quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11991: Conversas à mesa com camaradas ausentes - Estórias da História da Guerra Colonial – Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (5): Os meses seguintes até às férias na Metrópole

1. Quinto episódio da série "Conversas à mesa com camaradas ausentes", pelo nosso camarada José Martins Rodrigues, ex-1.º Cabo Aux Enf.º da CART 2716/BART 2917, Xitole, 1970/72:

A todos os ex-combatentes da Guiné
Só peço ao meu futuro que respeite o meu passado

No baú das memórias de cada um de nós existem inúmeras “Estórias da Guerra” por contar.
O convívio semanal na Tabanca de Matosinhos e o nascimento da ONG Tabanca Pequena-Amigos da Guiné a que me honro pertencer, despertaram-me para o desafio de retirar do baú as minhas “estórias da guerra”. Para ultrapassar a minha manifesta falta de jeito para a escrita, socorro-me de um método narrativo baseado na descrição cronológica de episódios, a que chamarei “Conversas à mesa com camaradas ausentes”. Do outro lado da mesa estará sentada a esperança de encontrar alguém que se reveja nas “estórias” relatadas e sinta a emoção do reencontro com realidades da nossa vivência na Guiné.


CONVERSAS À MESA COM CAMARADAS AUSENTES

ESTÓRIAS DA HISTÓRIA DA GUERRA COLONIAL - GUINÉ-BISSAU

5 – Os meses seguintes até às Férias na Metrópole

Era a época das chuvas e, estavam já inscritas nas nossas rotinas a presença diária das lavadeiras, dos “putos” dos abrigos, e as idas à Ponte dos Fulas. As saídas às tabancas e patrulhamentos, passaram a ser mais espaçadas. Devido ao isolamento provocado pelas chuvas, não eram possíveis as colunas de reabastecimento o que transformou, durante meses, o Rancho Geral numa rotina que alternava entre “vianda” com atum ou com salsichas porque, os pára-quedas que traziam os frescos eram um verdadeiro milagre. Logo pela manhã, os putos da nossa estimação encarregavam-se de que o pequeno-almoço não faltasse no momento certo. As lavadeiras tratavam as roupas com esmero e desdobravam-se na conquista da nossa simpatia. Era a luta pela sobrevivência, vista do outro lado.

Já tudo funcionava, parecia um paraíso. As primeiras grandes “pielas” não se fizeram esperar. Nuns quantos abrigos cantarolava-se ao som de uma viola e as patuscadas ditavam o fim de uns quantos frangos e cabritos. Rolavam as “bazucas” da Cristal. Lembras-te camarada? Tinhas um talento soberbo para as petiscadas. Fazias uns pitéus de hipopótamo, de vaca ou de frango que eram de chorar por mais. Bons momentos, que nos faziam esquecer as agruras da guerra. Os jogos de futebol, algumas paixonetas pelas bajudas e as idas domingueiras a banhos em Cusselinta, compunham o resto do ramalhete.

Devido à intensidade das chuvas, o caudal do Rio Corubal subiu acentuadamente. Uma noite, as sentinelas do posto da cozinha assustadas, deram o alarme. Teriam ouvido um zumbido muito intenso e que lhes parecia ser um helicóptero. Todo o pessoal ficou em prontidão, mas a presença da aeronave não se confirmou. Todos se interrogavam da origem do estranho barulho. A resposta veio pela manhã pela boca da população. O “zumbido” teria origem na força da deslocação do vento, provocado pela grande altura da vaga do Macaréu no Corubal. A pouca distância do quartel para o rio fez o resto.

Não resisto camaradas, a partilhar convosco uma “estória” singular de que fui um dos intervenientes. E quero garantir-vos que, só eu e o principal actor a conhecemos e do seu nome sempre farei reserva.
Um dia, um dos oficiais da companhia em privado no Posto de Socorros, foi-me dizendo que, como já tínhamos uns meses de comissão sentia necessidade de ter relações sexuais, de preferência longe do Xitole e, não se via, devido ao seu posto a ir à tabanca solicitar os favores sexuais de uma mulher.
Mas porquê a mim este pedido, interrogava-me eu? E logo a mim, que também estive uns meses a “seco” com medo das doenças sexualmente transmissíveis, ou não fosse eu Enfermeiro e, não soubesse das misérias de uns quantos! E acabei por entender a escolha do oficial.
Devido à minha função, respeitado pela população, entendeu ele que a mim elas não recusariam um pedido. Não era tão fácil assim mas, vestido dos meus brios e dos dotes que os outros me atribuíam, não dei o flanco e respondi:
- Vamos tentar.

Engendrei uma estratégia, que nem para mim tinha utilizado.
- Quando o senhor se deslocar às tabancas mais afastadas, eu também irei prestar assistência sanitária às populações e veremos então o que se pode arranjar.

E lá fomos um dia.
Chegados a Tangali, debaixo de um grande mangueiro no centro da tabanca, pedi que se reunissem as pessoas que necessitassem de assistência. Entre o grupo que entretanto se juntou, estava uma linda mulher, alta, de tez clara, talvez Futa-Fula com uma criança ao colo, aí pelos dois anos. Adivinhava-se-lhe uns lindos seios e um corpo escultural. Vai ser esta, pensei eu.
Propositadamente deixei-a ficar para o fim.
O “consultório” era no interior de uma das habitações próximas do mangueiro e o oficial assistia ao desenrolar das “consultas”.
Quando ela entrou, eu dei-lhe sinal de que o momento tinha chegado. Abordei a mulher e, ela pediu-me “mesinho” para a criança que estava com “panga na bariga”. Antes de continuar, solicitei-lhe que “partisse catota” com o oficial, que era “manga” de bom pessoal e que eu depois trataria muito bem o seu menino. Com alguma relutância, que sinceramente vos digo, me pareceu algo artificial, acedeu ao meu pedido.
Deixei-os a sós durante o tempo suficiente enquanto me demorava, simulando ir à viatura buscar medicamentos. Por pudor ou por respeito, eu e o oficial nunca mais voltamos a trocar qualquer palavra a propósito deste episódio.

Umas horas depois eu questionava-me? Mas que desperdício, para mim “niente”.
Bem mais à distância no tempo, não pude evitar um sentimento de repulsa por me ter prestado a esse papel. Era a guerra que tudo explicava, ou antes, que anestesiava o nosso carácter.
E o tempo ia correndo até que, um nefasto acontecimento veio empalidecer os nossos dias.

No percurso entre o Xitole e a Ponte dos Fulas existia um trilho, aí a um quilómetro do quartel, que se sabia usado pelo PAIGC e que era necessário armadilhar para se evitar que viessem colocar mais minas e atacassem o Xitole como já o haviam feito.

Uma secção, com dois furriéis especialistas em minas e armadilhas, foram encarregados dessa tarefa. Era um final de tarde e o tempo urgia antes que escurecesse. Os furriéis montavam a armadilha enquanto o resto da secção, afastada, fazia protecção. Inesperadamente, aconteceu o desastre. Um deles, completamente destroçado, teve morte imediata. O outro ficou gravemente ferido no rosto, no tórax e quase perdeu uma mão. Eram dois jovens, dois jovens com a vida e os sonhos interrompidos. Caía uma noite muito enevoada, o que não permitiu voos para a evacuação urgente do ferido muito grave.

Foi uma noite muito difícil, em que assistimos a noite inteira, minuto a minuto, ao sofrimento e à luta pela vida de um camarada e, tendo bem ao lado, o outro que havia falecido. Enquanto aceitava impotente, a impossibilidade da evacuação que insistentemente pedi, não consegui evitar as lágrimas pelo sofrimento humano a que assistia. Sempre atentos, mantivemos os procedimentos de estabilização do ferido até à evacuação, que aconteceu logo que a luz do dia o permitiu.
O nosso camarada saiu das nossas mãos com vida e assim continuou depois de tratado em Bissau e evacuado para Lisboa. Termos consciência de que a nossa acção contribuiu para salvar uma vida, enche-nos de uma imensa alegria, quase como que um hino de louvor à Vida.

Estávamos novamente na época seca. Os tempos seguintes foram de flagelações à Ponte dos Fulas e ao Xitole, levantamentos e rebentamentos de minas, patrulhamentos e Operações de grande envergadura. Destaco, pelas especiais circunstâncias as “ARRUAÇA" 1 e 2. A Operação “Arruaça 1” foi um autêntico fracasso militar.

Na progressão para SATECUTA, o PAIGC montou uma emboscada de que resultaram ferimentos nos dois guias africanos, sendo um deles com gravidade. Avisado dos feridos, desloquei-me à frente e deparei com os dois guias prostrados no chão. Logo me apercebi de que um deles não inspirava cuidados de maior, mas o outro estava esventrado e com os intestinos pousados no chão, misturados com terra e capim.
O velho guia estava estável e lúcido. No seu aportuguesado crioulo, balbuciava que ia morrer e eu tentava transmitir-lhe serenidade e a convicção de que se salvaria, embora eu próprio não estivesse convencido disso.
Em pleno mato, sob fogo do inimigo, as condições de tratamento dum caso destes, são muito difíceis. O ferido apresentava sinais de que uma bala ou um estilhaço lhe teria “rasgado” a parede abdominal. O objecto causador só parou no velho cantil esmaltado que o ferido trazia à cintura. Felizmente nenhum órgão vital fora atingido, nem mesmo os intestinos. Foi necessário retirar destes, todos os vestígios de terra e capim e repô-los na cavidade abdominal.

