domingo, 4 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11905: Tabanca Grande (406): Joaquim Fernandes Alves, ex-Fur Mil da CART 1659 - "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967-68)



1. Mensagem do nosso camarada, e novo tertuliano, Joaquim Fernandes Alves* (ex-Fur Mil da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68), com data de 30 de Julho de 2013:

Camarigo Luís Graça
Como prometi junto envio as respectivas fotos, assim como o emblema da "ZORBA" Junto também, tirado da "in história da Unidade", um relato real sobre a construção do cais.

Mais uma vez, os meus dados pessoais:
Joaquim Fernandes Alves
Ex-Furriel Mil Artª.  da Cart 1659
1967-1968
ZA: Gadamael Porto e Ganturé
Local de residência: Olival, Vila Nova de Gaia

Joaquim F. Alves




Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 2011 > "Cais 3". Foto do álbum de Carlos Afeitos, professor, cooperante (2008/12).

Foto: © Carlos Afeitos (2013). Todos os direitos reservados.


2. Comentário do editor:

Caro camarada Joaquim Alves,

Bem-vindo à Tabanca Grande onde és o tertuliano n.º 625.

Uma vez que conversaste com o editor-chefe Luís Graça, e a mensagem que mandaste é muito sucinta, não sabemos se é tua intenção colaborar activamente no nosso Blogue.

Como saberás,  és o primeiro representante da "Zorba" (CART 1659) na nossa tertúlia. Ficas assim com a responsabilidade de contar a história da tua Unidade, socorrendo-te das memórias que ainda retenhas da tua passagem por aquelas terras vermelhas da Guiné. Não esqueças a palavra de "Homem Grande".

Sei que tens como missão encontrar camaradas que não vês há muito, pelo que ficam aqui algumas da tuas palavras escritas em mensagem de 7 de Junho passado:

Camarada Luís Graça 

Descobri o vosso blogue por mero acaso e já lá vai algum tempo.  Depois de algumas hesitações hoje mesmo decidi pôr a minha questão à prova. 

O meu nome é Joaquim Fernandes Alves. Sou ex-furriel mil. da CART 1659 - Zorba, que fez o IAO no RAC, Oeiras.  Partimos de Lisboa a 11 de Janeiro de 1967, e não regressámos todos, como é óbvio, em 10 de Novembro de 1968. 

A nossa área de intervenção foi Gadamael Porto / Ganturé.  Desembarcámos no meio daquele grande lamaçal do rio que penso ser, o Cachima, onde depois, durante o nosso tempo, construímos um cais. 

Após esta pequena apresentação, e tendo a lista de todos os elementos que faziam parte da Companhia, o que pretendo é saber se há possibilidades de obter as moradas de cada um, pelo menos nessa altura da formação da Companhia. 

Um abraço do camarada 
J.Alves
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3. Como na devida altura te elucidou o Luís, não podemos satisfazer o teu pedido pelas razões por ele aduzidas. Fica no entanto, de novo aqui e agora, o teu apelo na hipótese de algum dos teus camaradas, ou alguém por eles, te leia e te possa contactar por nosso intermédio.

Resta-me deixar-te, em nome dos editores e da tertúlia, um abraço de boas-vindas. Fico ao teu dispor para qualquer esclarecimento adicional.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

20 DE JUNHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11738: Em busca de... (225): Os "Zorbas", camaradas da minha CART 1659 (Gadamael e Ganturé, 1967/68) (Joaquim F. Alves, ex-fur mil, residente em Olival, Vila Nova de Gaia)
e
30 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11887: Em busca de... (226): Augusto Varandas Casimiro, ex-fur mil vaguemestre, CART 1659, Os Zorbas, Gadamael e Canturé, 1967/68 (Joaquim F. Alves, residente em Olival, Vila Nova de Gaia)

Último poste da série de 18 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11852: Tabanca Grande (405): Rui Vieira Coelho, ex-Alf Mil Médico dos BCAÇ 3872 e 4518, Galomaro, 1973/74 (Tertuliano n.º 624)

Guiné 63/74 - P11904: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (1): A minha cicatriz, resultante do corte do cordão umbilical, está cheio de cotão

1. Em mensagem do dia 31 de Julho de 2013, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos o primeiro episódio do seu Pós-Guiné, que esperamos nos traga ironia e humor, mesmo tratando um assunto muito sério como se adivinha. 


O PÓS-GUINÉ 65/67

1 - A MINHA CICATRIZ, RESULTANTE DO CORTE DO CORDÃO UMBILICAL, ESTÁ CHEIA DE COTÃO

E ao pisar o cais de desembarque, plagiei e gritei: 
- Mulheres... cheguei. Regressei à minha terra e para o anterior emprego de funcionário público. 

E na viagem nocturna em comboio correio, (que demorava seis horas para chegar ao destino), devidamente acompanhado pela minha mulher, que me fora esperar, aconteceu mais uma cena de solidariedade linda que conto, porque digna de se saber.

Então lá vai:

O revisor, que me afirmara ter um filho na Guiné, quando ao picar dos bilhetes da 3ª classe (bancos em madeira) apercebeu-se que eu havia chegado da guerra e convidou-me para mudar para a carruagem da 1ª, qu'até cama tinha e comprometeu-se a acordar-nos quando estivéssemos próximo da Ponte de Sôr (como se eu fosse dormir numa cama daquelas e embalado que seria pelo solavanquear... também resultado, das rodas quadradas do TGV d'então.

Surpreso fiquei pela amabilidade, fui... ai nanas !!! Quem não iria?

************ 

E assim se passou um ano, naquele ramerrame, com as sem jeito, mas costumadas conversas de café.
No fundo, começava a sentir a saudade dos "meus" da 1422.
E que falta me fazia, aquela adrenalina anterior... a alegria do "acordar" e de continuar vivo...
E que falta me estava a fazer aquela camaradagem que houvera tido e que sabemos quão boa e saudável.

