quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12059: Conversas à mesa com camaradas ausentes - Estórias da História da Guerra Colonial – Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (8): De Bafatá até ao regresso a casa

1. Oitavo e último episódio da série "Conversas à mesa com camaradas ausentes", pelo nosso camarada José Martins Rodrigues, ex-1.º Cabo Aux Enf.º da CART 2716/BART 2917, Xitole, 1970/72:

A todos os ex-combatentes da Guiné
Só peço ao meu futuro que respeite o meu passado

No baú das memórias de cada um de nós existem inúmeras “Estórias da Guerra” por contar.
O convívio semanal na Tabanca de Matosinhos e o nascimento da ONG Tabanca Pequena-Amigos da Guiné a que me honro pertencer, despertaram-me para o desafio de retirar do baú as minhas “estórias da guerra”. Para ultrapassar a minha manifesta falta de jeito para a escrita, socorro-me de um método narrativo baseado na descrição cronológica de episódios, a que chamarei “Conversas à mesa com camaradas ausentes”. Do outro lado da mesa estará sentada a esperança de encontrar alguém que se reveja nas “estórias” relatadas e sinta a emoção do reencontro com realidades da nossa vivência na Guiné.


CONVERSAS À MESA COM CAMARADAS AUSENTES

8 - DE BAFATÁ ATÉ AO REGRESSO A CASA

A vinda para Bafatá tinha o sabor de um doce saboreado fora de tempo. Mas era a janela que já se abria à concretização dos sonhos, construídos na esperança de mais uma etapa prestes a ser vencida. Fui aqui colocado, num aquartelamento na zona alta da cidade. Passava uma parte do tempo no parque que ficava por detrás da igreja. Lembram-se camaradas? Era um local agradável, fresco, porque repleto de frondosas árvores e aí nascia uma fonte que se perdia numa pequena bolanha adjacente. Entre as árvores do parque registei uma, de bom porte e que não conhecia. Tinha uns frutos grandes, arredondados, de pele rugosa e acastanhada. Era a Jaca, um fruto que saboreei depois e que considero delicioso, como deliciosas eram todas as outras frutas tropicais disponíveis na Guiné, em especial a polpa do caju.

Entre os outros “afazeres” que me ocupavam em Bafatá, eram uns mergulhos na piscina ali junto do Geba, umas idas ao cinema naquela rua que desembocava no mercado e umas idas ao Posto de Socorros de um Batalhão sediado na cidade e que ficava ao fundo da mesma rua. De vez em quando ia aquele café que fica à direita de quem desce a avenida, saborear um pomposo “bife de porco com batatas fritas”. Gostava de ir ver trabalhar um artesão que executava o seu trabalho na tabanca de Bafatá que, ficava na saída para os lados da ponte. Fazia lindas peças em ouro e prata. Observava deliciado o espelho de água do Geba e a tarefa dos pescadores que, de pé nas suas frágeis canoas, lançavam as redes em tal equilíbrio, quase sem provocar qualquer movimento na embarcação.

Era o sol abrasador, nesta terra no centro da Guiné. Nesta época era uma cidade tranquila, as movimentações militares giravam ao seu redor. Lembro, que daqui tinha saído o bacalhau que, faltando no Xitole, alegrou e deu sentido ao nosso Natal de 1971, apesar do risco que isso comportou. A estrada entre Bafatá e Bambadinca, sede do nosso Batalhão, era alcatroada e estava em muito bom estado. As deslocações entre estas localidades eram fáceis e frequentes. Aproveitei uma boleia e fui até Bambadinca. Lembras-te camarada? Apareci-te de surpresa e passamos um dia muito especial.

Na tua companhia, tive oportunidade de conhecer a “tua” terra, o que não havia conseguido durante toda a comissão. Na parte baixa, ao lado do Geba, ficavam a fonte, o posto dos correios, o posto de combustíveis e o comércio, maioritariamente gerido por europeus. Na parte alta eram as tabancas, principalmente na estrada da saída para o Xitole. E no quartel eram a escola, a capela, a casa do chefe do posto e as áreas militares. E era a enorme bolanha a perder de vista, e as imensas cabeças de gado a pintar a paisagem. Dava um postal magnífico, se não fossem os obuses a destoar do quadro.

Regressado a Bafatá, e uma vez mais em convívio com os meus pares em serviço no posto de socorros do batalhão desta cidade, voltei a exercer a minha função, prestando apoio na assistência a um grupo de militares acidentados, que estavam bastante maltratados. Ao que soubemos, algumas viaturas saíram de Galomaro a caminho de Bafatá e, uma delas despistou-se, ainda antes de terem entrado na estrada alcatroada. Eram algumas fracturas, e escoriações no couro cabeludo e membros. Coube-me prestar assistência a um Furriel, alto, magro, ruivo e de rosto sardento, que seria talvez o ferido com menor gravidade. Noutro momento e noutras crónicas, voltarei a este episódio.

E, os cerca de dois meses em Bafatá chegaram ao fim. Tinha sido um tempo diferente. Tal era a diferença, que cheguei a pensar e até a sentir, que não estava em teatro de guerra. Até que, me enviam para o Xime ao encontro da minha Companhia. Eram os rituais de despedida do MATO. Formados na plataforma de embarque do Xime, o Comandante referia-se ao nosso historial, citando principalmente os louvores e as baixas. Era a hora do balanço, numa linguagem fria, quase desumana, que escondia tanto sofrimento e tantos dramas individuais. Não era ainda a hora de se desligar o interruptor da guerra, mas era a hora e o momento de se levantar o olhar para o horizonte e tentar-se vislumbrar o reencontro com a nossa vida.

E, na maré alta, depois do macaréu, lá partimos na LDG a caminho de Bissau. Já não nos importavam os perigos da viagem no Geba. Já quase tínhamos esquecido os tempos difíceis que ficaram para trás. Só uma coisa importava; BISSAU. Era a ansiosa necessidade de queimarmos mais esta etapa.

Chegados a Bissau, aquartelamos uma vez mais no Depósito de Adidos aguardando transporte aéreo para a Metrópole. E a cidade foi acrescentada de uma pequena multidão ávida de novas emoções, misturadas com a pressa de regressar à VIDA. Em cada um, habitavam já os sonhos e projectos futuros que as circunstâncias tinham adiado. Havia espaço ao sorriso aberto e despreocupado e as conversas estavam carregadas de futuro. Tínhamos pressa de viver. E os dias seguintes foram de isso exemplo.

Uma vez mais, era no Café Bento que a malta tinha encontro marcado. Todos, uns mais que outros, fomos à descoberta da outra face da Guiné. Era o gastar dos “Pesos” amealhados para a “festa” da despedida. Alguns terão vivido nestes dias, momentos que jamais se voltariam a repetir nas suas vidas.

Numa dessas tardes, na companhia de camaradas, subia a principal avenida da cidade a caminho da piscina da UDIB quando senti a necessidade de me apoiar num dos postes da iluminação pública. Um acesso febril, acompanhado de uma debilidade física crescente, fizeram-me desistir da planeada tarde na piscina. Pela primeira vez em toda a comissão, estava com paludismo. Lembras-te camarada? Ajudaste-me a regressar aos Adidos e, na enfermaria, foi confirmado o meu estado de saúde. E, mais uma vez aqui fiquei internado. Tinha sido à chegada e era agora à saída. Impossibilitado de gastar os pesos que havia guardado para estes dias, pedi-te que deles fizesses o melhor uso, porque de nada me valeriam na metrópole.

No dia do embarque, deixei a enfermaria dos Adidos a bordo de uma carrinha militar, rumo ao aeroporto de Bissalanca, já praticamente recuperado do paludismo. Com emoção e uma incontida alegria, deixei que o meu olhar voasse, uma vez mais, sobre as últimas imagens daquela terra. Sentia, que as imagens colhidas naquele olhar me iriam acompanhar durante toda a vida.

Era a hora de ocupar o meu lugar a bordo do Boeing da Força Aérea Portuguesa.

Vinte e dois meses depois, tínhamos aprendido a viver e a conviver em circunstâncias muito particulares, tínhamos criado amizades indestrutíveis, e crescemos. Crescemos muito. Decididamente não éramos os mesmos. Os verdes jovens que haviam chegado tempos atrás à Guiné, partiam agora mais maduros e mais preparados para as adversidades que a vida futura lhes colocasse no caminho. Esses tempos foram uma grande lição de vida.

Chegados a Lisboa, foi uma correria até à Calçada da Ajuda, pois era necessário despojarmo-nos de todos os haveres que a instituição militar entregou à nossa guarda. Era o “espólio”, essa palavra mágica que significava a rotura física com o nosso passado recente. Mas para o sofrimento, as memórias, os afectos e as amizades não haverá nunca espólio capaz de apagar as marcas que carregamos para a sua vida futura. Serão património do carácter, e da personalidade de cada um de nós.

E a correria continuaria depois até à estação de Santa Apolónia. Era preciso chegar a casa e o comboio rumo ao Porto não esperava. Fomos muitos neste trajecto. Para uma boa parte de nós, o destino era o Douro Litoral e o Minho. Lembras-te camarada? À saída de estação de Campanhâ partilhamos o mesmo táxi porque, para chegares a Leça da Palmeira, passaríamos pela minha casa em Matosinhos. Ainda hoje recordo o teu gesto de pagares a totalidade da despesa do táxi.

Cheguei a casa já pela madrugada. Bati à porta. Algum tempo depois surge ensonada a minha querida Mãe. Naquele tempo em nossa casa não havia telefone e, mesmo sabendo os meus familiares que eu regressaria naquele dia, não me esperavam naquela hora. O meu Pai continuou deitado até eu entrar no seu quarto. A minha irmã, logo que se apercebeu da minha chegada, pulou da cama. Depois dos efusivos e apetecidos abraços, prolongamos até ao alvorecer do novo dia uma atmosfera de grande carinho e alegria. Faltava o meu irmão, que tinha ido clandestinamente para França para fugir ao serviço militar. E faltava ainda a minha namorada que, logo pela manhã, apareceu lá em casa. As boas notícias também chegam depressa e a sua presença foi um doce bálsamo.

Estava finalmente entre os meus e de regresso ao caminho para o meu futuro. Para trás ficara um tempo que me ajudou a ver o mundo e os homens com um olhar mais atento e generoso, fruto da convivência de espírito aberto com outras culturas. As realidades do mundo não se esgotam no horizonte em que nascemos.

Para vós camaradas que, chegados aqui com a vossa paciência e generosidade, não se cansaram de estar desse lado da mesa assistir às minhas narrativas, vai o meu abraço fraterno, de quem assume continuar a pertencer de corpo inteiro à grande Família dos ex-combatentes da Guiné.

Voltarei com as crónicas das minhas viagens à Guiné-Bissau.
Até Breve.
José Martins Rodrigues
Ex-1.º Cabo Enfermeiro
CART 2716
XITOLE -1970/72

(FIM)


O delicioso caju à mão de semear

O Mercado de Bafatá

Apreciando o Ourives de Bafatá

Catedral de Bissau
____________

Nota do editor

Vd. os postes da série de:

31 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11893: Conversas à mesa com camaradas ausentes - Estórias da História da Guerra Colonial – Guiné Bissau (José Martins Rodrigues) (1): Mobilização

10 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11927: Conversas à mesa com camaradas ausentes - Estórias da História da Guerra Colonial – Guiné Bissau (José Martins Rodrigues) (2): A viagem para a Guiné

16 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11945: Conversas à mesa com camaradas ausentes - Estórias da História da Guerra Colonial – Guiné Bissau (José Martins Rodrigues) (3): Da chegada a Bissau ao aquartelamento no Xitole

22 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11968: Conversas à mesa com camaradas ausentes - Estórias da História da Guerra Colonial – Guiné Bissau (José Martins Rodrigues) (4): Da adaptação ao Xitole, até ao baptismo de fogo

29 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11991: Conversas à mesa com camaradas ausentes - Estórias da História da Guerra Colonial – Guiné Bissau (José Martins Rodrigues) (5): Os meses seguintes até às férias na Metrópole

5 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12010: Conversas à mesa com camaradas ausentes - Estórias da História da Guerra Colonial – Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (6): As férias na Metrópole e o regresso ao Xitole
e
12 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12030: Conversas à mesa com camaradas ausentes - Estórias da História da Guerra Colonial – Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (7): Os meses seguintes, até Bafatá

Guiné 63/74 - P12058: Notícias dos nossos amigos da AD - Bissau (28): Mais vídeos com música do tempo da tropa colonial (Rapazinho e Santa Luzia), gravados recentemente em Gadamael Porto


Vídeo (0' 46''). Rapazinho. Alojado em You Tube > ADBissau 


Vídeo (1' 22'). Santa Luzia, Alojado em You Tube > ADBissau


1. Gravação feita há dias em Gadamael Porto, e enviada pelo nosso amigo e parceiro Pepito, diretor executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede em Bissau. Além do Piriquito (*), temos hoje mais dois temas: Rapazinho e Santa Luzia

Acompanhamento: gaita de beiços, palmas, vozes.

Recorde-se, a seguir,  a letra a canção popular "Santa Luzia" (**)... Já a do Rapazinho, ainda não consegui identificar a música e a apanhar a letra (que parece provocar risota ou galhofa entre no grupo de fulas que canta, mulheres e homens...) (LG)

Santa Luzia dos meus amores,
Santa Luzia bonita és,
Santa Luzia dos meus altares,
Linda Viana cai a teus pés.

Quem vai a Santa Luzia,
A Viana do Castelo,
O mais lindo panorama,
Que é de todos o mais belo.

2. Em relação ao primeiro vídeo, comentei na altura (*):

É espantoso como este jovem de Gadamael Porto, 40 anos depois do fim da guerra, reproduz esta cantilena que era tão popular entre nós (e entre os nossos camaradas guineenses, quer do recrutamento local, quer milícias)...

Muito provavelmente ouviu-a a seu pai ou tio(s), antigos combatentes do exército português... Como é espantoso o acompanhamento a realejo e a alegria das mulheres...

Não conhecia esta versão que tem um verso com referência à "passarinha di gazela" (?)... 


Obrigado, Pepito, pela tua sensibilidade e amizade, ao gravares este vídeo em Gadamael Porto e carregá-lo no You Tube...

Bom começo para o teu novo projeto, o teu novo "núcleo museológico", desta vez o da Memória de Gadamael...

Parabéns também ao Manuel Vaz, entre outros gadamaelenses da nossa Tabanca Grande, que têm contribuído de maneira decisiva para a preservação e divulgação da memória de Gadamael...

Quem disse que "um povo feliz é um povo sem história'" ?

O Pepito apressou-se a esclarecer:

Luís: Só te enganas numa coisa: o que cantava era tropa na altura. Noutro dos filmes que gravei, há uma parte (surpresa) que é espantosa!

Depois da divulgação destes 3 gravações vou pedir ao Pepito que me diga qual é o vídeo em que há a tal "parte (surpresa) que é espantosa"... Presumo que se refira à tal canção do Rapazinho (cujo letra não consegui entender bem, mas em que há um comentário jocoso, á parte,  sobre os "tugas"..).

3. O Pepito acaba de me responder, "just in time":

Pois, é Luís... Acertaste na surpresa, mas falhaste no essencial.
De facto é no vídeo Rapazinho, mas o que se ouve como voz de fundo não é "tugas", mas sim "olha os turras"...

Nota que o pessoal que canta é Beafada e não Fula.
Um abraço amigo para todo o pessoal

pepito
 _____________

Notas do editor:


(**) Vd. outras gravações anteriores, em postes de julho de 2010:

19 de julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6761: (in)citações (2): Mais duas músicas do tocador de harmónica de Guileje (Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento)

20 de julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6765: (In)citações (3): A lavadeira de Guileje: 'Já passei a roupa a ferro, já lavei o meu vestido, amanhã vou-me casar e o Manuel é meu marido' (Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento)

28 de julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6800: (In)citações (4): A lavadeira Lisboa e o tocador de harmónica Sene Coiaté, com a Júlia Neto, na inauguração do Núcleo Museológico Memória de Guiledje (Pepito, AD - Acção para o Desenvolvimento)

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12057: "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (9): Os reordenamentos populacionais

1. Continuação das "Memórias da Guiné" do nosso camarada Fernando Valente (Magro) (ex-Cap Mil Art.ª do BENG 447, Bissau, 1970/72), que foram publicadas em livro de sua autoria com o mesmo título, Edições Polvo, 2005:


MEMÓRIAS DA GUINÉ

Fernando de Pinho Valente (Magro)
ex-Cap. Mil de Artilharia 

9 - Os Reordenamentos Populacionais

Fui colocado nos Serviços de Reordenamentos Populacionais.
Inicialmente, e durante cerca de dois meses, trabalhei no Planeamento, no Comando-Chefe, na Amura. E depois chefiei os Serviços no Batalhão de Engenharia 447, em Brá.

Tratava-se de um serviço dirigido por militares destinado essencialmente às populações civis. Tinha em vista proceder ao agrupamento de diversas pequenas "tabancas" com o fim de constituir médios aldeamentos onde fosse rentável dotá-los com algumas infra-estruturas, tais como: escolas, postos sanitários, fontanários, tanques de lavar, cercados para gado, mesquitas ou capelas.

Além disso tinha-se também em vista, com a execução do Reordenamento, a defesa e controlo da população.
 
Na Amura estava à frente dos Serviços o Major Matos Guerra, indivíduo muito instável e nervoso. Foi substituído, passados alguns meses, pelo Major Carlos Azeredo que mais tarde foi chefe da Casa Militar do Presidente Mário Soares, comandante da Região Militar Norte, Governador da Madeira...

No Comando-Chefe eram decididos os trabalhos a realizar e de lá chegavam ao Batalhão de Engenharia ordens da natureza desta que a seguir transcrevo:

"From: Comchefe POP
To: Batengenharia

Mande comprar materiais para construir um Pool de: 1.550 casas zn; 50 T2; 40 escolas; 10.000 m de arame farpado. Deve indicar urgentemente a este necessidade aquisição ferramentas."


No Batalhão de Engenharia 447 foi organizado um mapa de medições para os vários tipos de construção e de acordo com essas medições assim eram quantificados os volumes de materiais a adquirir bem como colecções de ferramentas necessárias para a execução dos trabalhos.