Já mais sereno, o guia pediu-me que ficasse com o amuleto que trazia ao pescoço e uma bolsa em pele e os entregasse à família. Confiava, como se de um testamenteiro se tratasse, que eu cumpriria o seu pedido, o que lhe garanti. Tocou-me bem fundo este gesto, que revela o quanto a natureza humana é tão frágil em momentos limite.
E o nosso velho Guia foi evacuado a partir do mato e, apesar de longo internamento em Bissau, sobreviveu. Mas, sem guias, a Companhia não tinha possibilidades de prosseguir. Bem lá do alto do avião ligeiro DO, o Comando insistia que, guiados por ele, podíamos continuar. Não foi esse o entendimento do Comandante da Companhia que, avaliando as circunstâncias, ordenou a retirada para o Xitole apesar das dificuldades de orientação que viriam a provocar a fragmentação da Companhia.

O comandante da Operação ordenaria a repetição da mesma “ARRUAÇA 2”, três dias depois. Esta Operação correu bem e cumpriu o objectivo de destruir SATECUTA.

Sem perceber como, aquando da entrada no objectivo, eu ia integrado no pelotão de assalto. Após os primeiros minutos e não havendo sinal do inimigo, começamos a incendiar o colmo dos telhados das casas. Quando as labaredas já iam altas, rebentou um fogachal medonho. Entretidos na tarefa de pegar fogo à tabanca, eu e mais dois camaradas mal tivemos tempo de nos abrigarmos atrás de uma grande palmeira que se encontrava perto de nós. Lembram-se camaradas? Um de vós lançava dilagramas, o outro disparava a sua G3 e eu, no meio de vós de cabeça bem rente ao solo.

Quando, por momentos levantei a cabeça, assustei-me com a possibilidade de os dilagramas baterem nas grandes folhas da palmeira. O perigo cercava-nos. Foi o momento em que concentrei o pensamento e senti a necessidade de, por instantes, dedicar uma breve lembrança aos que me eram mais queridos.
Até que um de vós percebe que um líquido quente lhe escorre para o pescoço e, ao passar a mão no rosto e vendo que está suja de sangue, quase entra em pânico. Foi preciso um forte abanão para te sossegar e, estando nós ainda debaixo de fogo, aconcheguei-te a mim para fazer o que fosse possível naquelas circunstâncias. Pude verificar que um estilhaço se espetou na parede do crânio na zona da orelha e que, mesmo sangrando muito, não estavas em perigo.

Temendo provocar uma situação que poderia não controlar, optei por não mexer no estilhaço e controlar a perda de sangue. Foste o único ferido, continuaste connosco até ao fim e só foste evacuado a partir do Xitole. A vinda do providencial helicanhão pôs fim àquele inferno.

A pressão sobre a Companhia era enorme. Cerca de um mês depois realizou-se a operação “CORRIDA ENTUSIÁSTICA” para o mesmo objectivo mas por diferentes percursos.
Digno de realce, foi o momento em que um helicóptero desce numa bolanha e, de surpresa, temos perante os nossos olhos o Comandante-Chefe General Spínola. Foi gratificante e moralizador sentir a sua presença e companhia durante uma parte do percurso a caminho do objectivo.

Por esta altura, o Serviço de Saúde funcionava só com dois cabos enfermeiros. O outro camarada por castigo, foi deslocado para Nhabijões/Bambadinca e para os que ficaram, sobrou uma carga excessiva de trabalho.

Lembram-se camaradas que parti para a Guiné de relações cortadas com o meu Pai. Essa situação vinha-me castigando interiormente o que, aliado ao imenso cansaço, fez-me alimentar a ideia ir à Metrópole de férias. Pretendia tentar reatar as relações com o meu Progenitor e, na companhia da família e da namorada comemorar o meu aniversário.
Um tio materno, intercedeu junto do meu Pai e conseguiu que ele aceitasse receber-me em casa. Para minha felicidade, o meu pai esperava-me no Aeroporto de Pedras Rubras. Trocamos aquele apertado abraço que me toldou a emoção até às lágrimas. O Amor falou tão alto, quanto um grito do fundo da Alma.

(Continua)

Corubal nas proximidades do Xitole

Rápidos de Cussilinta na época seca

Hora das lavadeiras, casa do Chefe do Posto e, em primeiro plano à direita, Bar do Soldado e Capelinha

Campo de futebol e pista de aterragem
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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11968: Conversas à mesa com camaradas ausentes - Estórias da História da Guerra Colonial – Guiné Bissau (José Martins Rodrigues) (4): Da adaptação ao Xitole, até ao baptismo de fogo

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11990: "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (6): A invasão de Conacry

1. Continuação das "Memórias da Guiné" do nosso camarada Fernando Valente (Magro) (ex-Cap Mil Art.ª do BENG 447, Bissau, 1970/72), que foram publicadas em livro no ano de 2005:


MEMÓRIAS DA GUINÉ

Fernando de Pinho Valente (Magro)
ex-Cap. Mil de Artilharia

6 - A invasão de Conacry

No dia 23 de Novembro de 1970, Bissau ficou completamente às escuras. Não havia energia eléctrica em parte alguma.
Toda a gente ficou a pensar que o gerador tinha avariado.

Naquelas paragens, dadas as altas temperaturas que por lá se registam durante todo o ano, a energia eléctrica torna-se essencial para a maneira de viver a que os europeus estão habituados.
Sem energia o ar condicionado deixa de se fazer sentir, as ventoinhas deixam de funcionar e os frigoríficos deixam de conservar os alimentos e de refrescar as bebidas…

No dia seguinte a conversa de todos os europeus e porventura de muitos africanos era a falta de energia que se havia sentido durante a noite.

Que teria acontecido?

Começa a espalhar-se, muito em segredo, a notícia de que Bissau ficou às escuras na noite de 23 para 24 de Novembro e iria continuar sem qualquer iluminação nas noites seguintes porque se temia que os aviões MIG da República da Guiné-Conacry atacassem a cidade.
 
E depois começou a circular a notícia de que essa acção poderia vir a dar-se por retaliação, porquanto Conacry tinha sido atacada pelos portugueses na noite de 22 para 23 desse mesmo Novembro de 1970.
As notícias desse acto de guerra eram porém muito vagas e quando se falava nisso era muito em surdina, quase em segredo.

Resolvi saber o que se passou em concreto e sintonizei o meu rádio na frequência da Rádio Conacry. Comecei a ouvir notícias em francês que me desconcertaram, deixando-me boquiaberto com o que estava a ser divulgado nessa rádio.
 
E a data altura foi anunciado que o Tenente Januário dos Comandos Africanos, que eu conhecia bem, e que havia sido aprisionado em Conacry, iria relatar tudo quanto se passou.

Gravei o testemunho do Tenente Januário e o seu relato explosivo que reproduzirei mais à frente.
E comecei a tirar conclusões. A pouco e pouco, ao longo do tempo, compus um "puzzle" que julgo não andar longe do que verdadeiramente aconteceu.

A Guiné Conacry e o seu Presidente Sekou Touré, davam um total apoio ao PAIGC de Amílcar Cabral, movimento subversivo que combatia os portugueses.
 
Em Conacry estava instalado o Quartel-general Central do PAIGC e as suas bases na República da Guiné.
 
Por outro lado a oposição interna ao Presidente Sekou Touré estava continuamente aumentando e até já havia colaboração de guineenses de Conacry com os Comandos Africanos Portugueses.

Segundo Mário Matos Lemos, talvez tivesse partido dessa oposição a ideia da invasão da Guiné-Conacry.
 
Com efeito, Gago de Medeiros, no seu livro "Um Açoreano no Mundo", afirma que um representante da Frente de Libertação Nacional (Front National de Liberation) da República da Guiné o procurou em Genebra, em Setembro de 1967, pedindo-lhe que o pusesse em contacto com o Governo Português, o que terá acontecido.
 
Há quem atribua, contudo, a ideia da invasão ao Comandante Alpoim Calvão, apoiado pelo General Spínola. Seja como for, a ideia seria invadir Conacry e colocar um Governo na República da Guiné discretamente favorável à política colonial portuguesa.

"A esse governo nada mais se lhe exigiria que a interdição das actividades do PAIGC em território da República da Guiné.

A PIDE e outros serviços secretos da Europa (franceses e alemães) mais a CIA, estabeleceram contactos. Tratava-se de saber se diversos países seriam ou não favoráveis a um golpe de estado que depusesse Sekou Touré.

Spínola avista-se com Marcelo Caetano a quem expõe a ideia, solicitando-lhe o seu acordo.
Ao que parece Caetano não ofereceu grande resistência. pondo, no entanto, o seu governo fora do assunto. O Governo Português não teria conhecimento de nada do que se viesse a passar. Reserva-se, porém, o direito de vetar o governo fantoche que seria imposto à Guiné-Conacry se dele discordasse."(*)


O receio de se poderem verificar nacionalizações por parte do governo de Sekou Touré levaram multinacionais e serviços secretos a concordarem com a invasão. Por outro lado, o porto de Bissau e as Ilhas de Cabo Verde são considerados pelo Estado-Maior da Nato como bases estratégicas essenciais.

"Iniciam-se, então, os contactos para formação do governo fantoche a cargo da PIDE. São estabelecidas ligações com vários indivíduos dissidentes do regime de Sekou Touré e com refugiados políticos não só na Europa como em alguns países limítrofes da Guiné-Conacry.
Realizam-se várias reuniões na Europa.

Alpoim Cakvão desloca-se à Suíça a fim de participar numa dessas reuniões. A ela compareceu também Jean Marie Doré, primeiro e principal candidato a Presidente após o golpe de estado.
Doré esteve quase a ser aceite para o cargo, no entanto viria a ser posto de lado em virtude da sua conduta moral (...).

É então designado para Presidente o Coronel Diallou (ex-sargento do exército francês) pois oferecia maiores garantias que o anterior.