Numa tentativa de alterar qualquer coisa que ainda nem sabia bem o quê, consegui emprego na capital do Império, onde amenizei saudades conversando com a rapaziada amiga e com quem convivera a maior parte dos meus melhores 40 meses da minha vida.

Aqui, Restauradores em Lisboa, acabei por me envolver de novo com tudo o que se ia passando, por lá longe. Primeiro, pelos contactos que começaram a acontecer com os ex-soldados Domingues, Soares e Lavado, com o ex-1º Cabo Fernando Nascimento da minha Secção de Morteiros 60, com o ex-fur. mil. Raul Durão (almoçámos todos várias vezes), com os ex-alf. mil's Macedo e Simões, mensalmente, com o Gualter, com o Formigo (estes dois também ex-furriéis) e mais ainda com alguns camaradas doutras companhias chegantes e com quem ia acabando por me actualizar.

E foi assim que soube do desaparecimento físico, na estrada do Pelundo para Jol*, dos nossos homens (sete ao todo), que desarmados, foram cruel e barbaramente assassinados a sangue frio...
E foi assim que tomei conhecimento da operação a Conakry, que tanto me enche, ainda hoje, de orgulho.

E foi assim, que soube da morte do Amílcar Cabral, cuja causa ainda hoje não esclarecida, embora a versão à época, seja bem diferente das que, de quando em vez por aí circulam.

Elucidado fui mais tarde, do porquê de nos chamarem "Brancos" e refiro-me particularmente aos felupes e futa-fulas com quem convivi no K3, pois que e quanto aos outros chamavam russos, americanos, suecos, e por aí fora. Compreendia finalmente, que aquela generosidade, apenas queria dizer que nos consideravam a raça superior.

************ 

Nem tudo era fácil e lembro-me até daquele dia a que fui assistir à estreia do filme Apocalipse Now, ali no cinema Monumental, e embora posteriormente já o tenha visto... revisto e revisto, na altura saí da sala, enervado, tremente e passados que foram os primeiros dez minutos projectados.

Apanhado pelo clima? Quem disse?

Mas a alegria também aconteceu, como naquela vez que recebi uma carta do Batalhão de Caçadores 1 e pensei cheio de fé que me estariam a convidar de novo a integrar as fileiras (era normal então voltar ao combate, até que fizéssemos 45 anos de idade), mas não... apenas me informavam que havia sido promovido a 2º Sargento.

Como atrás refiro, ia entendendo que tudo estava a mudar para pior para as NT, que agora combatiam ainda e se possível mais aguerridamente, um IN porém mais municiado, com a ajuda de países que ainda agora alguns põem nos píncaros, esquecendo que foram estes os causadores de muitas vidas desfeitas.

Posteriormente, não me foi fácil também, aceitar o acolhimento em Portugal, dalguns exilados chefes inimigos, principescamente recebidos e alguns até desdenhando publicamente das nossas tropas, quando em solo nacional estavam a beneficiar de benesses que deveriam antes, ser concedidas àquelas etnias guineenses que combateram do nosso lado.

Como Portugueses que foram, eram e continuariam provavelmente a gostar de ser, deveriam ter sido melhor tratados.

(Continua)
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OBS:
(*) Jol - o mesmo que Jolmete
Negritos e itálicos da responsabilidade do editor
Emblema da CCAÇ 1422 da coleçção do nosso camarada Carlos Coutinho
O editor
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Nota do editor

Vd. série anterior de Veríssimo Ferreira: "Os melhores 40 meses da minha vida

Guiné 63/74 - P11903: Estórias do Xitole (David Guimarães, ex-fur mil, CART 2716, 1970/72) (4): Um tiro numa cabra de mato... que deu direito a um prémio Governador Geral


1. Mais uma estória do David J. Guimarães, passada no Xitole, nos primeiros tempos da comissão da CART 2716 (1970/1972), e que andava perdida na I Série do nosso blogue:


Um dia, novinhos ainda, piras, com as fardinhas novinhas em folha, aí vamos nós. Sai o 1º Grupo de Combate. Patrulha em volta do aquartelamento para os lados de Seco Braima, o que era normal: acampamento IN....

Era bem de manhã. E a certa altura, zás, ouve-se o matraquear de espingardas automáticas:
Que coisa!... Oh diabo, estão a enrolar…

Os morteiros fixos lá fazem fogo de barragem. Novamente os experientes homens de armas pesadas. E que eficientes! Como eles faziam aqueles morteiros dispar tão amiúde e certeiro... Cessar fogo, tudo silêncio à volta, fora os abutres que logo foram ver o que acontecia.
─  Que aconteceu? E agora... Estará alguém ferido? O que aconteceu? O que vamos fazer?

Nenhum deles disse nada... mas voltaram depressa. E nós nem percebíamos ainda porque que é que eles voltaram assim tão rapidamente... Bem, lá regressa, da patrulha, o 1º Grupo de Combate. Ofegantes, e agora dentro do aquartelamento esboçando sorrisos, todos pretos... Que coisa, sempre que havias tiros ficava-se todo preto!
─  Que aconteceu ???

Lá vem a explicação: o grupo estava a instalar-se, para um tempinho em posição de emboscada. Uma cabra de mato passa em frente... Um soldado diz para o Alferes muito baixinho:
─  Alferes, cabra de mato!
─ Atira-lhe ─  responde o Alferes ─  Há rico tiro, pum, pum!!!

E não é que o IN estava lá emboscado, do outro lado da cabra? Seriam poucos, mas ao sentirem-se detectados deram uns tiros e fugiram, pois que entretanto também começaram a cair bem perto as granadas do morteiro do aquartelamento...
─  Manga de cu pequenino…

Olha que sorte, a santa cabra do mato!... Foi ela, afinal, o nosso anjo da guarda. O Correia voltou com o seu grupo de combate inteiro e o soldado que detectou a cabra... herói. Mais tarde foi-lhe proposto e concedido o prémio Governador Geral. Todos achámos muito bem, veio à metrópole. Se não fora assim, nunca iria lá de férias, porque não tinha dinheiro para isso...

