sábado, 10 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11925: Da Suécia com saudade (38): O que é feito de vocês, velhos camaradas e amigos ? (José Belo)

1. Mensagem de José Belo, o lusolapão:

Data: 9 de Agosto de 2013 às 15:44
Assunto: "A título de despedidas"....para MAIS Férias!

Dúvidas.

Seräo os cortes umbilicais dolorosos para os recém-nascidos? As pequenas, grandes divergências quanto a tamanhos dos umbigos...talvez.

Tendo em conta os parâmetros estabelecidos pelos Editores do blog (mais ou menos cumpridos na generalidade),  por vezes surpreendemo-nos com algumas das excepçöes.

Mas,"de gustibus et coloribus non disputandum" [, Gostos e cores não se discutem].

Surgem entäo críticas "umbilicais", lidas por uns como humor mais ou menos seco, por outros como ataques quase pessoais.

Para nós,  que nos temos uns aos outros, por se verificar ter a sociedade actual uma ideia muito própria dos ex-combatentes coloniais, será de lamentar que detalhes "fisiológicos" levem a afastamentos e à diminuição das contribuições de alguns dos Camaradas que, desde já há largos anos, nos habituáramos a seguir neste blog.




Nas suas diversidades fazem falta para o convívio interessante que este tem sido, e num espaço de tempo notável para um blog tão específico.

Ao recordar nomes e intervencöes sente-se por vezes quase a necessidade de efectuar uma "Formatura-de-Chamada"....näo "Do Recolher",  mas "De Alvorada". Um grande abraço aos Amigos.

Joseph Belo


PS - Novo E-mail dos States, é o que envio aos editores... E esta é a nova morada da Tabanca da Lapónia, depois de "bombardeada" por fanáticos islamistas....laplandkeywest.blogspot.com/

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Guiné 63/74 - P11924: Bom ou mau tempo na bolanha (25): O silêncio do Marafado (Tony Borié)

Vigésimo quinto episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.




Em novo, tinha andado com o pai e o irmão mais novo ao mar, uns dias dava boa pescaria, outros não dava, mas isso não era o importante, no fim do dia continuavam a beber na taverna do “Manhoso”, se houvesse dinheiro, pagavam e ofereciam um copo ao próprio “Manhoso”. Se não houvesse dinheiro, mandavam apontar no livro. No verão, quando um circo visitava a vila, ele ia ajudar a montar a tenda e ficava por ali, gostavam dele, pois além de ajudar era uma espécie de comunicador entre a população da vila e o pessoal do circo, ensinavam-lhe algumas habilidades e truques mágicos com que deliciava os companheiros.

Chamavam-lhe “O Marafado”, já falámos dele aqui, cantava uns fados, de tal maneira desafinados, que não se podiam ouvir, bebia vinho e fumava cigarros “Três Vintes”, era pequeno na estatura e moreno, talvez por andar sempre sem camisa. Era oriundo do Algarve, e em certa medida era comunicador e tinha alguma alegria, mas depois da cena que presenciou, com a morte de uns prisioneiros, que depois de mortos, ele e o Cifra, sempre ficaram com a ideia de que foram queimados e enterrados numa vala, nunca mais foi o mesmo. Cumpria as suas obrigações, nunca largava o seu rádio portátil, falava quando era necessário, evitava os contactos e conversas, vivia no seu mundo de silêncio, e alguns companheiros diziam-lhe:
- O Marafado, já está apanhado!

O Cifra sabia de que era derivado o seu silêncio, mas sempre respeitou e compreendeu a sua atitude. De algumas conversas que mantinha com o Cifra, dizia:
- Não sou pessoa de estar aqui preso, não sou pássaro de gaiola, preciso de ver o mar, fui pescador, isto está a matar-me aos poucos, o silêncio faz-me algum bem, pois fecho os olhos e penso na praia e no mar azul que deixei, quando vou para o mato, para mim, às vezes é bom, vejo a água dos rios e das bolanhas, e o verde das matas, estou aos poucos a odiar isto e também Portugal, assim que regressar, se regressar, vou fugir, vou emigrar.

Estas palavras eram ditas com convicção de quem sabe o que quer, eram directas, não admitiam argumentos e terminava quase sempre dizendo:
- Não falo, e quem me proibiu foi Portugal, ao matar aqueles desgraçados, a “sangue frio”, durante os interrogatórios!. Só tu e eu é que sabemos a verdade.

Muitas vezes questionou o Cifra, se conhecia algum contacto para fugir e “ir no mato”, mas o Cifra sempre lhe disse para tentar sobreviver, que iria regressar a Portugal.

Mais tarde o Cifra encontrou-o na diáspora, conviveu com ele e com a sua família, durante o tempo em que viveu na mesma cidade. Guardou a sua história, que é a história de mais um emigrante que abandonou o sol de Portugal, à beira mar plantado, para ir para o frio, à aventura, sozinho, na procura de um futuro que lhe desse algum bem-estar e o fizesse esquecer a guerra, o fizesse esquecer Mansoa, Olossato, Mansabá, Bissorã, a África, com chão de terra vermelha, que como tantos de nós, nunca esqueceu e que traz sempre dentro de si.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11911: Bom ou mau tempo na bolanha (24): Fala mentira (Toni Borié)

Guiné 63/74 - P11923: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (12): Djufunco, a hospitalidade felupe, a solidariedade portuguesa



Guiné-Bissau > Região de Cacheu >  A caminho de Djufunxo > 9 de maio de 2013 >  Fotp nº 1 > O deserto do Cacheu



Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº 2 >  O Centro Materno-Infantil, construído pelo Instituto Marquês de Vale Flor com apoio da Comunidade Europeia



Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº 3 >  O Centro Materno-Infantil: a sala da maternidade


 Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº 4 >  O Centro Materno-Infantil: a sala de espera (1)


 Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº 5 >  O Centro Materno-Infantil: a sala de espera (2)


Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº 6 >  Aspeto exterior  do antigo espaço onde as mulheres davam à luz.


Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº 7 > Aspeto interior do antigo espaço onde as mulheres davam à luz.


Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº 8  > Aglomerado de pessoas junto à escola para receber os visitantes.



Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  9 > Aspeto da dança guerreira efetuada pelas crianças da escola (1)





Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  10 > Aspeto da dança guerreira efetuada pelas crianças da escola (2)



Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  11 > Aspeto da dança guerreira efetuada pelas crianças da escola (3)

Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: LG]



1. Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau  (30 de Abril - 12 de maio de 2013) - Parte XII

por José Teixeira

O José Teixeira é membro sénior da Tabanca Grande e ativista solidário da Tabanca Pequena, ONGD, de Matosinhos; partiu de Casablanca, de avião, e chegou a Bissau, já na madrugada do dia 30 de abril de 2013; companheiros de viagem: a esposa Armanda; o Francisco Silva, e esposa, Elisabete.

No dia seguinte, 1 de maio, o grupo seguiu bem cedo para o sul, com pernoita no Saltinho e tendo Iemberém como destino final, aonde chegaram no dia 2, 5ª feira. Ba 1ª parte da viagem passaram por Jugudul, Xitole, Saltinho, Contabane Buba e Quebo.