Escolhido o novo gorverno havia que arranjar os executores do golpe de estado.
Paralelamente às negociações com os políticos, os serviços secretos estabeleceram contactos com mercenários e refugiados da Guiné-Conacry que se encontravam em países fronteiriços.
Duas camadas de refugiados foram recrutadas: os dissidentes por motivos ideológicos e políticos e os que apenas tinham motivos raciais.

Uma vez contactado um número bastante elevado de indivíduos, navios de guerra portugueses foram às águas territoriais de vários países vizinhos, nomeadamente à Gâmbia e Serra Leoa, durante a noite, buscar grupos de indivíduos recrutados pelos contactos locais da PIDE, dispostos a participar no golpe. Uma vez recolhidos pelos navios da Armada Portuguesa foram transportados para a ilha de Soga no arquipélago de Bijagós, onde seriam treinados por um grupo de oficiais portugueses, à frente dos quais estava o Comandante Rebordão de Brito."(*)


Anteriormente, com vários meses de antecedência, haviam sido construídas instalações para albergar este pessoal.
 
Esta ilha de Soga foi escolhida por se ter considerado ser um lugar bastante discreto onde se podia realizar o treino do pessoal sem dar nas vistas. Na ilha de Soga vieram juntar-se aos mercenários e dissidentes de Sekou Touré, num total de 200 homens, mais 220 militares do Exército e Marinha Portugueses.

"A invasão de Conacry veio a receber o nome de código de «Operação Mar Verde».
Esta operação foi planeada com mais de um ano de antecedência e para ela contribuiram investimentos estrangeiros.
O ojectivo político da operação era a substituição do regime de Sekou Touré por um regime não favorável ao PAIGC e simultâneamente favorável às multinacionais e aos interesses estrangeiros na Guiné Conacry."
(*)

E favorável aos interesses de Portugal com interdição das actividades do PAIGC. Os objectivos militares da operação eram os seguintes, de acordo com uma entrevista dada ao Diário de Notícias, em 22 de Novembro de 2000, por Alpoim Calvão:

Em primeiro lugar destruir o Quartel-General Central do PAIGC. Não se tratava de eliminar os seus dirigentes, mas aprisioná-los se possível. Em segundo lugar libertar os prisioneiros portugueses que se encontravam em Conacry.


Em terceiro lugar destruir as vedetas e embarcações do PAIGC e da República da Guiné que estivessem no Porto de Conacry.
 
O quarto objectivo militar era a neutralização da aviação que se encontrasse no aeroporto.
Finalmente, o quinto e último objectivo da Operação Mar Verde era proporcionar o desembarque em Conacry dos elementos do "Front National de Liberation", opositores de Sekou Touré, que acompanhavam os portugueses na referida operação.


Durante a tarde do dia 20 de Novembro de 1970, o General António de Spínola, acompanhado do Comandante Alpoim Calvão, Capitão Almeida Bruno e Luciano Bastos, na altura Comandante Naval da Guiné, dirige-se à ilha de Soga, onde a bordo de um dos navios faz uma exortação aos Comandos Africanos, com viata à acção que iriam empreender.
Esta exortação, em português, é traduzida para crioulo pelo capitão de raça negra João Bacar Jaló (que eu conheci também).


Após o jantar, no mesmo dia 20, os navios Oriane (barco patrulha) [LFG-Orion], Cassiopeia (barco patrulha) [LFG], Dragão (barco patrulha) [LFG], Bombordo (barcaça de desembarque) [LDG-Bombarda] e Montante (barcaça de desembarque) [LDG] [e ainda a LFG-Hidra] zarpam para o largo de onde tomariam o rumo de Conacry.
 
A bordo de um dos navios, Alpoim Calvão comandaria todas as operações.
Embarcaram também nesse navio o Tenente Januário, Zacarias Saiegue [Saiegh] e Marcelino da Mata, todos de raça negra.

Noutros navios seguem, além da Companhia de Comandos Africanos (com o Major Leal de Almeida e o Capitão Bacar), um destacamento de fuzileiros especiais também africanos, o governo do Coronel Diallou e os grupos de combate compostos por dissidentes e refugiados do regime de Sekou Touré, bem como uma força de mercenários.
 
Durante todo o tempo que durou a operação, Alpoim Calvão teria estado em contacto rádio com o General Spínola.

À uma hora e trinta minutos de 22 de Novembro de 1970 Spínola terá enviado para Lisboa uma mensagem rádio dando por iniciada a Operação Mar Verde. A essa hora desembarcaram em Conacry a Companhia de Comandos Africanos, o Destacamento de Fuzileiros Especiais e o Grupo de dissidentes e mercenários.

"Os 220 militares do Exército Português e da Marinha e os cerca de 200 militares do Front National de libération, chegaram nessa noite a ter o controlo quase completo da capital da República da Guiné.
Destruiram as vedetas rápidas da Marinha Guineense e do PAIGC, assegurando o domínio do mar.
Atingiram a central eléctrica, deixando a cidade às escuras, ganhando maior efeito de surpresa.
Tomaram a prisão «La Montaigne», libertando 26 militares portugueses lá detidos.

Destruiram cinco edifícios do PAIGC, eliminando sentinelas e militares que estavam nas imediações, mas Amílcar Cabral não foi encontrado.

Na ânsia de encontrar o Presidente Sekou Touré e de o eliminar, revistaram o Palácio Presidencial, abandonado pela guarda, aterrorizada com o ataque e tomaram a residência secundária do Presidente, mas Touré não estava em nenhum dos locais.

Ocuparam ainda o Quartel da Guarda Republicana e o Campo Militar Samory, destruindo viaturas e originando centenas de baixas... Penetraram na base militar, mas os caças MIG tinham sido enviados para outro local.

Obtido o quase total domínio em terra, as forças portuguesas e da oposição guineense não conseguiram o domínio do ar" (**)

Mas houve outros acontecimentos que correram francamente mal.

Uma vez em terra, o Tenente Januário com o seu grupo de 20 homens, que tinha por objectivo a destruição dos MIG, deserta.

Por seu lado, Zacarias Saiegue [Saiegh] e o seu grupo não conseguiram tomar a estação de rádio, de onde devia ser feita uma exortação ao país pelo Coronel Diallou e a proclamação da destituição de Sekou Touré.

"Alpoim Calvão ao tomar conhecimento do falhanço da não tomada da estação de rádio e sabedor que os MIG não estavam no aeroporto, ordena a retirada levando os militares portugueses libertados. O Coronel Diallou, Presidente indigitado para a República da Guiné retira, também, abandonando os seus homens à sua sorte.

Às 9 horas e 15 minutos de 22 de Novembro de 1970 o Presidente Sekou Touré faz na rádio uma comunicação em que afirma que a situação se encontra normalizada e diz estarem ainda à vista os navios do invasor colonialista, o que era factualmente verdade."
(*)

(*) - Jornal Expresso de 3 de Janeiro de 1976
(**) - José Manuel Barroso. Diário de Notícias de 22 de Novembro de 2000.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11963: "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (5): Os movimentos subversivos

Guiné 63/74 - P11989: Resumo dos Factos e Feitos Mais Importantes da CCAÇ 3476 - "Bebés de Canjambari" (4): Capítulo II - DEZ72/JUN73 (Manuel Lima Santos)




Conclusão da publicação do Resumo dos Factos e Feitos Mais Importantes da CCAÇ 3476 - "Bebés de Cajambari", enviado pelo nosso camarada Manuel Lima Santos (ex-Fur Mil Inf.ª nesta Companhia açoriana que esteve em Canjambari e Dugal, nos anos de 1971 a 1973.





CCAÇ 3476
BEBÉS DE CANJAMBARI

RESUMO DOS FACTOS E FEITOS MAIS IMPORTANTES

CAPÍTULO II

ACTIVIDADES MAIS SIGNIFICATIVAS NO TO DA GUINÉ

DEZEMBRO DE 1972

De 06 a 08 – A CART 3332, na presença do CMT e do Oficial de Minas da CCAÇ 3476, procedeu ao levantamento das minas implantadas ao longo do Rio Mansoa, entre Jugudul Com e Fanho.

Em 16 – Concluída a instrução de actualização do Pel Mil 228 (Chugué), que ficou adido a esta CCAÇ

Em 20 – Início do funcionamento do Centro Cripto do Dugal construído por esta CCAÇ. Foram também rapidamente introduzidos muitos melhoramentos nas instalações extremamente deficientes do Aquartelamento do Dugal, por exemplo a criação dum Gabinete de Comando e construção dum quarto para Oficiais, então inexistente, a ampliação de balneários das praças e casernas sem o que não seria possível instalar o pessoal.

De 23 a 26 – Período de prevenção, tendo a actividade das NF sido intensificada com prolongamento das emboscadas até de madrugada e patrulhamentos constantes.

Em 30 – Visita de S.Exa o General Comandante-Chefe ao destacamento do Chugué, desta CCAÇ.


JANEIRO DE 1973

Dias 01 e 02 – Intensificou-se toda a actividade operacional das NF, reforçadas de outras Unidades.

Em 03 – Visita ao Dugal de S. Exa o General Comandante-Chefe, tendo-se deslocado para o efeito em automóvel, falando às tropas e seguindo depois para Mansoa.

Em 04 – Visita ao destacamento de Fatim de S.Exa o General Comandante-Chefe, que se deslocou em helicóptero, tendo também falado às tropas.

Em 20 – Começou a funcionar o Posto Sanitário do reordenamento de Changue Bedeta, com enfermeiro desta CCAÇ. 

Em 21 – Concluídos os trabalhos de melhoria geral do sistema defensivo.

