia, dois marinheiros, naturais de Ermidas do Sado, fizeram-lhe ver que tinham uma saída. Concorreu para a Armada, assentou praça em 1961, já com 18 anos, na Escola de Alunos Marinheiros, em Vila Franca de Xira. Acabada a recruta, entrou no curso de eletricista. Reprovou no curso de primeiro grau, concorreu a fuzileiro. Seguem-se páginas sobre os rigores da instrução. Em Fevereiro de 1964, fazendo parte da Secção Delta, rumou para a Guiné. Durante o mês de adaptação, deu apoio e fez segurança navio hidrográfico de Pedro Nunes, em Cacine. Vai descrever as operações em que participou, a sul de Bissau, nos rios Geba e Corubal, em Cafine, Cantanhez e nas áreas do rio Cacine. As operações sucedem-se, a um ritmo frenético. Diz que o rio Corubal foi trilho frequente para muitas incursões até à Ponta do Inglês e palco de sucessivos festivais de tiros, com utilização das metralhadoras Oerlikon e MG-42, instaladas nas LDM. Inevitavelmente, falava de operações bem-sucedidas e outras menos. Ao tempo, o PAIGC estava de pedra e cal na região de Cumbijã, era detentora de grande potencial de armamento, os guerrilheiros estavam bem preparados. A operação Remate, em Outubro de 1964, deixou-os desconsolados, morreram o sargento Calado e o grumete Maia. Zé da Vinha, em Março de 1967, foi gravemente ferido numa emboscada em Pedra do Feitiço, Angola, passou largos meses internado, foi dado como incapacitado para todo o serviço militar.

O Naine veio de Ancião. Nunca esqueceu o chilreio das aves, as bonitas melodias interpretadas por pintassilgos, milheiriças, cotovias, tentilhões e papa-figos. Na escola, ficaram-lhe gravados na memória os períodos de merenda e do recreio, jogar às caricas, à cabra cega e ao pião e a conduzir um arco extraído de um velho pneu de automóvel. Esteve num seminário por pouco tempo. Depois foi trabalhar para as terras do Marão, será aí que irá conhecer o Xaitinho, aqui despontou a líbido, teve uma paixoneta, regressou à terra natal, chegou a integrar um rancho folclórico e por portas travessas chegou à Marinha, queria ser fuzileiro. Fará comissões em Angola e Moçambique, estudou, licenciou-se em Direito, chegou a posto elevado na Polícia Judiciária, escreveu romances.

O Xaitinho será um dos militares mais condecorados, até chegar à base naval do Alfeite nunca tinha saído da sua aldeia, perdida entre montanhas. Viveu em Vale do Zebro, depois integrou um Destacamento de Fuzileiros Especiais, a Guiné era o seu destino. Não esqueceu as operações Tesoura, Coqueiro, Túlipa. Na Tesoura foi até à mata de Cafine. Não dispararam um tiro, encontraram a barraca vazia, pejada de equipamento de guerra. Escreve: “Os guerrilheiros do PAIGC transformaram esta terrível mata de Cafine numa autêntica fortaleza, com estruturas defensivas impressionantes, incluindo abrigos subterrâneos, a partir dos quais acionavam sofisticadas peças de artilharia que visavam os navios e as lanchas de fiscalização e desembarque que navegavam ao longo do rio Cumbijã". Na Coqueiro, voltaram à mata de Cafine, desta vez houve forte tiroteio, distinguiu-se o Câmara Lenta, parecia um atirador furtivo, calmo e destemido, alvejava os guerrilheiros um a um, não cedia a emoções. A Túlipa decorreu no Corubal, destruiu-se um acampamento, depois emboscaram perto do rio, ouviram os remos de uma canoa, escutaram guerrilheiros, atiraram granadas para o rio, dispararam muito fogo. Perto do fim da comissão, uma última operação em que estiveram o Xaitinho e o Zé da Vinha, foram até ao Poindom, entre Xime e Ponta do Inglês. Foi aqui que morreu o Mosquito. O Xaitinho revelou-se um combatente extraordinário, recebe louvores e condecorações. Voltará à Guiné, de novo integrado num destacamento, em 1972. Mais louvores e condecorações, sempre a exaltar as suas qualidades de homem e militar, o destemor e a abnegação. Ostenta a Torre e Espada, três cruzes de guerra individuais, medalhas de comportamento exemplar, foi distinguido com o prémio Governador da Guiné. Os outros fuzileiros admiram-no profundamente, como alguém escreveu: “Parece inconcebível como um homem desta grandeza, depois de tudo o que se passou, mantenha intacta aquela singular genuinidade e simplicidade, optando com serena humildade e bondade por ser intrínseca e eternamente pequeno”.

Não é de mais referir que os autores se ufanam de ter pertencido a uma força especial de elite, e dizem ter passado a limpo estes episódios em que estiveram nas antecâmaras da morte, sentiram indiscritíveis sensações da dor física e psicológica, enfatizam e repisam as imagens que guardam os camaradas despedaçados, porque pretendem que esta dádiva de juventude também só foi possível por terem pertencido a um corpo de elite da Marinha, de que se sentem devedores, mantendo-se irmanados na Associação de Fuzileiros.
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Nota do editor

Último poste da série de 5 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11906: Notas de leitura (508): "Das Guerras Africanas à Diàspora Americana", organização de Adelino Cabral e Eduardo Mayone Dias (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P11919: Tabanca Grande (407): José Fernando dos Santos Ribeiro, ex-1º Cabo de Transmissões da CCS do BCAÇ 2912 (Galomaro-Cossé), 1970/72

1. O nosso Camarada José Fernando dos Santos Ribeiro, ex-1º Cabo de Transmissões na CCS do BCAÇ 2912 (Galomaro-Cossé), 1970/72, respondeu ao meu pedido para se juntar a nós neste projecto virtual enviando-nos o seguinte texto e fotos:

 EMBOSCADA em BANGACIA (DUAS FONTES)

Era o fim da tarde, preparava-se um Grupo para partir, para um emboscada, a realizar na Picada entre Galomaro e Dulombi.

Mais precisamente no Aldeamento de Bangacia (DUAS-FONTES). Aldeamento que tinha como população feminina, as Mulheres de pele negra (Fulas) mais lindas que eu alguma vez vi. Tinham feições de brancas... mas bonitas!

Nesse dia, além do Grupo destacado por escala (dos Sapadores, onde alinhava o "Vermelhinho", nosso camarada, de Matosinhos, que tinha essa alcunha pela cor da sua tez, devido às "bazucas", whisky e vinho que ingeria), foram também por castigo o Laranjinha e mais outro camarada (do qual não me lembra o nome).

Como já tinha acabado o meu serviço nas Transmissões e o jantar no refeitório, encaminhava-me para a cantina, juntamente com outros companheiro... quando ao longe começamos a ver "tracejantes" a rasgar o céu.

Antevimos, de imediato, a desgraça que estava a acontecer para os lados das "Duas-Fontes". Ficamos em estado de alerta. Passados, sei lá, duas horas ou mais... começaram a chegar ao aquartelamento, a chorar, os companheiros que haviam saído sem serem feridos ou mortos, na emboscada em que o Pelotão havia caído...
Primeiro o "vermelhinho" e outros... mais adiante o Capitão da CCS, todos sem arma e o pânico espelhado no rosto.

Formou-se, rapidamente, um pelotão de Homens que avançaram (sujeitos em serem de novo emboscados) até ao sítio onde se desenrolou o combate, encontrando deitados no chão, entre outros, o Oliveira das Transmissões e o Laranjinha da "ferrugem"... com a boca cheia de cartuchos da "costureirinha" e trespassados à bala.