Ninguém soube se a cabra morreu ou não, mas os homens, depois de contados, estavam todos... E os abutres também voltaram ao aquartelamento e continuaram a comer o que restava da vaca morta nesse dia...

A guerra tinha disto também, e ainda bem... Como entendê-la? Só um combatente... Este era o nosso tempo de recreio de guerra dentro da guerra.

David J. Guimarães
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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11556: Estórias do Xitole (David Guimarães, ex-fur mil, CART 2716, 1970/72) (3): Era do caraças o paludismo

Guiné 63/74 - P11902: Parabéns a você (606): José Nunes, ex-1.º Cabo Mec Electricista do BENG 447 (Guiné, 1968/70) e Rui Alexandrino Ferreira, TCor Ref das CCAÇ 1420 e CCAÇ 18 (Guiné, 1965/67 e 1970/72)

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Nota do editor

Último poste da série de 31 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11889: Parabéns a você (605): Manuel Reis, ex-Alf Mil Cav da CCAV 8350 (Guiné, 1972/74)

sábado, 3 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11901: Bom ou mau tempo na bolanha (23): O "Mississippi" e o 11 de Setembro (Tony Borié)

Vigésimo terceiro episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.




A Multinacional onde o Tony exercia a sua profissão, vendia o seu produto para algumas agências do governo americano, como tal, tinha um contrato onde lhe era imposto que aceitasse alguns presos de delito comum de uma cadeia estatal que havia nas redondezas. Seguindo algumas normas de segurança, vinha um carro celular com os presos pela manhã, recolhendo-os à tarde, eram homens que estavam em final de cumprir as penas a que estavam sujeitos e se encontravam numa fase de análise, era quase como uma experiência de começo de vida, pois assim ambientavam-se melhor a conviver com a normal população quando acabassem de cumprir as suas penas, e fossem colocados em total liberdade.

O “Mississippi”, era um desses homens a quem a sorte não protegeu lá muito enquanto jovem. Trabalhou com o Tony nos primeiros tempos quando começou na multinacional, mais tarde, dado o seu bom comportamento, ficou como empregado, portanto, colega de trabalho do Tony. Era afro-americano e quase como todos os afro-americanos, naquele tempo, tinham orgulho em dizer que os seus bisavós tinham vindo de África, do litoral deste continente, quem sabe se da região de Bissau, Mansoa, Mansabá, Olossato, ou até mesmo Bissorã, portanto naquele tempo quando chegaram ao continente americano foram escravos, alguns até explicavam ao pormenor que o seu bisavô, foi escravo na plantação com o nome tal, e foi vendido duas vezes, pois era muito valente e todos o queriam ter naquelas plantações de tabaco, de algodão, de cana de açúcar ou de outra qualquer coisa, no estado do Mississippi. Ele próprio tinha algumas marcas, no peito, no braço e uma outra ao lado, um pouco abaixo da orelha esquerda, com que os pais o marcaram quando nasceu, ele orgulhava-se de mostrar essas marcas, eram desenhos na pele, parecidos com os que o Tony via frequentemente na Guiné, quando o seu nome de guerra era Cifra, e estava ao serviço do exército de Portugal.

Nasceu e cresceu, numas terras, por onde passava um comboio, ao lado do rio Mississippi, que os seus pais não sabiam a quem pertenciam, simplesmente nasceu lá, com mais três irmãos e seis irmãs. Aprendeu a nadar no rio Mississippi e não tinha receio de cobras, nem de “alligatores”, uma espécie de crocodilos, pelo contrário, caçava-os o comia-os.


Um dia, seguindo o exemplo de muitos jovens na sua situação, pois era normal naquela época, e querendo fugir da fome e da miséria que levava, entra, juntamente com outro irmão mais velho, com a roupa que traziam vestida, pela calada da noite, numa carruagem dum comboio de mercadorias que por lá passava. Vieram parar ao Estado de Nova Jersey, mas muitos iam parar ao estado de Illinois, principalmente à cidade de Chicago. Outros ficavam em Detroit, no Estado de Michigan, ou outros com indústria, onde lhes diziam que havia muito trabalho. Juntou-se com o irmão, à comunidade afro-americana, que vivia nos subúrbios da cidade, tiveram algumas dificuldades no princípio, com a adaptação a um estado mais industrializado. Habituado a viver numa aldeia isolada na beira do rio, não aguentou o impacto com a população de uma grande cidade, sem dar por nada, estava inserido no crime, na droga e na prostituição. Muitas vezes dizia ao Tony que o mais difícil foi assaltar o primeiro estabelecimento de bebidas, depois tudo foi normal, até a polícia o encontrar por mais do que uma vez no local e na hora errados. Foi preso e cumpriu o seu tempo de punição, agora era um homem livre.

Era alto, com corpo de um atleta e forca física um pouco fora do normal, mas o coração era de uma boa pessoa e obediente, quase de uma criança, compreendia o bem e o mal, pedia desculpa, se sem querer insultava alguém, talvez pelo tempo que passou na prisão, com receio de que alguém o acusasse de novo, às vezes até era obediente demais.

Este homem passou a ser amigo do Tony, todos os dias se viam, pois trabalhavam juntos. Nas festas, que por vezes havia em casa do Tony, o “Mississippi” estava presente com a família e o mesmo acontecia, quando qualquer evento se realizava em sua casa.

Certo dia, pela manhã, o Tony liderava um projecto de instalação de um novo sistema para extrair o ar quente dos fornos de fundição de metais, no telhado de determinado edifício, na multinacional. Ao norte, do lado de lá do rio, lá longe, para os lados de Nova Iorque, surge uma enorme nuvem de fumo, logo o avisaram pelo rádio de comunicação interna, que o Tony sempre trazia consigo, para saírem daquela zona de trabalho e regressar imediatamente ao local onde era normal se reunirem pela manhã.

Nesse local, ficaram a saber de todos os ataques que o solo americano estava a sofrer nesse momento. O “Mississippi” olha para o Tony, abraça-o e vendo o Tony limpando algumas lágrimas, diz, com os seus olhos bondosos:
- Tony, the war begins in the world today, everything will be different from now on!