Em 30 – Início do funcionamento do P.S. do reordenamento de Jugudul com um enfermeiro desta CCAÇ. Os postos sanitários do Subsector, que se encontravam encerrados, começaram assim a justificar a sua construção. Verificou-se desde logo larga afluência da população para receber tratamento em ambos os postos.


FEVEREIRO DE 1973

Em 10 – Fim da instrução de actualização do Pel Mil 229 (Fanho), adido a esta CCAÇ.

Em 12 e 13 – Prolongamento de toda a actividade Operacional das NF, com carácter de continuidade.

Em 19 – Início do lançamento do futuro Campo de Minas que irá, do rio Mansoa ao Geba, passando ao lado do Dugal, de Fanhe e do Chugué, tendo apenas passagens nessas três localicades.
Em 20 – Concluídas outras obras necessárias nos Aquartelamentos desta CCAÇ – um paiol (inexistente), postos de vigilância, balneários nos destacamentos, cantinas e salas do Soldado nos destacamentos.


MARÇO DE 1973

Em 05 – Seguiram para Pelundo a fim de receberem instrução militar 05 naturais do Chugué, que pela primeira vez deu voluntários, abrindo boas perspectivas para a futura constituição de 01 Pel Mil de naturais da região e dando seguro indicio da aproximação das populações às NT.

Em 14 – Visita do Coronel Adido Militar à Embaixada Britânica em Lisboa, aos reordenamentos e à acção psico-social do nosso subsector, acompanhado do Coronel Chefe do Estado Maior do Com-Chefe, do CMDT Geral das Milicias, do Chefe da Rep. Acap. e do CMDT desta CCAÇ, tendo visitado também os Aquartelamentos do Dugal e Fatim.

Em 20 – Visitaram a Companhia o Chefe da Sec. Pop. do Com-Chefe acompanhado de oito Oficiais do Com. Chefe e do BENG 447 para fazerem a marcação do terreno para a construção do Posto Sanitário de Fatim e da Casa Comercial de Changue Bedete, destinada à Soc. Com. Ultramarina, conforme despacho de S. Exa o General Comandante-Chefe. Contratado pessoal balanta, foram iniciados em força os trabalhos.


ABRIL DE 1973

Em 19 - Continuação dos trabalhos de abertura do furo artesiano em Changue Bedeta com mais de 100 metros de profundidade. Depois de instalada uma bomba e um reservatório, a população terá água no reordenamento. Logo a seguir foram iniciados os trabalhos no reordenamento de Jugudul Com/Cadé.

Em 20 – Recebida MSG do Com-Chefe do seguinte teor: “Regista-se bom ritmo trabalhos reoordenamentos Changue – Subal, Fatim e Changue – Bedeta”.

Em 25 – O Posto Sanitário de Fatim, construído por nossa iniciativa, em pouco mais de quinze dias, foi concluído nesta data, tornando muito boa a cobertura Sanitária do Subsector, sendo mais uma forma de aproximar as populações, cuja adesão tem sido crescente.

Em 27 – Foi recebida nova MSG do Com-Chefe em que se salienta o bom ritmo dos trabalhos dos reordenamentos.


MAIO DE 1973

Em 05 – A apreciação da actividade Oper. N.º 17/73 refere: “Regista-se bom ritmo trabalhos reordenamentos Changue – Subal/Fatim e Changue – Bedeta”.

Em 07 – Inicio do IAO do Pel Mort 4581/72, que veio render neste sector o Pel Mort 3032. Para Director da Instrução foi nomeado o CMDT desta CCAÇ. 

Em 11 – Recebida nova MSG do Com-Chefe a salientar o bom ritmo dos reordenamentos.

Em 20 – Conclusão da Casa Comercial de Changue – Bedeta. Foi entretanto recebida mais uma MSG do Com-Chefe a salientar o nosso trabalho nos reordenamentos, em fase de conclusão. A Casa Comercial é obra de certa envergadura (8 divisões) e concluiu-se dentro dos prazos estipulados.

Em 26 – O CMDT desta CCAÇ foi nomeado pelo Exmo CMDT do COP 8, por conveniência de serviço, para comandar uma escolta a Farim, com 02 Grupos de Combate da CCAÇ 3414, seguindo também uma secção da COMP, constituída por voluntários.


JUNHO DE 1973

Em 01 – Apresentaram-se na COMP para substituição de elementos do Pel Mort 3032, 01 Furriel e 10 Praças do Pel Mort 4581, concluída a IAO que tiveram em Nhacra e no Dugal.

Em 03 – Marcharam para Nhacra os componentes do Pel Mil 3032, para seguirem no dia seguinte para Bissau, para aguardarem embarque, por fim de Comissão. O Pel Mort 3032 esteve adido a esta CCAÇ embora tivesse a maior parte do seu efectivo em Nhacra, junto da CCAÇ 3477.

Em 06 – Visitou este Subsector o jornalista Leonel Borralho, redactor-Chefe da “Gazeta Macaense” e correspondente da United Press do Extremo Oriente, fez uma extensa reportagem dos reordenamentos, para posterior publicação em jornais portugueses e estrangeiros.

Em 10 – Visitou o Subsector e em especial os reordenamentos um grupo de alunos do Liceu e Escola Técnica de Bissau, membros do Círculo de Estudos Ultramarinos.

Em 27 – Por despacho de S.Exa o Brigadeiro Comandante Militar, foram agraciados com a Medalha Comemorativa das Campanhas das Forças Armadas Portuguesas os Oficiais, sargentos e Praças desta COMP que estão dentro das condições da sua atribuição.

Em 30 – O Com-Chefe transmitiu às Unidades que tomaram parte nos reordenamentos na época seca 72/73, que agora termina, o seu alto apreço pelo trabalho realizado. No que respeita a esta CCAÇ foi feita a seguinte apreciação: ”há a assinalar o trabalho realizado pela CCAÇ 3476, não pelo seu volume em si, mas pela sua especialização (Posto Sanitário de Fatim, portas e janelas de Changue Bedeta e Casa Comercial), sendo de salientar a acção do Sr. Comandante de Companhia, Cap. Rangel e do Alf. Domingos.

(FIM)
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Nota do editor:

Postes da série de:

16 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11946: Resumo dos Factos e Feitos Mais Importantes da CCAÇ 3476 - "Bebés de Canjambari" (1): Capítulo I (Manuel Lima Santos)

20 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11959: Resumo dos Factos e Feitos Mais Importantes da CCAÇ 3476 - "Bebés de Canjambari" (2): Capítulo II - OUT71/ABR72 (Manuel Lima Santos)
e
24 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11973: Resumo dos Factos e Feitos Mais Importantes da CCAÇ 3476 - "Bebés de Canjambari" (3): Capítulo II - MAI72/NOV72 (Manuel Lima Santos)

Guiné 63/74 - P11988: Parabéns a você (619): António Marques Barbosa, ex-Fur Mil Cav do Pel Rec Panhard 1106 (Guiné, 1966/68) e José Manuel Corceiro, ex-1.º Cabo TRMS da CCAÇ 5 (Guiné, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 27 de Agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11984: Parabéns a você (618): Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2046 (Guiné, 1968/70)

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11987: Efemérides (139): 8º aniversário do monumento aos combatentes da Lourinhã, 25/8/2013 (Parte III)



Comemorações do 8º aniversário da inauguração do Monumento aos Combatentes do Ultramar, Lourinhã, 25 de agosto de 2013. Organização da AVECO, apoio da CM Lourinhã.   A seguir às cerimónias militares junto ao monumento (das 9h30 às 11h00), realizou.se missa, às 11h30,  na igreja do Castelo (séc  XII/XIV). Na foto supra, uma imagem da fantástica rosácea que encima a parede onde onde se abre o arco triunfal, virada para poente. [A Igreja de Santa Maria do Castelo encontra-se num local onde os árabes haviam construído um castelo, dentro de nuralhas (hoje desaparecidas),  dominando o braço mar que ia até à atual Praia do Areal, a sul da Praia da Areiua Brana.

É um magnífico templo gótico, dos meados do século XIV. A sua construção realizou-se em duas fases, a primeira foi atribuída a D. Jordan (cavaleiro franco que ajudou D. Afonso Henriques na Reconquista, e primeiro donatário da Lourinhã) e a segunda a D.Lourenço Vicente (arcebispo de Braga, natural da Lourinhã e seu donatário. Outra igreja da Lourinhã digna de visia é a do antigo Convento de Santo António, começada a construir no início do Séx. XVII, também monumento nacional].



Comemorações do 8º aniversário da inauguração do Monumento aos Combatentes do Ultramar, Lourinhã, 25 de agosto de 2013. Foto de grupo. Ver mais fotos do evento no sítio da AVECO.



Louirnhã > Monumento aos Combatentes do Ultramar > 25 de agosto de 2013


Fotos (e legendas): © Luís Graça(2013). Todos os direitos reservados






Vídeo (''53): Luís Graça (2013). Alojado em You Tube > Nhabijoes


Comemorações do 8º aniversário da inauguração do Monumento aos Combatentes do Ultramar, Lourinhã, 25 de agosto de 2013. Organização da AVECO, com apoio da CM Lourinhã. Final da missa dita pelo jovem padre Ricardo, pároco local, na igreja do Castelo (ou de Santa Maria do Castelo).





Vídeo (2' 15''): Luís Graça (2013). Alojado em You Tube > Nhabijoes

Comemorações do 8º aniversário da inauguração do Monumento aos Combatentes do Ultramar, Lourinhã, 25 de agosto de 2013. Organização da AVECO, apoio da CM Lourinhã. Cerimónia no cemitério local de homenagem aos mortos da guerra colonial. Visita às campas de José António Canoa Nogueira e do Arsémio Bonifácio bem como ao talhão dos combatentes. Largadas pétalas de flores em memória do José Henriques Mateus, desaparecido na Guiné, no decurso da Op Pirilampo, em 10 de setembro de 1966, no sul da Guiné, igualmente no setor de Catió, na região de Tombali, (O corpo nunca foi encontrado; stá prevista, para breve, uma homenagem ao Mateus, por parte dos seus conterrâneos da povoação da Areia Branca, freguesia da Lourinhã).