Pelas suas posições, verificou-se que tinham sido feridos e, posteriormente, deitados no chão onde, cobarde e selvaticamente, foram mortos a tiro!

Durante os primeiros seis a sete meses de comissão, em Galomaro, foram "umas férias", o que deu origem a "facilitanços"... o pior deles foi o Grupo passar a levar as armas metidas debaixo do banco do Unimog e, assim, foram apanhados de surpresa na emboscada. 

Este triste e fatídico desenlace deu-se ou em fins de 1970, ou principios de 1971 (a memória já me falha).

Quase todas as semanas me encontro, em Matosinhos, com o "Vermelhinho", que, felizmente, deixou há vários anos de beber álcool, para bem dele que estava com princípios de ficar com cirrose. 

É um solteirão e vive com uma irmã na Rua da Lota, em Matosinhos...

Para memória futura e recordação dos que por lá passaram envio a seguir algumas fotos: 

Aquartelamento de Galomaro
 “Bunker" das Transmissões, no aquartelamento de Galomaro
Mercado de Bafatá 
Tabanca de Bangacia (DUAS-FONTES)
Rua Principal em Bafatá
Rua principal em Bafatá (vista de cima) 

Um abraço para todos,
José Fernando dos Santos Ribeiro
1º Cabo Trms da CCS do BCAÇ 2912

Fotos: José Fernando dos Santos Ribeiro (2013). Direitos reservados.
Mini-guião de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

* Amigo e Camarada Ribeiro, foi bom sabermos que trabalhamos ambos na mesma empresa, e, em nome do Luís Graça e demais Camaradas desta Tabanca Grande, como é habitual sempre que mais um Homem da Guiné se junta a nós, nesta Unidade cibernética, apresento-te os nossos melhores cumprimentos Amigáveis e calorosos votos de boas vindas a esta nossa tertúlia.

Também é costume aproveitar esta oportunidade para desejar que nos contes, daquilo que te lembrares como é óbvio, mais algumas passagens e fotos da tua vivência e experiência militar na Guiné.

Da minha parte recebe desde já mais um forte abraço Amigo.


Guiné 63/74 - P11918: Parabéns a você (608): Anselmo Reis Garvoa, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 2315 (Guiné, 1968)

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Nota do editor

Último poste da série de 8 de Agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11915: Parabéns a você (607): Henrique Martins de Castro, ex-Soldado Condutor Auto da CART 3521 (Guiné, 1971/74)

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11917: In Memoriam (157): Agradecimento de José Martins na morte de seu irmão, o nosso camarada Manuel Martins (José Martins)




1. Mensagem de hoje do nosso camarada José da Silva Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70) com um agradecimento a propósito do falecimento do seu irmão, o nosso camarada e tertuliano Manuel da Silva Marcelino Martins, ex-Fur Mil Enf.º que prestou serviço no HM 241 de Bissau entre 1973 e 1974:




Manuel da Silva Marcelino Martins 
n. 28 de Outubro de 1950 - † 07 de Agosto de 2013 


Agradecimento

Acabo de chegar do norte, onde me fui despedir do meu irmão, e nosso camarada de armas, Manuel Marcelino Martins.

Aqui deixo o meu reconhecimento, quer em nosso nome, quer em nome de toda a família – esposa, filha, irmãos/cunhados e sobrinhos – pelas condolências recebidas pessoalmente ou enviadas através dos meus de comunicação que agora usamos – blogue, telefone, redes sociais. 

Pelo que me apercebi, deixou obra na Comunidade Paroquial de Canidelo – Gaia, que em peso quis prestar o seu reconhecimento e homenagem.

A todos o nosso abraço 
Zé Martins


2. Vem a propósito uma mensagem do nosso camarada David Guimarães, chegada também hoje ao Blogue, que em jeito de homenagem nos mandou um pequeno filme com a actuação do Grupo que interpreta fados de Coimbra do qual o Manuel Martins fazia parte com o David Guimarães.

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Na foto, o malogrado camarada Manuel Martins é o guitarrista da esquerda.
Para ouvir, clicar aqui
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Nota do editor

Vd. poste de 7 de Agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11912: In Memoriam (156): Manuel da Silva Marcelino Martins - N. 28 Outubro 1950 - † 07 Agosto 2013, Ex-Fur Mil Enf.º do HM 241 (Bissau, 1973/74) (José Martins)

Guiné 63/74 - P11916: Manuscrito(s) (Luís Graça) (6): No Chá de Caxinde, em Luanda, a lusofonia para além da nossa circunstância: recente homenagem ao poeta angolano Viriato da Cruz (1928-1973)

1. Em visita de trabalho, a Angola, tive oportunidade de assistir, em Luanda, no passado dia 18 de julho, Dia Internacional Nelson Mandela, ao lançamento do livro Poemas, de Viriato da Cruz, na associação cultural Chá de Caxinde, criada em 1989, e agora com instalações renovadas, sitas em plena baixa luandense (Rua do 1º Congresso do MPLA). A edição é da editora Nósssomos, com sede em Vila Nova de Cerveira, e associada ao nome do escritor José Luandino Vieira.

Mais uma vez a sugestão e o desafio para sair da minha dupla insularidade (, hospedado como habitualmente estou na Clínica da Sagrada Esperança,  na Ilha de Luanda) vieram do meu amigo Raul Feio, angolano, médico formado na Faculdade de Medicina de Lisboa, antes  do 25 de abril, e conceituado especialista em saúde pública, além de histórico militante do MPLA, um dos 26 médicos que ficou em Angola, sua terra, aquando  da independência, enfim, um homem cultíssimo que me apresentou a diversas personalidades do meio cultural, intelectual e jornalístico de Luanda, presentes no evento, no Chá de Caxinde.  

Confesso que não conhecia a obra, a não ser uma ou outra coisa avulsa,  de Viriato da Cruz, um homem de quem se diz que o político cedo matou o poeta, autor de um único livro de poesia publicado em vida (Poemas, 1961) mas considerado como um referência maior da moderna poesia angolana, injustamente esquecido por muitos angolanos, e nomeadamente pelo partido no poder. No Chá de Caxinde, assisti, eu e o Raúl, a um bonita homenagem ao poeta, na presença da sua viúva, Maria Eugénia (de 85 anos de idade) e netas. Nessa homenagem foram ditos (e cantados) alguns dos seus poemas, incluindo que o que reproduzimos a seguir, o conhecidíssimo Namoro (nem sempre associado ao nome do seu autor).

Recorde-se que foi o cantor português Fausto Bordalo Dias quem nusicou este poema, tendo-o interpretado e incluído no álbum "A preto e branco" (1988). Este tema jdo Fausto já tinha sido incluído no disco do Sérgio Godinho, "De pequenino se torce o destino" (1976).

È, quanto a mim, um dos mais belos poemas de amor da língua portuguesa.


2. VIRIATO DA CRUZ (Porto Amboim, Angola, 1928
- Pequim, China, 1973)

De seu nome completo, Viriato Francisco Clemente da Cruz nasceu em Kikuvo, Porto Amboim em 1928. Fez os estudos liceais em Luanda.

Considerado o primeiro teórico e membro ativo do chamado Movimento dos Novos Intelectuais de Angola (1948) e mentor da revista Mensagem (1951/52),  Em 1955, esteve também ligado à criação do Partido Comunista Angolano. Foi membro fundador do MPLA, e seu primeiro secretário-geral (1960/62). É-lhe atribuída a autoria do seu Manifesto.