No dia 3 de maio, 6ª feira, visitam Iemberém, a mata di Cantanhez e Farim do Cantanhez; no dia 4, sábado, estão em Cabedú, Cauntchinqué e Catesse; 5, domingo, vão de Iemberém, onde estavam hospedados, visitar o Núcleo Museológico de Guileje, e partem depois para o Xitole, convidados para um casamento ] (*)...

É desse evento que trata a 8ª crónica: os nossos viajantes regressam a Bissau, depois de uma tarde passada no Xitole para participar na festa de casamento de uma filha de um fula que, em jovem, era empregado na messe de sargentos e que tinha reconhecido o Silva, no seu regresso ao Xitole. A crónica nº 7 foi justamente dedicada ao emocionante reencontro [, em 1 de maio, ] com o passado, por parte do ex-alf mil Franscisco Silva, que esteve no Xitole, ao tempo da CART 3942 / BART 3873 (1971/73), antes de ir comandar o Pel Caç Nat 51, Jumbembem, em meados de 1973,

A crónica nº 9, corresponde ao dia 6 de maio: os nossos viajantes foram até Farim e regressaram a Bissau. já que o Francisco Silva, mesmo de férias, teve de fazer uma intervenção cirúrgica, a uma criança que esperava um milagroso ortopedista há mais de um ano! Na crónia nº 10, descreve-se a viagem até Varela, em 7 de maio. No dia 8, o grupo vai, de barco, até Elalab. Estamos em pleno chão felupe.

A crónica nº 12 é penúltima crónica do Zé Teixeira... Corresponde ao dia 9 de maio de 2013, passado na região de Cacheu, numa visita a Djufunco...  Próximas crónicas: 10 maio – Descanso em Varela;  11 maio – Regresso a Bissau e embarque de madrugada.



2. Parte XII: 9 de maiop de 2013, visita a Djufunco:

2.1. O deserto do Cacheu e o chão felupe

Entramos na reta final, nesta viagem de regresso à Guiné. Hoje, nove de maio, enfrentamos uma aventura diferente. Atravessar o areal que separa Suzana de Djufunko a norte do Rio Cacheu. Uma tabanca Felupe, só pode ser pelo seu isolamento, tão característico deste povo.

“Perdidos” entre o Rio Casamansa e o Rio Cacheu, com as suas tabancas construídas em espaços semidesérticos que envolve a região de Suzana e Varela, ou dentro desta região de beleza inconfundível, os Felupes de estatura elevada e grande robustez física, são um povo muito unido, fechado em si próprio, amigo do seu amigo, e de uma fidelidade profunda. Amantes da luta física como um desporto que praticam com paixão e os torna adversários temíveis.

São também conhecidos como peritos na azagaia e flechas como armas de eleição para a caça e defesa das suas comunidades. Se há dois anos atrás, na vista que fiz a Varela tive como segurança um velhinho guarda noturno que usava como arma um perigoso arco e respetivas flechas, o qual dormia a seu lado, toda a noite. Desta vez dispensamos segurança tal é a confiança que este povo nos inspira. Ainda há dias nos cruzamos em Ingoré com outro velhinho, antigo soldado portuguêsm  que vinha da caça com o seu arco, companheiro de muitos anos.

Pela sua forma de estar e ser, unidos e fechados na sua comunidade étnica, em que a honestidade e a seriedade é ponte honra, são vistos como pouco hospitaleiros pelas etnias envolventes, sobretudo a balanta. Não é verdade esta visão do povo Felupe. Trata-se de um povo simples, amante da sua terra que defende com vigor, que sabe acolher quem o visita com carinho e alegria. Aproveita para fazer festa, sem pedir nada em troca. Sentimos bem esta foram de estar em Elalab. Hoje vamos até Djufunko, uma tabanca perdida na areia que até há pouco tempo se servia da água de uma lagoa existente no meio da tabanca para as suas necessidades.

Um povo muito isolado pelo tipo de região em que vive, de acessos difíceis e afastada dos grandes centros. Esquecido e abandonada pelos poderes públicos, onde não existem qualquer infraestruturas de apoio à saúde,  bem-estar e ensino, a não ser as que vão sendo construídas pelas ONGDs locais como a AD e outras em parcerias com as organizações internacionais como a Tabanca Pequena, a Afetos com Letras, a Memórias e Gentes, a Tabanka,  a Plan International e outras. Um povo voltado para si próprio, orgulhoso dos seus princípios e formas de estar, simples e pobre, mas com história.

É acusado de canibalismo em tempos que se foram, mas acima de tudo é um povo trabalhador em que a mulher tem um papel muito importante na gestão das comunidades locais.

Às nove horas da manhã o condutor Bemba e o guia Kissimá esperavam-nos solícitos e preocupados com a água que precisaríamos de levar para matar a sede, porque o calor ia ser muito. Rapidamente nos conduzem até Suzana pela picada cheia de gente. Crianças a caminho da escola que nos dizem adeus e pedem “caneta,caneta” e adultos à porta das moranças ou envolvidos no trabalho diário.

Embrenhamo-nos no “deserto”, sentados, eu e o Francisco na caixa da carrinha aberta, para melhor desfrutarmos do ambiente que nos rodeia. Aliás, as nossas viagens pelo interior foram feitas sentados no descoberto da viatura para saborear tal como nos tempos idos da guerra a paisagem tão rica de beleza natural, pese embora, muito destruída devido à incúria das autoridades que facilitam o criminoso abate da floresta em troca de benesses pessoais, como está mais que provado.





Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  12  > Os Régulos da Tabanca, Alberto Sambú (o mais novo) e o Necolá Djata, com os seus banquinhos que os acompanham sempre.


Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  13 > Uma oferta simbólica das crianças da escola aos visitantes.

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Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  14 > A placa do poço construído pela AD com o apoio da Tabanca Pequena e a Câmara Municipal da Maia.




Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  15 > A lagoa de onde se abasteciam de água para consumo.



 .Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  16 >  O poilão sagrado e o altar para as ofertas e rezas ao Irã.




Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  17 > A seca de três qualidade de arroz.




Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  18 > O local sagrado das reuniões da comunidade, que neste dia se abriu pela primeira vez para reunir com a comunidade de brancos que visitou a tabanca, vendo os régulos no lugar que ocupam habitualmente (1) 


Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  19 > O local sagrado das reuniões da comunidade, que neste dia se abriu pela primeira vez para reunir com a comunidade de brancos que visitou a tabanca, vendo os régulos no lugar que ocupam habitualmente (2)


Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  20 >  O local sagrado das reuniões da comunidade, que neste dia se abriu pela primeira vez para reunir com a comunidade de brancos que visitou a tabanca, vendo os régulos no lugar que ocupam habitualmente (3).


Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: LG]



 2.2. A receção festiva dos felupes de Djufunco

Após cerca de uma hora de marcha lenta no areal, percorrida em potente jeep com tração às quatro rodas, com alguns atolamentos forçadas pelo caminho, vencidos com dos músculos dos turistas e populares que conseguiram uma boleia, chegamos a Djufunko.

Um grupo de mulheres esperava junto ao Centro Materno infantil, construído com o apoio da Comunidade Europeia. Fomos recebidos em festa, como é peculiar das gentes desta linda terra. Aproveitam todos os momentos para nos apresentar o seu folclore tradicional, a dança do batuque, cada etnia a seu jeito, sempre num ritmo contagiante. 