Comemorações do 8º aniversário da inauguração do Monumento aos Combatentes do Ultramar, Lourinhã, 25 de agosto de 2013. Visita à campa do José António Canoa Nogueira (1942-1965), o primeiro lourinhanense a morrer na Guiné, em Ganjola, setor de Catió, região de Tombali. em combate. Foi no dia 23 de janeiro de 1965. Era soldado apontador de morteiro, Pel Mort 942 / BCAÇ 619 (Catió, 1964/66). Era meu primo, em 3º grau, tal como o Arsénio Bonifácio, morto em Angola, era primo (direito) do Jaime Bonifácio Marques da Silva


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados

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Guiné 63/74 - P11986: Efemérides (138): 8º aniversário do monumento aos combatentes da Lourinhã, 25/8/2013 (Parte II)



Vídeo (11' 23''). Luís Graça (2013). Alojado em You Tube > Nhabijoes


Comemorações do 8º aniversário da inauguração do Monumento aos Combatentes do Ultramar, Lourinhã, 25 de agosto de 2013. Segunda e última parte do discurso do Jaime Bonifácio Marques da Silva, ex- alf mil paraquedista, BCP 21 (Angola, 1970/72), e hoje professor de educação física refomado, natural do Seixal, Lourinhã, e residente em Fafe. Há 8 anos atrás, o Jaime, mais o João Delgado e o João Picão foram os principais elementos dinamizadores da comissão "ad hoc" que pensou, planeou e executou este monumento, dentro do pacote financeiro disponibilizado pela CML (cerca de 30 mil euros).

A iniciativa destas comemorações foi da AVECO, com apoio da CM Lourinhã. Vídeo de Luís Graça



Comemorações do 8º aniversário da inauguração do Monumento aos Combatentes do Ultramar, Lourinhã, 25 de agosto de 2013.  Da esquerda para a direita, o Jaime Bonifácio Marques da Silva e o João Delgado, dois elementos da comissão "ad hoc" que há 8 anos atrás concretizou o sonho dos combatentes  da Lourinhã. Falta aqui o José Picão de Oliveira, de férias fora do concelho.



Comemorações do 8º aniversário da inauguração do Monumento aos Combatentes do Ultramar, Lourinhã, 25 de agosto de 2013.  Coroa de flores depositada na base do monumento pelos dirigentes da AVECO.


Fotos (e legendas): © Luís Graça(2013). Todos os direitos reservados





Vídeo (1' 03''). Luís Graça (2013). Alojado em You Tube > Nhabijoes

Comemorações do 8º aniversário da inauguração do Monumento aos Combatentes do Ultramar, Lourinhã, 25 de agosto de 2013. Entoação do hino nacional pelos presentes, no final das cerimónias militares.

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Nota do editor:

Último poste da série >  Guiné 63/74 - P11983: Efemérides (138): 8º aniversário do monumento aos combatentes da Lourinhã, 25/8/2013 (Parte I)

Guiné 63/74 - P11985: Bom ou mau tempo na bolanha (29): Herói Combatente (Tony Borié)

Vigésimo nono episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.



A avioneta do furriel Honório, o “Pardal”, como era conhecido no aquartelamento, sobrevoou a tal mangueira, árvore de grande porte que existia no aquartelamento, que por uns metros sobreviveu ao arame farpado, pois os postes de cimento passaram junto a ela, enquanto que algumas gaiolas de macacos e periquitos foram desviadas para o outro lado da árvore, fazia os animais fazerem algum barulho, tal como se fosse o carteiro, a tocar a corneta da sua bicicleta, quando andava na distribuição, na aldeia do vale do Ninho d’Águia, de onde o Cifra era oriundo, e era sinal que lá vinha correio. Passado pouco tempo havia a sua distribuição, e desta vez, vinham duas cartas para o Cifra, uma dos primos de Lisboa e outra da mãe Joana, onde dizia mais ou menos, depois de desejar muitos beijinhos e xi-corações, que estivesse bem, e todas aquelas coisas que as mães sempre desejavam:

“Olha, o senhor Manuel Manco, que vivia no mato, naquela casa sozinha, quase a seguir ao caminho para o Gravanço, morreu, foi encontrado morto, coitadinho, tão boa pessoa...”, e depois explicava mais alguns pormenores.

Então o Cifra fechou por momentos os olhos, lembrando-se do senhor Manuel, que devia de ter outro sobrenome, mas era conhecido por Manuel Manco, porque tinha só uma perna. Tinha sido casado, a esposa morreu com a doença do “tifo”, e tinha uma filha que foi “casada de encomenda” para o Brasil.
O povo dizia “casada de encomenda”, que era quando um português, “muito rico”, lá no Brasil, que andasse muito ocupado na “roça”, na “xácra”, no “açougue”, na “padaria”, no “botequim”, na “birosca” ou no “boteco”, mandava uma carta, normalmente ao senhor Regedor ou a Vossa Reverência, o senhor Abade da freguesia, a pedir esposa que soubesse cozinhar, lavar e engomar, que fosse donzela, estivesse vacinada e que fosse boa parideira.
Continuando, essa filha, foi para o Brasil e nunca deu sinal de si. O senhor Manuel Manco era um sobrevivente de guerra, pois fez parte do Corpo Expedicionário Português que esteve presente na Frente de Flandres, onde muitos militares portugueses foram mártires.

Havia um dia no ano em que vinham buscá-lo num automóvel preto, que tinha uma placa na frente, quase junto à manivela que o fazia começar a trabalhar, que dizia, “Propriedade do Estado”, e que parava quase junto à casa onde vivia o Cifra, que nessa altura era o Tó d’Agar, lá na sua aldeia do vale do Ninho d’Águia, vindo buscá-lo ao seu casebre, trazendo-o ao colo até ao carro, indo em seguida para a vila, com três ou quatro medalhas no peito, sobre um fato velho e preto, com um chapéu de aba larga, e um sapato, também preto no pé, que às vezes era o do outro pé, da perna que lhe tinham cortado.
Iam exibi-lo, ou seja mostrá-lo, como exemplo de coragem e bravura do Estado Novo, davam-lhe de comer, do bom e do melhor naquele dia, tiravam-lhe fotografias, de diversos ângulos, mostrando as medalhas, e onde aparecia, quase sempre a sorrir, mas em segundo plano, pois na frente e em grande plano, eram as caras rosadas e gordas das pessoas importantes da vila.

Ao fim da tarde vinha o motorista, que era o “Zica”, que dava sempre cinco tostões ao Tó d’Agar, por segurar na porta do carro, enquanto carregava o senhor Manuel Manco para fora do carro, e o ia “despejar” no seu casebre, dizendo:
- Até ao ano, Ti Manel

Durante o ano devia comer o que arranjava e das esmolas que a mãe Joana e as vizinhas lhe levavam. Elas lavavam-lhe também os trapos da sua roupa. Deslocava-se de um lado para o outro, à volta do seu casebre, com a ajuda de um pau que arranjou algures, parecendo-se com uma muleta. Tinha uma pequena horta e uma “arma de caça”, das pequenas de carregar pela boca, que usava para se defender dos lobos, que naquele tempo por lá havia, e também para matar coelhos. Diziam que tinha uma grande pontaria, pois tinha sido um COMBATENTE.

Na boca do povo, era um herói COMBATENTE, da Primeira Grande Guerra, cheio de medalhas, que tinha estado ainda jovem, com saúde e as suas duas pernas, num cenário de guerra, defendendo a sua bandeira e a sua Pátria, mas que agora vivia sozinho, arrastando-se só com uma perna.
Morreu sozinho, quase abandonado!

O Cifra, acredita que já viu este cenário, em tempos recentes, mas deve de estar confundido.

Ah..., deve de estar mesmo confundido, pois já não tem idade e não tem a companhia do furriel miliciano para fumar um cigarro feito à mão!

Tony Borie,
Setembro de 2011.
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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11962: Bom ou mau tempo na bolanha (28): O José que já foi "Arroz com pão" (Toni Borié)

Guiné 63/74 - P11984: Parabéns a você (618): Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2046 (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série 25 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11975: Parabéns a você (617): Manuel Carmelita, ex-Fur Mil Radiomontador do BCAÇ 3852 (Guiné, 1971/73)

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11983: Efemérides (138): 8º aniversário do monumento aos combatentes da Lourinhã, 25/8/2013 (Parte I)



Vídeo (2' 28'').Luis Graçºa (2013).  Alojado em You Tube > Nhabijoes.

Comemorações do 8º aniversário da inauguração do Monumento aos Combatentes do Ultramar, Lourinhã, 25 de agosto de 2013. Discurso inaugural do presidente da direção da AVECO -Associação dos Veteranos de Guerra do Oeste, com sede na Lourinhã,  Amércio Remédios [Maçarico], 1º tenente da marinha, reformado, natural de Ribamar, Lourinhã.


Vídeo (2' 40'').Luis Graça (2013).  Alojado em You Tube > Nhabijoes.

Comemorações do 8º aniversário da inauguração do Monumento aos Combatentes do Ultramar, Lourinhã, 25 de agosto de 2013. Palavras de boas vindas aos presentes, militares e civis, incluindo as associações de militares, e de homenagem aos combatentes da Lourinhã, apresentadas pelo vice-presidente da Câmara Municipal da Lourinhã, engº João Duarte.



Vídeo (1'  41''). Lu+is Graça (2013). Alojado em You Tube > Nhabijoes

Comemorações do 8º aniversário da inauguração do Monumento aos Combatentes do Ultramar, Lourinhã, 25 de agosto de 2013. António Basto, dirigente da AVECO, faz a chamada dos 20 camaradas lourinhanenses, mortos em combate., em Angola, Guiné e Moçambique. Vídeo de Luis Graça, promotora da inciati8va com o apoiod a Câmara Municipal da Lourinhã.

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Nota do editor:

Último poste da série > 19 de agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11953: Efemérides (137): 8º aniversário do Monumento aos Antigos Combatentes, Lourinhã, domingo, 25 de agosto de 2013 (AVECO - Associação de Veteranos Combatentes do Oeste, com sede na Lourinhã)

Guiné 63/74 - P11982: Estórias do Xitole (David Guimarães, ex-fur mil, CART 2716, 1970/72) (5): Uma noite em Tangali com ataque ao Xitole, o quico do furriel Fevereiro e o meu baptismo de... voo em 1971

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Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xitole > CART 2716 (1970/72) > "... 58, 59 ... 70, 71...89, 90... 98... 99... 100!  Cem canhoadas em dez  minutos no ataque ao aquartelamento do Xitole".

Foto (e legenda): © David Guimarães (2005). Todos os direitos reservados


1. Texto do David Guimarães (ex-Fur Mil Guimarães, CART 2716, Xitole, 1970/72) [, foto à esquerda, Saltinho, 2011]. Continuação da série Estórias do Xitole (*),  a partir de postes da I Série do nosso blogue:

Era costume nós irmos fazer protecção nocturna à tabancas. Era também uma forma de acção psico... Um dia lá fui eu e o [furriel] Fevereiro (**) a comandar uma secção do 3º grupo de combate. Tangali era o nome da tabanca, a última que estava à guarda do Xitole. Ficava na estrada Xitole-Saltinho (os da CCAÇ 12 muitas vezes passaram por ela).

Bem, saímos pelo fim da pista do Xitole, com dois Unimogs 411 e lá fomos. Era mesmo chato, ir dormir para a tabanca e logo para aquela:
─ Pôça, eles até eram todos de lá!  ─ pensei eu, pouco ou nada confiante na lealdade da população local para com as NT.

Na realidade, os de Tangali [, a seguir a Cambesse, na estrada para o Saltinho] jogavam para os dois lados, conforme as conveniências... Bem, lá fomos e ao fim de 7 Km lá estávamos nós.... Nisto, diz-me o Fevereiro:
─ Porra, Guimarães, perdi o meu quico!

Entretanto, vejo e ouço toda aquela gente alarmada:
─ Furriel, furriel, manga de ronco lá para o lado do Xitole!... Muito tiro, muito tiro.
 Transmissões, liga para o quartel, pergunta o que houve ─ ordeno eu.
─ Furriel, ninguém atende, não consigo nada, porra para isto!
─ Bem, nós estamos aqui, amanhã veremos o ronco  arrematei  eu.

Nessa noite não dormimos tão descansados:
─ Porra, ronco e tiros, sei lá, vamos mas é ficar atentos...

A noite nunca mais acabava... De manhã cedo, bem formados e atentos, lá fomos estrada fora, de regresso ao Xitole e entrámos pelo fundo da pista de aviação... Bem, buracos no chão não faltavam. Diz-me o Fevereiro:
 ─ Guimarães, olha ali o meu quico!
 Boa ─ disse eu tiveste  sorte, ele apareceu.

Ele pega no quico e mesmo no local da nuca estava um furo:
 ─ Já viste ─  exclama o Fevereiro para mim  ─ se eu tinha a cabeça aqui dentro!...

Bem, lá chegámos ao aquartelamento [do Xitole]:
─ Tanto buraco!
É, pá, os gajos apontaram para aqui e até parecia que disparavam em rajada os canhões sem recuo... Vinha daquele lado do Corubal...


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Subsetor de Xitole > Carta de Xitole (1955) (Escala 1/50 mil) > Posição relativa de Xitole, Cambesse (ou Cambéssé) e Tangali, na estrada que conduzia ao Saltinho.

Infografia: Blogue Luis Graça & Camaradas da Guiné (2013)

Tarefa matutinal: ver os estragos e contar as canhoadas; sim, as marcas bem visíveis e os cotos das granadas bem enterradas no chão como se fossem setas de índios:
─ Olha, esta entrou no depósito de géneros... vamos ver!

Depois de bem contados, parece que só se tinham partido 4 garrafões de vinho... Coitados dos garrafões, do mal o menos...
 ...58, 59 ... 70, 71.... porra e mais aqui ... 89, 90... 98... 99.... e esta também ... 100!!!

O ataque tinha demorado... dez minutos!
 Porra, porra!  ─ ainda dizia o Fevereiro, a olhar para o estado lastimoso em que ficou o seu quico.

Nessa altura tinha chegado ao Xitole um morteiro de calibre 107 mm  [, ou 10.7,  vd. imagem à esquerda, retirada do blogue do nosso camarada Luís Dias, CCAÇ 3491, Dulombi, 1971/74].

Para dar instrução sobre esse morteiro tinha vindo um primeiro sargento especialista de armas pesadas, ex-cabo e ex-comandante de um posto qualquer da GNR lá na Metrópole.

Experimentou-se o dez sete, assim chamávamos ao morteiro.... Poça, parecia uma arma de artilharia, boa não há dúvida, pelo menos muito barulho fazia....

De manhã, o 1º sargento costumava dar as aulas teóricas sobre o funcionamento da coisa e não é que, por ironia do destino, muitas noites e algumas seguidas éramos atacados sempre de canhão sem recuo.... A certa altura o homem do bar dizia:
─ Fui eu, ao bater a porta do frigorifico...

É que que esse barulho punha-nos todos a caminho do abrigo... Tantas vezes ele repetiram aquelas flagelações e o dez sete a funcionar... Logo de manhã, as aulas práticas e, à tarde, a teóricas...

Até que se aproximou o dia da minha licença disciplinar de 30 dias... Sim, aquilo que chamávamos férias.... Bem, mas antes teria que se ir a Satecuta [uma das bases do PAIGC, junto ao Rio Corubal, a oeste do Xitole]... Aquilo parecia uma cidade, já tinha sido visto de avioneta....

Na primeira ida, ficou a companhia de formação e comando e fiquei eu. Não relatarei o que disseram, relatarei apenas o que vi do aquartelanmento... Enfim, sem querer ser herói, percebi quanto um jogardor de futebol sofre quando está na bancada... Era o caso: a certa altura naquele dia, uma avioneta lá londe começou a andar em círculo, por baixo os jagudis na mesma em círculo, ouviam-se tiros e mais tiros, rebentamentos e mais rebentamentos. Um inferno!
─ Ai, como estarão eles, coitados, que coisa ─  dizia eu cá para mim.

A certa altura, inesperadamente a avioneta (uma DO) afasta-se e os tiros terminam. E os jagudis também desaparecem.... Por fim, todos sujos, cagados, os bravos voltam:
─ Não, não deu para entrar....

Em cada operação em que havia tiros, que coisa, vínhamos todos enfarruscados....
─ Bem, tudo muito bem, mas eles não deixaram, recebemos ordem de retirar pelo Comandante... Ninguém ficou ferido, ao menos isso... Enfim, desta vez ao menos as balas do inimigo nos acertaram.
─ Ainda bem, disse eu cá para os meus botões. Agora, Guimarães, vais até à metrópole, num voo TAP e pela agência Costa... E que tal? De avioneta até Bissau, que luxo!!!

Ai, era o meu baptismo de voo. Porreiro, o meu cu já tinha calos do Unimog...
─  Mas isto é mesmo bem bom... Adeus, Xitole, adeus,  camaradas, adeus, Fevereiro!... Até daqui a um mês!.

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Notas do editor:

(*) Postes anteriores da série:

(...) Um dia, novinhos ainda, piras, com as fardinhas novinhas em folha, aí vamos nós. Sai o 1º Grupo de Combate. Patrulha em volta do aquartelamento para os lados de Seco Braima, o que era normal: acampamento IN....

Era bem de manhã. E a certa altura, zás, ouve-se o matraquear de espingardas automáticas:
─ Que coisa!... Oh diabo, estão a enrolar. (...)


12 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11556: Estórias do Xitole (David Guimarães, ex-fur mil, CART 2716, 1970/72) (3): Era do caraças o paludismo

(...) Nós sabemos o que era uma coluna logística, uma operação de reabastecimento, mas outros nem calculam o que seja... O vai haver coluna já era uma grande chatice... Andar até ao Jagarajá, à Ponte do Rio Jagarajá, a pé e a picar, não era pera doce... E depois? Se acaso acontecia mais algo a seguir? (...)

(...) Até que enfim!... Acho que sim — não poderá haver tabus e ainda bem que o Zé Neto, o Zé Teixeira, o Jorge Cabral e o Luís são, afinal, os responsáveis por quebrarem o tabu... Falaram de algo que também é guerra... Foi e marcou a nossa guerra: a lavadeira, o cabaço, etc, etc... Ai, ai, ai, que começo a falar demais, ou talvez não...

Creio que nunca houve grandes abusos nesse sentido, nunca foi preciso apontar a G3 a nenhuma bajuda, já uns pesos, enfim ... Que mal fazia, se era dinheiro de guerra?!...(...)


18 de novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2278: Estórias do Xitole (David Guimarães, ex-fur mil, CART 2716, 1970/72) (1): A triste sorte do sapador Quaresma... morto por aquela maldita granada vermelha

(...) Sempre me preocupei, durante a guerra, em contar cá para a Metrópole (era assim que então se dizia) não propriamente as peripécias da nossa vida militar mas as coisas mais belas que encontrava na Guiné: os mangueiros carregados de mangas, os milhares de morcegos que povoavam o céu ao escurecer e ao amanhecer e que dormiam nas árvores, os macacos, as galinhas de mato, etc.
Eu achava que deveria poupar a minha família e que esta não teria que ouvir e até viver a guerra em directo: bastava para isso o sofrimento de saber que eu andava por lá (...).


(**) Fevereiro é pseudónimo. Lista dos sargentos da CART 2716 / BART 2917 (1970/72):

1º Sargento de Artilharia JOSÉ CARREIRA PEREIRA SANTOS 50453411
2º Sargento de Artilharia FIRMINO AUGUSTO PIRES 51106111
Furriel Mil. Alimentação JOAQUIM HORÁCIO OLIVEIRA MARQUES 01234769
Furriel Mil. Mecânico Auto ADELINO CABETE FONSECA 08792869
Furriel Mil. Enfermeiro ANTÓNIO REGO MEIRINHO 10725369
Furriel Mil. Transmissões FERNANDO SEVERO MENDES SILVA 02890068
Furriel Mil. Op. Especiais JOSÉ MARIA CARDOSO MARTINS 17221369
Furriel Mil. Atirador FRANCISCO MANUEL ESTEVES SANTOS 18613169
Furriel Mil. Atirador ELÍSIO MANUEL PINTO REI 01752169
Furriel Mil. Atirador JOSÉ TRIGUEIRO PEREIRA LEONES 08514269
Furriel Mil. Atirador JÚLIO MANUEL AUGUSTO 02131169
Furriel Mil. Atirador JOSÉ DANIEL ALVES RIBEIRO 10186669
Furriel Mil. Armas Pesadas DAVID JORGE PINTO BARROS GUIMARÃES 17345368
Furriel Mil. Atirador DIAMANTINO ENCARNAÇÃO FERREIRA 07995869
Furriel Mil. Atirador JOAQUIM MANUEL PALMA QUARESMA 03818069
Furriel Mil. Armas Pesadas JOSÉ CARLOS FIGUEIREDO HENRIQUES 03299869

Guiné 63/74 - P11981: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (30): O Jorge Ribeiro era um "gentleman"

1. Em mensagem do dia 22 de Agosto de 2013, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta "boa memória da sua guerra", apimentada qb, mas com a chancela de qualidade "Silva da CART".


Memórias boas da minha guerra

30 - O Jorge Ribeiro era um “gentleman”

Espinho, fora da época balnear, era uma espécie de aldeia grande onde nada faltava e onde se vivia aparentemente bem. Então, a praia estava sempre livre, os cafés sempre abertos, as lojas (modernas!), o Casino, os cinemas, os restaurantes e tascos também. Por isso, Espinho era muito frequentado pelos jovens das povoações vizinhas, que prolongavam desta forma as saudosas conquistas de verão e, também, pelos mais idosos que “arrastavam” consigo as famílias para se descontraírem. Enquanto os maridos se concentravam nos tascos para as várias “provas”, as esposas passeavam de montra em montra, fazendo contas para mais uns pequenos “investimentos” no guarda-roupa. Entretanto, os filhos divertiam-se (supostamente) próximo da avenida e as mães, já bem instaladas nas esplanadas, bebiam chá frio, servido de requintados bules de porcelana, acompanhado de guloseimas. Assim, iam esperando o regresso dos “provadores” retardados.

O regresso a casa era, naturalmente, mais difícil devido ao excesso das “provas” (normalmente referidas como encontros de interesse comercial com clientes ou pessoas de influência proveitosa) e ao excesso de chá frio. Os filhos (normalmente filhas) acumulavam mais algumas histórias de namoricos ou capítulos de um romance que pretendiam tomasse a direcção do... altar.

Como eu vivia a cerca de 8 quilómetros, gostava muito do mar e daquele ambiente cosmopolita, também dava tudo para ir a Espinho. Inicialmente, eu e os meus amigos, esforçávamo-nos para arranjar boleias na ida e, assim, garantirmos, com alguma segurança, o regresso. Muitas vezes, perdíamos mais tempo nestas tarefas do que na desejada estadia.

Na foto, a partir da esquerda: Ribeiro, Rita, Piteira e Silva

Conheci o Jorge Ribeiro em Vendas Novas durante o Curso de Sargentos Milicianos. Como éramos poucos “cá do Norte”, não foi difícil descobri-lo dentro do grupo dos “morcões”. Como era de Guimarães, também tinha “a pronúncia do Norte”.

Ele era um Senhor. Pose (quase) aristocrática, de relacionamento fino, bastante educado e muito ponderado. Sempre limpinho e bem passado a ferro, fumava com estilo, e aparentava uma certa independência financeira.

Mais tarde caímos em Espinho (Paramos), no GACA-3, a colaborar na formação (de recrutas), em várias “fornadas de carne para canhão”. A aprendizagem considerada essencial era pôr os magalas a desfilar no seu juramento de bandeira. O trabalho dos graduados era, depois, avaliado essencialmente pela demonstração de “cagança” exibida pelo seu grupo no respectivo desfile.

Era quase o início do verão de 1966. Sempre que estávamos livres, corríamos para Espinho, onde o ambiente balnear era já bastante atractivo. Como ele era um jogador de xadrês de topo, a nível nacional, sentia necessidade de prática continuada. Como não tinha com quem jogar, incentivava-me a aprender e a enfrentá-lo, segundo os seus ensinamentos. Cheguei a segurar-me até aos 10/12 lances.
Depois, era só penar.

Silva vai ao banho

Num desses serões encontrei a Lenita, uma vizinha que estava a estudar em Espinho, hospedada em casa particular. Estava acompanhada da Geninha, uma amiga dela, de Espinho. Enquanto que a Lenita, bastante vivida, já estava comprometida com um rapaz que estava em Moçambique, a Geninha era mais jovem e inexperiente nestas coisas de relacionamentos amorosos...

Convivemos em Espinho, onde a maior parte das vezes era usada a clássica “estratégia” de “vamos ver a sardinha a saltar” que consistia em visitar a zona dos pescadores (extremo sul) para ver a labuta na recolha das redes, puxadas por bois, que era um espectáculo!
Esta era uma pequena deslocação da “zona controlada”, que as mães toleravam. O “problema” é que, com aquela excitação, aliada ao desejo de conquista, terminava, muitas vezes com um “pequeno afastamento” até às dunas, que se seguiam. E não demorou muito tempo a seguirmos todo esse percurso.

A jovem Geninha, sem ser uma sereia daquelas de deslumbrar o picadeiro da avenida, não deixava de ser uma mocetona. Aloirada, sardenta e de olhos verdes, atraía bastante. Mas, o que a fazia destacar mais era um bom par de mamas, bem arredondadas e firmes, que causavam os mais atrevidos olhares e os mais pecaminosos pensamentos. Talvez por isso e porque a sua família a protegia bastante, a miúda retraia-se muito no seu relacionamento.

Enquanto o Ribeiro me fazia o favor de acompanhar a “comprometida” Lenita, eu lá me ia entusiasmando não só com os olhos verdes da Geninha mas, para ser franco, cada vez mais obcecado pelo escultural e sagrado “par de jóias”. Logo que tropeçámos nas dunas, pus em prática todos os predicados copiados do Clarke Gable, do RocK Hudson, do Burt Lancaster e do Rodolfo Valentino. Porém, por mais que me esforçasse, ela não afastava os cotovelos da “área de investimento”. Foram momentos de muitos risinhos e gritinhos abafados, mas também de muita luta. E como nestas coisas do amor, não se deve forçar, o escasso tempo disponível terminou rapidamente com um grito da Lenita, aflita com o nosso desaparecimento do seu campo visual.

Passaram-se uns dias, sem que eu mostrasse entusiasmo na companhia da Geninha. Apenas demos um pequeno passeio na direcção da Praia Azul, por detrás da Piscina. E foi nessa altura que surpreendi o Ribeiro e a Lenita que se derretiam em “marmelada”. Logo que se encontrou comigo a sós, ela desculpou-se:
- Ele está para lá para Moçambique e não vai passar sem fazer umas “coisas”. Eu tenho o mesmo direito de me ir divertindo.

A Lenita como merecia toda a confiança da família da Geninha, assumiu a responsabilidade de a levar para sua casa em Feirães, para passar um fim-de-semana. O que ninguém imaginava era que as duas amigas se disporiam a ir para o Porto passar a noitada de S. João.

Estacionámos o carro em frente à cervejaria da CUF, mesmo junto das bombas de gasolina. Dali seguimos para a Baixa e subimos a Rua de Sto. António, também conhecida pela Rua 31 de Janeiro como homenagem aos revoltosos do Porto, ali vencidos em 1891…

Cerca da meia-noite e na Rua Sta. Catarina já era um turbilhão de gente a descer e outro a subir. E com a entrada dos que subiam a Rua de Stº António, as correntes misturavam-se e provocavam encontros e desencontros forçados.

O Ribeiro ia na frente e eu atrás, presos pelas mãos. Eu conhecia aquilo de anos anteriores mas, como costumava ir “desacompanhado”, não senti problemas. Porém, desta vez, quando me apercebi de tanta gente a “ajudar”, puxando pela Geninha, dei tudo para não a largar. O problema é que os gajos empurravam-me e eu fiquei “em suspensão” na corrente que descia.

Já eram cerca das 3 horas da manhã quando os encontrei de novo. Estavam sentados nos degraus da igreja de Santo Ildefonso, ali a... pouco mais de 50 metros. Tentei animá-los e apontei o objectivo: sardinhas e caldo verde nas Fontaínhas (zona mais escura e mais romântica...).