Tomando a liberdade de traduzir, ele dizia mais ou menos isto:
- Tony, a guerra no mundo, começa hoje, vai ser tudo diferente a partir de agora!

Os seus bisavós eram escravos, tinham vindo da costa de África, ele sabia do que falava.

Tony Borie,
Julho de 2013.
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Nota do editor

Último poste da série de30 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11885: Bom ou mau tempo na bolanha (22): O típico emigrante do século passado (Toni Borié)

Guiné 63/74 - P11900: Memória dos lugares (242): Núcleo Museológico Memória de Guileje - Parte I (Carlos Afeitos, ex-cooperante, 2008/2012)



Foto nº 1 > Placa indciativa do antigo heliporto


Fotio nº 2 > O trajeto do quartel para o heliporto, feito com garrafas de cerveja


Foto nº 3 > Uma garrafa de cerveja



Foto nº 4 > O antigo heliporto


Foto nº 5 > Placa indicativa do local onde existiu um dos espaldões de artilharia


Foto nº 6 >  Resto de caixa de munições, com orifícios de estilhaços



 Foto nº 7 >  Caixas, metálicas, de munições de artiharia


Foto nº 8 > Granadas de obus 14 ou peça de artilharia 11.4



Foto nº 9 > "Posto de socorros"


Foto nº 10 > Brasão dos "Cobras", CCAÇ 3325 (1971/72)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Núcleo Museológico memória de Guiledje > c. 2011



Fotos (e legendas);  © Carlos Afeitos (2013). Todos os direitos reservados


1. Mensagem de 30 de maio último, do Carlos Afeitos, professor de matemática, cooperante na Guiné-Bissau, durante 4 anos (2008-2012), e nosso grã-tabanqueiro, com o nº 606 [, foto à esquerda], que nos mandou mais de uma meia centenas de fotos recentes de Guileje. Vamos fazer uma seleção desse material.

Bom dia,  caro Luís,

Nos meus devaneios encontrei estas fotos de Guilege, já vi muitas postadas no blog e não sei se já tem algumas parecidas a estas ou não. Durante o tempo que estive na Guiné passei por Guilege duas vezes. A primeira vez foi a caminho de Cantanhez, região lindíssima e que vale a pena visitar. A segunda vez foi quando convidei a minha irmã para ir conhecer a Guiné em 2 semanas. Fiz questão de levá-la um bocado ao sul e ficar a conhecer um bocado mais da história que une os dois países.

Pelas conversas que tive com um homem a viver e a recuperar o antigo aquartelamento, está previsto edificar um complexo que irá servir de escola profissional no sítio da pista de aterragem de helicópteros, relembro que isto segundo as informações.

O senhor serviu de guia e explicou-nos como estava ordenado o quartel e como viviam os militares que estavam destacados para lá. O museu relembra muito bem da vida e da luta de ambas as partes envolvidas no conflito. À entrada podemos ver uma anti-aérea e um Unimog, lado a lado. Fizemos uma visita à pista de aterragem exactamente pelo caminho feito de garrafas e depois mais umas voltas pelos pontos assinalados. 

Na minha segunda visita também tive uma conversa muito amigável com uma pessoa que estava a viver na tabanca no interior do quartel aquando da retirada. Ele contou-me alguns dos momentos complicados que passou e recordou com alguma angústia e nostalgia. As memórias ainda fazem chorar...

Uma das coisas curiosas que eu reparei é do carinho que a população tinha por alguns militares portugueses, pois é uma das coisas que todos falam é nos nomes deles. Depois de tantos anos ainda os recordam e sabem exactamente quem são, a graduação que tinham e de onde eram.

Como as fotos são algumas, vou enviar em 3 mails diferentes, pode fazer o que quiser com elas. Algumas não estão legendadas pois não me lembro muito bem.

Com os melhores cumprimentos,


Carlos Afeitos

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Nota do editor:

Último poste da série > 31 de julho de 2013 >  Guiné 63/74 - P11894: Memória dos lugares (241): Surpresas que só a Feira da Ladra oferece (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11899: Notas de leitura (507): Memórias de Carlos Domingos Gomes (Cadogo Pai) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Abril de 2013:

Queridos amigos,
Numa dessas visitas que tenho feito assiduamente à Biblioteca da Liga dos Combatentes, deparou-se-me este documento que me pareceu ter o maior interesse como registo de um velho combatente, pai do primeiro ministro deposto pela ditadura militar, em 2012.
É um documento muito incompleto, seguramente a recolha destas memórias não foi feita em bom português, há saltos óbvios, hiatos desconcertantes, bom seria que estudiosos como Leopoldo Amado ou Julião Soares Sousa se pronunciassem sobre a importância deste testemunho.

Um abraço do
Mário


Memórias de Carlos Domingos Gomes 
(Cadogo Pai)

Beja Santos

Cadogo Pai resolveu passar a escrito as suas memórias. Nascido em 1929, começou como paquete no escritório da família Barbosa, junto do Grande Hotel. Com ambições e desejoso de outro futuro, foi trabalhar na SCOA (proprietária do edifício onde está instalada a Pensão Central), foi depois transferido para Bolama e mais tarde regressou a Bissau como chefe de loja, voltando de novo a Bolama em 1951. Diz ter sido em Bolama que conheceu Aristides Pereira, formou-se um grupo de que faziam também parte Adelino Gomes, Alfredo Fortes, Barcelos de Lima e Alcibíades Tolentino.

Recorda os primeiros contactos com Amílcar Cabral e as personalidades daqueles que pretenderam pôr de pé a Associação Recreativa Cultural e Desportiva, desde os professores Adriano Pires, José Moreira e Pio Mendonça, os advogados Jorge Tavares e Sousa e Artur Augusto Silva, destacando a mulher deste, Clara Schwarz, que ele trata como a mãe dos estudantes, até o médico Ciro de Andrade que ele trata por médico dos reclusos. A associação foi proibida, os nacionalistas voltaram-se para o futebol. Considera que na época (anos 1950) as autoridades portuguesas teriam acirrado as rivalidades entre guineenses e cabo-verdianos, dando a estes bons empregos e melhores salários.