Colaborou em diversas revistas literárias (Cultura I e II, Mensagem) bem como na imprensa escrita (Jornal de Angola, Diário de Luanda). Temendo pela sua segurança, parte em 1957 para Paris, onde se junta Mário Pinto de Andrade, com quem participa nos eventos culturais e políticos, mais importantes, na época, relacionados com África. Acabou por romper com a direcção do MPLA (donde será formalmente expluso em 1963), viveu exilado em vários países (incluindo Portugal) e acabou por se ficar na China, onde morreu precocemente, aos 45 anos, em 13/7/1973, em condições miseráveis e indignas, vítima de revolução cultural chinesa, no tempo do maoísmo. Pagou em vida um preço elevado pela sua rebeldia, independêdncia de espírito, firmeza de convicções e angolanidade.

É considerado como um dos principais precursores (ou representantes) da moderna poesia angolana, a par de Agostinho Neto, Aires de Almeida Santos de António Jacinto. Foi amigo íntimo de Mário Pinto de Andrade. Figura em diversas antologias de poesia angolana, nomeadamente estrangeiras.

Fontes consultadas:

Lusofonia: o teu espaço da poesia lusófona, de Manuel C. Amor > Viriato da Cruz 
Wikipédia > Viriato da Cruz

Sobre Viriato da Cruz

(...) Considerado um dos mais importantes nomes da geração de poetas pré-angolanos. Viriato da Cruz procurou assuas raízes africanas, sem, no entanto, perder as referências culturais portuguesas. Através do uso da língua portuguesa, se bem que polvilhada de palavras dialetais e adaptando a escrita à fala crioula, buscou incessantementeos símbolos da civilização africana perdida, como elementos regeneradores de todo um povo em busca da sua identidade. Essa ideia está bem expressa no poema Namoro, onde o apaixonado só consegue conquistar a sua amada quando se liberta das símbolos europeus e dança com ela uma rumba bem africana. (...)

(...) Em 1948, Viriato da Cruz lançou o mote: «Vamos descobrir Angola». A frase tornou-se lema para os intelectuais angolanos que, dois anos depois, fundaram o Movimento dos Novos Intelectuais de Angola, com Viriato da Cruz como um dos elementos mais ativos. Esse movimento foi responsável pela publicação da revista Mensagem, onde o grupo exprimiu o seu entusiasmo pela redescoberta da História e arte popular africanas, como contraponto a uma colonização que, fruto do endurecer da repressão por parte do regime ditatorial de Salazar, estava a sofrer uma contestação cada vez mais exacerbada. Nessa revista foram publicados alguns dos mais conhecidos poemas de Viriato da Cruz, tais como Makèzú ou Mamã Negra. (...) (Fonte: Infopédia)



Obra Poética:

Poemas, 1961, Lisboa:  Casa dos Estudantes do Império.
Poemas, 2013. Vila Nova de Cerveira e Luanda: Nóssomos.



NAMORO

Mandei-lhe uma carta em papel perfumado
e com a letra bonita eu disse ela tinha
um sorrir luminoso tão quente e gaiato
como o sol de Novembro brincando de artista nas acácias floridas
espalhando diamantes na fímbria do mar
e dando calor ao sumo das mangas.
Sua pele macia ─ era sumaúma...
Sua pele macia, da cor do jambo, cheirando a rosas
Sua pele macia guardava as doçuras do corpo rijo
tão rijo e tão doce ─ como o maboque...
Seu seios laranjas ─ laranjas do Loge
seus dentes... ─ marfim...

   Mandei-lhe uma carta
   e ela disse que não.

Mandei-lhe um cartão
que o Maninjo tipografou:
"Por ti sofre o meu coração".
Num canto  
─ SIM, noutro canto ─ NÃO.
    E ela o canto do NÃO dobrou.

Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete
pedindo rogando de joelhos no chão
pela Senhora do Cabo, pela Santa Ifigénia,
me desse a ventura do seu namoro...
    E ela disse que não.

Levei à avó Chica, quimbanda de fama
a areia da marca que o seu pé deixou
para que fizesse um feitiço forte e seguro
que nela nascesse um amor como o meu...
   E o feitiço falhou.

Esperei-a de tarde, à porta da fábrica,
ofertei-lhe um colar e um anel e um broche,
paguei-lhe doces na calçada da Missão,
ficámos num banco do largo da Estátua,
afaguei-lhe as mãos...
falei-lhe de amor... e ela disse que não.

Andei barbado, sujo e descalço,
como um mona-ngamba.
Procuraram por mim
" ─ Não viu...(ai, não viu...?) Não viu Benjamim?"
E perdido me deram no morro da Samba.

E para me distrair
levaram-me ao baile do sô Januário
mas ela lá estava num canto a rir
contando o meu caso às moças mais lindas do Bairro Operário.

Tocaram uma rumba ─ dancei com ela
e num passo maluco voamos na sala
qual uma estrela riscando o céu!
E a malta gritou: "Aí Benjamim!"
Olhei-a nos olhos ─ sorriu para mim
pedi-lhe um beijo ─ e ela disse que sim.

In: Viriatro da Cruz: Poemas. Vila Nova da Cerveira e Luanda: Nóssomos, 2013, pp. 45-46. (Reproduzido com a devida vénia)

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Nota do editor:

Último poste da série > 3 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11794: Manuscrito(s) (Luís Graça) (5): fumo, logo existo

Guiné 63/74 - P11915: Parabéns a você (607): Henrique Martins de Castro, ex-Soldado Condutor Auto da CART 3521 (Guiné, 1971/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 4 de Agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11902: Parabéns a você (606): José Nunes, ex-1.º Cabo Mec Electricista do BENG 447 (Guiné, 1968/70) e Rui Alexandrino Ferreira, TCor Ref das CCAÇ 1420 e CCAÇ 18 (Guiné, 1965/67 e 1970/72)

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11914: "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (3): Guiné-Bissau

1. Terceiro episódio das "Memórias da Guiné" do nosso camarada Fernando Valente (Magro) (ex-Cap Mil Art.ª do BENG 447, Bissau, 1970/72), que foram publicadas em livro no ano de 2005:


MEMÓRIAS DA GUINÉ

3 - Guiné-Bissau

Fernando de Pinho Valente (Magro) 
ex-Cap. Milº de Artilharia 

A palavra Guiné possivelmente estará na origem do nome de um aglomerado situado junto às margens do Alto Niger.
Como era um centro muito frequentado pelas caravanas de mercadores sudaneses e outros, a sua fama chegou até aos países da orla mediterrânica. Aparecia designado por nomes diversos como Ginea, Djenné, e acabou por entre nós cristalizar sob a forma de Guiné.

Embora se começasse por chamar Guiné indistintamente a todo o litoral africano a sul do Bojador, o seu início acaba por ser definido na foz do Senegal e até ao Gàmbia. Mais tarde, prolongou-se até ao actual Golfo da Guiné.

A ex-Guiné Portuguesa fica situada na Costa ocidental africana entre o Cabo Roxo e o Rio Cagete e ocupa uma área de 31.800 Km2, dos quais só 28.000 Km2 estão permanentemente emersos.
Defronte da costa estende-se um cordão litoral e em pleno oceano há um grande número de ilhas e ilhotas - o arquipélago de Bijagós.

"A zona continental é uma região baixa, invadida pela água do mar, que através de largos estuários penetra profundamente para o interior. O interior é constituído por uma série de planaltos e colinas cuja altitude ronda respectivamente os 40 metros e os 100-200 metros, que somente no Boé chega à cota de 300 metros(1)".

Com uma temperatura monótona ao longo do ano (em Bissau a média das temperaturas máximas é de 36,6º e a média das temperaturas mínimas é de 21,7º) as estações são definidas pela diferença de pluviosidade: estação seca de Novembro a Maio e estação das chuvas de Junho a Outubro.