Seguimos pela “corrente” da Batalha e, logo ali, frente à Messe de Oficiais e, apesar de convicto que a cena não se repetiria, voltei a ficar isolado. Incrível! Ainda os procurei durante mais de uma hora, mas em vão. Cansado e com os pés pisados, vim para junto do carro, onde os esperei até cerca das 7 horas! Já era dia.

Chegaram esgotados e a cambalear, a queixarem-se de dores nos pés. Deitei os olhos às mamas da Geninha, bem guarnecidas por uma fina camisola branca com duas flores dilatadas com a pressão interior, e pareceu-me rever ainda a quantidade de mãos compridas e dedos esticados a apalpá-las selvaticamente. Então ela, olhando candidamente para um vasinho de manjerico, que trazia, disse:
- Nunca mais venho ao S.João.
- Eu também não. Juro! – complementei.

E o Ribeiro confessou-me baixinho:
- Eu nunca casarei com uma mulher que tenha ido ao S. João do Porto.

Mais tarde, já em casa, ao mexer nos bolsos dei com uma pequena cartolina amarela, com a seguinte quadra:

Fui contig’ao S.João 
Pronta pra me divertir 
Com o pássaro na mão 
Morcão, deixast’o fugir.
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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE JULHO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10186: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (29): O Floriano "Florita" e o tio que pescava

Guiné 63/74 - P11980: Notas de leitura (514): "Misiones en Conflicto, La Habana, Washington y África, 1959-1976", por Piero Gleijeses (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Maio de 2013:

Queridos amigos,
Aqui se põe termo ao relato que o investigador Piero Gleijeses fez à presença cubana na Guiné-Bissau.
Cabral foi o único político africano que pareceu importante a Che Guevara.
A ajuda cubana materializou-se a nível de bolsa de estudo, abastecimentos básicos, formação militar e assistência médica, sobretudo quando Fidel Castro visita Conacri em 1972 move-o a necessidade de apoiar quem apoia o PAIGC, é hoje matéria inequívoca. A maior parte destes voluntários cubanos guardou as melhores recordações em ter combatido ao lado das formações do PAIGC.
É impossível estimar-se a importância do apoio cubano, mas sabe-se que foi determinante no campo da saúde e nas tarefas indispensáveis em termos da regulação de tiro em artilharia.

Um abraço do
Mário


Os cubanos na Guiné (2)

Beja Santos

“Misiones en Conflicto”, por Piero Gleijeses, Editorial de Ciencias Sociales, La Habana, 2007, é o livro que estamos presentemente a analisar e onde se carateriza a presença cubana na luta armada, a partir de 1966.

Acerca da assistência médica feita por cubanos, Luís Cabral escreveu na “Crónica da Libertação”: “Os cuidados médicos aos nossos combatentes e às populações das zonas libertadas alcançaram um nível inteiramente novo com a chegada dos primeiros médicos cubanos em 1966”. Não havia médicos guineenses, com a exceção do Dr. Baticã Ferreira, natural de Canchungo. Alguns enfermeiros guineenses aderiram à luta armada, mas em número insuficiente. Os médicos cubanos chegaram a acompanhar os combatentes, mas regra geral permaneciam nos hospitais improvisados, a população estimava-os muito. Mário Moutinho Pádua, médico português, trabalhava em Ziguinchor. Havia também um médico panamiano, Hugo Spadafora que trabalhou no interior da Guiné cerca de 9 meses, e mais outro, o jugoslavo Ivan Mihajlovic; e um outro mais, o doutor Binh, um professor vietnamita da Universidade de Hanoi.

Entre 1966 e 1974, houve, em média, 15 a 20 médicos enfermeiros cubanos que serviram no interior da Guiné e em Boké, na República da Guiné Conacri. A importância da sua contribuição é relevante, recorde-se que durante toda a guerra não excedeu o número de 12 os médicos não cubanos que prestaram serviço médico durante a guerra. É claro que se foram formando guineenses no decurso da guerra, como foi o caso de Paulo Medina, que se graduou em 1969 na Universidade Patrice Lumumba, de Moscovo. Foi Paulo Medina que informou Piero Gleijeses que durante a guerra se tinham formado oito médicos guineenses, todos eles em Moscovo. O PAIGC só passou a ter médicos guineenses a partir de 1968.

Tanto os médicos como os militares eram voluntários, de pele escura, como especificamente pedira Cabral. O que os motivava? Era a mística da guerra de guerrilhas, como um deles contou ao autor: “Sonhávamos com a revolução, desejávamos fazer parte dela. Eramos jovens e filhos de uma revolução”. Altruístas e aventureiros, quiseram ir para o estrangeiro defender a sua própria revolução. Não podiam receber elogios públicos em Cuba. Partiam sabendo que a sua história iria permanecer em segredo. Não ganharam medalhas nem recompensas materiais. Uma vez regressados, não podiam contar as suas façanhas, era este o pacto que tinham subscrito, diziam sempre que tinham estado a estudar na União Soviética. Houve uma cubana que esteve na Guiné-Bissau, Concepción Dumois, que ali passou 4 ou 5 meses, em 1967. Foi a primeira mulher cubana que combateu em África.

A vida destes voluntários era muito austera. Tinha acesso a comida enlatada, arroz, açúcar, feijão, óleo e azeite e até recebiam algum dinheiro para comprar alimentos frescos. Mas quando a comida chegava, era sempre repartida com outros guineenses. Um deles tentou fazer batota com guerrilheiros muçulmanos, disse-lhes que as conservas eram de carne de porco, mas eles replicaram que não havia problema, Alá não podia ver dentro da mata tão fechada… A média de permanência destes voluntários rondava os 18 meses. O local de descanso era Boké, uma pequena povoação de 2 a 3 mil habitantes.

A Guiné-Bissau era o único lugar do mundo em que combatiam os cubanos, em Maio de 1972, quando Fidel Castro visitou pela primeira vez África. Era também o único lugar do continente em que um movimento guerrilheiro desafiava com sucesso um regime colonial. Nesse tempo, a CIA escrevia que num futuro relativamente próximo o PAIGC poderia ser o primeiro movimento de libertação subsariano a ganhar uma guerra contra um regime branco. Castro esteve na Guiné-Conacri e Argélia, a caminho da Europa Oriental e da URSS. A Argélia era importante para restabelecer vínculos estreitos após a saída do poder de Ben Bella, a Guiné-Conacri era a retaguarda indispensável do PAIGC. Castro garantiu apoio a Sékou Touré, em Agosto desse ano partiram para Havana 133 estudantes, no ano seguinte mais 100.

Ao tempo em que Castro visita Conacri o PAIGC ganhava internacionalmente mais terreno, basta pensar na visita da missão especial do Comité de Descolonização das Nações Unidas. Em 14 de Novembro desse ano, a Assembleia Geral das Nações Unidas reconheceu o PAIGC como único representante legítimo. A situação tornara-se irreversível quando em 2 de Novembro de 1973 a mesma Assembleia aprovou uma resolução condenando a “ocupação ilegal pelas foças militares portuguesas de alguns setores da República da Guiné-Bissau e os atos de agressão cometidos contra o povo da República”. Um militar cubano escreveu no início de 1974: “Prevemos que os portugueses não estão em condições de resistir a uma ofensiva do PAIGC por mais de um ano”.

Refletindo sobre o PAIGC vitorioso, o autor refere o rigor de apreciação que Cabral fazia sobre os apoios que recebia. Uma visita que ele fez em 1972 à RDA disse sem papas na língua: “A Suécia ajuda-nos mais que um bom número de países socialistas juntos”. No entanto, foi o bloco soviético que lhe ofereceu a ajuda decisiva: armas e munições, bolsas de estudo, apoio material e político. Cuba foi igualmente um fornecedor de treino militar, abastecimentos e bolsas de estudo. E deu-lhes combatentes e médicos, como o jornal do PAIGC sempre referiu: “Nos momentos mais difíceis da nossa guerra de libertação, alguns dos melhores filhos da nação cubana estiveram junto dos nossos guerrilheiros, não se pouparam a sacrifícios para que a liberdade e a independência chegasse ao nosso país”. Como observa o autor, o PAIGC não era um movimento marxista e os seus líderes decidiram que a Guiné-Bissau iria figurar entre os países não-alinhados.

A União Soviética começou a ajudar o PAIGC em 1962. A presença militar cubana, a partir de 1966, complementou e ampliou o aporte soviético, os cubanos estiveram na preparação das armas de tecnologia que cada vez mais complexa que eram enviadas pela URSS. Mas na Guiné-Bissau, Cuba seguia a sua própria política. As origens da relação de Cuba com o PAIGC nada tiveram a ver com a União Soviética, eram o resultado da viagem de Guevara ao continente africano, foram intensificadas pela presença de Cabral na Conferência Trilateral. Guevara ficara desiludido com o que vira no Zaire e mesmo com o MPLA. Cuba via na luta contra as colónias portuguesas um caminho para enfraquecer o Ocidente e trazer-lhe novos amigos. Morreram 9 cubanos na guerra da Guiné e 1 foi capturado (capitão Rodríguez Peralta). Do mesmo modo que Havana não obedecia à pressão soviética enquanto ajudava o PAIGC, também os voluntários cubanos viveram a guerrilha pela sua própria determinação. O autor regista depoimentos de antigos combatentes cubanos que se diziam enamorados pelas gentes e o território.
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Nota do editor

Vd. poste de 23 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11969: Notas de leitura (513): "Misiones en Conflicto, La Habana, Washington y África, 1959-1976", por Piero Gleijeses (1) (Mário Beja Santos)