Os encontros clandestinos ocorriam no quarto de Elisée Turpin e mais tarde na messe do BNU. E presta mais esclarecimentos: “A primeira reunião de Amílcar Cabral com guineenses e cabo-verdianos realizou-se na antiga granja de Pessubé, estava acompanhado do seu fiel companheiro Bacar Cassamá”. Em Setembro de 1955, Cadogo estabeleceu-se por conta própria. Dá como seguro a realização da fundação do PAIGC a 19 de Setembro de 1956, numa moradia da rua Severino Gomes de Pina, tendo estado presentes Amílcar Cabral, Luís Cabral, Aristides Pereira, Fernando Fortes, Inácio Júlio Semedo e Elisée Turpin: “O documento elaborado tinha 8 artigos, o terceiro dizia que o partido trabalhava no sentido de unir todos os africanos de todas as etnias e de todas as camadas sociais, constava da primeira edição do jornal Nô Pintcha, artigo que mandei publicar, citei o artigo mencionado, para esclarecer desde quando tinha ligações com o PAIGC, isto quando o Luís Cabral tentou impedir a minha candidatura às primeiras eleições legislativas realizadas em Bissau, após a independência. Esta declaração provocou interesse a Vasco Cabral que não me largou até eu lhe fornecer, e ao camarada Nino Vieira, o texto completo do documento”. Cadogo diz ter viajado para Portugal em Junho de 1960 porque corria enorme risco de ser preso, fora colocado na lista de suspeitos. Regressa a Bissau em Novembro desse ano, já havia notícias de prisões e mortes de presos em Tite. Recorda o reencontro com Aristides Pereira em Madina do Boé, na altura da comemoração do primeiro aniversário da independência.

Os contactos clandestinos prosseguiam em 1960, Cadogo desenvolvia a sua vida empresarial e refere mais nomes que se juntaram às reuniões, muitas vezes a coberto de jantares e festas: Armando Lobo de Pina, Domingos Maria Deybs, Aguinaldo Paquete. Dá-se então a prisão de Júlio Pereira, em Farim, a seguir a uma granada atirada a um ajuntamento numa festa de tambores em Farim: “Sovado que nem um animal e obrigado numa cela a lutar com um companheiro até à morte”. Embora vereador da Câmara Municipal de Bissau, Cadogo já é alvo de suspeitas. As pressões não pararam de crescer, pretendiam que ele fosse numa delegação a Lisboa numa manifestação de apoio a Salazar, recusou a missão. As prisões sucedem-se, António Carvalho veio dar-lhe a notícia da prisão de Pedro Pinto Pereira e de que a seguir ele estava na Lista. Mas quem foi preso foi João Vaz, isto perto do fim de ano de 1966. Cadogo e mais quatro foram presos em 17 de Janeiro de 1967, e brutalmente espancado. Pede a presença de um advogado, o alferes miliciano Biscaia Pereira e mais adiante escreve: “Os autores do inferno das prisões em Bissau, a começar por Guerra Ribeiro, tenente Castro e outros, começaram a ser afastados de Bissau (…) É altura de destacar a humanidade de certos elementos da PIDE que contribuíram para me salvar a vida, caso do chefe Figueiredo e do agente Silva. Destaco o comportamento do Dr. Biscaia Pereira, que fez tudo para a minha libertação, e o perigo que correu de vir a Bissau defender a minha causa, sem cobrar absolutamente nada. Razões porque, amainamos ódios, porque entre os maus vislumbrei rasgos de humanidade, de pessoas que cumpriam as missões que eram obrigados mas contra o regime colonial e torturas a que fomos sujeitos”.

Combalido, obtém do cardiologista Dr. Diaz um atestado para se deslocar com caráter de urgência a Portugal para fazer exames médicos. É nisto que ocorre o 25 de Abril de 1974. Em 1977, voltou a ser preso, por ter contestado as eleições então realizadas. Preso duas vezes em 1989 e enumera os dados do processo, pedindo a recuperação dos seus bens.

Não se sabe como estas memórias aparecem incluídas no simpósio internacional “Recordar Guileje”, que se realizou em Março de 2008. Trata-se de um documento que encontrei na Biblioteca da Liga dos Combatentes, obviamente um testemunho importante que nos faz pensar quantos outros se têm extraviado ou andarão esquecidos no pó das estantes. Interessava cruzar esta informação com muita outra (por exemplo, os testemunhos coligidos por Leopoldo Amado no livro que preparou sobre Aristides Pereira); não se fica a perceber como é que um membro do Conselho de Estado e galardoado com a medalha de Combatente da Liberdade da Pátria foi preso várias vezes depois da independência.

Dou comigo muitas vezes a pensar como é que os historiadores guineenses vão conseguir obter quadros históricos rigorosos, já nas próximas gerações, com tanta documentação malbaratada, tantos testemunhos inconclusivos e não sujeitos ao contraditório, isto para já não falar em documentos fundamentais que foram habilmente sonegados, caso do julgamento dos incriminados pelo assassinato de Amílcar Cabral, de que não resta um só testemunho escrito ou registo em bobine.
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Notas do editor

Carlos Domingos Gomes (Cadogo Pai) é membro da nossa Tabanca Grande e já viu publicadas as suas memórias nos postes de:

30 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6807: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (1): Encarregado de uma empresa francesa, em Bissau e depois Bolama (1946-1951)

2 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6815: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (2): A elite guineense nos anos 50

5 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6828: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (3): Estabelecido por conta própria em 1955

8 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6836: Memórias de Um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (4): Casado em 1956, vereador em 1957, em Bolama, regressa a Bissau em Novembro de 1960, como convicto nacionalista