Visitamos de seguida o referido Centro acompanhados pela Comissão de mulheres responsáveis pela sua gestão. Dá prazer entrar dentro destes espaços e verificar a forma cuidada como são tratados. Muito limpo e asseado, com cada coisa no seu lugar. A comparação com o local em céu aberto ali mesmo ao lado, onde as grávidas até há pouco tempo sofriam os trabalhos de parto a diferença é abissal, daí o carinho e respeito que o Centro lhes merece. Elas que apenas queriam um espaço reservado onde pudessem ter os seus rebentos em lugar fechado e longe dos olhares curiosos, foram brindadas com duas salas, equipadas com o material minimamente necessário para facilitar um parto em ambiente reservado, limpo e higienizado. Organizaram-se em comissão para gerir o Centro e acolher devidamente as parturientes. 

As “matronas”, mulheres que adquiriram alguns conhecimentos práticos de apoio ao trabalho de parto expressam a sua alegria por terem agora melhores condições para executarem a sua nobre missão. Cá fora num espaço coberto com capim, espécie de sala de espera as outras mulheres aguardavam a nossa visita ao Centro Materno-Infantil para de seguida nos acompanharem até à escola, onde recentemente a Tabanca Pequena financiou a construção de um poço de água, de modo a garantir qualidade mínima na água de consumo para beber e cozinhar.

E a festa de receção continuou, agora com todas as crianças de escola, cerca de duzentas em festa. Receberam-nos com uma dança guerreira bem ritmada e acompanhado por cânticos a condizer. Espetáculo digno de se ver e apreciar, pelas vestimentas, pelo ritmo, pela alegria e pelos sons instrumentais, tudo isto, aliado à sonoridade dos cânticos e gritos típicos dos Felupes.

Os homens grandes, liderados pelos dois régulos,  estavam presentes para nos darem as boas vindas e agradecer em nome das crianças a construção do poço, junto à escola, pela qualidade da água que agora podem desfrutar. De recordar que até há pouco tempo a água para consumo era retirada de umas grande lagoa que existe no centro da população, sem o mínimo de garantia de potabilidade.

Do discurso do velho régulo Necolá Djata, sentado no seu banco recoberto com pano vermelho,  registei uma frase que me emocionou profundamente – “fostes para nós uma janela que se nos abriu para o mundo, porque nos ajudaram a ver que há outras formas de podermos ajudar o nosso povo a ser mais saudável e feliz”.

Seguiu-se uma visita guiada à tabanca,  tendo como cicerone o régulo Coronganço (Augusto) Sambú, com quem pudemos conversar em português corrente, sobre os usos e costumes do seu povo.

O régulo faz-se acompanhar de um pequeno banco em madeira, onde só ele se pode sentar, sob pena de perda de vida. Mesmo quando nos acompanharam pela tabanca, levavam o banco debaixo do braço e,  quando parávamos, sentavam-se nele. Cada terra tem seus usos e costumes, mas este é, com o devido respeito, deveras estranho.

Pudemos visitar o chão sagrado debaixo do poilão onde o povo simples vai encontrar-se com o Irã, o espírito superior, para implorar proteção e cura dos seus males, bem como o local sagrado onde os homens grandes se reúnem para decidir sobre as grandes questões que afetam o seu povo.

Neste local sagrado, os dois Régulos sentados no seu banco tradicional explicaram como se desenvolvem as reuniões da comunidade, cujas decisões são seladas com um jantar bem regado com vinho de palma e aguardente de cana. Do animal morto para o repasto ficam ali guardados a cabeça ou parte da dentuça como sinal de que houve acordo e o mesmo deve ser posto em prática. Isto fez-me lembrar os meus tempos de criança quando os homens de negócios nesse interior de Portugal selavam os seus acordos com uma caneca de saboroso vinho.

Registemos os seus pedidos. As crianças pediram uma televisão para a escola. As mulheres pediram medicamentos para que o enfermeiro que visita a tabanca uma vez por mês tenha “mezinho” para curar os seus males e os homens na pessoa do régulo Sambú pediram-no para voltarmos mais vezes.

Dá que pensar!

A hora da despedida é sempre a mais difícil. Recordo com saudade o fraterno abraço do régulo Augusto Sambú apelando ao meu ouvido para voltar.

O resto do dia, após o almoço em casa do Pepito e uma repousante sesta, foi passado na bela praia de Varela a saborear o excelente Algarve africano.

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Nota do editor:

Último poste da série > 2 de agosto de 2013 >  Guiné 63/74 - P11897: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (11): Visita ao Centro de Saúde Materno-Infantil de Elalab, em pleno chão felupe

Guiné 63/74 - P11922: Parabéns a você (609): Alberto Nascimento, ex-Soldado Condutor Auto da CCAÇ 84 (Guiné, 1961/63) e Tomás Carneiro, ex-1.º Cabo Condutor Auto da CCAÇ 4745 (Guiné, 1973/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 9 de Agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11918: Parabéns a você (608): Anselmo Reis Garvoa, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 2315 (Guiné, 1968)

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11921: Convívios (523): Comemoração do 39.º aniversário do regresso da CCAÇ 4544/73, dia 8 de Setembro de 2013 (António Agreira)

1. Mensagem do nosso camarada António Agreira (ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 4544/73, Cafal, 1973/74), com data de 8 de Agosto de 2013:

Camarada, Carlos Esteves Vinhal 
Em primeiro lugar os meus cumprimentos, para si e de um modo geral a todos os camaradas residentes ou não na tabanca grande.

Passadas que são algumas Luas volto a contactá-lo no sentido de que dentro da medida do possível seja publicada a seguinte informação:


A CCAÇ 4544/73 vai comemorar o 39.º Aniversário do seu regresso no próximo dia 8 de Setembro.

O programa é muito simples, consta a concentração dos participantes junto ao mercado Municipal de Condeixa-a-Nova (visita ao museu de Conímbriga facultativa) e partida para o restaurante (O Careca) por volta das 12H30.

Sendo certo que todas as presenças carecem de confirmação prévia, seria bom contarmos com o maior número de camaradas possível.
Nesta ordem de ideias, agradeço que esta informação seja passada a todos os residentes na tabanca grande, e em particular ao Sr. Coronel Pratas, a quem desde já envio um grande abraço, e com pena minha não envio o convite directamente por não ter o contacto. 
Este convite é claramente extensivo a todos os camaradas residentes na Tabanca Grande.

Para algum contacto mais directo pode ser utilizado o telemóvel 912 550 634.