Para, por exemplo, 60 casas T2, havia necessidade de adquirir:

  • 11.700 ripas; 
  • 780 kg de pregos n.º 15; 
  • 600 kg de pregos n.º 7; 
  • 480 kg de pregos zincados; 
  • 420 anilhas de chumbo 6/8"
  • e 8.520 chapas de zinco.

As paredes das construções eram em adobe, que os beneficiários eram incumbidos de executar, o que faziam bem, amassando terra argilosa com palha e secando os adobes ao sol.

A armação das coberturas das construções era em rachas de cibe (árvore da família das palmeiras). Um tronco dessa árvore aberto em duas partes e cada uma dessas metades aberta de novo ao meio dava origem a quatro rachas de cibe.

Os cibes eram adquiridos pelo Batalhão de Engenharia. Tinham de respeitar normas específicas: terem determinados metros de comprimento, serem secos, possuírem uma certa secção e não fazerem qualquer curvatura, de modo que, quando aplicados, não apresentassem flecha.

As unidades militares em cuja área se executavam reordenamentos tinham interesse em adjudicar o fornecimento das rachas de cibe aos indí­genas da região. Dessa maneira, estando ocupados, deixavam de fazer a guerrilha, além de materialmente poderem beneficiar de modo a satisfazerem algumas das suas aspirações.

As obras eram geridas e supervisionadas pelo pessoal da Unidade Militar da área.
Geralmente era nomeado um alferes, um furriel e dois cabos (um carpiteiro e o outro pedreiro nas suas vidas civis) para fazerem um estágio de alguns dias no Batalhão de Engenharia da Guiné onde praticavam na construção de algumas casas.

Havia pelo menos uma casa no início de construção, na fase das fundações; outra com as paredes exteriores em execução; outra ainda com as paredes interiores e a armação do telhado a serem realizadas e finalmente uma outra em fase de acabamento. Essa equipa, depois de ficar devidamente elucidada sobre o modo de construção das casas, regressava às suas unidades e ficava responsável pela execução dos trabalhos na sua área.

Como já referi, os materiais eram fornecidos pelo Batalhão de Engenharia à exepção dos adobes que eram executados pelos nativos. Quanto às rachas de cibe, ou eram obtidas na própria área das construções ou fornecidas pelo Batalhão de Engenharia.


Construção de uma casa no reordenamento de Bissássema. Na foto: 1.º Cabo José Leonardo e os Soldados João Ventura e Idalmiro Melo da CCAÇ 3327


Foto: © José Leonardo, cedida por José da Câmara

No Comando-Chefe era elaborado um plano de urbanização (se assim se podia chamar) com a planta dos arruamentos e a disposição das casas e a localização das várias infra-estruturas.

O local dos reordenamentos também era escolhido pelo pessoal do Comando-Chefe e naturalmente tinha em linha de conta a possibilidade de as terras próximas serem agricultáveis e a defesa das populações poder ser viabilizada.
 
No decurso das obras sempre que havia qualquer problema de ordem técnica o Batalhão de Engenharia dava o respectivo apoio.
 
Fiz, por isso, algumas viagens para o interior da Guiné em helicóptero ou de avião (Dornier) a que chamávamos DO's.
 
Fiquei, então, com uma visão geral da Guiné.

Desloquei-me para o sul. Estive em Cufar, Catió e Cacine. No norte estive em Binta e Farim. Para leste fui a Bafatá, Bambadinca, Nhabijões, Nova Lamego e Buruntuma.
 
Nas férias da Páscoa de 1971 passei alguns dias na Ilha de Bubaque, no Arquipélago de Bijagós.
Mais perto de Bissau desloquei-me de automóvel diversas vezes a Nhacra, Safim, João Landim e ao Cumeré.

Na minha actividade, integrado no Batalhão de Engenharia, estive sempre atento para que nunca faltasse material nem ferramentas nos locais dos reordenamentos, pois o General Spí­nola fazia muitas viagens para o interior de helicóptero e sempre que via do ar um reordenamento em execução ordenava que o piloto aterrasse para poder visitar as obras.
 
O meu receio era que alguém, alguma vez, se queixasse da demora do envio de materiais por parte do Batalhão de Engenharia para justificar um possível atraso na execução dos trabalhos. Isso, porém, que eu saiba, nunca aconteceu.
 
Por outro lado era absolutamente necessário que na proximidade da época das chuvas as casas estivessem com a cobertura executada, cobertura essa que se prolongava para além das paredes exteriores mais de um metro, formando um terraço coberto à volta das casas, pois se assim não fosse as paredes de abobe, sem qualquer protecção, eram destruí­das pelas chuvas.

Desta minha actividade houve um facto que me poderia ter trazido graves consequências se não tivesse procedido com firmeza imediatamente após ter dele conhecimento.
 
Um coronel foi um dia oferecer-se ao meu Comandante (Tenente-Coronel Lopes da Conceição, já falecido com o posto de General) para promover o corte de rachas de cibe na área do seu Batalhão e posterior fornecimento à Engenharia das mesmas.
 
O meu Comandante chamou-me ao seu gabinete. Apresentou-me o Coronel e disse-me o que ele pretendia.
 
A ideia do Coronel era pôr os nativos da região da sua Unidade militar a trabalhar na floresta, dando-lhes oportunidade de auferirem algum rendimento.

Uma vez que se tratava de um material imprescindí­vel para as obras que tinha em curso, e embora na área do Batalhão que o Coronel Comandava não houvesse qualquer reordenamento, aceitei imediatamente a proposta e indiquei as condições em que se teria de fazer o fornecimento: o custo e as normas específicas que as rachas de cibe tinham de respeitar.
 
Dei-lhe mesmo um pequeno caderno de encargos-tipo que teria de ser seguido.

Passados uns tempos o Primeiro Sargento que comigo colaborava apresentou-se no meu gabinete e, depois da continência militar, bradou:
 
- O meu Capitão já viu os cibes que estão a ser depositados à volta do campo de futebol?
 
- Não.
 
- Se o meu Capitão tivesse alguns minutos disponí­veis propunha-lhe que os visse.

Levantei-me e fui com o Primeiro Sargento até ao local onde estavam depositados os cibes. Tinham vindo da área do Batalhão do tal Coronel.
 
As rachas de cibe eram verdes, arqueadas e com secção inferior à das normas.

Fiquei furioso.
 
Encaminhei-me imediatamente para a Central Rádio e lá redigi uma mensagem que mandei emitir, que dizia mais ou menos isto:

"As rachas de cibe recebidas no Batalhão de Engenharia não respeitam as normas específicas de que lhe foi dado conhecimento. Não serão aceites nem pagas por este Batalhão pelo que deverá mandar retirá-las do local onde foram depositadas."

Esta guerra das rachas de cibe para mim tinha acabado, julgava eu. Mas não.

Volvidos alguns dias sobre este acontecimento, o meu Comandante mandou-me chamar ao seu gabinete. Muito sisudo disse-me que o Coronel (não pretendo mencionar o seu nome) se tinha queixado de mim ao General Spí­nola por causa de uma mensagem rádio que eu lhe tinha enviado.
 
Contei-lhe a história e convidei o Comandante a deslocar-se ao campo de futebol onde ainda estavam depositadas as rachas de cibe. Pegou no pinguelim, pôs a sua boina e para lá nos dirigimos.
 
Depois de ter constatado no local em que condições foram fornecidas as rachas de cibe, disse-me:
- Tem toda a razão. Não se preocupe mais com isso. Eu tratarei do assunto com o nosso General.

Na mensagem que enviou poderia ter sido menos duro, mas não tenho dúvidas que fez o que devia.
Soube mais tarde que o General Spí­nola apreciou a minha atitude e, evidentemente, não concordou com a maneira de agir do Coronel nessa sua iniciativa.

Em Julho de 1971 deslocou-se à Guiné uma delegação da ONU.
 
Como dessa visita constava a sua passagem pelo Batalhão de Engenharia 447, os Serviços de Reordenamentos Populacionais tiveram de redigir um pequeno memorando, a fim de elucidar os elementos dessa delegação sobre as suas actividades, memorando que transcrevo adiante:


Serviço de Reordenamentos Populacionais 

Actividades > Apoio técnico e de materiais às obras de reordenamentos.

Cada reordenamento é constituído por um número determinado de casas de adobe destinadas à população; uma ou duas casas de adobe também, mas com melhor acabamento destinadas aos chefes; uma ou duas escolas em blocos de cimento; um posto sanitário em blocos de cimento; um ou dois cercados para gado; fontanários; bebedouros e lavadouros.

Prevê-se futuramente uma construção destinada ao culto religioso.

O Serviço de Reordenamentos do Batalhão de Engenharia elaborou as Instruções de Reordenamentos, onde constam normas e pormenores das construções, desenhos, sequência de trabalhos, medições, orçamento e quadro resumo dos materiais necessários.

Tem o Serviço de Reordenamentos do Batalhão de Engenharia habilitado inúmeros oficiais, sargentos e cabos com o estágio de reordenamentos. Esses elementos, formando equipas constituídas por um oficial (alferes), um encarregado de obras (furriel) um pedreiro (cabo) e um carpinteiro (cabo) executaram no interior da província com a colaboração das populações, cerca de 8.000 casas cobertas a colmo e 3.880 cobertas a zinco nos últimos anos.

O Serviço de Reordenamentos do Batalhão de Engenharia 447 tem apoiado essas construções com material e, quando solicitado, tem prestado assistência ténica localmente.