10 DE AGOSTO DE 2010 > GUINÉ 63/74 - P6843: MEMÓRIAS DE UM COMBATENTE DA LIBERDADE DA PÁTRIA, CARLOS DOMINGOS GOMES, CADOGO PAI (5): JÚLIO PEREIRA, PRESO, TORTURADO E MORTO NA PRISÃO PELA PIDE, SUSPEITO DE ESTAR POR DETRÁS DOS GRAVES ACONTECIMENTOS DE FARIM, EM 1/11/1965

13 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6848. Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (6): 1966, o ano das prov(oc)ações

16 DE AGOSTO DE 2010 > Guiné 63/74 - P6856: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (Fim): Prisão e tortura pela PIDE em 1967, libertação no tempo de Spínola em 1968, refúgio em Portugal em 1973 e regresso ao país depois do 25 de Abril de 1974

Último poste da série de 29 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11880: Notas de leitura (506): A imprensa esquerdista e a luta anticolonial: A Guiné (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P11898: Álbum fotográfico de Carlos Fraga (ex-alf mil, 3ª CCAÇ / BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1973) (11): Imagens de postais ilustrados (Parte II)


Postal nº 11A


Postal nº 11B

Postal nº 12A


Postal nº 12B


Postal nº 12A


Postal nº 13B


Postal nº 14B

Fotos: © Carlos Fraga (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]

1. Continuação da publicação do álbum de Carlos Fraga, que foi alf mil, na 3ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, na segunda metade do ano de 1973, indo depois comandar, como capitão, uma companhia em Moçambique, a seguir ao 25 de abril de 1974).

Enquanto fez o seu estágio operacional no CTIG, o alf mil Carlos Fraga tirou fotos (e nomeadamente "slides") mas também comprou fotos, incluindo imagens de postais ilustrados. (*)

Publicam-se a seguir mais 7 fotos da sua coleção de postais ilustrados. Não trazem legendas. Pedimos a colaboração dos nossos leitores para  legendar as imagens.  Na nossa Tabanca Grande há seguramente amigos e camaradas que são capazes de identificar os grupos da população da Guiné do nosso tempo, aqui representados. É um desafio mas também um passatempo... de verão.

Como já aqui o dissemos,  havia da nossa parte pouca informação e conhecimento sobre a composição étnico-linguística da Guiné, da história e da cultura dos seus povos, das suas semelhanças e diferenças, etc.  A "instrução" que o exército nos deu, à pressa, era baseada no estereótipo etnocêntrico dos europeus...  A mim,  por exemplo, calhou-me uma companhia independente (a futura CCAÇ 12), composta por uma centena de militares do recrutamnente local, fulas e futa-fulas, que não falavam correntemente o português... Fomo-nos conhecendo mutuamente ao longo de 22 meses (incluindo o tempo da instrução de especialidade e de IAO, passado em Contuboel)...

Em 1950, os principais grupos étnicos (ou "tribos", como se dizia na época...) eram os seguintes: 

balantas (160 mil), 
fulas (108 mil), 
manjacos (72 mil), 
mandingas (64 mil), 
papéis (36 mil), 
brâmes (16 mil), 
beafadas (11 mil), 
bijagós (10 mil), 
felupes (8 mil), 
baiotes (4 mil) 
e nalus (3 mil) 

Os números são arredondados por excesso ou por defeito... Balantas, fulas, manjacos e mandingas representavam, só,  por sí, 60% do total. A população da Guiné era então de cerca de 510 mil, constituída em 98% por negros.  Os mestiços eram pouco mais de 4500 e os brancos não chegavam aos 2300...

Guiné 63/74 - P11897: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (11): Visita ao Centro de Saúde Materno-Infantil de Elalab, em pleno chão felupe



Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Varela > 8 de maio de 2013 >  Foto nº 13 > No regresso da visita a Elalab, um merecido almoço em Varela à sombra de um frondoso cajueiro.


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Varela >  8 de maio de 2013 > Foto nº 14 > O frondoso cajueiro sob o qual os casais Silva e Teixeira almoçaram, depois do regresso de Elalab.


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > A caminho de Elalab > 8 de maio de 2013 > Foto nº 1 > O caiaque Tabanca Pequena (oferecido pela ONG Tabanca Pequena) vai acostar para nos recolher


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > A caminho de Elalab > 8 de maio de 2013 > Foto nº 2 > O caiaque Tabanca Pequena.... Instaladas as damas, lá vamos nós rio abaixo


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > De Varela para Elalab > 8 de maio de 2013 > Foto nº 3 > O caiaque Tabanca Pequena... O Silva vai "atento ao inimigo"...


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Elalab > 8 de maio de 2013 > Foto nº 4 > A recepção da população local



Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Elalab > 8 de maio de 2013 > Foto nº 5 > Aspecto exterior do Centro Materno-infantil





Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Elalab > 9 de maio de 2013 > Foto nº 7 > Até que enfim!,  já há um registo oficial dos nascimentos na tabanca de Elalab. Que grande avanço!




Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Elalab > 9 de maio de 2013 > Foto nº 12 > Um grupo de miúdos da escola local.



Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Elalab > 9 de maio de 2013 > Foto nº 6 > Encontro com a comissão de mulheres gestoras do Centro, vendo-se em primeiro plano a coordenadora... 





 Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Elalab > 8 de maio de 2013 > Foto nº 8 >  As primeiras crianças a nascer (1)


 Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Elalab > 9 de maio de 2013 > Foto nº 9 >  As primeiras crianças a nascer (2)



Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Elalab > 8 de maio de 2013 > Foto nº 10 > Inesquecíveis momentos de diálogo em dois dialetos (o felupee o crioulo) e uma língua (o português)... O diálogo possível entre mães.


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Elalab > 8 de maio de 2013 > Foto nº 11> A minha perdição: as crianças!



Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Elalab > 9 de maio de 2013 > Foto nº 13 > No regresso a Varela apreciamos os viveiros de ostras nas plantas aquáticas das margens do rio.


Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: LG]


1. Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau (30 de Abril - 12 de maio de 2013) - Parte XI

por José Teixeira


O José Teixeira é membro sénior da Tabanca Grande e ativista solidário da Tabanca Pequena, ONGD, de Matosinhos; partiu de Casablanca, de avião, e chegou a Bissau, já na madrugada do dia 30 de abril de 2013; companheiros de viagem: a esposa Armanda; o Francisco Silva, e esposa, Elisabete.

No dia seguinte, 1 de maio, o grupo seguiu bem cedo para o sul, com pernoita no Saltinho e tendo Iemberém como destino final, aonde chegaram no dia 2, 5ª feira. Ba 1ª parte da viagem passaram por Jugudul, Xitole, Saltinho, Contabane Buba e Quebo.

No dia 3 de maio, 6ª feira, visitam Iemberém, a mata di Cantanhez e Farim do Cantanhez; no dia 4, sábado, estão em Cabedú, Cauntchinqué e Catesse; 5, domingo, vão de Iemberém, onde estavam hospedados, visitar o Núcleo Museológico de Guileje, e partem depois para o Xitole, convidados para um casamento ] (*)...

É desse evento que trata a 8ª crónica: os nossos viajantes regressam a Bissau, depois de uma tarde passada no Xitole para participar na festa de casamento de uma filha de um fula que, em jovem, era empregado na messe de sargentos e que tinha reconhecido o Silva, no seu regresso ao Xitole. A crónica nº 7 foi justamente dedicada ao emocionante reencontro [, em 1 de maio, ] com o passado, por parte do ex-alf mil Franscisco Silva, que esteve no Xitole, ao tempo daCART 3942 / BART 3873 (1971/73), antes de ir comandar oPel Caç Nat 51, Jumbembem, em meados de 1973,

A crónica anterior a nº 9, corresponde ao dia 6 de maio: os nossos viajantes foram até Farim e regressaram a Bissau. já que o Francisco Silva, mesmo de férias, teve de fazer uma intervenção cirúrgica, a uma criança que esperava um milagroso ortopedista há mais de um ano! Na crónia nº 10, descreve-se a viagem até Varela, em 7 de maio. No dia 8, o grupo vai, de barco, até Elalab..

Próximas crónicas: 9 maio- Visita a Djufunko e um cheirinho de praia em Varela; 10 maio – Descanso em Varela; 11 maio – Regresso a Bissau e embarque de madrugada, de regresso a casa.

2. Parte XI> 8 de maio de 2013:  Em pleno chão felupe, visita ao Centro Materno-Infantil de Elalab

Foi um acordar sossegado, nesta manhã do dia 8 de Maio. Varela, terra banhada por um mar de águas cálidas e belas praias convida a uma pausa no ritmo de vida que vimos tendo desde que aterramos na Guiné-Bissau. 

Acordo ao som da cristalina água que se espreguiça nas areias brancas e finas, acompanhado por um sonoro chilrear da passarada que me transporta ao ano de 1968 em Ingoré, a umas dezenas de quilómetros, onde eu também acordava ao som dos passarinhos, mal o sol despontava. 

Nesse tempo era impossível percorrer a distância Ingoré a Varela sem uma escolta bem armada e por essa razão, pura e simplesmente não se fazia. De Varela ficou a recordação (segundo diziam) de que era uma praia maravilhosa, onde a famosa Brigite Bardot teria feito umas belas férias antes da guerra pela independência ter começado, e ficou o sonho secreto de um dia visitar Varela.

Terra de paz e sossego, foi um dos primeiros espaços territoriais a ser atacado no início da guerra, pelo seu valor turístico e simbólico. Ficou desde então reduzida ao esquecimento. Se durante a guerra não havia condições para manter o turismo, apesar dos povos autóctones, de maioria Felupe, serem pacíficos, e fiéis, contrariamente ao que se fazia constar de que eram canibais.

As novas autoridades [, da Guiné-Bissau,], talvez por castigo pela não adesão à causa, mantiveram toda esta região no esquecimento. Sem pontes nem estradas, sem assistência de qualquer espécie. De recordar que a ponte sobre o Rio Mansoa foi aberta em 2003 e a de S. Vicente sobre o Rio Cacheu foi inaugurada em 2009, quebrando assim o isolamento da Guiné- Bissau para Norte por S. Domingos até ao Senegal. As velhas jangadas a pedir reforma há muitos anos eram um atraso de vida para quem precisava de se deslocar para lá da terra para tratar da saúde, fazer compras ou vender os produtos da terra.

Varela ficou assim mais perto de Bissau, apesar de serem precisas mais de duas horas para cobrir os cerca de 60 quilómetros que separam esta Tabanca da cidade de S. Domingos, devido ao mau estado da picada que as une, se for na época seca. Na época das chuvas, creio que o tempo duplicará, mesmo com um condutor experiente.

Da forte herança colonial destruída durante a guerra há as ruinas de um hotel à beira-mar e alguns resíduos de construções, talvez habitações e bares junto à praia. Ruinas que o mar se apressa em destruir no seu caminhar pela terra adentro.

A umas dezenas de metros da praia, algumas construções modernas, propriedades de guineenses com algumas posses, residentes em Bissau, e que aos fins-de-semana, tal como em Portugal, procuram este local para descansar, agora que as pontes e a estrada alcatroada até S. Domingos lhe permitiram reduzir o tempo de estrada. Um pouco mais afastada, fica a Tabanca, onde a Chez Héléne da Fá é uma referência de bom comer e bem-estar.

Varela está nas bocas do mundo e no pensamento dos políticos locais pelo valor acrescentado que as jazidas de Titânio e Zircão, lhe vieram trazer. Metais raros, de grande utilidade para a fabricação de peças de aviões e componentes para telemóveis, cuja exploração está a ser disputada por russos e chineses, para enriquecimento não da população local mas dos políticos como sempre acontece.

Bem pelo contrário, a população pode vir a sofrer consequências nocivas, não só pela perigosidade para a saúde, pelas substâncias cancerígenas usadas na sua exploração, mas também pelo desastre ecológico que a sua exploração pode provocar, nomeadamente a contaminação do lençol freático e a poluição do ecossistema rico em orizicultura e piscicultura.