O professor Orlando Ribeiro classificou a Guiné como "uma encruzilhada de civilizações". Em 1960 na pequena área de 28.000 Km2 viviam 519.000 habitantes, repartidos por uma quinzena de povos, dos quais cada um falava a sua língua, construía e agrupava as casas e organizava o espaço à sua volta de maneira diferente.

No interior habitavam Fulas e Mandingas, ambos islamizados.
No litoral distinguiam-se os Balantas que eram principalmente cultivadores de arroz. Além de cultivarem o arroz também se dedicavam à criação de gado.
Os Manjacos contavam-se também entre as populações mais activas e avançadas do litoral da Guiné. Eram excelentes navegadores, percorrendo nas suas pirogas o litoral, pescando ou comercializando.
Mas havia ainda outras raças como os Felupes, os Bijagós, os Papeis, Biafadas, Baiotes, Brames, Cassangas, Bagos, Nalus, Saracolés, Sossos.

A cidade de Bissau é a capital da Guiné, e o seu principal centro urbano. Situa-se entre os estuários dos rios Geba e Mansoa.
A cidade cujo plano de urbanização foi aprovado pelo Diploma legislativo 1416 de 15 de Junho de 1948, apresenta um traçado geométrico, encontrando-se em 1970 dividida por uma ampla avenida central - Avenida da República - e duas laterais: Carvalho Viegas e Cinco de Junho. À entrada da primeira ergue-se o monumento a Nuno Tristão, descobridor da Guiné, encontrando-se no seu percurso alguns modernos edifícios, como repartiçõs públicas e a Sé Catedral.
No seu topo ficava (e fica) uma vasta praça, então designada por Praça do Império, dominada pelo monumento Ao Esforço da Raça, tendo no fundo o imponente edifício do Palácio do Governo.
A parte histórica da cidade é rodeada de um forte muro de pedra e cal com quatro metros de altura - a Amura.

Dispunha (e dispõe) de um porto navegável para navios de longo curso, no canal do Geba, ao fundo de uma enseada que se abre entre a ponte de Bandim e o extremo oriental da Ilha de Bissau. A entrada do Porto faz-se entre o Ilhéu dos Pássaros, onde está instalado um farol, e o Ilhéu do Rei.

Cheguei a Bissau num voo da TAP, cerca das 7 horas da manhã do dia 10 de Abril de 1970 (sexta-feira).

Tinha à minha espera o Engenheiro Lourenço Pinto, na altura chefe dos Serviços de Obras Públicas da Guiné, conterrâneo da Lena (natural de Torre de Moncorvo), casado com uma sua amiga, Etelvina Moritz.

Amavelmente levou-me para casa dele e fez questão que, no primeiro dia, tomasse as refeições e dormisse na sua própria habitação, o que veio a acontecer.

A cidade de Bissau não me impressionou, embora esperasse por pior. Do calor é que me queixei logo que lá cheguei. O clima da Guiné é desgastante. Também o cheiro de Bissau me acolheu desagradavelmente: o seu odor era de terra putrefacta.
A cidade pareceu-me uma cidade de grandeza média, mas mal arrumada e suja.
Verifiquei logo nos primeiros contactos haver muita gente usando o traje dos muçulmanos.

Depois de me apresentar no Quartel-General procurei saber onde se situava o Palácio do Governo e tentei imediatamente marcar uma entrevista com o General Spínola.
Quem me recebeu no Palácio foi o Capitão Almeida Bruno (hoje general). Mostrei-lhe a carta que tinha recebido do Secretário do Governador e pedi-lhe que me conseguisse um contacto com o General o mais rapidamente possível.
Recebeu-me desabridamente, o que me chocou, pois ele afinal, na altura, tinha um posto militar igual ao meu.
Perguntou-me quando tinha chegado. Disse-lhe que havia chegado a Bissau nesse mesmo dia de manhã, num avião da TAP.

- Se pudesse ser recebido amanhã muito lhe agradecia.
- Você está maluco. Vou inscrevê-lo para ser recebido na próxima quarta-feira pelas quatro horas da tarde.

No segundo dia da minha estadia em Bissau instalei-me no Clube de Oficiais do Quartel-General, onde passei a fazer as refeições e me foi dado um quarto para dormir.
Aí pude conviver com o Arquitecto Morgado, Capitão Miliciano como eu, que conhecia bem do Curso de Oficiais Milicianos e do Curso de Promoção a Capitão.
Ele apresentou-me a outros oficiais com quem passei a privar na altura como o então Capitão Mário Tomé (que depois veio a ser dirigente da União Democrática Popular - U.D.P.).

No dia 12 de Abril (dois dias após ter chegado a Bissau) fui convidado pelo Engenheiro Lourenço Pinto para um passeio de automóvel até Nhacra.
Vi, nessa altura, pela primeira vez as "tabancas"(2) indígenas e verifiquei que o atraso dos naturais era muito grande sobre todos os aspectos.
Não falavam o português, a poucos quilómetros de Bissau. Ao escudo (moeda) chamavam "peso". As crianças e as mulheres, com os seios nus, vendiam camarões, ovos, galinhas, limões, carangueijos, pássaros... junto à estrada.

Na quarta-feira seguinte, dia 15 de Abril, fui recebido pelo General Spínola.
Recebeu-me com muita afabilidade e disse-me que não estava de acordo com a nossa (minha e dos meus companheiros oficiais milicianos na disponibilidade) chamada para a guerra.
Disse-me que a minha qualidade de técnico de engenharia iria ser aproveitada e que iria ser integrado numa actividade civil embora como militar.
Que continuasse a aguardar no Quartel-General que em breve teria notícias.

No Clube de Oficiais encontrei o Emílio Guerra, Capitão Miliciano como eu, que comandava a Companhia Operacional de Cabuca.
Ao redor da piscina do Clube de Oficiais eram exibidos filmes num ecrã gigante e lembro-me de aí ter visto "O Comboio Apitou Três Vezes".

A vinte e um de Abril de 1970 fui colocado nos Serviços de Reordenamentos Populacionais no Comando-Chefe, Amura.
Tratava-se de um serviço destinado às populações civis, onde era planeada a execução de uma obra que visava o agrupamento das populações prevendo-se a construção de casas, escolas, postos sanitários, celeiros, poços, bebedoros, fontanários, cercados para o gado e pequenas capelas ou mesquitas conforme a crença religiosa daqueles que iriam usufruir desses equipamentos.


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Algumas notas sobre Nuno Tristão, descobridor da Guiné

Nuno Tristão foi cavaleiro da casa do Infante D. Henrique.
Em 1441, o Infante confiou-lhe o comando de uma caravela ordenando-lhe que explorasse a costa africana para o sul da Pedra da Galé, limite dos anteriores descobrimentos, encargo de que ele se desobrigou descobrindo o Cabo Branco.
Em nova viagem, em 1443, descobriu uma das ilhas de Arguim e a das Graças.
No ano seguinte realizou terceira viagem de descobrimento, atingindo a região senegalense.
E em 1446 velejou para a costa africana pela última vez vindo a ser morto, com outros companheiros, na Guiné.

Gomes Eanes de Azurara relata-nos na sua «Crónica da Guiné» o desenlace da seguinte maneira:
"(...) que sendo este (Nuno Tristão) nobre cavaleiro em perfeito conhecimento do grande desejo e vontade do nosso virtuoso príncipe (D. Henrique), ...de mandar seus navios à terra dos negros (Guiné) e ainda mais avante (...) fez logo uma caravela, a qual armada, começou a sua viagem, não fazendo alguma detença em alguma parte, senão seguir contra (para) a terra dos Negros.
E passando per o Cabo Verde, foi mais LX léguas, onde achou um rio, em que lhe pareceu que deveria haver algumas povoações, pelo que mandou lançar fora dous pequenos bateis que levava, nos quaes entravam XXII homens, scilicet (a saber) em um dez e no outro doze. E começando assim de seguir pelo rio avante, a maré crecia, com a qual foram assim entrando, seguindo contra umas casas que viram à mão direita. E acercou-se que antes que saissem em terra sairam da outra parte XII barcos, nos quais seriam até LXX ou LXXX Guinéus, todos negros e com arcos nas mãos.
E porque a água crecia, passou-se além um barco de Guinéus e pôs os que levava em terra, donde começaram de os assetar, aos quais iam nos bateis. E os outros que iam nos barcos trigaram-se (apressaram-se) quanto podiam para chegar aos nossos, e tanto que se viam acerca, despendiam aquele malaventurado almazem (munições de setas) todo cheio de peçonha, sobre os corpos dos nossos naturaes.
E assim foram seguindo, até chegarem à caravela, que estava fora do rio, no mar largo; porém todos assetados daquela peçonha, de guisa que antes que entrassem, ficaram quatro mortos nos bateis. E assim feridos como iam, ataram seus pequenos bateis ao bordo do seu navio, começando de o aparelhar para fazerem viagem, vendo o perigoso caso em que estavam; mas não puderam levantar as âncoras, pela multidão de setas de que eram combatidos, pelo que lhes foi forçado de cortarem as amarras, que não lhes ficou alguma.
E assim começaram a fazer vela, deixando porém os bateis porque não os puderam guindar (subir). E assim dos XXII que sairam fora, não escaparam mais que dous, scilicet (a saber) um André Dias e outro Álvaro Costa, ambos escudeiros do Infante (D. Henrique) e naturais de Elvas; e os dezanove morreram, porque aquela peçonha (veneno) era assim artificiosamente composta, que com pequena ferida, somente que aventasse sangue, trazia ao seu derradeiro fim.
Ali foi morto também aquele nobre cavaleiro Nuno Tristão(3) mui desejoso desta vida (...)."


(1) - Raquel Soeiro de Brito
(2) - Povoações africanas formadas por algumas palhotas.
(3) - Ao sul da Guiné-Bissau há um rio chamado Nuno, aquele em que a tradição diz ter morrido Nuno Tristão.

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Nota do editor

Poste anterior da série de 31 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11892: "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (2): Mobilização

Guiné 63/74 - P11913: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (73): Como o Micaelense Carlos Cordeiro, encontra Henrique Matos, um jorgense em férias na sua Ilha. (Carlos Vinhal / Carlos Cordeiro)

Velas - Ilha de S. Jorge - Foto Silveira
Com a devida vénia ao autor e a Meloteca Sítio de Músicas e Artes

1. Mesmo sem a permissão do nosso camarada Carlos Cordeiro, passo a transcrever uma sua mensagem endereçada a mim e ao camarada José da Câmara, a partir da Ilha de S. Jorge, por se enquadrar na nossa série "O Mundo é pequeno e a nossa Tabanca... é Grande":


Caros José e Carlos
Há situações interessantíssimas, como a que ontem me aconteceu.

Depois do jantar fui dar um passeio com minha mulher.
Por volta das 11, passando pelo jardim (aquele que tem o coreto muito bonito) ouvimos música.
Só havia 4 pessoas no jardim - os tocadores e acompanhantes.
Aproveitámos. Sentámo-nos num banco perto de quem tocava e cantava para ouvir melhor. Um violão e um bandolim. Tangos, pasodobles, música tradicional açoriana. Uma maravilha. Ali, puro lazer, num ambiente caloroso em que, não tivemos dúvidas, reinava a amizade.

Pouco depois, um dos convivas aproximou-se para cumprimentar minha mulher (ela é de cá). Falaram um pouco e depois, convidou-nos a ir para junto deles. Disse porque lá estava um amigo comum a ele e minha mulher, colega do Externato das Velas.

Disse-lhe que era o Henrique Matos.
Fiquei logo com a pulga atrás da orelha, pois sei que o Henrique Matos do blogue é de S. Jorge.

Imagine-se: minha mulher, que já o não via há mais de quarenta anos. Eu que o transformei em camarada a partir do blogue. Foi uma alegria sem fim.
Falou-se, ouviu-se mais música. Não fiquei fora da conversa, ainda que a maior parte das pessoas e circunstâncias a que se referiam serem desconhecidas para mim. São situações que não se imaginam possíveis.

Achei uma maravilha.
Primeiro, ouvir música de qualidade (ele é mesmo muito bom músico) àquela hora como uma espécie de dádiva dos deuses para nos alegrar o serão.
Depois, a coincidência de o Henrique ter sido colega de minha mulher no ensino secundário, e terem tido aquele gosto de se reencontrarem depois de tantos anos.
Por fim, o facto de nos conhecermos através do blogue e sermos camaradas d'armas, ainda que em TO diferentes.

Uma maravilha de serão, que se prolongou para lá da uma da manhã. Infelizmente nenhum de nós tinha máquina fotográfica. Talvez antes de regressar a S. Miguel consigamos tirar uma foto juntos. 

Um grande abraço amigo do
Carlos Cordeiro
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Nota do editor:

Último poste da série de 5 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11907: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (72): O reencontro de dois camaradas da CART 1659 (Gadamael e Ganturé, 1967/68), Joaquim Fernandes Alves e Augusto Varandas Casimiro

Guiné 63/74 - P11912: In Memoriam (156): Manuel da Silva Marcelino Martins - N. 28 Outubro 1950 - † 07 Agosto 2013, Ex-Fur Mil Enf.º do HM 241 (Bissau, 1973/74) (José Martins)




1. Mensagem de hoje do nosso camarada José da Silva Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70) dando notícia do falecimento do seu próprio irmão, o nosso camarada e tertuliano Manuel da Silva Marcelino Martins, ex-Fur Mil Enf.º que prestou serviço no HM 241 de Bissau entre 1973 e 1974:




Cada vez, somos menos!

Manuel da Silva Marcelino Martins 
n. 28 de Outubro de 1950 - † 07 de Agosto de 2013 


Guiné 1973/74 - Entrada do Hospital Militar de Bissau - Furriel Miliciano Enfermeiro 

Fez parte da equipa médica e de enfermagem, organizada no HMBissau, para reforçar os militares de enfermagem das unidades envolvidas na força composta por mais de mil homens, que operaram na zona de Guidage entre 8 de Maio e 8 de Junho de 1973.

Foto mais actual 

A informação disponível neste momento é de que as exéquias serão celebradas na Igreja de Canidelo, Vila Nova de Gaia, onde já se encontra, pelas 10,30 horas de quinta-feira, dia 8. O corpo será cremado no cemitério da Prado do Repouso, no Porto.


2. Comentário do editor:

Já tive oportunidade de contactar o nosso camarada José Martins apresentando as minhas condolências pessoais e em nome da tertúlia. Infelizmente não me vai ser possível estar presente em Canidelo (Vila Nova de Gaia) amanhã às 10 horas da manhã para um abraço ao nosso camarada José que merece de nós toda a consideração.

Vou endereçar mensagem aos camaradas da tertúlia dando conhecimento da infausta notícia, sensibilizando também os camaradas do Grande Porto que tiverem oportunidade para estarem presentes nas cerimónias fúnebres do nosso camarada Manuel Martins.

À família nuclear do camarada Manuel Martins, esposa e filha principalmente, apresentamos os nossos sentidos pêsames.

Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11896: In Memoriam (155): A CCAÇ 3327 prestou sentida homenagem ao Soldado Manuel Veríssimo de Oliveira (José da Câmara)

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11911: Bom ou mau tempo na bolanha (24): Fala mentira (Tony Borié)

Vigésimo quarto episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.



Já lá vivia há algum tempo. O seu trajecto era uma espécie de triângulo. Quando estava fora das suas tarefas, era a tabanca com casas cobertas de colmo, que existia perto do aquartelamento, a sede do Clube dos Balantas e a ponte sobre o rio Mansoa. Andava por ali, metia conversa com quem conhecia, nem sempre andava vestido com disciplina, a maior parte das vezes trazia na mão uma garrafita da “coca-cola”, com um líquido da cor da coca- cola, mas não era coca-cola, era alguma água e álcool roubado ao Pastilhas, e um pouco de vinho, às vezes café frio, só para lhe dar a cor, e o cigarro “três vintes”, quase sempre na boca. Desta vez o Cifra, quando tinha terminado as duas primeiras partes do triângulo, foi parado por pessoal militar, quando se dirigia para a terceira parte, que era a ponte sobre o rio Mansoa, o Cifra obedeceu e ficou-se por ali, sentando-se no chão.

Pela manhã, apareceu no aquartelamento pessoal militar e algum civil, vindo da capital da província em três jeeps. Os militares traziam camuflados novos e os galões luziam nos ombros, os civis traziam calças compridas e sapatos pretos reluzentes, camisa branca, própria de usar gravata, mas sem gravata, com as mangas arregaçadas e chapéu tropical, daqueles redondos, como se vêm nos filmes. Estiveram em conferência com o comandante do agrupamento a que o Cifra pertencia, e quando o Cifra se dirigia para a ponte e foi parado, todos estes personagens lá se encontravam, no corredor que existia ao lado da ponte, pois em cima da ponte estavam várias viaturas militares. Passados uns minutos começa um enorme tiroteio, gritos, algumas granadas foram lançadas para a água, mais tiros de G-3, mais granadas, mais gritos, mais tiros de pistola, mais gritos, mais rajadas de G-3, mais granadas a rebentarem na água, mais gritos, até que passado uns minutos tudo parou, passado outros tantos minutos a cena repetiu-se, e isto sucedeu umas tantas vezes, até que o fumo já começava a encobrir a ponte, nessa altura, as personagens retiram-se, ficando algumas viaturas, e começam a tirar fotos da ponte quase coberta de fumo.

O Cifra esperou por ali, apreciando toda aquela cena de longe, já com a garrafa da coca-cola vazia, que colocou no bolso, pois a referida garrafa era uma importante “peça de ferramenta”, que se usava por tempo indeterminado, pois as pessoas vendo a garrafa sempre pensavam que o Cifra e os seus amigos bebiam coca-cola, o que na verdade não era verdade. Mas vamos continuar com a história. Quando tudo isto acabou, regressaram com todo aquele aparato ao aquartelamento, despediram-se e foram de regresso à capital da província.

O Cifra, ao outro dia, veio a saber que toda aquela cena tinha sido uma encomenda do governo de Portugal, que foi gravada e fotografada, onde entraram alguns actores com a sua voz, para apresentarem em determinada reunião. Ao Cifra disseram que era em Nova Iorque, nas Nações Unidas, para justificar o injustificável! Passado uns dias, alguns africanos que tinham canoas e andavam um pouco longe pelo rio, pescando, perguntaram ao Cifra quando iria haver outra cena igual, pois nesse dia tinham carregado as canoas com peixe que andava a boiar no rio!
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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11901: Bom ou mau tempo na bolanha (23): O "Mississippi" e o 11 de Setembro (Toni Borié)

Guiné 63/74 - P11910: (Ex)citações (224): Da caça, da guerra, dos copos e das nossas peripécias do dia a dia... (David Guimarães, ex-fur mil minas e armadilhas, CART 2716, Xitole, 1970/72)

1. Mensagem do David Guimarães, com data de 4 do corrente,  a propósito do poste P11903


Pois é,  Luís e mais amigos (e camaradas)... Tudo isto se passava no nosso tempo, na Guiné, e das pequenas histórias se fez a nossa história de guerra...

Estes ambientes onde todos andámos, os que lá estivemos, tinham destas coisas como a que contei. Aliás eram peripécias que no dia a dia aconteciam, umas mais giras outro menos, umas mais ou menos graciosas e outras nem tanto... A guerra, enfim, era um facto, parece que disso ninguém tem dúvidas. 

O pano de fundo de todo o combatente era a guerra, num local muito difícil de viver, a Guiné, território tão pequenino em que ela, a guerra,  se ouvia em toda a parte: quer dizer, e posso exagerar um pedaço mas não muito, sei que os obuses de Aldeia Formosa eram ouvidos bem longe, e inclusive os bombardeamentos de aviões em  zonas de intervenção do Com Chefe seriam ouvidos em toda (ou quase toda) a Guiné... 

A realidade eram as pequeninas coisas. Quando comecei a escrever neste blogue, e faz uns anitos [, em 2005,], nunca pensei em discutir em quem tinha ou não razão na guerra, Nunca vi senão operações por norma bem sucedidas, fora aquelas que o não eram e, enfim, passava-se à frente dos escritos. 

Assim leio agora reacções inflamadas,  que nós fizemos isto e aquilo, a força era esta e aquela... Fazia-se a operação tal em que se tomava conta da tabanca X do inimigo, incendiava-se e fazia-se um ronco... Depois voltava-se ao quartel e a ocupação não era feita... E Satecuta, Ponta do Inglês, disto e daquilo [, no setor L1,] ,  sempre pertenceram à tropa IN...

Também tomei boa nota de uma coisa, e muito entendem,  outros não... Sei, e por testemunhos de nossos caros camaradas,  que Mansambo, por exemplo, foi muito atacado quando se fazia a estrada para o Xitole. São testemunhos que existem aqui e são verdadeiros. No meu tempo, 1970/72,  quem me dera ter estado em Mansambo [, onde estava a CART 2714]. Quirafo, no meu tempo,  nunca aconteceu, aconteceu mal eu parti  (e parece que houve razões que facilitaram). O Xitole no meu tempo foi flagelado muitas vezes,  parece que a seguir não.... Será que temos explicações para isso ? Talvez que sim, mas isso pertence à história, só que continua mal contada e só passa a testemunho histórico passados 100 ou 200 anos. 

Porque é que a ponte Marechal Carmona estava partida? Bem,  existiam na altura três explicações: ou teriam sido eles, ou nós ou então foi um colapso da ponte. Como não interessava ao IN nem a nós dar cabo daquela via de comunicação essencial,  tanto para uns como para outros,  inclino-me para que tivesse sido um colapso. Mas que interessa isso ?  O facto é que ela estava
interrompida e está e pronto... 

Mas na vida fora de guerra também aconteciam peripécias como a caça às lebres em Cambesse, nos campos de mancarra e pela noite. Ou o  dia em que coloquei o comandante de pé a fazer a continência a um arrear de bandeira... Ou ainda o  episódio de eu e do Branquinho (António, do Pel Caç Nat 63, irmão do Alberto) a passear na zona atrás da pensão Chantra, em Bissau,  ambos à civil,  a chamarem-nos de furriéis... Que coisa, nós nem dali éramos, então sabiam quem nós éramos... 

Outra: A vez em que andava eu já com cerveja a mais na cabeça, no Xitole, debaixo de uma grande trovoada e deu um trovão maior . Os camaradas pararam e disseram: porra que isto não é trovoada! Disse eu:  vocês são malucos,  já estão com medo dos trovões... 

Pois é,  eles tinham razão: uma faisca caiu junto a um poste de iluminação onde havia o fio condutor ligado ao "explosor" e foi rebentar um fornilho feito logo a seguir ao arame farpado para o lado da pista de helicópteros... E tinha sido mesmo, que grande buraco!... E, afinal,  a azelhice tinha sido minha: coloquei um fio subterrâneo debaixo de um poste elétrico!

Tudo isto são peripécias... giras da guerra, mesmo que avulsas, sem individualizar. E  creio que são coisas que caem bem num blogue como o nosso... 

Estas são as centenas de peripécias que guardo em mente e retenho. Claro que os episódios de guerra foram evidentes mas que nunca sejam ficcionados e haja rigor e conte-se um pedaço de cada asneirita que íamos fazendo. 

Foi no meu tempo e teu,  Luis,  que o Furriel Henriques (tu mesmo) chamou assassino de guerra ao 2º Comandante [do BART 2917] depois daquela operação maldita que conheces,,, Viste,  correste um risco mas ao menos disseste o nome próprio do major.... Gostei de ver novamente essa a história que contei há uns anos  e que ainda não consigo nem retirar uma virgula, Foi mesmo assim...

Um abraço,  e ainda gostava de saber o que me levou um dia, no fim da comissão,  até á ponte do Geba em Bafatá onde eu estava de serviço... Acordei pelas três da manhã e um soltado disse-me: "Furriel, está melhor ?"... Que grande bebedeira eu tinha apanhado na cidade...

David Guimarães



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Subsetor de Xitole > Carta de Xitole (1955) (Escala 1/50 mil) > posição relativa de Xitole e de Cambesse (ou Cambéssé), na estrada que conduzia ao Saltinho. Em Cambesse havia um cruzamento para os rápidos do Cusselinta (zona paradisíaca do Rio Corubal, interdita em tempo de guerra... Cusselinta e não "Cussilinta"...).

Infografia: Blogue Luis Graça & Camaradas da Guiné (2013)
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Nota do editor:

Último poste da série > 8 dce julho de 20l3 > Guiné 63/74 - P11817: (Ex)citações (223): As lágrimas amargas do brig António de Spínola e do cor Hélio Felgas... "Presenciei-as no fim da Op Lança Afiada"... (António Azevedo Rodrigues, ex-1º cabo, Cmd Agrup 2957, Bafatá, 1968/70)... Ou não terá sido antes, na sequência do desastre do Rio Corubal, em Cheche, na retirada de Madina do Boé, em 6/2/1969 (Op Mabecos Bravios) ? No dia seguinte, Spínola deslocou-se a Nova Lamego, onde falou, às 12h00, aos sobreviventes da Op Mabecos Bravios...

Guiné 63/74 - P11909: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (16): Memórias de Guileje ao tempo da CART 1613 (1967/68), por José Neto (1929-2007) - Parte IV : Os azarados sargentos...


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) 1967 > Fotos do álbum de José Neto > Guileje 2 > Foto  nº 15 > Acácia em flor


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) 1967 > Fotos do álbum de José Neto > Guileje 2 > Foto  nº 14 > Aspeto parcial da tabanca e quartel


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) 1967 > Fotos do álbum de José Neto > Guileje 2 > Foto  nº 28 > Espigueiros


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) 1967 > Fotos do álbum de José Neto > Guileje 2 > Foto nº 29 > Espigueiros



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) 1967 > Fotos do álbum de José Neto > Guileje 2 > Foto  nº 30 > Espigueiros



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) 1967 > Fotos do álbum de José Neto > Guileje 2 > Foto nº 31 > Espigueiros


Fotos: © José Neto (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: L.G.]


1. Continuação da republicação das memórias do primeiro-sargento da Companhia de Artilharia nº 1613 (Guileje, 1967/68), o então 2º Sargento José Afonso da Silva Neto (, falecido em 2007, com o posto de capitão reformado) (*).

O Zé Neto,. como era conhecido entre nós,  é um dos primeiros 50 camaradas a ingressar no nosso blogue. Hoje somos 12 vezes mais, a maior parte dos tabanqueiros não o conheceram nem têm acesso à sua colaboração, dispersa, incluindo as valiosas fotos do seu álbum . Daí também esta nova edição dos seus postes sobre Guileje, no ano em que celebramos o 9º aniversário. Por outr lado, fez 40 anos, a 22 de maio de 1973, que retirámos de Guileje.

2. Memórias de Guileje, ao tempo da CART 1613, por José Neto (1929-2007) > Parte IV

O abrigo subterrâneo que nós, os sargentos, mais utilizávamos,  situava-se a meia dúzia de passos do coberto da messe, dado que parecia que os turras esperavam que acabássemos de jantar para abrir fogo [vd. planta do quartel de Guileje, 1966].

O acesso ao amplo salão enterrado era feito através dum pequeno poço para onde saltavam os que não tinham posto de combate definido e dali para o dito salão. A abertura era estreita e, se havia muita afluência, tornava-se necessário esperar vez para entrar, o que não deixava de provocar alguma confusão. Foi numa dessas confusões que levei com um furriel em cima do meu pé esquerdo. Andei mais de um mês com a perna engessada.

Doutra vez, nós ouvimos a orquestra a fazer o seu barulho para os lados do Mejo [a noroeste de Guileje] e as nossas transmissões entraram em acção a fazer as perguntas habituais à companhia de lá. Ao mesmo tempo eles faziam o mesmo para nós.

No reconhecimento veio a verificar-se que o ataque foi para despachar e chefe ouvir, porque os impactos eram bem visíveis num descampado a meio caminho entre as duas localidades. Não havia possibilidades de engano porque os quartéis estavam toda a noite iluminados.

Um dos ataques deu-se quando já lá se encontrava a CCAÇ 2317 que, em princípio, nos ia substituir. Nós, como é natural, transmitimos aos novatos a experiência acumulada de como safar o pêlo quando havia festivais. Só que o manual não previa a situação caricata que se passou.

Desencadeou-se a saraivada de morteiros e,  quando já todos estávamos recolhidos no abrigo, ouvimos alguém gritar:
─ Acudem-me!!! Salvem-me!!!.

Um furriel que estava mais perto da entrada do abrigo conseguiu entabular conversa com o aflito e disse-nos que era o 1º sargento da companhia nova [CCAÇ 2317] que foi apanhado na retrete quando o ataque começou e que não conseguia sair de lá.

Convém esclarecer que a latrina era daquelas em que o utilizador se põe de cócoras e defeca a poucos centímetros dos calcanhares. Para o sossegar,  dissemos-lhe que o cubículo estava protegido por um tecto de cibos e paredes fortes e que portanto não tivesse receio. O homem lá se aquietou, mas no nosso espírito subsistia a dúvida de qual seria o motivo que o impedia de dar uma pequena corrida e saltar para junto de nós. Quando a coisa acabou e as luzes se reacenderam,  fomos encontrar o 1º Sargento Martins preso por um pé no sifão da latrina.

Ao primeiro estrondo ergueu-se e, com a atrapalhação, escorregou no serviço que estava a fazer e calçou a cagadeira. Não pudemos conter as gargalhadas, pois o senhor continuava a tentar tirar o pé e não conseguia. Com calma, acabou por ser fácil. Bastou flectir a perna, ajoelhar-se e o calcanhar escorregou no bem lubrificado tubo do sifão.

Um dos efeitos mais aborrecidos das flagelações, a partir da altura em que eles tinham a pontaria mais afinada, era a destruição do forno da padaria. Ficávamos a pão duro, ou sem ele, uns três ou quatro dias até que se reconstruísse. Nunca foi atingido directamente, mas qualquer granada que rebentasse nas redondezas provocava o efeito de sopro suficiente para mandar com a frágil abóbada abaixo.