A esse volume de trabalho correspondem as seguintes quantidades de materiais:

  • Rachas de cibe - 542.000
  • Chapas de zinco - 550.960
  • Ripas - 756.600 metros
  • Pregos - 120.280 kg
  • Anilhas de chumbo - 27.160 kg
  • Cimento - 19.400 sacos
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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12028: "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (8): O Clube de Oficiais

Guiné 63/74 - P12056: (In)citações (54): O significado histórico e pedagógico do Monumento aos Combatentes da Lourinhã, inaugurado em 26/6/2005: Discurso de Jaime Bonifácio Marques da Silva, Lourinhã, AVECO, 25/8/2013



Lourinhã > Monumento aos Combatentes do Ultramar > 25 de agosto de 2013 > Comemorações do 8º aniversário da inauguração do Monumento aos Combatentes do Ultramar. Da esquerda para a direita, o Jaime Bonifácio Marques da Silva e o João Delgado, dois dos elementos da comissão "ad hoc" que há 8 anos atrás concretizou o sonho dos combatentes da Lourinhã.  

Fotos (e legendas): © Luís Graça(2013). Todos os direitos reservados


1. Texto do discurso do meu amigo, camarada, conterrâneo, lourinhanense, atualmente residente em Fafe,  Jaime Bonifácio Marques da Silva [, foto atual, abaixo], ex-alf mil paraquedista, BCP 21 (Angola, 1970/72), proferido em 25/8/2013 (e que nos chegou à caixa do correio a 10 do corrente):


AVECO - Associação dos Veteranos Combatentes do Oeste

Lourinhã, 25 de agosto de 2013

8.º Aniversário da Inauguração do "Monumento de Homenagem aos Combatentes do Concelho da Lourinhã que Participara, na Guerra Colonial"

TEMA: O significado histórico da construção do monumento em memória dos combatentes da Lourinhã mortos na guerra do ultramar no contexto da evocação dos 50 anos do seu início


Saudações...

Introdução



“Não há futuro sem passado. Uma comunidade, uma nação constrói-se em torno de um projeto comum, em volta de um desígnio que todos junta e anima. Mas só é possível construir esse sonho futuro quando houve uma história comum, que alicerçou valores e criou partilha de ideias. Vamos hoje, minhas senhoras e meus senhores, celebrar um puco dessa história.” 


Minhas senhoras e meus senhores, estas foram as primeiras palavras dirigidas a todos os presentes na abertura da cerimónia solene da inauguração deste Monumento em 26 de junho de 2005.

A frase foi lida por mim que coordenei a cerimónia, mas as palavras são da autoria (à data) do Exmo Coronel Tavares Nunes, comandante da EPI (Escola Prática de Infantaria de Mafra), responsável pela conceção e organização da cerimónia.

O que fizemos a 26 de junho de 2005, é o que iremos fazer, hoje, 25 de agosto de 2013 ou seja:  continuar a “celebrar” um momento da História de Portugal para a qual os jovens da Lourinhã deram o seu contributo, alguns com o tributo do seu próprio sangue. Ao construirmos este memorial, pretendemos, tão só, perpetuar a sua memória.

A Direção da Associação dos Veteranos Combatentes do Oeste (AVECO) ao convocar-nos, hoje, para evocarmos o 8.º aniversário da sua Inauguração cumpre, antes de mais, o dever cívico de lutar contra o esquecimento de uma Nação para com aqueles que a serviram e tratou mal.

A este propósito, o Dr. António Barreto, na qualidade de Presidente das Comemorações do Dia de Portugal, Camões e das Comunidades Portuguesas, no dia 10 de Junho de 2010 que, segundo o jornal O Público de 11 de Junho do mesmo ano, afirmou:

“Os antigos combatentes ainda não tiveram o merecido reconhecimento dos poderes públicos”.

“ O estado cumpre mal o seu dever de respeito perante aqueles a quem tudo se exigiu”. Nem a Assembleia da República cumpre o papel que lhe está conferido”.


Foi com esta intensão de “luta contra o esquecimento” e de “evocação da memória” que um grupo de ex-combatentes da Lourinhã lançou a ideia da construção deste memorial, constituindo, para o efeito, uma Comissão Promotora.

Em nome dessa Comissão (já extinta, evidentemente) agradecemos à Direção da AVECO o convite para evocarmos os passos que foram realizados desde a ideia à concretização.

Irei, por isso, tentar descrever os diferentes momentos desse percurso e refletir sobre o significado histórico e a função pedagógica que esteve presente na conceção e edificação do monumento

Génese:

A génese da construção deste monumento remonta-se ao verão de 2003 quando, informalmente, um grupo de ex-combatentes se reuniu na Casa do Benfica, aqui na Lourinhã, para preparar o 1.º Encontro de Ex-Combatentes da Guerra do Ultramar do nosso Concelho. Este 1.º Encontro viria a realizar-se no dia 1 de dezembro do mesmo ano. O programa, para além da cerimónia religiosa e da romagem ao cemitério com a deposição de uma coroa de flores no Talhão dos Combatentes, encerrou com um almoço convívio no restaurante os Severianos.

Presidiram a esse almoço convívio o Exmo Presidente da Câmara José Manuel Custódio e o Exmo Tenente General Jorge Silvério. É no decorrer desse almoço que um dos elementos da Organização, usando da palavra para agradecer a presença das entidades oficiais, dos veteranos e dos familiares e amigos presentes no convívio, lança ao Senhor Presidente da Câmara o repto para que o Executivo Camarário apoiasse a construção de um monumento em memória dos Lourinhanenses tombados na Guerra Colonial.

No momento em que usou da palavra, o Exmo Presidente da Câmara não sóanuiu à ideia, como também incentivou a Comissão Organizadora do Encontro a apresentar um projeto exequível, disponibilizando o departamento Técnico do município para nos apoiar. Sugeriu, também, que se formasse uma Comissão Promotora para a Construção do Monumento de modo a servir de interlocutor válido entre os ex-combatentes, a autarquia e as entidades, necessariamente, a envolver para a concretização da ideia

A Comissão Promotora para a Construção do Monumento foi constituída por José Félix Picão de Oliveira, combatente na Guiné na região de Conquelifá; Jaime Bonifácio Marques da Silva, combatente em Angola – integrado no Batalhão de Caçadores Paraquedistas n.º21 – BCP21), João Henriques Rodrigues Delgado, José Marques Bonifácio da Silva e Adílio Braz da Fonseca, também combatentes em Angola

O primeiro ato formal da dita Comissão foi o envio de um ofício dirigido ao Senhor Presidente da Câmara dando-lhe conta da nossa intensão.

Em 23 de janeiro de 2003 a Comissão Promotora recebeu um ofício informando-nos que em relação ao nosso pedido de apoio para a construção de um “Memorial onde se eternize os nomes dos combatentes Lourinhanenses mortos na Guerra Colonial”, a Câmara tinha deliberado em reunião do executivo, realizada em 21.01.2003, o seguinte: “A Câmara deliberou aprovar a proposta apresentada, delegando no Sr. Presidente da Câmara para prosseguimento do assunto.”

As fases da construção:

Começou aqui, verdadeiramente, o percurso das dificuldades que foram sendo ultrapassadas até à concretização da ideia.

A primeira dificuldade, foi a preocupação de encontrar alguém que se disponibilizasse para desenhar no papel um esboço que, de certo modo, concretizasse a nossa ideia.  O José Picão conseguiu o apoio do senhor Arquiteto Augusto Silva, apresentando, este, durante o almoço do 2.º convívio realizado no dia 1 de dezembro de 2004, no mesmo restaurante, um conjunto de esboços figurativos do que poderia vir a ser o futuro monumento. Após a apreciação e discussão, os presentes no almoço convívio, votaram na versão que foi dada ao bronze e aqui permanece neste espaço maior da nossa vila há oito anos.

A segundo dificuldade, talvez a maior, era, a partir da ideia concretizada no esboço, conseguir um orçamento exequível para a sua concretização. Os primeiros orçamentos solicitados e apresentados por diferentes escultores foram muito desanimadores e quase nos levou a adiar a construção do monumento, dado o seu elevado custo. Felizmente, um nosso amigo, professor catedrático na Faculdade das Belas Artes do Porto, sugeriu-nos que contactassemos uma licenciada em Artes Plásticas na especialidade de Escultora que tinha sido a melhor aluna do seu curso em estatuária. Foi assim que chegámos ao contacto com a escultora Andreia Couto natural de S. João da Madeira. Lembro-me de fazermos a primeira reunião com a senhora escultora no Café Velasques no Porto, junto ao estádio das Antas. Entreguei-lhe o desenho do senhor Arquiteto Augusto Silva e passados dias, apresentou um orçamento considerado exequível pelo município.

A proposta é apresentada formalmente pela Senhora escultora, através de ofício dirigido ao Senhor Presidente em 7 de Novembro de 2004. A Câmara aceitou a proposta e informa a escultora através de ofício que lhe é dirigido em 30 de novembro 2004.

Em Abril de 2005, os cinco elementos da Comissão Promotora deslocaram-se à Fundição a Vila Nova de Gaia, a convite da Senhora escultora, para avaliarem e proporem alguma alteração à imagem esculpida, ainda, na fase de modelação em barro.

A partir desta data, foi a conclusão da fase de passagem a gesso, fase do bronze, transporte, colocação no local e a inauguração.


26 de junho de 2005: dia da inauguração


A cerimónia da inauguração tem lugar no dia 26 de Junho de 2005, por altura do 3.º convívio dos combatentes da Lourinhã, com a dignidade que o significado histórico do Monumento encerra e merece.

Presidiram à cerimónia, por parte da edilidade o Exmo Presidente da Câmara José Manuel Custódio e o Exmo Tenente General Jorge Silvério, ilustre comandante do Comando de Pessoal do Exército, em representação das Forças Armadas por despacho do Exmo Tenente - General Governador Militar de Lisboa datado de 19 de maio 2005.

Os dois ilustres personagens, filhos da nossa terra, juntamente com os cinco ex-combatentes da Comissão Promotora para a Construção do Monumento, constituíram a Comissão de Honra, instituída pela autarquia para presidir ao evento.

A cerimónia foi concebida e organizada pelo Exmo Coronel Tavares Nunes, Comandante da EPI, também, representante na cerimónia do Exmo Tenente General GML (Governo Militar de Lisboa) por despacho deste em 23 maio 2005.

Para além das ilustres figuras, anteriormente, mencionadas, deram-nos, ainda, a honra da sua presença e amizade:

i) Em representação das Forças Armadas estiveram presentes, ainda: um Pelotão da EPI, a Fanfarra do GML (Governo Militar de Lisboa), o Exmo Padre Rui Peralta, Capelão da EPI, Exmo Tenente General Chito Rodrigues Presidente da Liga dos combatentes Portugueses, o Exmo Comandante da GNR da Lourinhã, o Exmo Comandante da Capitania do Porto de Peniche Capitão Tenente Damásio Afonso

ii) Em representação da autarquia da Lourinhã, para além do seu Presidente, estiveram presentes:  o  Exmo Presidente da Assembleia Municipal da Lourinhã João Ferreira, os Exmos Vereadores João Duarte, José Tomé, Raul Leitão, Júlia Alfaiate e Nuno Sampaio.

iii) Em representação das associações de combatentes, deram-nos a honra da sua presença o Senhor Manuel Patuleia Mendes, Exmo Presidente da ADFA (Associação dos Deficientes das Forças Armadas) e o Senhor António Basto, Exmo Presidente da APVG (Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra)

iv) Estiveram presentes, também, Familiares e Amigos dos combatentes da Lourinhã que tombaram em combate e, cujos nomes, se encontram mencionados neste Memorial

vi) Associaram-se, ainda, ao evento muitos ex-combatentes da Lourinhã e de outras zonas do país, bem como, o povo da Lourinhã que quis estar presente na homenagem a estes “filhos da terra”.

O evento terminou com um almoço festivo oferecido pela Câmara Municipal a todos os participantes na efeméride nas instalações do Hóquei Clube da Lourinhã.

Será de toda a justiça destacar e agradecer, neste momento, volvidos que são oito anos, o empenhamento do Exmo Presidente da Câmara da Lourinhã, Senhor José Manuel Custódio, para a efetiva construção deste Monumento. Em nome dos ex-combatentes da Lourinhã, o nosso muito obrigado.

Solicitamos ao Senhor Vereador Eng.º João Duarte, hoje em representação do senhor Presidente, que faça o favor de transmitir ao Senhor Presidente da Câmara esta nossa mensagem de gratidão.


O significado histórico e pedagógico do Monumento 

Para nós, ex-combatentes, este Monumento tem um significado histórico, social e político, bem como, uma mensagem pedagógica importante para as gerações pós 25 de abril. Ele encerra parte da história de Portugal escrita, também, com o sangue de vinte Lourinhanenses nossos conterrâneos mortos em combate nesta guerra: 9 em Angola, 6 na Guiné e 5 em Moçambique.

A este propósito, o lourinhanense Luís Graça, ex-combatente na Guiné e coordenador do Blogue “Luís Graça e Camaradas da Guiné” afirma: “Vinte Mortos foi o contributo da minha terra, o imposto de sangue que os lourinhanenses pagaram na defesa dum Império e de um regime em agonia.”

A edificação deste Memorial, como criação artística, é uma forma consciente de lutarmos contra o esquecimento. A obra de arte, na sua diversidade de manifestações e quando comporta uma mensagem, como o é, neste caso, cumpre a sua função social de despertar as consciências.

Já fui abordado por várias pessoas, nem todas da geração pós 25 de abril, que me manifestaram a sua discordância pela forma demasiada realista e talvez chocante da figura agressiva do soldado progredindo com a arma na mão pronta a ser disparada.

Afirmei a essas pessoas que esta forma de expressão realista, talvez seja a forma mais objetiva, a mais corajosa e a mais chocante de enfrentar a verdade a verdade histórica

Disse-lhes, ainda: Não há volta a dar. Jamais alguém terá hipótese de inventar forma de “fazer de conta que esta guerra nunca aconteceu”, nem mesmo com “anjinhos” a fazerem de soldados! …

Em África, disse-lhes, andámos a fazer guerra, não outra coisa, quer queiramos quer não. Tivemos que apontar as nossas armas para não morrer! Foram dos piores momentos das nossas vidas, cujas imagens jamais se apagarão da nossa memória.

Participei em operações no norte de Angola precedidas do lançamento de bombas de “Napalm” pelos aviões da Força Aérea (o seu uso era proibido pela convenção de Genebra). Os aviões e os helicópteros não lançavam balões ou bombinhas de S. João para fazer a “Psico.” Não. Foram lançadas bombas, cuja matéria química incendiária, uma vez em contacto com o corpo, queima o indivíduo até à morte numa agonia dolorosa e terrível.

Numa dessas operações, num assalto a uma base do MPLA situada nos Montes 1020 no norte de Angola, os guerrilheiros do MPLA, mataram um dos soldados do meu pelotão.

Só perceberá este horror quem viu e viveu esta guerra horrível e inútil.

É, por isso, repito, que este Monumento tem um significado histórico e pedagógico muito importante, sobretudo para as gerações pós 25 de abril de 1974 no momento em que os portugueses evocam os 50 anos do início desta Guerra designada por “ A Guerra de África, Guerra do Ultramar ou Guerra Colonial (designação oficial portuguesa até ao 25 de Abril de 1974), ou, ainda, Guerra de Libertação (designação utilizada pelos movimentos africanos independentistas). Desenrolou-se entre 1961 e 1974 em África, em três teatros de operações diferentes:

i) Angola (1961). O primeiro morto em combate da Lourinhã foi o Joaquim Alexandre Neto,  natural dos Casais de Porto Dinheiro em 12 de junho de 1961;

ii) Guiné (1963). Em 23 de janeiro de 1965 morreu o José António Canoa,  natural da Lourinhã;

ii) Moçambique (1964). Em 2 de outubro de 1967 morreu o Manuel Filipe Henriques,  natural do Casal das Barrocas;

iii) A última morte em combate de um lourinhanense ocorreu na Guiné em 5 de maio de 1973. Foi o José João Marques Agostinho, do Reguengo Grande.

Por isso, as novas gerações quando por aqui passarem e olharem com “olhos de ver” para este soldado, descobrirão, certamente, que ali, para além do bronze esculpido, estão, também, as circunstâncias trágicas da morte em cada um dos nomes cravados na pedra.
Também com a ajuda da nova historiografia sobre a Guerra Colonial que tem sido editada nos últimos tempos pelos principais centros de investigação universitários portugueses e alguns estrangeiros, as novas gerações e particularmente os jovens em idade escolar perceberão e chegarão à conclusão que esta Guerra:

1.º Foi “ Uma guerra inútil, uma guerra injusta e uma guerra evitável “como afirmou o General Ramalho Eanes, na altura Presidente da República e também, ele, ex – combatente.

2.º Descobrirão que no início de 1961 quando rebenta a Guerra em Angola, os líderes do “regime”, Almirante Américo Tomás, Presidente da República e o Dr. Oliveira Salazar, presidente do Concelho de Ministros, recusaram-se a aceitar os sinais evidentes dos “ventos de mudança” que pairavam, nessa altura, em todo o mundo em relação ao movimento descolonizador. Sabiam-no, mas não quiseram aceitar.

Afirma o Coronel de Artilharia Aniceto Afonso e o Coronel do exército, Calos Matos Gomes na obra editada conjuntamente e intitulada: ALCORA – O Acordo Secreto do Colonialismo - Portugal, África do Sul e Rodésia na última fase da Guerra Colonial, página 325:

“O fim da Segunda Guerra Mundial foi também o fim da Europa como centro de domínio à escala planetária. Perdida a posição de supremacia mundial ocupada durante séculos, obrigada a concentrar os esforços na sua reconstrução, a Europa em ruinas não tinha condições para manter o poder que detivera sobre vastíssimas e longínquas regiões do planeta”.


Ainda, a propósito do início do movimento descolonizador que se seguiu ao final da Segunda Guerra Mundial em todo o mundo, Maria Manuela Stocker, na obra intitulada Xeque-Mate a Goa, página 252, afirma:

“A história da queda da Índia Portuguesa é uma história da fragilidade externa crescente de um país colonial ameaçado. Uma ameaça que começa na Ásia, na periferia do império, onde uma nova soberania pôs em causa a estabilidade de fronteiras centenárias. Essa fragilidade alastrou ao resto do império, no continente africano, com a internacionalização da oposição ao colonialismo português e o desenvolvimento da contestação interna ao regime. (…)

Portugal foi chamado a iniciar o seu processo de descolonização em 1947, pela recém criada União Indiana. (…)


E continua: “O Estado Novo optou por não se envolver no processo histórico resultante da Segunda Grande Guerra Mundial, de dissolução dos antigos laços imperiais que o ligavam aos seus territórios de além – mar.”


3.º As novas gerações descobrirão que os líderes do Estado Novo, Tomás e Salazar, preferiram arrastar um país pobre para uma Guerra sem sentido e para a qual nem sequer estava preparado nem tinha os meios técnicos e humanos para a suportar. Só a disponibilidade da “carne para canhão” da sua juventude.

Tive a oportunidade de rever no início o desta semana (22.8.13) no Canal História, no programa “O Preço da História”,  o Senhor General Almeida Bruno reafirmar a propósito da falta de condições de Portugal para suportar a Guerra. Disse: “O maior problema não era os homens, mas o material. O equipamento não era grande coisa, não era grande coisa”. Repetiu.

4.º Os jovens poderão descobrir, ainda, que este Monumento é um Livro de História. Se o folhearem poderão descobrir, como exemplo paradigmático como os Estado Novo tratava aqueles que serviam a Pátria, a história do Soldado Arsénio que, como tantos outros, morreu no decorrer de uma operação em combate e, se tivesse o apoio do helicóptero para o retirar da zona operacional a tempo, certamente poderia ter sobrevivido, como me afirmou o alferes seu comandante de pelotão. O Helicóptero só esteve disponível para aevacuação, quatro horas após o rebentamento da mina que lhe decepou um pé e lhe provocou vários ferimentos por todo o corpo, vindo a falecer no hospital de Luanda no dia seguinte, quatro de setembro de 1972.

E descobrirão, com surpresa e horror que nenhum responsável da Forças as Armadas teve a coragem de contactar pessoalmente a família do Soldado Arsénio para lhe anunciar a notícia da sua morte e apoiá-la naquele momento trágico.  Não, nunca tiveram a coragem de dar a cara. Comunicavam a tragédia através dos CTT, cujo mensageiro da desgraça era o Carteiro.

Neste caso concreto do meu primo Arsénio, contou-me a minha tia, o carteiro não teve coragem de se dirigir diretamente aos meus tios para lhes comunicarem a notícia e pediu a uma das minhas primas para o fazer.

5.º Finalmente, as novas gerações, interrogar-se-ão, seguramente, (porque os combatentes já o fizeram e não obtiveram resposta) por que razão não foi instituída no gabinete do Presidente da República Américo Tomás um grupo responsável para levar a mensagem e estar presente junto das famílias nesse momento trágico ou junto dos gabinetes do Primeiro-ministro Salazar ou dos ministros do Ultramar ou da Defesa Nacional ou nos gabinetes dos Chefes de Estado - Maior dos três ramos das Foras Armadas - Exército, Marinha e Fora Aérea ou junto, ainda, do movimento associativo afeto ao Estado Novo e que apoiava e incentivava a nossa participação na Guerra como a Mocidade Portuguesa (quantos deles meteram cunhas para se “safarem da Guerra!) ou do Movimento Nacional Feminino ou da Legião Portuguesa ou da PIDE (tão lesta a entrar na casa das famílias para prender quem se opunha à Guerra!) ou, ainda, e talvez com mais propriedade, por que razão os responsáveis do regime não incumbiu, dessa missão dolorosa, a direção da Liga dos Combatentes?

Infelizmente, os jovens, descobrirão que os líderes do tempo dos seus pais e avós, os líderes deste sua Pátria, não foram capazes de assumirem as suas responsabilidades perante os cerca de um milhão de portugueses que participaram na Guerra, dos quais 8 mil tombaram no campo de batalha, cerca de 120 mil ficaram estropiados e , estima-se, que cerca de 100 mil ex-combatentes sofrem de “stress” pós traumático de guerra.

Foram cobardes. Nenhum deu a cara perante as famílias. Esconderam-se atrás de um funcionário dos CTT, transformando os Carteiros em mensageiros da desgraça e do infortúnio.

Se não fosse a dinâmica e a capacidade de luta dos ex-combatentes em criarem as sua próprias associações para os apoiar, nomeadamente a ADFA -Associação dos Deficientes das Foras Armadas, fundada em 1974 (há 39 anos) e a associação APOIAR , fundada em 1994, para apoiar os ex-combatentes que padecem de perturbações de stress pós traumático que adquiriram quando estiveram em combate, teriam sido literalmente abandonados à sua sorte.

O estado não foi pessoa de bem para com os seus combatentes e suas famílias. Às mães, disseram, sem escrúpulos:
- A pátria deu-te a missão de dar à luz e criar o teu filho. Nós, sacrificámo-lo no altar da pátria.
- Foi a vontade de Deus
- Deus to deu, Deus to tirou.
- Resigna-te.
- Cumpriste a tua obrigação para com a tua Pátria.

Finalizo, relembrando, ainda, o Professor António Barreto na defesa dos combatentes:

“Todos fizeram o seu esforço e ofereceram o seu sacrifício, seguindo determinações políticas superiores. As decisões foram as do Estado português.”

Referiu-se, também, à forma como, por vezes, são tratados os veteranos:

“Um antigo combatente não pode nem deve ser tratado de colonialista, fascista, democrata ou revolucionário de acordo com as conveniências ou interesses menores. Foram, simplesmente, soldados portugueses.

“ Não há antigos combatentes milicianos ou de carreira ou contratados. Há veteranos e antigos combatentes, ponto final”.


O país deve respeito aos que fizeram a guerra: Merecem que as suas associações sejam consideradas de utilidade pública. Merecem estar presentes nas cerimónias públicas oficiais. Mas, sobretudo, merecem respeito”

Viva os ex-combatentes. Viva Portugal. Obrigado

Guiné 63/74 - P12055: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (18): Memórias de Guileje ao tempo da CART 1613 (1967/68), por José Neto (1929-2o07) - Parte V: Terra de ecumenismo e tolerância religiosa entre cristãos e muçulmanos (III): O Ramadão. Fotos.















Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) 1967 > Fotos do álbum de José Neto > Guileje 2 >  Cerimónia do Ramadão, a que assistiram, em respeitoso silêncio, os militares locais. Em 1967, o Ramadão começou a 2 de dezembro (este ano, 2013, começou a 9 de jukho e terminiou a 7 de agosto). Recorde-se que o  Ramadão é o nono mês do calendário islâmico, durante o qual os muçulmanos praticam o seu jejum ritual, o quarto dos cinco pilares do Islão.

(...) "A palavra Ramadão encontra-se relacionada com a palavra árabe ramida, 'ser ardente', possivelmente pelo facto do Islão ter celebrado este jejum pela primeira vez no período mais quente do ano. É um tempo de renovação da fé, da prática mais intensa da caridade, e vivência profunda da fraternidade e dos valores da vida familiar. Neste período pede-se ao crente maior proximidade dos valores sagrados, leitura mais assídua do Alcorão, frequência à mesquita, correção pessoal e autodomínio. É o único mês mencionado pelo nome, por Deus, no Alcorão" (...) (Fonte: Wikipédia).

Fotos: © José Neto (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: L.G.]


1. Continuação da republicação das memórias do 2º Sargento José Afonso da Silva Neto (, falecido em 2007, com o posto de capitão reformado), relativas à sua comissão na Guiné, quando exerceu funções de 1º sargento da Companhia de Artilharia nº 1613 (Guileje, 1967/68).


2. Memórias de Guileje, ao tempo da CART 1613, por José Neto (1929-2007) > Parte V: Terra de ecumenismo e tolerância religiosa entre cristãos e muçulmanos (III). A cerimónia do Ramadão. Fotos


(...) Na pequena festa de inauguração da Capela e a convite do Capitão Corvacho, o Régulo Suleimane compareceu com toda a sua família e vestido a rigor, embora fosse muçulmano.

As portas da Capela nunca se fecharam. Os europeus iam lá fazer as suas orações e nunca constou que alguém tivesse mexido fosse no que fosse. Do mesmo modo, quando da celebração do fim do Ramadão, com rituais próprios, mas completamente desconhecidos para a quase totalidade dos rapazes, estes comportaram-se com respeito, a que não faltou uma ponta de curiosidade, é certo. (...)


Observação do editor: Não sei se a quarta foto, a contar de cima, a das mulheres, tem a ver com a cerimónia do Ramadão ou com a do fanado. Segui a ordem de numeração das imagens do ficheiro (, oriundas de "slides" digitalizados), ordem essa que pode ter sido trocada. (LG)
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Nota do editor:

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12054: Convívios (532): 19º Convívio dos ex-militares da CArtª 566 - Vila Nova de Gaia, 26 de Outubro de 2013 (José Augusto Ribeiro)



1. O nosso Camarada José Augusto Ribeiro, ex-Fur Mil da CART 566, Cabo Verde (Ilha do Sal, Outubro de 1963 a Julho de 1964) e Guiné (Olossato, Julho de 1964 a Outubro de 1965), enviou-nos a seguinte mensagem:

19º Convívio dos ex-militares da CArtª 566 - Vila Nova de Gaia, 26 de Outubro de 2013



50 ANOS DEPOIS DA NOSSA PARTIDA E 48 DO NOSSO REGRESSO, temos mais uma vez a oportunidade de nos reunirmos, recordando os bons e maus momentos passados em Cabo Verde e na Guiné.


Ex-combatente e amigo, comparece em 26 de Outubro de 2013 (Sábado) e, se possível, acompanhado de familiares e convidados, pois queremos homenagear os camaradas que já nos deixaram e continuar a merecer o esforço e o espírito dinamizador destes encontros, do nosso saudoso amigo, TCor. Henrique Ribeiro Louro, a colaboração sempre voluntariosa do Sargento-Mor Abílio Preto e o empenho do industrial de restauração José Madureira, nosso camarada da 566,na disponibilização do Restaurante Boucinha.

PROGRAMA:
No Regimento de Artilharia 5 (Ex-RAP2) em Vila Nova de Gaia.
10h00 - Concentração dos ex-militares, familiares e amigos.
11h30 - Missa na capela da Unidade.
12h15 - Cerimónia aos mortos da Companhia
No Restaurante Boucinha - EN 222 (Av. Vasco da Gama, 4430 Vila Nova de Gaia, Telef.918 047 508.
13h00 - Início do almoço-convívio (ementa anexa).

Preço do almoço:
Adultos....................................26.00 €
Crianças dos 4 aos 8 anos...............50 %
Crianças até aos 3 anos.................Grátis

OBS.: Agradece-se que as inscrições sejam feitas até 23 de Outubro de 2013, por carta para a direção abaixo referida ou pelos telefones:

- Telef.fixo 225 507 038 (dias uteis das 18h00 às 24h00);
- Telemóvel 917 783 820 (a qualquer dia e hora).

ASS. Ex-Alf. Milº Manuel Ferreira de Carvalho
(Atualmente Ten. Coronel)
Rua Cunha Júnior, nº 13 -4º Esqº
4250 - 186 PORTO
QUINTA DA BOUCINHA

SERVIÇO DE APERITIVOS
Chouriço,entrecosto e linguiça na grelha
Rojoezinhos c/ pickles, cogomelos c/ bacon
Morcela c/ maçã, lulas em vinagrete, bola de carne
Bolinhos de bacalhau, croquetes de vitela
Rissóis de carne, rissóis de marisco
Azeitonas marinadas c/ oregãos
Porto seco, vermout, gin, vinho branco e tinto
Sumos, refrigerantes e águas.

MENU
Creme de Legumes
Bacalhau à Boucinha (Batata assada e Legumes)

Vitela à moda de Lafões(Como no ano 2012) (Batata assada, arroz de forno e legumes)

SOBREMESA
Parfait de baunilha com frutos silvestres e Bolo comemorativo

BEBIDAS
Vinho verde da casa
Vinho maduro da casa
Whisky novo, brandy, bagaceira`
Águas, refrigerantes
Café

Emblema e miniguião: © Colecção de Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:



Guiné 63/74 - P12053: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (60): Nos trilhos da guerra

 


1. Em mensagem do dia 14 de Setembro de 2013, o nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72) enviou-nos o 60.º episódio da sua série Viagem à volta das minhas memórias.




VIAGEM À VOLTA DAS MINHAS MEMÓRIAS (60) 

1 - Nos “trilhos da guerra”

Introdução

Vinte e cinco longos meses passados na Guiné, em defesa da Bandeira Portuguesa, tiveram a sua origem em todo um trajecto preparatório que se espraiou por diversas regiões do, à altura, ”Portugal do Minho a Timor”.
No meu caso metropolitanas, essas andanças em aprendizagens diversas, que se estenderam por uns quinze meses, levaram-me por ordem cronológica, a Caldas da Rainha, a Lamego, a Tancos, a Évora e a Oeiras (Espargal) de onde saímos uma madrugada, para embarcar no Carvalho Araújo, que nos levaria num “cruzeiro” em mares por vezes alterosos, excursando por duas ilhas nos Açores e por Cabo Verde até nos largar no destino: Guiné

 “Viagem à volta das minhas memórias” ficará com certeza menos incompleta se nela forem incorporadas lembranças deste período preparatório, também ele longo e recheado de momentos e peripécias que me ficaram retidos em memória, e que por vezes relembro com saudade e prazer.

Com um filho já a prestar serviço militar na Guiné, na hora da minha ida à inspecção, minha mãe dizia que a guerra não chegaria até mim, ao que meu Pai retorquia com um “vamos a ver…,vamos a ver?!”.
Filho “caçula” de cinco, quatro rapazes e uma rapariga, quatro anos me separavam do irmão seguinte, que estava mobilizado na Guiné (Alf - 3ª CCmds) e dez da irmã, a mais velha.

Com o filho ainda na Guiné, meus Pais viram o mais velho dos rapazes avançar para Angola (Alf -médico), ao que me parece saber em opção à faina do bacalhau que lhe teria sido proposta.
Entrementes, se não erro, o filho do meio, Alf Eng fica-se por Beirolas (material de guerra?).

Depois… bem, depois as dúvidas de meu Pai confirmaram-se e arranquei eu para a Guiné estando ainda meu irmão em Angola, a par do outro na Metrópole. Só dos Açores dei conhecimento por Bilhete Postal, o que quererá dizer que já estaria n Guiné quando meus Pais souberam! Achei, talvez mal, melhor assim. Explicarei posteriormente!

Assim, de 66 a 72 tiveram quatro filhos a prestar Serviço Militar, sendo que, em permanência e com sobreposições temporárias, um de três filhos mobilizado no Ultramar. Se fosse Enfermeira se calha nem a filha teria escapado! Não há dúvidas que, como tantos outros, a minha família deu um bom contributo para o esforço de guerra na defesa de um Hino e de uma Bandeira, símbolos que se sentiam.

Tendo “chumbado” a Matemática e Física no sétimo ano e como “manobra de recurso“ não ter corrido nada bem a prova de desenho no Instituto Engª Porto (?) (actual ISEP), não me foi possível ingressar na Medicina ou na Engenharia Técnica. Ponderada a situação, com possibilidade de adiamento de incorporação e já a trabalhar, optei por me voluntariar para a tarefa militar, já que a guerra parecia estar para durar. Ganharia tempo e como militar passaria a poder ter mais uma época de exames (mais facilitados?), creio que em Janeiro, o que acabou por me não ser possibilitado.

É facto que, se tudo tivesse corrido normalmente, minha Mãe acabaria por ter tido razão e eu não teria talvez ido para aquela guerra, já que estaria a cursar. Assim, o meu destino imediato: 

CALDAS DA RAINHA - RI 5
Chegado antes da hora estipulada, um magote de Mancebos aguarda ao portao de entrada, mirando-se na esperança de reconhecimentos. Claro que os houve, alguns até seriam das mesmas terras. Quanto a mim, conterrâneo e amigo, julgo que só o A. Varela.

Não recordo já o seguimento, talvez partes burocráticas e apresentação distribuição por Companhias. A mim coube-me a 3.ª
Giacomino Mendes Ferrari era o Comandante do RI5.
Distribuída a Companhia, houve que escolher o beliche e respectiva cama, situação que me parece recordar, resolvida sem conflitos, pela generalidade da Mancebagem!

Nova fase da vida:
INSTRUENDO
Dos Instrutores recordo o nome do 1.º Cabo Mil Op Esp Henrique(s), nariz meio ”apapaigado”, inicialmente incisivo e meio duro mas… compreensivo. A mandar ”encher"… era useiro e vezeiro!! Até que gostei dele! Do Capitão e do Alferes, não lembro nada. Do outro Cabo Mil, recordo as feições ao tempo arruivado, mas do nome???

Começam as formaturas, a Ordem Unida, as aulas em semicírculo de armas e outras…
A injecção mata-cavalo a uma 6.ª feira e o recambiamento para casa com instruções para mexer bem o braço!!!
Depois, as marchas, os obstáculos… enfim a dureza vai aumentando gradualmente, a par de um entrosamento mais confiante entre os deveres e obrigações e a própria hierarquia.

A minha/nossa guerra havia começado e estaria para ficar durante longos meses.

Luís Faria
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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11142: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (59): "Está na mala", azimute: "peluda"

Guiné 63/74 - P12052: Efemérides (143): Passados 41 anos o reencontro com o camarada d’armas Eduardo Ferreira do 1º Pelotão da CART 3494 (Sousa de Castro)

1. O nosso camarada Sousa de Castro (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista, CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74), enviou-nos a seguinte mensagem.

Passados 41 anos o reencontro com o camarada d’armas Eduardo Ferreira do 1º Pelotão da CART 3494.

A convite (1) da Associação dos Combatentes de Avintes, assisti à cerimónia no dia 14SET2013 da inauguração do Monumento aos Combatentes de Avintes. 

“ OS QUE TOMBARAM DEIXARAM EM ABERTO… UM VAZIO.” 


A cerimónia para além de muitos ex. combatentes que fizeram questão de honrar e homenagear todos os que ao serviço do Estado Português deram o seu melhor contou com a presença de várias entidades civis, militares e religiosas.

Usaram da palavra várias entidades, onde ressaltou o sofrimento das mães, que na ansia de obterem notícias de seus filhos procuravam sempre o carteiro, nem que para isso tivessem de se deslocar um ou dois Quilómetros. 

Foi bonito!...

Por outro lado a minha ida a Avintes (terra da broa ou Boroa) tinha outro objectivo… Encontrar um camarada da CART 3494 da qual pertenci, de seu nome Eduardo Ferreira, pertenceu ao 1º Pelotão, por várias vezes tentei e com a ajuda do camarigo Antero Santos, também ele ex. combatente na Guiné – Empada, lá estava ele, nesta importante cerimónia. Eu reconheci-o logo, mas ele não - são 40 anos de distância!...

Eis as Fotos: Antes na Guiné - Mansambo 1973 e depois Avintes 2013


Eduardo Ferreira e Sousa de Castro Guiné – Mansambo 1973

Sousa de Castro e Eduardo Ferreira – Avintes, 2013

O Eduardo que acompanhou o seu neto ao treino das escolas do F.C. de Avintes me confidenciou as várias razões pela qual ainda não ter sido possível participar nos nossos encontros, mas deixou a promessa que o fará numa próxima oportunidade.

O monumento de autoria do arquitecto natural de Avintes, Octávio Alves a que deu o título "O MURO DA VIDA",já com a frase OS QUE TOMBARAM DEIXARAM EM ABERTO UM VAZIO (frase de sua autoria), acho-o muito original na sua forma: Um muro em cubos de granito onde sobressai vários blocos caídos, simbolizando todos soldados de Avintes que ao serviço do Estado Português tombaram, uns em combate, outros por várias causas e outros desaparecidos. 


(1) A razão do convite que me foi endereçado pela Associação dos Combatentes de Avintes na pessoa do camarada e amigo Antero Santos ex Fur. Milº CCAÇ 3566/CCAÇ18 Guiné, prende-se com o facto de eu ter vivido parte da minha infância e começo da adolescência em Avintes. Foi aí que fiz a 4ª classe e comunhão solene. 

Sousa de Castro
1º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494/BART 3873,
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em:

10 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12025: Efemérides (142): Inauguração do Monumento aos Combatentes em Avintes, dia 14 de Setembro de 2013 (Antero Santos)


Guiné 63/74 - P12051: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (18): Memórias de Guileje ao tempo da CART 1613 (1967/68), por José Neto (1929-2o07) - Parte V: Terra de ecumenismo e tolerância religiosa entre cristãos e muçulmanos (II). A festa do fanado (feminino). Fotos.








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Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) 1967 > Fotos do álbum de José Neto > Guileje 2 >  Festa do fanado (feminino), a que se associaram os militares.

Fotos: © José Neto (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: L.G.]


1. Continuação da republicação das memórias do 2º Sargento José Afonso da Silva Neto (, falecido em 2007, com o posto de capitão reformado), relativas à sua comissão na Guiné, quando exerceu funções de 1º sargento da Companhia de Artilharia nº 1613 (Guileje, 1967/68).


2. Memórias de Guileje, ao tempo da CART 1613, por José Neto (1929-2007) > Parte V: Terra de ecumenismo e tolerância religiosa entre cristãos e muçulmanos (II). A festa do fanado. Fotos

(...) Saliento o facto ocorrido durante a festa do fanado em que as meninas foram preparadas para a, para nós bárbara, ablação de parte dos seus órgãos genitais.

Atraídos pela música, os militares metropolitanos acercaram-se do local onde decorria o ritual – as meninas postadas à volta do enorme almofariz enquanto as mulheres, com o pilão, moíam cereais cuja farinha se derramava sobre as cabeças das ainda crianças – e sem quaisquer constrangimentos dançaram e cantaram como se fossem parte da cerimónia.

Houve nesta festa uma excepção que me apraz referir: eu fui o único fotógrafo autorizado a registar as cenas preliminares. Na palhota onde se procedeu à cirurgia nem pensar.

Tal deferência nada tinha a ver com o meu cargo ou posição na companhia, mas sim porque quando o correio me trazia os slides revelados, eu montava o cenário e mostrava à população as suas caras e os seus lugares que provocavam grandes ovações e expressões de alegria dos visados. Era o que chamavam de cenima do nosso sargenti. (*)


3. Comentário, de 17 do corrente,  de Cherno Baldé, nosso amigo e irmão guineense [, foto à direita]:

(...) A guerra colonial travada num meio essencialmente rural/tradicional tinha, também, o condão de provocar efeitos secundários ou colaterais de âmbito sócio-cultural. Só algumas raras pessoas podiam perceber o alcance e a profundidade das transformações sociais que se operavam no seio dessas mesmas sociedades.

Neste caso concreto das imagens [do Zé Neto], o que salta a vista é o facto de as mulheres, no uso da liberdade pontual que a cerimónia [do fanado] autorizava nos idos anos 60, desafiarem a tradição e quebrarem o velho tabu do uso de roupas do sexo oposto e, sobretudo, de homens de guerra. 

No caso da Guiné, o facto não é meramente fortuito, pois tratava-se de uma fase de viragem histórica e que viria a ser bem aproveitado e vulgarizado pelo PAIGC no período pós-independência (...)

Guiné 63/74 - P12050: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (17): Memórias de Guileje ao tempo da CART 1613 (1967/68), por José Neto (1929-2007) - Parte V: Terra de ecumenismo e tolerância religiosa entre cristãos e muçulmanos (I): A capela






Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) 1967 > Fotos do álbum de José Neto > Guileje 1 > Vistas diversas da capela. Na pequena festa de inauguração da capela,  e a convite do Capitão Corvacho, o Régulo Suleimane compareceu com toda a sua família e vestido a rigor, embora fosse muçulmano.




Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) 1967 > Fotos do álbum de José Neto > Guileje 2 > Início das cerimónias do Ramadão. O régulo em traje de gala.


Fotos: © José Neto (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: L.G.]


1. Continuação da republicação das memórias do 2º Sargento José Afonso da Silva Neto (, falecido em 2007, com o posto de capitão reformado), relativas à sua comissão na Guiné, quando exerceu funções de 1º sargento da Companhia de Artilharia nº 1613 (Guileje, 1967/68).

O Zé Neto, como era conhecido entre nós, é um dos primeiros 50 camaradas a ingressar no nosso blogue. Hoje somos 12 vezes mais, a maior parte dos tabanqueiros não o conheceram nem têm acesso à sua colaboração, dispersa, incluindo as valiosas fotos do seu álbum . Daí também esta nova edição dos seus postes sobre Guileje, no ano em que celebramos o 9º aniversário. Por outro lado, fez 40 anos, a 22 de maio de 2013, que as NT retiraram de Guileje.

2. Memórias de Guileje, ao tempo da CART 1613, por José Neto (1929-2007) > Parte V:  Terra de ecumenismo e tolerância religiosa entre cristãos e muçulmanos (I)


Uma das boas características do meu pessoal era a de que não gostavam de estar parados nos intervalos das operações. Cada um, nas suas profissões ou aptidões, ia bulindo e foi assim que  (i) se reconstruíram e melhoraram abrigos, (ii) se implantou uma horta que aproveitava a água, depois de decantada, dos chuveiros das praças e (iii) se construiu a obra mais emblemática que deixámos em Guileje: a Capela.

Por sugestão do capelão, Padre João Batista Alves de Magalhães, que apenas pediu um coberto para oficiar a missa quando ia a Guileje, pois dava a volta a toda a área da responsabilidade do batalhão, os Furriéis Maurício (Transmissões) e Arclides Mateus (Atirador), ambos com conhecimentos de desenho de construção civil, planearam e dirigiram a construção do pequeno templo.

Vinte ou trinta anos depois muito se falou em ecumenismo e outras ideias do mesmo sentido, mas nas profundezas da Guiné isso já se praticava.

Na pequena festa de inauguração da Capela e a convite do Capitão Corvacho, o Régulo Suleimane compareceu com toda a sua família e vestido a rigor, embora fosse muçulmano.

As portas da Capela nunca se fecharam. Os europeus iam lá fazer as suas orações e nunca constou que alguém tivesse mexido fosse no que fosse. Do mesmo modo, quando da celebração do fim do Ramadão, com rituais próprios, mas completamente desconhecidos para a quase totalidade dos rapazes, estes comportaram-se com respeito, a que não faltou uma ponta de curiosidade, é certo.

Saliento o facto ocorrido durante a festa do fanado em que as meninas foram preparadas para a, para nós bárbara, ablação de parte dos seus órgãos genitais.

Atraídos pela música, os militares metropolitanos acercaram-se do local onde decorria o ritual – as meninas postadas à volta do enorme almofariz enquanto as mulheres, com o pilão, moíam cereais cuja farinha se derramava sobre as cabeças das ainda crianças – e sem quaisquer constrangimentos dançaram e cantaram como se fossem parte da cerimónia.

Houve nesta festa uma excepção que me apraz referir: eu fui o único fotógrafo autorizado a registar as cenas preliminares. Na palhota onde se procedeu à cirurgia nem pensar.

Tal deferência nada tinha a ver com o meu cargo ou posição na companhia, mas sim porque quando o correio me trazia os slides revelados, eu montava o cenário e mostrava à população as suas caras e os seus lugares que provocavam grandes ovações e expressões de alegria dos visados. Era o que chamavam de cenima do nosso sargenti.

(Continua)

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