A todos os camaradas um forte abraço
António Agreira
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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11895: Convívios (522): 5.º Almoço do pessoal da CART 6254/72 - "Os Presentes do Olossato", dia 14 de Setembro de 2013 em Paramos-Espinho (Manuel Castro)

Guiné 63/74 - P11920: Notas de leitura (509): "Fuzileiros, Força de Elite", por Ilídio Neves, José Manuel Parreira e Mário Henriques Manso (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Abril de 2013:

Queridos amigos,
Trata-se do testemunho, narrado na primeira pessoa, de um conjunto de fuzileiros que conheceu os três teatros de operações.
Dois deles, Zé da Vinha e Xaitinho, estiveram na Guiné, onde Xaitninho se cobriu de glória e é um dos militares portugueses mais condecorado.
Temos aqui a trajetória das suas vidas, as suas infâncias paupérrimas, a vontade de desbravar horizontes, assim chegaram a fuzileiros, por vezes adolescentes, ofereceram-se como voluntários, punham assim termo a vidas incolores. Não esqueceram a instrução dura que tiveram, guardam os nomes dos camaradas, cedem à emoção na lembrança dos que tombaram, por vezes a seu lado.
Cobre-se assim uma lacuna que tínhamos nas recensões.

Um abraço do
Mário


Fuzileiros, força de elite

Beja Santos

Ficaram conhecidos por o Esquelas, o Zé da Vinha, o Naine e o Xaitinho. Tinham em comum infâncias muito duras, confiaram na Marinha para a abertura de horizontes. Conheceram-se cedo ou tarde, nalguns casos nunca se encontraram em teatros de operações. Foi a Associação de Fuzileiros que os juntou. Sempre que podem elogiam os fuzileiros, com orgulho e mística. Resolveram passar a limpo reminiscências, reproduzir em linguagem de caserna acontecimentos vividos. O resultado é “Fuzileiros, força de elite”, por Ilídio Neves Luís, José Manuel Parreira e Mário Henriques Manso (Clássica Editora, 2007).

O Esquelas comeu o pão que o diabo amassou, veio lá dos confins de Pedrógão Grande, a capital atraiu-o, começou por marçano, alombava com grandes cargas às costas. Sonhou com a marinha, ofereceu-se como voluntário, era um adolescente. Em 1962 chegou a Vale de Zebro: ordem unida, aprender a bater a continência, instrução versátil. Os instrutores não eram complacentes: “Eram gritos, insultos e castigos de toda a ordem, que deixavam os mais humildes e vulneráveis completamente estarrecidos". Fez a instrução técnica complementar, depois o curso de fuzileiros especiais. Os aspetos traquinas e brejeiros nunca foram esquecidos. Em 1963, parte para Angola no Destacamento n.º 6 de Fuzileiros Especiais, a sua missão era o Zaire. Fez duas comissões em Angola. Saiu da marinha em 1969, após o que ingressou na TAP, onde trabalhou durante 36 anos.

O Zé da Vinha veio de Ermidas do Sado. Nunca esqueceu a brutalidade dos mestres-escolas e a dureza doméstica, concluída a 4.ª classe foi logo para a ceifa. Foi empregado de balcão de mercearia e vinhos. Pelos 11 anos, resolveu mudar de vida, voltou aos trabalhos de campo, suportou a muito custo as agruras dessa vida isolada e depois partiu para a margem sul do Tejo, tinha um emprego à espera numa pequena casa comercial, seguiram-se os maus tratos. Um dia, dois marinheiros, naturais de Ermidas do Sado, fizeram-lhe ver que tinham uma saída. Concorreu para a Armada, assentou praça em 1961, já com 18 anos, na Escola de Alunos Marinheiros, em Vila Franca de Xira. Acabada a recruta, entrou no curso de eletricista. Reprovou no curso de primeiro grau, concorreu a fuzileiro. Seguem-se páginas sobre os rigores da instrução. Em Fevereiro de 1964, fazendo parte da Secção Delta, rumou para a Guiné. Durante o mês de adaptação, deu apoio e fez segurança navio hidrográfico de Pedro Nunes, em Cacine. Vai descrever as operações em que participou, a sul de Bissau, nos rios Geba e Corubal, em Cafine, Cantanhez e nas áreas do rio Cacine. As operações sucedem-se, a um ritmo frenético. Diz que o rio Corubal foi trilho frequente para muitas incursões até à Ponta do Inglês e palco de sucessivos festivais de tiros, com utilização das metralhadoras Oerlikon e MG-42, instaladas nas LDM. Inevitavelmente, falava de operações bem-sucedidas e outras menos. Ao tempo, o PAIGC estava de pedra e cal na região de Cumbijã, era detentora de grande potencial de armamento, os guerrilheiros estavam bem preparados. A operação Remate, em Outubro de 1964, deixou-os desconsolados, morreram o sargento Calado e o grumete Maia. Zé da Vinha, em Março de 1967, foi gravemente ferido numa emboscada em Pedra do Feitiço, Angola, passou largos meses internado, foi dado como incapacitado para todo o serviço militar.

O Naine veio de Ancião. Nunca esqueceu o chilreio das aves, as bonitas melodias interpretadas por pintassilgos, milheiriças, cotovias, tentilhões e papa-figos. Na escola, ficaram-lhe gravados na memória os períodos de merenda e do recreio, jogar às caricas, à cabra cega e ao pião e a conduzir um arco extraído de um velho pneu de automóvel. Esteve num seminário por pouco tempo. Depois foi trabalhar para as terras do Marão, será aí que irá conhecer o Xaitinho, aqui despontou a líbido, teve uma paixoneta, regressou à terra natal, chegou a integrar um rancho folclórico e por portas travessas chegou à Marinha, queria ser fuzileiro. Fará comissões em Angola e Moçambique, estudou, licenciou-se em Direito, chegou a posto elevado na Polícia Judiciária, escreveu romances.

O Xaitinho será um dos militares mais condecorados, até chegar à base naval do Alfeite nunca tinha saído da sua aldeia, perdida entre montanhas. Viveu em Vale do Zebro, depois integrou um Destacamento de Fuzileiros Especiais, a Guiné era o seu destino. Não esqueceu as operações Tesoura, Coqueiro, Túlipa. Na Tesoura foi até à mata de Cafine. Não dispararam um tiro, encontraram a barraca vazia, pejada de equipamento de guerra. Escreve: “Os guerrilheiros do PAIGC transformaram esta terrível mata de Cafine numa autêntica fortaleza, com estruturas defensivas impressionantes, incluindo abrigos subterrâneos, a partir dos quais acionavam sofisticadas peças de artilharia que visavam os navios e as lanchas de fiscalização e desembarque que navegavam ao longo do rio Cumbijã". Na Coqueiro, voltaram à mata de Cafine, desta vez houve forte tiroteio, distinguiu-se o Câmara Lenta, parecia um atirador furtivo, calmo e destemido, alvejava os guerrilheiros um a um, não cedia a emoções. A Túlipa decorreu no Corubal, destruiu-se um acampamento, depois emboscaram perto do rio, ouviram os remos de uma canoa, escutaram guerrilheiros, atiraram granadas para o rio, dispararam muito fogo. Perto do fim da comissão, uma última operação em que estiveram o Xaitinho e o Zé da Vinha, foram até ao Poindom, entre Xime e Ponta do Inglês. Foi aqui que morreu o Mosquito. O Xaitinho revelou-se um combatente extraordinário, recebe louvores e condecorações. Voltará à Guiné, de novo integrado num destacamento, em 1972. Mais louvores e condecorações, sempre a exaltar as suas qualidades de homem e militar, o destemor e a abnegação. Ostenta a Torre e Espada, três cruzes de guerra individuais, medalhas de comportamento exemplar, foi distinguido com o prémio Governador da Guiné. Os outros fuzileiros admiram-no profundamente, como alguém escreveu: “Parece inconcebível como um homem desta grandeza, depois de tudo o que se passou, mantenha intacta aquela singular genuinidade e simplicidade, optando com serena humildade e bondade por ser intrínseca e eternamente pequeno”.

Não é de mais referir que os autores se ufanam de ter pertencido a uma força especial de elite, e dizem ter passado a limpo estes episódios em que estiveram nas antecâmaras da morte, sentiram indiscritíveis sensações da dor física e psicológica, enfatizam e repisam as imagens que guardam os camaradas despedaçados, porque pretendem que esta dádiva de juventude também só foi possível por terem pertencido a um corpo de elite da Marinha, de que se sentem devedores, mantendo-se irmanados na Associação de Fuzileiros.
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Nota do editor

Último poste da série de 5 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11906: Notas de leitura (508): "Das Guerras Africanas à Diàspora Americana", organização de Adelino Cabral e Eduardo Mayone Dias (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P11919: Tabanca Grande (407): José Fernando dos Santos Ribeiro, ex-1º Cabo de Transmissões da CCS do BCAÇ 2912 (Galomaro-Cossé), 1970/72

1. O nosso Camarada José Fernando dos Santos Ribeiro, ex-1º Cabo de Transmissões na CCS do BCAÇ 2912 (Galomaro-Cossé), 1970/72, respondeu ao meu pedido para se juntar a nós neste projecto virtual enviando-nos o seguinte texto e fotos:

 EMBOSCADA em BANGACIA (DUAS FONTES)

Era o fim da tarde, preparava-se um Grupo para partir, para um emboscada, a realizar na Picada entre Galomaro e Dulombi.

Mais precisamente no Aldeamento de Bangacia (DUAS-FONTES). Aldeamento que tinha como população feminina, as Mulheres de pele negra (Fulas) mais lindas que eu alguma vez vi. Tinham feições de brancas... mas bonitas!

Nesse dia, além do Grupo destacado por escala (dos Sapadores, onde alinhava o "Vermelhinho", nosso camarada, de Matosinhos, que tinha essa alcunha pela cor da sua tez, devido às "bazucas", whisky e vinho que ingeria), foram também por castigo o Laranjinha e mais outro camarada (do qual não me lembra o nome).

Como já tinha acabado o meu serviço nas Transmissões e o jantar no refeitório, encaminhava-me para a cantina, juntamente com outros companheiro... quando ao longe começamos a ver "tracejantes" a rasgar o céu.

Antevimos, de imediato, a desgraça que estava a acontecer para os lados das "Duas-Fontes". Ficamos em estado de alerta. Passados, sei lá, duas horas ou mais... começaram a chegar ao aquartelamento, a chorar, os companheiros que haviam saído sem serem feridos ou mortos, na emboscada em que o Pelotão havia caído...
Primeiro o "vermelhinho" e outros... mais adiante o Capitão da CCS, todos sem arma e o pânico espelhado no rosto.

Formou-se, rapidamente, um pelotão de Homens que avançaram (sujeitos em serem de novo emboscados) até ao sítio onde se desenrolou o combate, encontrando deitados no chão, entre outros, o Oliveira das Transmissões e o Laranjinha da "ferrugem"... com a boca cheia de cartuchos da "costureirinha" e trespassados à bala.

Pelas suas posições, verificou-se que tinham sido feridos e, posteriormente, deitados no chão onde, cobarde e selvaticamente, foram mortos a tiro!

Durante os primeiros seis a sete meses de comissão, em Galomaro, foram "umas férias", o que deu origem a "facilitanços"... o pior deles foi o Grupo passar a levar as armas metidas debaixo do banco do Unimog e, assim, foram apanhados de surpresa na emboscada. 

Este triste e fatídico desenlace deu-se ou em fins de 1970, ou principios de 1971 (a memória já me falha).

Quase todas as semanas me encontro, em Matosinhos, com o "Vermelhinho", que, felizmente, deixou há vários anos de beber álcool, para bem dele que estava com princípios de ficar com cirrose. 

É um solteirão e vive com uma irmã na Rua da Lota, em Matosinhos...

Para memória futura e recordação dos que por lá passaram envio a seguir algumas fotos: 

Aquartelamento de Galomaro
 “Bunker" das Transmissões, no aquartelamento de Galomaro
Mercado de Bafatá 
Tabanca de Bangacia (DUAS-FONTES)
Rua Principal em Bafatá
Rua principal em Bafatá (vista de cima) 

Um abraço para todos,
José Fernando dos Santos Ribeiro
1º Cabo Trms da CCS do BCAÇ 2912

Fotos: José Fernando dos Santos Ribeiro (2013). Direitos reservados.
Mini-guião de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

* Amigo e Camarada Ribeiro, foi bom sabermos que trabalhamos ambos na mesma empresa, e, em nome do Luís Graça e demais Camaradas desta Tabanca Grande, como é habitual sempre que mais um Homem da Guiné se junta a nós, nesta Unidade cibernética, apresento-te os nossos melhores cumprimentos Amigáveis e calorosos votos de boas vindas a esta nossa tertúlia.

Também é costume aproveitar esta oportunidade para desejar que nos contes, daquilo que te lembrares como é óbvio, mais algumas passagens e fotos da tua vivência e experiência militar na Guiné.

Da minha parte recebe desde já mais um forte abraço Amigo.


Guiné 63/74 - P11918: Parabéns a você (608): Anselmo Reis Garvoa, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 2315 (Guiné, 1968)

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Nota do editor

Último poste da série de 8 de Agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11915: Parabéns a você (607): Henrique Martins de Castro, ex-Soldado Condutor Auto da CART 3521 (Guiné, 1971/74)

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11917: In Memoriam (157): Agradecimento de José Martins na morte de seu irmão, o nosso camarada Manuel Martins (José Martins)




1. Mensagem de hoje do nosso camarada José da Silva Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70) com um agradecimento a propósito do falecimento do seu irmão, o nosso camarada e tertuliano Manuel da Silva Marcelino Martins, ex-Fur Mil Enf.º que prestou serviço no HM 241 de Bissau entre 1973 e 1974:




Manuel da Silva Marcelino Martins 
n. 28 de Outubro de 1950 - † 07 de Agosto de 2013 


Agradecimento

Acabo de chegar do norte, onde me fui despedir do meu irmão, e nosso camarada de armas, Manuel Marcelino Martins.

Aqui deixo o meu reconhecimento, quer em nosso nome, quer em nome de toda a família – esposa, filha, irmãos/cunhados e sobrinhos – pelas condolências recebidas pessoalmente ou enviadas através dos meus de comunicação que agora usamos – blogue, telefone, redes sociais. 

Pelo que me apercebi, deixou obra na Comunidade Paroquial de Canidelo – Gaia, que em peso quis prestar o seu reconhecimento e homenagem.

A todos o nosso abraço 
Zé Martins


2. Vem a propósito uma mensagem do nosso camarada David Guimarães, chegada também hoje ao Blogue, que em jeito de homenagem nos mandou um pequeno filme com a actuação do Grupo que interpreta fados de Coimbra do qual o Manuel Martins fazia parte com o David Guimarães.

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Na foto, o malogrado camarada Manuel Martins é o guitarrista da esquerda.
Para ouvir, clicar aqui
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Nota do editor

Vd. poste de 7 de Agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11912: In Memoriam (156): Manuel da Silva Marcelino Martins - N. 28 Outubro 1950 - † 07 Agosto 2013, Ex-Fur Mil Enf.º do HM 241 (Bissau, 1973/74) (José Martins)

Guiné 63/74 - P11916: Manuscrito(s) (Luís Graça) (6): No Chá de Caxinde, em Luanda, a lusofonia para além da nossa circunstância: recente homenagem ao poeta angolano Viriato da Cruz (1928-1973)

1. Em visita de trabalho, a Angola, tive oportunidade de assistir, em Luanda, no passado dia 18 de julho, Dia Internacional Nelson Mandela, ao lançamento do livro Poemas, de Viriato da Cruz, na associação cultural Chá de Caxinde, criada em 1989, e agora com instalações renovadas, sitas em plena baixa luandense (Rua do 1º Congresso do MPLA). A edição é da editora Nósssomos, com sede em Vila Nova de Cerveira, e associada ao nome do escritor José Luandino Vieira.

Mais uma vez a sugestão e o desafio para sair da minha dupla insularidade (, hospedado como habitualmente estou na Clínica da Sagrada Esperança,  na Ilha de Luanda) vieram do meu amigo Raul Feio, angolano, médico formado na Faculdade de Medicina de Lisboa, antes  do 25 de abril, e conceituado especialista em saúde pública, além de histórico militante do MPLA, um dos 26 médicos que ficou em Angola, sua terra, aquando  da independência, enfim, um homem cultíssimo que me apresentou a diversas personalidades do meio cultural, intelectual e jornalístico de Luanda, presentes no evento, no Chá de Caxinde.  

Confesso que não conhecia a obra, a não ser uma ou outra coisa avulsa,  de Viriato da Cruz, um homem de quem se diz que o político cedo matou o poeta, autor de um único livro de poesia publicado em vida (Poemas, 1961) mas considerado como um referência maior da moderna poesia angolana, injustamente esquecido por muitos angolanos, e nomeadamente pelo partido no poder. No Chá de Caxinde, assisti, eu e o Raúl, a um bonita homenagem ao poeta, na presença da sua viúva, Maria Eugénia (de 85 anos de idade) e netas. Nessa homenagem foram ditos (e cantados) alguns dos seus poemas, incluindo que o que reproduzimos a seguir, o conhecidíssimo Namoro (nem sempre associado ao nome do seu autor).

Recorde-se que foi o cantor português Fausto Bordalo Dias quem nusicou este poema, tendo-o interpretado e incluído no álbum "A preto e branco" (1988). Este tema jdo Fausto já tinha sido incluído no disco do Sérgio Godinho, "De pequenino se torce o destino" (1976).

È, quanto a mim, um dos mais belos poemas de amor da língua portuguesa.


2. VIRIATO DA CRUZ (Porto Amboim, Angola, 1928
- Pequim, China, 1973)

De seu nome completo, Viriato Francisco Clemente da Cruz nasceu em Kikuvo, Porto Amboim em 1928. Fez os estudos liceais em Luanda.

Considerado o primeiro teórico e membro ativo do chamado Movimento dos Novos Intelectuais de Angola (1948) e mentor da revista Mensagem (1951/52),  Em 1955, esteve também ligado à criação do Partido Comunista Angolano. Foi membro fundador do MPLA, e seu primeiro secretário-geral (1960/62). É-lhe atribuída a autoria do seu Manifesto.

Colaborou em diversas revistas literárias (Cultura I e II, Mensagem) bem como na imprensa escrita (Jornal de Angola, Diário de Luanda). Temendo pela sua segurança, parte em 1957 para Paris, onde se junta Mário Pinto de Andrade, com quem participa nos eventos culturais e políticos, mais importantes, na época, relacionados com África. Acabou por romper com a direcção do MPLA (donde será formalmente expluso em 1963), viveu exilado em vários países (incluindo Portugal) e acabou por se ficar na China, onde morreu precocemente, aos 45 anos, em 13/7/1973, em condições miseráveis e indignas, vítima de revolução cultural chinesa, no tempo do maoísmo. Pagou em vida um preço elevado pela sua rebeldia, independêdncia de espírito, firmeza de convicções e angolanidade.

É considerado como um dos principais precursores (ou representantes) da moderna poesia angolana, a par de Agostinho Neto, Aires de Almeida Santos de António Jacinto. Foi amigo íntimo de Mário Pinto de Andrade. Figura em diversas antologias de poesia angolana, nomeadamente estrangeiras.

Fontes consultadas:

Lusofonia: o teu espaço da poesia lusófona, de Manuel C. Amor > Viriato da Cruz 
Wikipédia > Viriato da Cruz

Sobre Viriato da Cruz

(...) Considerado um dos mais importantes nomes da geração de poetas pré-angolanos. Viriato da Cruz procurou assuas raízes africanas, sem, no entanto, perder as referências culturais portuguesas. Através do uso da língua portuguesa, se bem que polvilhada de palavras dialetais e adaptando a escrita à fala crioula, buscou incessantementeos símbolos da civilização africana perdida, como elementos regeneradores de todo um povo em busca da sua identidade. Essa ideia está bem expressa no poema Namoro, onde o apaixonado só consegue conquistar a sua amada quando se liberta das símbolos europeus e dança com ela uma rumba bem africana. (...)

(...) Em 1948, Viriato da Cruz lançou o mote: «Vamos descobrir Angola». A frase tornou-se lema para os intelectuais angolanos que, dois anos depois, fundaram o Movimento dos Novos Intelectuais de Angola, com Viriato da Cruz como um dos elementos mais ativos. Esse movimento foi responsável pela publicação da revista Mensagem, onde o grupo exprimiu o seu entusiasmo pela redescoberta da História e arte popular africanas, como contraponto a uma colonização que, fruto do endurecer da repressão por parte do regime ditatorial de Salazar, estava a sofrer uma contestação cada vez mais exacerbada. Nessa revista foram publicados alguns dos mais conhecidos poemas de Viriato da Cruz, tais como Makèzú ou Mamã Negra. (...) (Fonte: Infopédia)



Obra Poética:

Poemas, 1961, Lisboa:  Casa dos Estudantes do Império.
Poemas, 2013. Vila Nova de Cerveira e Luanda: Nóssomos.



NAMORO

Mandei-lhe uma carta em papel perfumado
e com a letra bonita eu disse ela tinha
um sorrir luminoso tão quente e gaiato
como o sol de Novembro brincando de artista nas acácias floridas
espalhando diamantes na fímbria do mar
e dando calor ao sumo das mangas.
Sua pele macia ─ era sumaúma...
Sua pele macia, da cor do jambo, cheirando a rosas
Sua pele macia guardava as doçuras do corpo rijo
tão rijo e tão doce ─ como o maboque...
Seu seios laranjas ─ laranjas do Loge
seus dentes... ─ marfim...

   Mandei-lhe uma carta
   e ela disse que não.

Mandei-lhe um cartão
que o Maninjo tipografou:
"Por ti sofre o meu coração".
Num canto  
─ SIM, noutro canto ─ NÃO.
    E ela o canto do NÃO dobrou.

Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete
pedindo rogando de joelhos no chão
pela Senhora do Cabo, pela Santa Ifigénia,
me desse a ventura do seu namoro...
    E ela disse que não.

Levei à avó Chica, quimbanda de fama
a areia da marca que o seu pé deixou
para que fizesse um feitiço forte e seguro
que nela nascesse um amor como o meu...
   E o feitiço falhou.

Esperei-a de tarde, à porta da fábrica,
ofertei-lhe um colar e um anel e um broche,
paguei-lhe doces na calçada da Missão,
ficámos num banco do largo da Estátua,
afaguei-lhe as mãos...
falei-lhe de amor... e ela disse que não.

Andei barbado, sujo e descalço,
como um mona-ngamba.
Procuraram por mim
" ─ Não viu...(ai, não viu...?) Não viu Benjamim?"
E perdido me deram no morro da Samba.

E para me distrair
levaram-me ao baile do sô Januário
mas ela lá estava num canto a rir
contando o meu caso às moças mais lindas do Bairro Operário.

Tocaram uma rumba ─ dancei com ela
e num passo maluco voamos na sala
qual uma estrela riscando o céu!
E a malta gritou: "Aí Benjamim!"
Olhei-a nos olhos ─ sorriu para mim
pedi-lhe um beijo ─ e ela disse que sim.

In: Viriatro da Cruz: Poemas. Vila Nova da Cerveira e Luanda: Nóssomos, 2013, pp. 45-46. (Reproduzido com a devida vénia)

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Nota do editor:

Último poste da série > 3 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11794: Manuscrito(s) (Luís Graça) (5): fumo, logo existo

Guiné 63/74 - P11915: Parabéns a você (607): Henrique Martins de Castro, ex-Soldado Condutor Auto da CART 3521 (Guiné, 1971/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 4 de Agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11902: Parabéns a você (606): José Nunes, ex-1.º Cabo Mec Electricista do BENG 447 (Guiné, 1968/70) e Rui Alexandrino Ferreira, TCor Ref das CCAÇ 1420 e CCAÇ 18 (Guiné, 1965/67 e 1970/72)

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11914: "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (3): Guiné-Bissau

1. Terceiro episódio das "Memórias da Guiné" do nosso camarada Fernando Valente (Magro) (ex-Cap Mil Art.ª do BENG 447, Bissau, 1970/72), que foram publicadas em livro no ano de 2005:


MEMÓRIAS DA GUINÉ

3 - Guiné-Bissau

Fernando de Pinho Valente (Magro) 
ex-Cap. Milº de Artilharia 

A palavra Guiné possivelmente estará na origem do nome de um aglomerado situado junto às margens do Alto Niger.
Como era um centro muito frequentado pelas caravanas de mercadores sudaneses e outros, a sua fama chegou até aos países da orla mediterrânica. Aparecia designado por nomes diversos como Ginea, Djenné, e acabou por entre nós cristalizar sob a forma de Guiné.

Embora se começasse por chamar Guiné indistintamente a todo o litoral africano a sul do Bojador, o seu início acaba por ser definido na foz do Senegal e até ao Gàmbia. Mais tarde, prolongou-se até ao actual Golfo da Guiné.

A ex-Guiné Portuguesa fica situada na Costa ocidental africana entre o Cabo Roxo e o Rio Cagete e ocupa uma área de 31.800 Km2, dos quais só 28.000 Km2 estão permanentemente emersos.
Defronte da costa estende-se um cordão litoral e em pleno oceano há um grande número de ilhas e ilhotas - o arquipélago de Bijagós.

"A zona continental é uma região baixa, invadida pela água do mar, que através de largos estuários penetra profundamente para o interior. O interior é constituído por uma série de planaltos e colinas cuja altitude ronda respectivamente os 40 metros e os 100-200 metros, que somente no Boé chega à cota de 300 metros(1)".

Com uma temperatura monótona ao longo do ano (em Bissau a média das temperaturas máximas é de 36,6º e a média das temperaturas mínimas é de 21,7º) as estações são definidas pela diferença de pluviosidade: estação seca de Novembro a Maio e estação das chuvas de Junho a Outubro.

O professor Orlando Ribeiro classificou a Guiné como "uma encruzilhada de civilizações". Em 1960 na pequena área de 28.000 Km2 viviam 519.000 habitantes, repartidos por uma quinzena de povos, dos quais cada um falava a sua língua, construía e agrupava as casas e organizava o espaço à sua volta de maneira diferente.

No interior habitavam Fulas e Mandingas, ambos islamizados.
No litoral distinguiam-se os Balantas que eram principalmente cultivadores de arroz. Além de cultivarem o arroz também se dedicavam à criação de gado.
Os Manjacos contavam-se também entre as populações mais activas e avançadas do litoral da Guiné. Eram excelentes navegadores, percorrendo nas suas pirogas o litoral, pescando ou comercializando.
Mas havia ainda outras raças como os Felupes, os Bijagós, os Papeis, Biafadas, Baiotes, Brames, Cassangas, Bagos, Nalus, Saracolés, Sossos.

A cidade de Bissau é a capital da Guiné, e o seu principal centro urbano. Situa-se entre os estuários dos rios Geba e Mansoa.
A cidade cujo plano de urbanização foi aprovado pelo Diploma legislativo 1416 de 15 de Junho de 1948, apresenta um traçado geométrico, encontrando-se em 1970 dividida por uma ampla avenida central - Avenida da República - e duas laterais: Carvalho Viegas e Cinco de Junho. À entrada da primeira ergue-se o monumento a Nuno Tristão, descobridor da Guiné, encontrando-se no seu percurso alguns modernos edifícios, como repartiçõs públicas e a Sé Catedral.
No seu topo ficava (e fica) uma vasta praça, então designada por Praça do Império, dominada pelo monumento Ao Esforço da Raça, tendo no fundo o imponente edifício do Palácio do Governo.
A parte histórica da cidade é rodeada de um forte muro de pedra e cal com quatro metros de altura - a Amura.

Dispunha (e dispõe) de um porto navegável para navios de longo curso, no canal do Geba, ao fundo de uma enseada que se abre entre a ponte de Bandim e o extremo oriental da Ilha de Bissau. A entrada do Porto faz-se entre o Ilhéu dos Pássaros, onde está instalado um farol, e o Ilhéu do Rei.

Cheguei a Bissau num voo da TAP, cerca das 7 horas da manhã do dia 10 de Abril de 1970 (sexta-feira).

Tinha à minha espera o Engenheiro Lourenço Pinto, na altura chefe dos Serviços de Obras Públicas da Guiné, conterrâneo da Lena (natural de Torre de Moncorvo), casado com uma sua amiga, Etelvina Moritz.

Amavelmente levou-me para casa dele e fez questão que, no primeiro dia, tomasse as refeições e dormisse na sua própria habitação, o que veio a acontecer.

A cidade de Bissau não me impressionou, embora esperasse por pior. Do calor é que me queixei logo que lá cheguei. O clima da Guiné é desgastante. Também o cheiro de Bissau me acolheu desagradavelmente: o seu odor era de terra putrefacta.
A cidade pareceu-me uma cidade de grandeza média, mas mal arrumada e suja.
Verifiquei logo nos primeiros contactos haver muita gente usando o traje dos muçulmanos.

Depois de me apresentar no Quartel-General procurei saber onde se situava o Palácio do Governo e tentei imediatamente marcar uma entrevista com o General Spínola.
Quem me recebeu no Palácio foi o Capitão Almeida Bruno (hoje general). Mostrei-lhe a carta que tinha recebido do Secretário do Governador e pedi-lhe que me conseguisse um contacto com o General o mais rapidamente possível.
Recebeu-me desabridamente, o que me chocou, pois ele afinal, na altura, tinha um posto militar igual ao meu.
Perguntou-me quando tinha chegado. Disse-lhe que havia chegado a Bissau nesse mesmo dia de manhã, num avião da TAP.

- Se pudesse ser recebido amanhã muito lhe agradecia.
- Você está maluco. Vou inscrevê-lo para ser recebido na próxima quarta-feira pelas quatro horas da tarde.

No segundo dia da minha estadia em Bissau instalei-me no Clube de Oficiais do Quartel-General, onde passei a fazer as refeições e me foi dado um quarto para dormir.
Aí pude conviver com o Arquitecto Morgado, Capitão Miliciano como eu, que conhecia bem do Curso de Oficiais Milicianos e do Curso de Promoção a Capitão.
Ele apresentou-me a outros oficiais com quem passei a privar na altura como o então Capitão Mário Tomé (que depois veio a ser dirigente da União Democrática Popular - U.D.P.).

No dia 12 de Abril (dois dias após ter chegado a Bissau) fui convidado pelo Engenheiro Lourenço Pinto para um passeio de automóvel até Nhacra.
Vi, nessa altura, pela primeira vez as "tabancas"(2) indígenas e verifiquei que o atraso dos naturais era muito grande sobre todos os aspectos.
Não falavam o português, a poucos quilómetros de Bissau. Ao escudo (moeda) chamavam "peso". As crianças e as mulheres, com os seios nus, vendiam camarões, ovos, galinhas, limões, carangueijos, pássaros... junto à estrada.

Na quarta-feira seguinte, dia 15 de Abril, fui recebido pelo General Spínola.
Recebeu-me com muita afabilidade e disse-me que não estava de acordo com a nossa (minha e dos meus companheiros oficiais milicianos na disponibilidade) chamada para a guerra.
Disse-me que a minha qualidade de técnico de engenharia iria ser aproveitada e que iria ser integrado numa actividade civil embora como militar.
Que continuasse a aguardar no Quartel-General que em breve teria notícias.

No Clube de Oficiais encontrei o Emílio Guerra, Capitão Miliciano como eu, que comandava a Companhia Operacional de Cabuca.
Ao redor da piscina do Clube de Oficiais eram exibidos filmes num ecrã gigante e lembro-me de aí ter visto "O Comboio Apitou Três Vezes".

A vinte e um de Abril de 1970 fui colocado nos Serviços de Reordenamentos Populacionais no Comando-Chefe, Amura.
Tratava-se de um serviço destinado às populações civis, onde era planeada a execução de uma obra que visava o agrupamento das populações prevendo-se a construção de casas, escolas, postos sanitários, celeiros, poços, bebedoros, fontanários, cercados para o gado e pequenas capelas ou mesquitas conforme a crença religiosa daqueles que iriam usufruir desses equipamentos.


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Algumas notas sobre Nuno Tristão, descobridor da Guiné

Nuno Tristão foi cavaleiro da casa do Infante D. Henrique.
Em 1441, o Infante confiou-lhe o comando de uma caravela ordenando-lhe que explorasse a costa africana para o sul da Pedra da Galé, limite dos anteriores descobrimentos, encargo de que ele se desobrigou descobrindo o Cabo Branco.
Em nova viagem, em 1443, descobriu uma das ilhas de Arguim e a das Graças.
No ano seguinte realizou terceira viagem de descobrimento, atingindo a região senegalense.
E em 1446 velejou para a costa africana pela última vez vindo a ser morto, com outros companheiros, na Guiné.

Gomes Eanes de Azurara relata-nos na sua «Crónica da Guiné» o desenlace da seguinte maneira:
"(...) que sendo este (Nuno Tristão) nobre cavaleiro em perfeito conhecimento do grande desejo e vontade do nosso virtuoso príncipe (D. Henrique), ...de mandar seus navios à terra dos negros (Guiné) e ainda mais avante (...) fez logo uma caravela, a qual armada, começou a sua viagem, não fazendo alguma detença em alguma parte, senão seguir contra (para) a terra dos Negros.
E passando per o Cabo Verde, foi mais LX léguas, onde achou um rio, em que lhe pareceu que deveria haver algumas povoações, pelo que mandou lançar fora dous pequenos bateis que levava, nos quaes entravam XXII homens, scilicet (a saber) em um dez e no outro doze. E começando assim de seguir pelo rio avante, a maré crecia, com a qual foram assim entrando, seguindo contra umas casas que viram à mão direita. E acercou-se que antes que saissem em terra sairam da outra parte XII barcos, nos quais seriam até LXX ou LXXX Guinéus, todos negros e com arcos nas mãos.
E porque a água crecia, passou-se além um barco de Guinéus e pôs os que levava em terra, donde começaram de os assetar, aos quais iam nos bateis. E os outros que iam nos barcos trigaram-se (apressaram-se) quanto podiam para chegar aos nossos, e tanto que se viam acerca, despendiam aquele malaventurado almazem (munições de setas) todo cheio de peçonha, sobre os corpos dos nossos naturaes.
E assim foram seguindo, até chegarem à caravela, que estava fora do rio, no mar largo; porém todos assetados daquela peçonha, de guisa que antes que entrassem, ficaram quatro mortos nos bateis. E assim feridos como iam, ataram seus pequenos bateis ao bordo do seu navio, começando de o aparelhar para fazerem viagem, vendo o perigoso caso em que estavam; mas não puderam levantar as âncoras, pela multidão de setas de que eram combatidos, pelo que lhes foi forçado de cortarem as amarras, que não lhes ficou alguma.
E assim começaram a fazer vela, deixando porém os bateis porque não os puderam guindar (subir). E assim dos XXII que sairam fora, não escaparam mais que dous, scilicet (a saber) um André Dias e outro Álvaro Costa, ambos escudeiros do Infante (D. Henrique) e naturais de Elvas; e os dezanove morreram, porque aquela peçonha (veneno) era assim artificiosamente composta, que com pequena ferida, somente que aventasse sangue, trazia ao seu derradeiro fim.
Ali foi morto também aquele nobre cavaleiro Nuno Tristão(3) mui desejoso desta vida (...)."


(1) - Raquel Soeiro de Brito
(2) - Povoações africanas formadas por algumas palhotas.
(3) - Ao sul da Guiné-Bissau há um rio chamado Nuno, aquele em que a tradição diz ter morrido Nuno Tristão.

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Nota do editor

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