Durante uma das reconstruções eu estava por ali a dar os meus palpites quando o Soldado Fernandes se aproximou e me disse:
─ Estes gajos não percebem nada disto.
─ Então percebe você?
─ Eu já da primeira vez disse que punha isso em pé e só se lhe acertassem em cima é que desabava, mas eles é que acham que são os mestres ─ respondeu o Fernandes, cujos registos indicavam a profissão de estucador.
─ Ora bem, então você vai dizer o que entende que se deve fazer ─ ripostei.
─ Assim não. O meu sargento manda-os sair daqui, eu escolho um servente e enquanto eu estiver a trabalhar, esses (os pedreiros) não põem aqui o cu. Já tentei ensiná-los, mas correram comigo. Agora também não quero que eles aprendam a técnica, está bem?
─ Vamos a isso ─ Concordei.

Isto foi por volta das oito da manhã e à hora do almoço estava o forno erguido. O Fernandes pediu para que lhe levassem lá a refeição, pois queria guardar a obra dos olhares dos espiões, dado que só da parte da tarde é que rebocava com barro o exterior da cúpula. Antes do jantar a lenha já ardia dentro do novo forno e nunca mais desabou… Segredos do ofício.

Para concluir a descrição desta faceta da luta, as flagelações, resta-me acrescentar que durante o ano que estivemos em Guilege tivemos duas baixas mortais: uma criança, atingida pelos estilhaços duma granada; e um adulto, irmão do Régulo,  que, possivelmente, foi atingido pelo nosso fogo. Na investigação que foi feita, em que tomou parte o próprio irmão, conclui-se que ele, a vítima, devia estar no espigueiro, fora do perímetro fortificado, quando estalou o ataque e, ao querer saltar o talude, foi baleado por um dos elementos da Autometralhadora Fox que guarnecia aquele flanco.

Entre o pessoal militar e militarizado (os milícias) fui eu o mais castigado pelas flagelações, pois, como já referi, andei uns tempos com a perna engessada.

(Continua)
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Guiné 63/74 - P11908: Memória dos lugares (243): Núcleo Museológico Memória de Guileje - Parte II (Carlos Afeitos, ex-cooperante, 2008/2012)


Foto nº 11


Foto nº 12


Foto nº 13


Foto nº 14


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Núcleo Museológico Memória de Guiledje > c. 2011 > Memorial à CCAV 8350 (1972/1974) e ao alf mil Lourenço, morto por acidente em 5/3/1973. De seu nome completo Victor Paulo Vasconcelos Lourenço, era natural de Torre de Moncorvo, está sepultado na Caparica. Foi uma das 9 baixas mortais da companhia também por "Piratas de Guileje" e um dos 75 alferes que perdeu a vida no CTIG.



Fotos; © Carlos Afeitos (2013). Todos os direitos reservados


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico 
do Carlos Afeitos, professor de matemática, cooperante na Guiné-Bissau, durante 4 anos (2008-2012), e nosso grã-tabanqueiro, com o nº 606 [, foto à à direita ], que nos mandou mais de uma meia centenas de fotos recentes de Guilejem, em finais de maio passado.

Nos seus tempos livres, ele foi, por volta de 2011, duas vezes a Guileje. Foi depois do golpe de Estado de 12 de abril de 2012 viver para  Londres. Um abraço para ele, se nos estiver a  ler.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11907: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (72): O reencontro de dois camaradas da CART 1659 (Gadamael e Ganturé, 1967/68), Joaquim Fernandes Alves e Augusto Varandas Casimiro


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 2011 > Vestígos da CART 1659 (1967/68)... Foto do álbum de Carlos Afeitos, professor, cooperante (2008/12) (*)... Foram os "Zorbas" que construiram o cais de acostagem, em Gadamael-Porto.

Foto: © Carlos Afeitos (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG]

1. O primeiro representante da CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68), o Joaquim Fernandes Alves, ex-fur mil, residente em Vila Nova de Gaia, acaba de entrar para a nossa Tabanca Grande, com o nº 625.

Ele acabou por aparecer no nosso blogue, à procura de camaradad da companhia, que gostaria de voltar a reunir. Tem os nomes de todos mas não os contactos. Na sequência de um primeiro poste, alguém apareceu  a escreber em nome do ex-fur mil vaguemestre, Augusto Varandas Casimiro.

Afonso Silva
24/6/2013, 21:37

Boa noite

Pertenci também à CART 1659 (OS ZORBAS) e solicito o contacto do meu camarada Joaquim F. Alves que mora em Olival-Gaia

Obrigado
Augusto Varandas Casimiro


Escrevia ao Joaquim, F. Alves no passado dia 30/7, o seguinte, a propósito deste seu camarada e do seu contacto:

Joaquim: Vamos ver se o teu camarada Casimiro nos lê... Não tenho a certeza de quem é o email... Pode ser de um filho ou genro (Afonso Silva)... Manda as tuas fotos que é para eu te apresentar à Tabanca Grande. Assim chegas a mais malta... Um abraço. Luis

E logo a seguir, responde-nos a filha do Casimiro... Como se vê o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca.. é Grande!...

Gisa Casimiro
30/07

Boa noite a todos,

Efectivamente este é um email da filha (Adalgisa) e quem despoletou o contacto foi o meu sogro (Afonso Silva).

O meu pai teve conhecimento do vosso blog por via do meu sogro, que lhe mostrou algumas das fotografias, mas é uma pessoa completamente desligada destas tecnologias, não tem computador e a melhor forma de o contactar/falar será mesmo por telefone/telemóvel.

O contacto fixo: 227138096, muitas vezes está pelo quintal, mas se ligar ele depois devolve. Ou em alternativa, se me enviar um contacto telefónico,  ele concerteza retornará.

Qualquer outra coisa podem falar comigo! Ficamos a aguardar novas,

Adalgisa Casimiro.


2. Comentário de L.G.:

Saúdo a Gisa Casimiro!... As filhas (e os filhos) dos nossos camaradas têm-nos dado exemplos extraordinários de amor filial... Já não é o primeiro caso: são elas (até mais do que eles...) a procurar-nos, a contactar-nos, em nome do pai...

Eu fico extremamemte sensibilizado e emocionado com estas manifestações de carinho filial e estes exemplos de ajuda intergeracional!... Sei que o Augusto Casimiro pode passar a ter,  na sua filha, uma boa e leal intermediária, fazendo a ponte com o nosso blogue. Espero, por outro lado, que o o Joaquim F. Alves já tenha contactado o Augusto Casimiro por telefone. Eu estou de férias, ainda não tive oportunidade de falar ao telefone  com a Gisa.

De qualquer modo quero que a Gisa saiba que as filhas dos nossos camaradas... nossas filhas são!... Muita saúde e longa vida para o teu querido pai. E vai-nos dando notícias dele e dos demais "zorbas"...

Um abraço, para os três, do Luís Graça, fundador deste blogue, e que neste momento está de férias... Sem esquecer o Carlos Afeitos, antigo cooperante na Guiné-Bissau (2008/12), e que deve estar agora em Londres (ou em Portugal, de férias)... Foi através de um foto dele, de 2011, que chegámos a estes dois "zorbas"...

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Nota do editor:

Último poste da série > 30 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11779: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (71): as pinturas do Xitole, recentemente redescobertas pelo Francisco Silva e pelo José Teixeira, são do meu amigo e vizinho, o pintor de Espinho, Armando Ribeiro que pertenceu à CCAÇ 818 (Bissau, Xitole e Saltinho, 1965/67) (David Guimarães, CART 2716, Xitole, 1970/72)