Depois do pequeno-almoço que a Satu, filha do nosso cicerone, o Kissimá, nos preparou com carinho, partimos de novo. O nosso motorista, sempre pronto, como nos tempos em que era 1º cabo do exército português, estava à espera. Seguimos até Suzana, internamo-nos na mata até encontrarmos as margens do rio que se espreguiça pelas terras bolanhosas inundando-as de água salgada tornando-as improdutíveis. Mais, impede a circulação de pessoas, isolando as populações de forma impiedosa.

Para chegarmos a Elalab, o nosso destino de hoje, temos dois caminhos à escolha: (i) uma viagem pelo areal desértico, seguida de uma caminhada através de um dique construído por mão humana, que nos levará pelo menos três e horas de canseira; ou (ii) uma viagem de barco – O Tabanca Pequena, em homenagem à Associação Tabanca Pequena ONGD que o ofereceu à população desta tabanca há cerca de dois anos, reduzindo assim o tempo de chegada a Suzana para cerca de 45 minutos, navegando ria acima e pondo de lado a longa caminhada no quente e desértico areal.

[Não conseguimos identificar, nas nossas antigas cartas militares, a posição exata de Elalab. De qualquer modo nas férias, estamos com acesso limitado á Net, LG.]

Sem dúvida, que a opção foi a viagem de barco. Se atravessar as picadas do Cantanhez no Sul da Guiné, por vezes sentimos um arrepiar da espinha, ao rever mentalmente outros tempos bem mais difíceis. Este arrepiar que era felizmente compensado com o acolhimento de irmãos, somos, proporcionado pelas populações por onde passamos. Agora descer o rio com aquelas margens fechadas de floresta virgem e o ruido do pequeno motor a avassalar o ambiente, transporta-nos de novo ao tempo em que por detrás de cada árvore gigantesca que povoavam as suas margens estava um perigoso “turra” de RPG apontando ao couraçado da LDM que nos transportava para qualquer operação de “pacificação” e logo eu que não sei nadar!

Aqui, nas margens deste rio, de águas calmas e tempos de paz, as ostras colam-se aos rebentos das plantas aquáticas imprimindo aos seus troncos banhados pelas águas uma cor esbranquiçada. Um bom prenúncio para o que nos espera nesta laboriosa tabanca Felupe.

Junto ao cais improvisado, as crianças da escola local, mulheres e homens esperavam expectantes. O barco dobra a curva do rio e eis que uma multidão começa a cantar e a dançar, abrindo clareiras para os “ilustres” visitantes passarem, logo que o barquito atraca no tarrafo. É desta forma, alegre e expansiva que a população de Elalab acolhe estes dois casais [, os Teixeira e os Silva], em visita de cortesia.

No Centro Materno-Infantil, uma pequena construção pedida pelas jovens mulheres cansadas de sofrer as dores da maternidade em espaço aberto e que a AD- Acção Para o Desenvolvimento com o apoio das ONG TABANKA [, alemã,] e Tabanca Pequena, construiu e garante a manutenção, fomos recebidos pela comissão de mulheres que gerem este projeto.

Inesquecíveis momentos de diálogo em três dialetos: o felupe, o crioulo e o português. Mas deu para entender, os seus sonhos: Ter um espaço íntimo e reservado para o trabalho de parto, com o mínimo dos mínimos de condições de higiene; ter algum equipamento para facilitar as tarefas, ter medicamentos, sobretudo Paracetamol para as dores de cabeça e Quinino para a malária das crianças.

Ao ser-lhes perguntado, se não estavam precisando de mais nada, a coordenadora sorriu e disse que tinha de ir reunir com as outras pessoas (mulheres) que estavam cá fora para lhes perguntar. Feita a consulta, pediram-nos uma televisão para a escola. Aguardamos que a AD confirme se na região há sinal de TV, mas a televisão vai aparecer com toda a certeza.

Que lição, para os homens de mulheres de hoje, deste mundo consumista!

Seguiu-se o encontro com um grande grupo de homens, mulheres e crianças que nos esperavam no exterior à sombra de gigantescos poilões e, enquanto esperavamos pelas deliciosas ostras que estavam algures a ser preparadas para nós saborearmos, fomos ouvindo uns e outros a falarem de dificuldades, de sonhos, de esperança, ao mesmo tempo que aprofundávamos os nossos conhecimentos sobre a história deste povo, o felupe, que continua a usar o arco e flecha com maestria, alheio às novidades tecnológicas que tem um sonho – ter um médico que os visite de longe a longe e medicamentos para lutar contra a malária. Por ora têm apenas um enfermeiro, que de motoreta, e há que dar graças a Deus, uma vez por mês os visita, mas vai sempre de mãos vazias.

O Centro Materno Infantil, neste cerca de ano e meio de vida, acolheu quinze parturientes. Catorze crianças vivas e saudáveis vieram ao mundo, trazidas por suas mães ajudadas pelas mãos daquelas mulheres (matronas) que se entregaram a este projeto, apenas e só por amor à vida renascida em cada criança que chega a este mundo. A décima quinta ficou pelo caminho, sem ver a luz do sol, mas há duas mães esperançosas e sorridentes à espera do seu momento. Que seja um feliz momento.

Maldito tempo que desaparece sem darmos por si. Chegou a hora da despedida. Abraços sentidos, sorrisos de esperança e dor. Um reforçar dos pedidos – mezinho para as crianças, a televisão para a escola e… partimos de novo, rio acima até Suzana, onde nos esperava o Bemba para nos transportar a Varela e à sombra de um frondoso cajueiro bem carregadinho de fruto, saboreamos o petisco de frango que a Satu nos preparou com todo o carinho, neste almoçar tardio, depois de uma manhã cheia de emoções e aventuras.

Depois de um merecido descanso, um passeio pela costa marítima à procura do local ideal para uma banhoca nas mornas e serenas águas do Atlântico.

E assim se passou mais um dia de aventura nesta nova Guiné, a Guiné-Bissau.
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Nota do editor: