sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12234: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (20): Memórias de Guileje ao tempo da CART 1613 (1967/68), por José Neto (1929-2007) - Parte VII: Homenagem sentida ao Francesinho, o sold at António de Sousa Oliveira, natural de Lamelas, Ribas, Celorico de Basto, e emigrante em França, que morreu heroicamente em combate em 28/12/1967


Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1967 > CART 1613 (1967/68) > Ao centro, o Francesinho, alcunha do sold at António de Sousa Oliveira,  transbordando de energia e de alegria.



Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1967 > CART 1613 (1967/68) > Foto da placa de homenagem ao Soldado António Lopes (de alcunha, o Sargento, "devido aos seus modos bruscos" ) e ao Soldado António de Sousa Oliveira (de alcunha, o Francesinho, por ser franzino e emigrante em França). Os dois morreram em combate em 28/12/1967, juntamente com o alf mil Nuno da Costa Tavares Machado. Eram ambos, aqueles dois soldados, naturais de Celorico de Basto, embora de freguesias diferentes: o Lopes era de Bouça, Fervença; o Oliveira, era de Lamelas, Ribas.
Fotos: © José Neto (2006) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


1. Continuação da republicação das memórias do 2º Sargento José Afonso da Silva Neto (, falecido em 2007, com o posto de capitão reformado), relativas à sua comissão na Guiné, quando exerceu funções de 1º sargento da Companhia de Artilharia nº 1613 (Guileje, 1967/68), sob comando do cap Eurico Corvacho (também já falecido, em 2011).

[José Neto: Foto, à esquerda, de 2006]


VII parte das memórias do primeiro-sargento da Companhia de Artilharia nº 1613 (Guileje, 1967/68), o então 2º Sargento José Afonso da Silva Neto (e hoje, capitão reformado) > O Francesinho 


O Zé Neto, que foi,  enquanto vivo, o patriarca da nossa tertúlia, quis partillhar connosco uma parte "muito significativa" das memórias da sua vida militar. Enviou-nos "trinta e três páginas retiradas (e ampliadas) das 265" que foi escrevendo,  "ao correr da pena" para responder a milhentas perguntas do seu neto Afonso, um jovem de 17 anos, "que pensava que o avô materno andou em África só a matar pretos enquanto que o paterno, médico branco de Angola, matava leões sentado numa esplanada de Nova Lisboa (Huambo)"... "Coisas de família", comentava o Zé com o seu proverbial sentido de humor... Infeliezmente, ele já não está cá, entre nós, há 6 anos... Ficam as suas memórias, passadas a computador, e já publicadas, na I Série do nosso blogue. 


Com pouco mais de metro e meio de altura, franzino, quase imberbe, era um poço de força, energia e boa disposição que a todos espantava.

Geralmente, quando o pessoal regressava das duras caminhadas pelas matas e bolanhas vinha estafado e atirava-se para cima do catre para descansar. Essa não era a prática do Francesinho. Tomava um duche, ficava como novo e, com a sua concertina algo desafinada, espalhava alegria por toda a tabanca e arredores.

Era emigrante em França, para onde foi com os pais ainda criança e pela nossa Lei não estava sujeito ao serviço militar, mas quando atingiu a idade própria veio apresentar-se e foi incorporado.

Constava nos seus documentos que era analfabeto e agricultor e, no entanto, falava correctamente francês e era operário especializado da indústria metalomecânica.

O mais surpreendente, se é que o Francesinho não fosse ele uma permanente surpresa, era a correcção com que falava português com a pronúncia e os ditos da sua região, as terras do Basto.

A sua única preocupação era a de que, quando acabasse a tropa, as nossas autoridades lhe passassem um papel para apresentar no birú da fábrica onde trabalhava, justificando que esteve ao serviço da sua Pátria.

Desgraçadamente não foi preciso o papel, mas julgo que o tal birú bureau, escritório] da fábrica decerto deu por falta do portuguesinho, alegre e diligente, nascido na freguesia de Ribas, concelho de Celorico de Basto e falecido heroicamente em combate na Guiné Portuguesa.(**)

As últimas mãos que afagaram aquele rosto de menino, antes de se soldar a urna de chumbo que o trouxe de volta, foram as do Capitão Corvacho e a minha. Não é vergonha dizer que não contivemos as lágrimas que nos correram pela cara abaixo.

Se houvesse que configurar num homem só, a raça, o patriotismo e o espírito de sacrifício do valoroso soldado português, eu escolhia o Francesinho, sem hesitação.
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Notas do editor:

(*)  Último poste da série > 8 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12126: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (19): Memórias de Guileje ao tempo da CART 1613 (1967/68), por José Neto (1929-2007) - Parte VI: A morte do comandante dos Lordes, o gr comb especial do alf mil Tavares Machado, em 28/12/1967

(*ª) António de Sousa Oliveira, sold at, nº mec. 06399965, natural de Lamelas, Ribas, Celorico de Basto, morreu em 28/12/1967, em combate. Está sepultado em Vale de Bouro.

Guiné 63/74 - P12233: Historial das Escolas Práticas do Exército (José Marcelino Martins) (5): Escola Prática de Transmissões do Porto




1. Historial da Escola Prática de Artilharia, localizada em Vendas Novas, trabalho de compilação do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), integrado na sua série Historial das Escolas Práticas do Exército.











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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12218: Historial das Escolas Práticas do Exército (José Marcelino Martins) (4): Escola Prática de Artilharia de Vendas Novas

Guiné 63/74 - P12232: A CART 3494 e as emboscadas na Ponta Coli (Xime, Bambadinca), 1972: A verdade dos números... (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp, CART 3494 / BART 3873, Xime e Mansambo, 1972/74)

1. Mensagem,  de 26 de outubro, do Jorge Araújo (ex-fur mil op esp,  CART 3494 / BART 3873, Xime e Mansambo, 1972/74):

Assunto - A CART 3494 e as Emboscadas na Ponta Coli

Caríssimo Camarada Luís Graça, os meus melhores cumprimentos.

A consulta do espólio do Arquivo Amílcar Cabral, pertença do Arquivo & Biblioteca da Fundação Mário Soares, que em boa hora,  fizeste o favor de nos dar conta neste espaço plural da "Tabanca Grande", onde, diariamente, os ex-combatentes da/na Guiné partilham diferentes vivências/experiências ocorridas em locais diferentes e em tempos diferentes, vem-nos permitir abrir um novo caminho de reflexão e debate.

No nosso caso, e independentemente de a ela [consulta] todos terem acesso, não deixou de nos influenciar para a elaboração do presente texto, na justa medida em que, como testemunha ocular de muitos dos episódios que marcaram a historiografia da minha companhia [CART 3494], defendo, em tese, de que nos deveremos aproximar da verdade, ainda que não seja no imediato, pois esta Guerra já acabou.

Com efeito, os comunicados mensais consultados referentes aos principais eventos que conduziram ao confronto nos palcos da guerra de guerrilha entre os elementos da CART 3494 e os do PAIGC, particularmente as emboscadas à Ponta Coli, e que já tive a oportunidade de vos dar conta em duas narrativas [Abril/2012], demonstram e confirmam a importância do valor quantitativo [os números] como factor propagandístico.

Assim, para corrigir as discrepâncias  entre os documentos ditos oficiais,  a que a estes episódios
dizem respeito, segue uma nova narrativa  melhorada e aumentada.

Obrigado pela atenção. Um forte abraço, Jorge Araújo.
2. A CART 3494 e as emboscadas na Ponta Coli (Xime, Bambadinca), 1972: A verdade dos números

por Jorge Araújo

Há pouco mais de ano e meio [Abril/2012] tomei a iniciativa de narrar aqui no blogue da nossa «Tabanca Grande» [postes: 9698 e 9802] (*), bem como no da minha companhia «CART 3494 & camaradas da Guiné» [postes: 148 e 152], na primeira pessoa, o que ainda estava bem presente na minha memória referente às ocorrências observadas nas duas emboscadas sofridas pelo 4.º GComb da CART 3494, na fatídica e sempre arriscada segurança à Ponta Coli.

Relembro que esta segurança era organizada num «ponto X», dito estratégico, entre a bolanha de Taliuará e a tabanca de Amedalai, na Estrada Xime-Bambadinca [ver mapa], estrada que tinha o seu início vs fim no Cais do Xime e que era a única via que dava acesso ao extremo leste do território, nomeadamente às localidades de: Bafatá, Nova Lamego, Piche, Canquelifá, Galomaro, Mansambo, Xitole, Saltinho, entre outras.


Pelo elevado grau de dificuldade, à qual se adicionou o historial de confrontos com os guerrilheiros do PAIGC anteriores à nossa companhia, como são os sucessivos exemplos da CCAÇ 1550 (1966/68), CART 1746 (1967/69), CART 2520 (1969/70) e CART 2715 (1970/72), a segurança diária à Ponta Coli era sempre uma acção/ missão única, dando lugar continuamente a novos desafios, por estar carregada de interrogações onde emergia o conceito «surpresa», principal característica na guerra de guerrilha.

Por esse motivo, e em função das inúmeras experiências que aí vivi (vivemos), decidi chamar-lhe: «palco de jogos de sobrevivência», já que a única regra desse “jogo” era a eliminação física do opositor ou dos opositores por antecipação e perícia, independentemente dos argumentos e motivações que a cada qual pudessem assistir, à época.

Para identificação desse «palco» e caracterização do seu contexto, eis algumas imagens:


Foto 1 – Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca> Xime > Ponta Coli > Maio de 1972 > Espaço onde se concentravam e distribuíam os nossos militares em serviço de segurança à estrada Xime-Bambadinca.


Foi exactamente no local representado na imagem que um bigrupo do PAIGC, comandado muito provavelmente por Mário Mendes, constituído por mais de cinco dezenas de guerrilheiros, se instalou no dia 22Abr1972, sábado, e donde emboscou o nosso GComb.

O baptismo de fogo da CART 3494 [ao vivo e a cores] aconteceu, assim, ao trigésimo nono dia depois de ter assumido na plenitude o controlo do seu território de intervenção – o XIME –, na sequência de ter finalizado o tempo de sobreposição com a CART 2715, do BART 2917 (1970/72), que decorreu entre 28Jan e 14Mar1972.

De referir, a propósito do nome de Mário Mendes, que este CMDT do PAIGC viria a morrer no dia 25 de Maio de 1972, 5.ª feira [um mês depois da emboscada], na acção «GASPAR 5», realizada por 6 GComb [3 da CART 3494 e 3 da CCAÇ 12]. O “encontro” com Mário Mendes aconteceu na Ponta Varela, tendo-lhe sido capturada a sua Kalashnico, bem como 3 carregadores da mesma e documentos que davam conta das “acções” a desenvolver na zona de que era responsável.

Sabendo-se que era um líder temido e um guerrilheiro experiente, conhecedor dos terrenos que pisava e consciente dos riscos que corria, estas dimensões conjugadas não foram suficientes para garantirem estar a salvo e sobreviver, mais uma vez, aos muitos sustos que certamente apanhou ao longo dos anos que viveu no mato.

Depois de alguns elementos (5/6) do seu grupo terem sido detectados pelas NT na acção sobredita, e que não se sabia, naturalmente, de quem se tratava, um daqueles elementos [Mário Mendes] liderou uma estratégia de fuga que não lhe foi, desta vez, favorável, por via de lhe(s) ter sido movida perseguição, obrigando-nos a serpentear várias vezes os mesmos trilhos, entre itinerários de vegetação e clareiras.

Por isso, estou crente que Mário Mendes, a partir do momento em que ficou sem rumo certo e sem portas de saída, movimentando-se em várias direcções, sem sucesso, tomou consciência de que aquele seria o último dia da sua vida. E foi … por intervenção de elementos da CCAÇ 12, no mesmo dia em que se comemorou o 9.º aniversário da fundação da Organização de Unidade Africana (OUA), criada em Adis Abela, na Etiópia, em 1963. Que coincidência …



Foto 2 – Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca> Xime > Ponta Coli > Maio de 1972 >  O  mesmo espaço anterior, onde se observa um trilho à esquerda. Este trilho ligava o itinerário entre várias árvores, em que cada uma delas era utilizada como posto de observação e protecção.




Foto 3 – Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca> Xime > Ponta Coli > Maio de 1972 >  O  mesmo espaço anterior, vendo-se a base de um tronco da árvore "bissilão" (ou "poilão" ?), de grande porte, situada mais ou menos a meio da linha de segurança, numa frente de aproximadamente cem metros, e onde se fixava o comandante do GComb.




Foto 4 – Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca> Xime > Ponta Coli > Maio de 1972 >   O mesmo contexto e o mesmo tronco da árvore da imagem anterior, agora num plano mais elevado.




Foto 5 –Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca> Xime > Ponta Coli > Maio de 1972 >  O mesmo espaço anterior com a observação de um «bagabaga», que funcionava como posto de vigia.


Fotos (e legendas): © Jorge Araújo  (2013). Todos os direitos reservados.


Considerando o historial dos dois confrontos contabilizados pela CART 3494, [22Abr e 01Dez1972], de que resultaram baixas de ambos os lados, importa dar-vos conta da «verdade dos números», agora por contraditório com os divulgados pelo opositor da contenda – o PAIGC.

Sei [ou sabemos] que esses números, agora que estão decorridos mais de quatro dezenas de anos, pouca relevância têm entre nós, ou seja, não interessam nada. Mas, porque a eles continuaremos ligados emocionalmente, importa, do ponto de vista histórico [que é a ciência dos factos reais], corrigi-los, em nome da verdade por oposição à ficção.

Para o efeito, foi consultada a História da Unidade do BART 3873, em particular a da companhia CART 3494, bem como o arquivo Amílcar Cabral disponível na Net com o endereço http://casacomum.org/cc, pertença do Arquivo & Biblioteca da Fundação Mário Soares, em contraponto com o que foi a nossa observação naquele contexto.

1. – EMBOSCADA DE 22 DE ABRIL DE 1972 – Os números

a) – O que aconteceu …

Naquele dia, o grupo escalado para cumprir a missão de efectuar a segurança à Ponta Coli era o 4.º GComb, constituído por vinte operacionais, entre sargentos e praças, uma vez que não havia nenhum oficial adstrito, e mais dois condutores e um Guia, no caso o Malan, o que totalizava vinte e três elementos.

Estes elementos seguiram em duas viaturas [12+11] Unimog.

Na sequência do confronto, o balanço da primeira emboscada sofrida pela CART 3494 foi de um morto, o camarada furriel Manuel Rocha Bento [a única baixa em combate ao longo dos mais de vinte e sete meses de comissão], dezassete feridos entre graves e menos graves, e, por exclusão de partes, cinco dos militares saíram ilesos, sendo eu um deles. As viaturas não sofreram qualquer dano significativo.

b) – O que consta na História da Unidade – BART 3873

- Em 220600ABR72 grupo IN emboscou a segurança da PTA COLI (01 GRCOMB da CART 3494). As NT e a Artilharia do XIME pôs [puseram] o IN em fuga. Sofremos 01 morto (Furriel), 07 feridos graves e 12 feridos ligeiros [p.59].

c) – O que consta no Comunicado do PAIGC sobre as acções militares do mês de Abril (1972)


Transcrição do comunicado do PAIGC em língua francesa, sobre as acções militares do mês de Abril (1972) e assinado por Amílcar Cabral.

Tradução do parágrafo em que é referida a emboscada à Ponta Coli.

(…) “As emboscadas mais mortíferas para o inimigo foram as que ocorreram nos itinerários do Saltinho/Kirafo [CCAÇ 3490/BCAÇ 3872 - 72/74 #] (a 17 de Abril, 2 viaturas destruídas, 20 mortos e vários feridos) e a do Xime/ Bambadinca (a 22 de Abril, 4 viaturas destruídas e 12 mortos).” (…)

Data: 8 Junho 1972
Amílcar Cabral
Secretário Geral

Fonte: Casa Comum
Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 07/197.160.014
Título: Comunicado do PAIGC sobre as acções militares do mês de Abril
Assunto: Comunicado do PAIGC sobre as acções militares do mês de Abril (66 operações), com destaque para o ataque a Mansoa e Bolama. Denuncia a destruição de escolas, hospitais e vilas, a utilização de napalm e os bombardeamentos aéreos efectuados pelo exército português. Comunicado assinado por Amílcar Cabral.
Data: Quinta, 8 de Junho de 1972
Observações: Doc. Incluído no dossier intitulado Documentos.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Documentos

(#) Blogue: Luís Graça & Camaradas da Guiné: Vd. 22 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4068: Recordando a tragédia do Quirafo, ocorrida no dia 17 de Abril de 1972 (Luís Dias).

– A VERDADE DOS NÚMEROS

Perante os elementos acima referenciados, em particular os números oficiais das NT e do PAIGC, deixo-os à V. consideração.

Um forte abraço para todos, com muita saúde e energia.

Jorge Araújo.

Outubro/2013.

Guiné 63/74 - P12231: Notas de leitura (530): "Atlântida", por João Augusto da Silva (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Junho de 2013:

Queridos amigos,
Não é a primeira vez que aqui se fala de João Augusto Silva, um administrador colonial que conheceu bem a Guiné, Angola e Moçambique.
Toda a sua prosa esmaltada reverbera fauna e flora, os silêncios dos cursos de água, o empolgamento das caçadas, o retrato a cinzel da dignidade africana. Acresce que ele foi irmão de Artur Augusto Silva, um português que faleceu na Guiné como terra da sua devoção e é tio do nosso confrade Pepito.
“Atlântida” é um livro fascinante, parece capaz de acolher a geografia, a sensualidade e as vindictas mortais do passado e do presente. Não percam a sua leitura, asseguro-vos que é prosa muito boa e que o que se escreve da Guiné é muitíssimo belo.

Um abraço do
Mário


João Augusto Silva, um caçador lendário que viveu na Guiné

Beja Santos

João Augusto Silva (1910-1990) foi funcionário da Administração Colonial na Guiné, em Angola e Moçambique. Desenhador, naturalista, decorador e escritor, foi galardoado em 1936 com o Prémio de Literatura Colonial da Agência Geral das Colónias. Foi também caçador, tendo abandonado a espingarda em troca da máquina fotográfica, com a qual se dedicou a capturar imagens de uma das suas paixões: os animais. Nasceu em Cabo Verde, passou parte da infância na Guiné, terra a que regressará entre 1928 e 1936. As suas obras maiores são: “África: Da Vida e Amor da Selva” “Animais Selvagens: Contribuição para o Estudo da Fauna de Moçambique”. Administrador do Parque da Gorongosa, será mais tarde Curador do Jardim Zoológico de Lisboa. Sobre a Gorongosa deixou um livro da maior importância “Gorongosa: Experiências de um Caçador de Imagens”. Foi recentemente homenageado pela Sociedade de Geografia de Lisboa. Foi irmão de Artur Augusto Silva, um investigador e poeta luso-guineense, aqui já várias vezes auferido, e tio do nosso confrade Pepito.

Acaba de ser dado à estampa “Atlântida, romance de D. Salomé e outras histórias, histórias e contos da Guiné, Angola e Moçambique”, por João Augusto da Silva, Edições Vieira da Silva, 2013. Estranhamente, a obra não vem contextualizada e bem merecia um prólogo que enquadrasse as atividades profissionais e culturais deste administrador colonial plurifacetado, culto e com vários olhares para a etnologia, a etnografia e mesmo as ciências naturais. Do mesmo modo, a edição não está cabalmente revista, o que é manifesta injustiça para a memória do autor. Mas dá para perceber a riqueza vocabular, o amor entranhado a África, os superiores conhecimentos da fauna e da flora. O seu conteúdo propende para um maior número de histórias passadas em Moçambique e muito menos em Angola e na Guiné.

Onde reside a originalidade desta escrita? Se é facto que tem implícita a matriz de uma literatura colonial que fala do suicídio da nativa abandonada, da nativa sujeita a mil vilezas mas de muito nobre carácter, das superstições, da magia das florestas, onde João Augusto Silva é imbatível é na descrição envolvendo animais, atos de cobiça implacável entre colonos, peripécias em torno da valentia do caçador e da mestria do pisteiro.

Moçambique é o prato forte desta literatura de João Augusto Silva, mas a Guiné da sua infância e do adulto jovem merecem-lhe páginas belíssimas. Logo no conto Nhâ Bonita: “Eu adorava Nhâ Bonita e, naquele dia, como sempre, ao passar-lhe à porta da palhota de grossas paredes de adobe, caiadas de branco, dei-lhe os bons dias com todo o respeito. Ela respondeu-me na sua voz melodiosa, perguntando por meus pais e convidando-me a sentar um nadinha. Nhâ Bonita sabendo que eu ansiava por ver os bichos do seu pequeno jardim zoológico, ergueu da tripeça o seu imenso corpanzil e levou-me a esse mundo de maravilhas. Depois de visitar o jabiru, o periquito-rabo-de-junco, o papagaio-bijagó, a íbis sagrada, o pato-ferrão e tantas outras bichezas, mostrou-se um novo pensionista vindo da granja – uma gazelita cor de tijolo com o corpo sarapintado de listas e bolas brancas, que se aproximou, a passo cauteloso, com o narizito de ónix, fermente e húmido”. O menino vai à caça com Nho Gaetano, foi um dia de prodígios, o menino não queria que o seu pai soubesse daquela ida à caça, de onde tinham trazido uma pele de leopardo e assim termina a história: "Há pouco, ao remexer uma velha arca que me acompanhou nas infindáveis andanças pelas Áfricas, deparei com certa pele de leopardo já muito surrada – único troféu de caça que conservo da longa vida de sertanejo”.

A Guiné da infância de João Augusto Silva continua a estar presente no conto “O Javali Ferido”, agora vai-se falar de Ussene, um caçador Mandinga que trazia perdizes, galinhas do mato, patos-ferrões ou gazelas: “Serafim, o moleque, retirava de um barrilzito, nova provisão de pólvora grumosa com reflexos de chumbo, que o caçador embrulhava num trapo encardido, amarrando-lhe as pontas. Meu Pai dava-lhe então algumas moedas de prata que ele recebia com ambas as mãos, em sinal de respeito. Depois, com uma vénia de agradecimento, retirava-se para o quintal, sentando-se numa tripeça de pau-sangue à sombra do grande tamarindeiro, cujas florinhas amarelas atraiam uma multidão de irrequietos beija-flores”. E daí outra recordação da infância: “Ouvindo o bom do Ussene discorrer sobre os bichos da selva, o real e o fantástico casavam-se na minha imaginação infantil, emprestando-lhe um sortilégio inebriante. Eu sonhava acordado na felicidade de poder acompanhá-lo, de viver a seu lado aquela vida de aventura e mistério. Chegada a hora de abalar, Ussene, esguio e elegante como uma palmeira brava, erguia-se, ajeitava o turbante em redor das têmporas e despedia-se com um adeus amigo. Então, eu via-o seguir, digno, ereto na sua compostura de atleta, nado e criado ao sol, ao vento e à chuva”.

A prosa deste multifacetado artista é sensorial, contrai-se e expande-se de acordo com a necessidade de nos fazer vibrar com a hora do dia, a luminosidade, as cores da floresta, entre o real e o fantástico. Repare-se só nesta descrição: “O rio Farim que desce do longínquo Senegal como simples ribeiro ladeado de matagais, vai engrossando a pouco e pouco, até entrar no Atlântico, largo e majestoso, perto de Cacheu, vetusto burgo na decadência.
As viagens de canoa, ao longo do seu curso médio e superior são deliciosas no tempo fresco. À maneira que se navega, rio acima, as margens, ricamente arborizadas, estreitam-se e, de certa altura em diante as águas cobrem-se com um dossel de verdura onde circulam macacos-fidalgos e aves de todas as cores.
Nhô Manel Cambuca, mestiço cabo-verdiano, seguia à popa, agarrado ao leme, muito compenetrado do seu papel de piloto. Nos trechos em que o rio era largo, quando descobríamos numa das margens bandos de garças ou colónias de tecelões, cujos ninhos pendiam dos ramos como frutos, dirigíamos ao timoneiro um olhar suplicante e ele, com um sorriso cúmplice, mudava o rumo, de modo a passar rente ao arvoredo. Os remadores, por sua vez abrandavam o ritmo das remadas e nós, atirávamos às garças a meia dúzia de metros mas, para nosso desespero, as pedrinhas das fisgas não abalavam as aves que se limitavam a levantar voo, soltando o seu grito enervante de cana-rachada”.

A Guiné estará igualmente presente no conto “A aventura do amigo Soares” que assim começa: “A esse tempo vivia eu na Guiné, Babel das tribos mais nobres da África Negra. Falava correntemente dois dialetos – o crioulo e o mandinga – línguas francas, usadas desde o Senegal até à Serra Leoa. Passava então meses a fio sem ouvir uma palavra de português”. É em Bissau que faz amizade com um Soares, que tinha o dobro da sua idade, ele era magro e esgalgado e o Soares pesava uma boa centenas de quilos. Mas essas dissemelhanças não foram suficientes para arrefecer a amizade. Voltaram a encontrar-se, muitos anos depois em Lourenço Marques. O autor terá sido um dia profundamente desagradável com o Soares e ele aproveitou o reparo para lhe falar das atribulações da sua juventude em que conheceu os horrores da fadiga e da sede. Voltaram a despedir-se e nunca mais saíram. Um dia soube que o Soares morrera. Morrera um amigo que na hora certa lhe dera uma boa lição.

João Augusto Silva merecia ser mais conhecido: porque escreve muitíssimo bem e não esconde o seu amor por África, toda a sua prosa emana aquilo em que ele foi talentoso: as caçadas e o amor aos animais, a paixão pela fotografia e o lindo traço modernista do seu desenho e os sentimentos contidos que ele capta nas suas imagens fotográficas de que a capa deste livro é um mero exemplo de felicidade e orgulho.
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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12211: Notas de leitura (529): "Finhani, O Vagabundo Apaixonado", por Emílio Lima (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P12230: Parabéns a você (646): José Carlos Gabriel, ex-1.º Cabo Op Cripto do BCAÇ 4513 (Guiné, 1973/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12215: Parabéns a você (645): Mário Vasconcelos, ex-Alf Mil TRMS do BCAÇ 3872 (Guiné, 1973/74)

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12229: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (5): Relatório de 22/12/1966, assinado por Brandão Mané, sobre a situação militar na região Xitole-Bafatá, reportando importantes perdas em homens e material

1. Transcrição de documento, manuscrito, de 4 páginas, numeradas de I a IV, assinado por Brandão Mané, com data de 22/12/1966, com referência á situação militar na região de Xitole-Bafatá (pp. I a III).

Em anexo (p. IV), vem um comunicado do Comando Regional Xitole-Bafatá sobre o ataque à Base Central do Sector de Xime (que era então em Baio / Buruntoni, a sudoeste do aquartelamento e tabanca do Xime). Fixação de texto: L.G.(*)

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Relatório

Região de Xitole Bafatá, 22/12/1966

Situação militar

I

Por falta de não reunir [sic] condições – falta de atiradores de canhão, obuzes de bazookas [sic], e de “morteiro”, além de medicamentos – , não foi realizada operação nenhuma desde o mês de Novembro [de 1966] até à presente data. (**)

Somente efectuaram-se sabotagens com minas nas estradas e outras nas áreas controladas pelo inimigo, das quais ainda não obtemos [obtivemos] informação concreta.

Durante este período sofremos quatro ofensivas do inimigo das quais segue o comunicado.

II

Nas duas últimas tivemos perdas de armas.

Contra a Base Central do Sector de Corubal, no dia 22 de Novembro, o inimigo apanhou uma pistola P.A. 7, 65 mm nº 220526.

Contra a Base Central do Sector do Xime, no dia 15 do corrente mês, numa ofensiva de surpresa pela sua forma mas causada peal falta de vigilância dos n/ [nossos] camaradas, o inimigo conseguiu apanhar duas carabinas semi-autom[áticas] nºs 2773, 42.708, duas pistolas P.M. [, Pistola Metralhadora,] Patchanga 7,62 mm, nºs 2042 [e]  318, duas carabinas de repet[ição], nºs 887 [e] 3578, um[a] Gurianov [, Metralhadora Pesada Goryounov 7,62 mm M-943] nº 131, uma pistola P.A. 7,62 mm, nº 22526. (**)

Foram gastas, da nossa parte, nestas quatro ofensivas as seguintes quantias de munições: 475 balas de carabina de semi-autom[ática] (carabina) 7,62.

III

1188 balas de (Patchanga) [Shpagin, cal. 7,62 mm M-941 (PPSH)], 239 balas de carab[ina de] repet[ição], 140 balas de P.M. (rico jazz) [, Pistola Metralhadora Thompson, cal. 11,4 mm], 300 balas de mauser semi-autom[ática], 30 balas de mauser de repe[tição], 2 obuzes de baz[ooka] 40 mm, 4 obuzes de bazooka P.A. 27 [Pancerovka]  , 4 obuzes de bazooka mod[elo] americano, 4 obuzes de morteiro 60 mm.

[Assinado:] Brandão Mané

IV

Comando Regional Xitole Bafatá

22/12/1966

Comunicado

O Comando Regional comunica que no dia 15 do corrente [mês de Dezembro] houve uma ofensiva inimiga, desencadeada pela infantaria inimiga, contra a Base Central do Sector de Xime (Baio), onde conseguiram destruir uma meia dezena de barracas depois de capturarem oito armas. (Citadas no relatório). Tivemos onze feridos, dos quais cinco graves.

Seguindo os vestígios deixados pelo inimigo, mostram [sic] que tiveram baixas.

[Assinado:] Brandão Mané


Fonte: (1966), "Relatório sobre a situação militar na região Xitole-Bafatá", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40103 (2013-10-31)



Instituição: Fundação Mário Soares

Pasta: 07200.170.012

Título: Relatório sobre a situação militar na região Xitole-Bafatá

Assunto: Relatório sobre a situação militar na região de Xitole-Bafatá, assinado por Brandão Mané. Em anexo um comunicado do Comando Regional Xitole-Bafatá sobre o ataque à Base Central do Sector de Xime.
Data: Quinta, 22 de Dezembro de 1966
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Diversos. Guias de Marcha. Relatórios. Cartas dactilografadas e manuscritas. 1960-1971.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Documentos

2. Comentário de L.G.:

O que surpreende neste documento é a qualidade do português... E ao mais tempo o detalhe e o rigor da informação, que vai ao ponto de identificar uma por uma as armas capturadas pelas NT.

Por outro lado, é intrigante o nome do comandante, Brandão Mané (que pode ser apenas um nome de guerra). Brandão é apelido portuguguês. Mané é apelido mandinga ou beafada... Trata-se de alguém escolarizado, que fala e escreve português corretamente.

Seria alguém ligado ao vasto clã dos Brandão ? O ramo mais conhecido era o dos Pinho Brandão, de Catió. O patriarca da família poderia ter sido  o velho Brandão,  de Ganjola, natural de Arouca, desterrado para a Guiné possivelmente no final dos anos 20 ou princípíos dos anos 30, uma figura  já aqui evocada diversas vezes, por  camaradas como o Mário Dias (que esteve na Op Tridente, no Como, jan/março de 1964) e o J. L. Mendes Gomes (que esteve no Como, Cachil e Catió, entre 1964 e 1966).

Mas também havia uma família Brandão em Bambadinca, com ligações a Catió. Provavelmente, eram parentes. Falando, ao telefone,  há uns anos atrás (2008) com Inácio Semedo Júnior, ex-guerrilheiro e quadro do PAIGC, ex-embaixador aposentado, apurei o seguinte:

(i) na altura com 65 anos de idade, deveria ter  nascido, portanto, por volta de 1943); 

(ii) era natural de Bambadinca; 

(iii) era filho de Inácio Semedo, um histórico do PAIGC; 

(iv) a família tinha propriedades na região; nomeadamente o pai tinha uma destilaria de aguardente de cana, tendo costume comprar arroz aos Brandão, de Catió, para alimentar os seus trabalhadores balantas de Bambadinca (possivelmente de Nhabijões, Mero, Santa Helena...); 

(v) trocava-se, naquele tempo,  aguardente por arroz, sendo o  arroz do sul, do celeiro da Guiné, o melhor; 

(vi) A Guiné era pequena e todo o mundo se conhecia. 

A família Brandão, de Catió, também deu pelo menos um militante do PAIGC, que ele, Inácio Semedo Júnior, irá conhecer na luta de guerrilha, no sul. Seria este Brandão Mané ? Em Bambadinca também havia uma família Brandão (com quem os Semedo seriam aparentados, se bem percebi...).

O pai, Inácio Semedo, agricultor, proprietário, foi um nacionalista da primeira hora, que andou a conspirar com o Amílcar Cabral e outros históricos do PAIGC, e que como tal foi preso e torturado pela PIDE e condenado a 2 anos de prisão. 

O filho, Inácio Semedo Jr, estava então, em 2008,  a ver se ainda recuperava parte do património da família em Bambadinca... .

Aos 16/17 anos[[, por volta de 1959/60,]  veio estudar para Portugal, onde fez o liceu. Deve ter aderido ao PAIGC nessa época e/ou saído de Portugal nessa época. (Segundo o Leopoldo Amado, o Amílcar Cabral foi padrinho de casamento do pai, numa cerimónia que se realizou justamente em Bambadinca, antes do início da guerra).

Em 1964 [, com c. 21 anos,] vamos encontrá-lo, ao Inácio Semedo Jr,  na guerrilha, no sul,  sob as ordens do comandante Manuel Saturnino da Costa. Nunca andou na sua terra natal, Bambadinca, zona leste. A orientação do PAIGC era,. compreensivelmente,  pôr os guerrilheiros em regiões diferentes daquelas onde tinham nascido e vivido.

Mais tarde (não percebi quando, exactamente) o jovem Inácio Semedo foi para a Hungria, onde tirou o curso de engenharia e fez o doutoramento em Ciências. A seguir à independência trabalhou no Ministério das Obras Públicas, cujo titular da pasta era o Arquitecto Alberto Lima Gomes, mais conhecido por Tino, e que viria a morrer, mais tarde, num acidente de caça, actividade de lazer de que era um apaixonado. 

Inácio Semedo vivia, em 2008, em Portugal, retirado da vida pública do seu país. Tinha um filho bancário. Confessou que não conhecia o nosso blogue, por não estar muito familiarizado com a Internet. Tinha endereço de e-mail mas era o filho que o ajudava a gerir a caixa de correio.

Continuava ligado ao seu partido de sempre, o PAIGC.  Prometemo-nos voltar a contactar  (, o que nunca mais voltou a acontecer),  quando houvesse maior disponibilidade, de parte a parte. Para falarmos da nossa Bambadinca ("hoje tão decadente, tão triste, tão morta"...), do nosso Geba Estreito ("onde já não circulam os barcos que lhe deram vida, cor e movimento"...), enfim, da "nossa Guiné" (onde o Inácio Semedo continuava a ir regularmente...).

Sobre a tipologia, designação e evolução do armamento do PAIGC temos diversos postes no nosso blogue (**).
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 23 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12192: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (4): O anúncio,em 4 de janeiro de 1961, do envio para a China, para a Academia Militar de Nanquim, dos futuros dez primeiros comandantes do PAIGC, João Bernardo Vieira [Nino], Francisco Mendes, Constantino Teixeira, Pedro Ramos, Manuel Saturnino, Domingos Ramos, Rui Djassi, Osvaldo Vieira, Vitorino Costa e Hilário Gomes.

(**)  Sobre a tipologia, a evolução e a designação do armamento do PAIGC, vd. poste de 7 de julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3032: PAIGC: Instrução, táctica e logística (13): Supintrep, nº 32, Junho de 1971 (XIII Parte): Armamento (A. Marques Lopes)

(...) Tipo de Armamento > DESIGNAÇÃO

Foguetão 122 mm > GRAAD ou JACTO DO POVO

Morteiro 120 mm > BADORA

Canhão S/R B-10 > BEDIS
Canhão S/R 75 mm > TECHONGO

Lança Granadas-Foguete PANCEROVKA P-27 > BAZOOKA BICHAN, LANÇA GRANDE, PAU DE PILA, BAZOOKA CHINÊS

Lança Granadas-Foguete RPG-2 > BAZOOKA CHINA, BAZOOKA LIGEIRO, LANÇA PEQUENO

Lança Granadas-Foguete 8,9 cm (M20 B1) > BAZOOKA CUBANA

Metralhadora Pesada DEGTYAREV (DSHK) Cal. 12,7 mm M-38/56 > DEKA, DESSEQUE, DCK,

Metralhadora Pesada GORYOUNOV Cal. 7,62 mm M-943 SG > TRIPÉ, GORRO NOVO

Metralhadora Pesada ZB – 37 ZDROJOVSKA > TRIPÉ, TRIPÉ BESSA

Metralhadora Ligeira DEGTYAREV DP Cal. 7,62 mm > BIPÉ DISCO ou DISCO BIPÉ SOVIÉTICO

Metralhadora Ligeira DEGTYAREV RDP Cal. 7,62 mm > BIPÉ CHECO, BIPÉ PACHANGA

Metralhadora Ligeira M-52 Cal. 7,62 mm > BIPÉ CAUDO, BIPÉ MAQUESSEN

Metralhadora Ligeira BORSIG Cal. 7,92 mm > BIPÉ

Espingarda Automática KALASHNIKOV (AK) Cal. 7,62 mm > AKA ou ACAG3, PM SOVIÉTICO

Espingarda Automática SIMONOV (SKS) Cal. 7.62 mm > CARABINA AUTOMÁTICA ou CHIME AUTOMÁTICA, CANHE BALE (JOL), CARABINA SINECE, CARABINA CHINESA, E.S.A SIMA

Espingarda M-52 Cal. 7,62 mm > CARABINA CHECA

Espingarda MAUSER K98K > MAUSER

Espingarda Semi-automática M-52 Cal. 7,62 mm > CHIME AUTOMÁTICA, CARABINA BOMBARDEIRA

Carabina MOSIN-NAGANT M-944 > CARABINA RÔSSIA (SOVIÉTICA)

Pistola-Metralhadora M-23 > MERENGUE

Pistola-Metralhadora M-25 > MERENGUE ou RICON RICO

Pistola-Metralhadora SHPAGIN Cal. 7,62 mm M-941 (PPSH)> PA[T]CHANGA, METRO ou METAR

Pistola-Metralhadora SUDAYEV Cal. 7,62 mm M-943 (PPS) > PM de FERRO, 
DECÉTRIS, MODELO PACHANGA, PM CHINESA

Pistola-Metralhadora THOMPSON Cal. 11,4 mm > RICO JAZ[Z]-THOMPSON

Pistola-Metralhadora BERETTA N-38/42 e M-38ª> BERETTA

Pistola-Metralhadora SHMEISSER MP-38 e MP-40 > COPTER

Pistola CESKA ZBROJOVKA Cal. 7,65 mm > PISTOLA SEMI-AUTOMÁTICA


Pistola CESKA ZBROJOVKA Cal. 6,35 mm > PISTOLA SEMI-AUTOMÁTICA PEQUENA

Guiné 63/74 - P12228: Convívios (546): XX Almoço/Convívio de ex-combatentes, promovido pelo Núcleo de Lagoa/Portimão da Liga dos Combatentes, que teve lugar no passado dia 20 (Arménio Estorninho)

1. Mensagem do nosso camarada Arménio Estorninho (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, IngoréAldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70), com data de 29 de Outubro de 2013:

Amigo Carlos Vinhal
Saudações

Conforme programado para o dia 20 de Outubro de 2013, deu-se o XX Almoço/Convívio promovido pelo Núcleo de Lagoa/Portimão da Liga dos Combatentes e que teve lugar nas instalações da Nave da Fatacil, em Lagoa (Algarve).


Foto 1 - XX Almoço/Convívio do Núcleo de Lagoa/Portimão> 20/10/13> Momento da chegada ao Parque da FATACIL do Sr. General Chito Rodrigues, Presidente da Direcção Central da Liga dos Combatentes, ladeado pelo Sr. Sarg. Chefe José Mendes, Tesoureiro do Núcleo de Lagos e pelo Sr. João Alves, Presidente do Núcleo de Olhão.

Foto 2 - XX Almoço/Convívio do Núcleo de Lagoa/Portimão> 20/10/13> Zona de recepção e de pré pagamento para acesso ao pavilhão.

Para além do Núcleo Anfitrião estavam representados os Núcleos de Lagos, Loulé, Olhão e Vila Real de Santo António.

Foto 3 - XX Almoço/Convívio da Núcleo de Lagoa/Portimão > 20/10/13 > Guiões dos Núcleos representados nesta confraternização. 

Responderam à chamada quatrocentos ex-Combatentes e Familiares, vindos dos mais diversos pontos do Algarve e que transcenderam as expectativas da organização.

Foto 4 - XX Almoço/Convívio do Núcleo de Lagoa/Portimão > 20/10/13> Mesa com Combatentes e Familiares, vindos do Concelho de Loulé e uma panorâmica parcial dos convivas. 

Foto 5 - XX Almoço/Convívio do Núcleo de Lagoa/Portimão> 20/10/13> Composição da Mesa de Honra> Estando de frente e da esq. para a dta. Sr. Coronel Joaquim Aguiã, Presidente do Núcleo de Vila Real de Santo António; Sr. Coronel Jaime Marques, Presidente de Honra ao Monumento; Sr. Coronel Soares Pereira, Convidado; Sr. Paulo Neto, Presidente de Honra do Núcleo de Lagoa/Portimão; Sr. Ângelo Silva, Presidente do Núcleo de Loulé; Sr. Sargento Chefe José Mendes, Representante do Núcleo de Lagos; Sr. João Peres , Presidente do Núcleo de Olhão; Estando de costas “em mesa redonda” Sr. Jaime Marreiros, Presidente do Núcleo Anfitrião e o Sr. General Chito Rodrigues, Presidente da Direcção Central da Liga dos Combatentes.

Foto 6 - XX Almoço/Convívio do Núcleo de Lagoa/Portimão> 20/10/13> Mesa com Combatentes e Familiares, residentes no Concelho de Lagoa e uma panorâmica parcial dos convivas.

Estiveram a actuar uma Secção da Fanfarra dos Bombeiros Voluntários de Portimão, que executaram os Toques Militares de Firme Sentido, Toque a Mortes, Minuto de Silêncio, Alvorada, Marcha de Continência e Destroçar.

Foto 7 - Almoço/Convívio do Núcleo de Lagoa/Portimão> 20/10/13> A Secção da Fanfarra dos Bombeiros Voluntários de Portimão.

Foto 8 - Almoço/Convívio do Núcleo de Lagoa/Portimão> 20/10/13> Momento de posição de sentido dos convivas no acto de escutar os Toques Militares. 

Cerca das 13h30, seguiu-se o almoço, onde todos se sentiram devidamente acomodados e com um bom serviço de restauração.

Logo que foi achado oportuno, Jaime Marreiros Presidente do Núcleo de Lagoa/Portimão, discursou de improviso e saudando a presença do Sr. General Chito Rodrigues Presidente da Direcção Central da Liga dos Combatentes, Convidados de Honra, Presidentes dos vários Núcleos do Algarve, Sócios e Familiares:

Foto 9 - XX Almoço/Convívio do Núcleo de Lagoa/Portimão> 20/10/13> Sr. Jaime Marreiros, Presidente do Núcleo, discursando perante toda a assistência e de forma emocional. 

(…) Apelando a todos os Sócios do Núcleo para frequentarem mais a Sede, para utilização dos seus serviços e esclarecerem-se sobre direitos e oportunidades;
(…) Lembrando, que com a abertura de uma Delegação em Portimão, ficamos mais ricos no apoio psicológico e social, porque esta é a nossa missão na partilha e solidariedade para com os Combatentes;
(…) Também estão em estudo projectos, para a feitura de um Monumento aos Combatentes do Ultramar em Monchique e de um outro em Aljezur;

Terminando a sua intervenção com:
Viva o Núcleo de Lagoa/Portimão;
Viva os Núcleos do Algarve;
Viva os Núcleos do País;
Viva a Liga dos Combatentes;
Viva Portugal!...

Seguiu-se a dissertação do Sr. General Chito Rodrigues, Presidente da Direcção Central da Liga dos Combatentes:

Foto 10 - XX Almoço/Convívio do Núcleo de Lagoa /Portimão> 20/10/13> Na zona de exposição fotográfica e informativa, o Sr. General Chito Rodrigues, em sã convivência com combatentes interessados em ouvir os seus doutos conhecimentos sobre determinados factos e acontecimentos de índole militar. 

Sr. Presidente do Núcleo de Lagoa/Portimão…
Srs. Presidentes dos Núcleos do Algarve…
Combatentes, Convidados, Mulheres, Filhos e Netos…

Podia estar em Viseu ou em Rio Maior, no entanto entendi estar aqui!...
(…) Todos os Combatentes fazem a vida de Portugal, não é com alegria os sacrifícios que estamos a sofrer, dado que o nosso sacrifício é defender Portugal;
(…) Somos uma liga a crescer, em cinco anos aumentamos 40% e por isso é preciso mais Sócios; É preciso sermos úteis ao País; É preciso mostrar às Câmaras de que somos úteis e credíveis à Sociedade Portuguesa;
(…) Nós somos grandes e este ano fazemos 90 anos, estamos no Kosovo, Afeganistão e Bósnia!... 
(…) Temos que apoiar os Combatentes, porque o Estado não apoia os mais necessitados: Criamos um Lar no Porto, sete Centros de Apoio Médico e sendo um em Loulé. Sem pagar uma consulta, porque vivemos das cotas dos Sócios e do Estado; Não queremos que os Combatentes andem de alpercatas!...
(…) Sempre escrevo e falo aquilo que nós sentimos, desejo que tenham um futuro longínquo. Obrigado a todos!...

No final do Convívio foi tocado e cantado o Hino Nacional e sendo acompanhado pelos presentes, tendo Jaime Marreiros, Presidente do Núcleo, dado por encerrado o Almoço/Convívio e com um muito obrigado a todos.

Grato pela publicação deste trabalho.
Com um abraço
Arménio Estorninho
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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12219: Convívios (545): Uma festa em cheio, na sessão de lançamento do livro do José Saúde: Lisboa, Casa do Alentejo, 26/10/2013 (Parte I): Atuação do grupo musical "Os Alentejanos", de Serpa, que nos emocionaram, com a moda "Lá vai uma embarcação / Por esses mares fora, / Por aqueles que lá vão / Há muita gente que chora"

Guiné 63/74 - P12227: Efemérides (144): A minha chegada à Guiné - 28 de Outubro de 1968, já lá vão 45 anos (Carlos Pinheiro)

1. Mensagem do nosso camarada Carlos Pinheiro (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70), com data de 28 de Outubro de 2013:


Já lá vão 45 anos

A minha chegada à Guiné - 28 de Outubro de 1968

Ainda de manhã, já perto da costa africana, a cor das águas deixou o azul do mar alto e uma certa cor acastanhada começou a acentuar-se. Estávamos no quinto dia de viagem e fartíssimos do UÍGE devido à falta de condições das camaratas improvisadas nos porões nauseabundos. As refeições tinham sido razoáveis e o tempo bastante bom para um Outono do hemisfério norte.

Almoçámos naquela sala de jantar de estibordo a bombordo, já tínhamos o saco pronto e fechado, bem fardados, dentro do possível, ansiosos por ver e sentir aquilo que nos esperava.

Cerca das três da tarde começámos a vislumbrar Bissau e uma ilha à sua frente. Passado pouco tempo o UÍGE lançou ferro e ali ficou fundeado frente a Bissau. Num instante, foi rodeado de barcos e barquinhos e toda a gente a subir pelas escadas que o barco lançou.

NM Uíge - Foto: Navios no Sapo, com a devida vénia

Começou o desembarque passado pouco tempo. A unidade maior, o BCAÇ 2856, penso que terá embarcado directamente numa LDG, ou talvez duas LDM. O resto da rapaziada foi descendo as escadas e embarcado naquelas barcaças que nos levavam à Ponte Cais onde estavam muitas viaturas GMC - vim a saber que eram da Companhia de Transportes - que depois nos levaram para várias unidades, mas a maioria para aquele hotel fantástico que eram os Adidos.

Já era noite quando chegámos a Brá. Ali fomos logo cercados por vários “velhotes” que nos impingiram as suas histórias, muitas delas possivelmente verdadeiras e outras talvez nem por isso. O jantar foi inimaginável. Cantina para ajudar a distrair a “malvada”, nem sabíamos onde era e quando a descobrimos já estava fechada.

Camas, claro que também não havia. Cada um desenrascou-se como pôde. Foi uma noite fantástica para a mosquitada. Sangue fresco com fartura. De manhã tudo picado sem saber o que fazer. Organização por aqueles sítios não era sentida.

Foram assim, mais ou menos, as primeiras horas da Guiné.

Carlos Pinheiro
28.10.2013
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Nota do editor

Último poste da série de 17 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12052: Efemérides (143): Passados 41 anos o reencontro com o camarada d’armas Eduardo Ferreira do 1º Pelotão da CART 3494 (Sousa de Castro)

Guiné 63/74 - P12226: Crónicas das minhas viagens à Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (3): A minha primeira viagem em 1998 - A descoberta da nova realidade

1. Terceiro episódio da série do nosso camarada José Martins Rodrigues (ex-1.º Cabo Aux Enf.º da CART 2716/BART 2917, Xitole, 1970/72), dedicada às suas viagens de saudade à Guiné-Bissau, a primeira efectuada em 1998.




CRÓNICAS DAS MINHAS VIAGENS À GUINÉ-BISSAU


A PRIMEIRA VIAGEM - 1998

3 – Acompanhem-me na descoberta da nova realidade, porventura imaginada, entre Bissau e Bafatá.

Bem cedo, porque tínhamos pela frente uma viagem de 150 quilómetros até Geba, a cerca de 10 quilómetros de Bafatá, e ainda era preciso trocar escudos por francos CFA, descemos ao piso térreo do Hotti Bissau para o pequeno-almoço. De seguida, à porta do hotel, fomos receber o jipe que havíamos contratado. Para meu espanto, aparece-nos uma Pick-Up que sabia ser muito incómoda e sem o ar condicionado exigido. Recusei com veemência a viatura, exibindo cópia do fax em que constava o que tínhamos acordado. Após alguma discussão e, com a ajuda de Candé, o nosso condutor, guia e segurança, conseguimos que nos entregassem um jipe Nissan Patrol, praticamente novo e todo artilhado de cromados, imagem a condizer com o estatuto que o seu proprietário aparentava. Fomos até ao mercado, zona comercial no centro da cidade de Bissau.

Aqui adquirimos os necessários Francos CFA e percebi que as viaturas eram a imagem da ostentação na cidade. Neste percurso, tivemos que passar junto do mercado de Bandim. Era uma imensa confusão de viaturas misturadas com pessoas. Ultrapassagens sem regras, buzinadelas constantes e nas bermas de tudo se vendia. Plásticos, calçado, roupas, mobílias, frutas, etc. etc. etc.
A caminho do centro da cidade, fui registando imagens de abandono e degradação de vivendas, edifícios e estabelecimentos comerciais. O que não tinha utilidade para a vida possível, foi definhando ao longo dos anos. As necessidades agora eram outras.

Partimos para Bafatá. Estava previsto chegarmos ao Club Capé a tempo do almoço que nos esperava. A estrada era alcatroada mas, em muitos troços, era um verdadeiro calvário de cavernas, o que obrigava a circular pelas bermas por ser o mal menor. Enquanto se ouvia música guineense e notícias no rádio do jipe, a imagem mais marcante em muitos quilómetros deste trajecto, para além das tabancas, das bolanhas e cursos de água, eram as verdadeiras florestas de cajueiros. O sol a pique, um calor abrasador que o ar condicionado tornava suportável, especialmente para as senhoras, e uma vegetação que lutava contra a secura, compunham a paisagem que desfilava perante o nosso olhar. Já próximos de Bafatá, a rádio anunciava a decisão do Presidente Nino Vieira de demitir Ansumane Mané da chefia do Estado Maior por alegada venda de armas aos guerrilheiros de Casamanse.

De Bafatá e até ao Club Capé, aldeamento turístico em que iríamos ficar alojados durante três noites, o trajecto era efectuado em picada, a espaços bastante maltratada. Chegamos tarde, cerca das quinze horas para almoçar e muito cansados pela dura viagem. Após um delicioso e retemperador banho, foi-nos servida uma deliciosa refeição de bife de gazela acompanhada da “nossa” indispensável Superbock bem fresquinha. Esta unidade turística era composta por quartos bungalow inseridos num belo jardim, com vários mangueiros e com os seus frutos ali bem à nossa mão. Num bungalow central ficavam a sala de estar, de jogos e a sala de jantar. Uma bonita e bem cuidada piscina completava o equipamento. Um pequeno paraíso na Guiné. Após a refeição, o “nosso” Candé iria regressar a Bissau. Ajudou-nos a resolver o problema do jipe, fez baixar as cordas das ”fronteiras” que fomos passando e transmitiu-nos um grande sentimento de segurança.

Saciado o apetite e relaxados do corpo, surgiu o espaço e o tempo para os primeiros comentários sobre as aventuras até aí vividas. Para o meu irmão e esposa que já tinham estado no Senegal dois anos antes, o que mais salientaram, pela negativa, foi a pobreza das infra-estruturas patente nas cidades de Bissau e Bafatá. Para a minha esposa, tudo era estranho. Desde a elevadíssima temperatura, à hora em que almoçámos, até à paisagem, que ela jamais imaginara. Para ela, o mundo era a imagem da terra que a viu crescer e eu não esperava outra reacção. Até esse momento fui “bebendo” todos os sinais que tocavam os meus sentidos. Sentia uma enorme alegria interior. Há momentos na vida para os quais não se encontra explicação razoável. Eu estava a viver um desses momentos. Passámos o resto da tarde confortavelmente instalados nas espreguiçadeiras da piscina. Ao jantar, junto à piscina, foi-nos servido um grelhado de caça, que incluía porco de mato e rolas. As senhoras estranharam o paladar da carne de caça. Olhando o horizonte, afastado das luzes, contemplei aquela noite tão escura, tão escura. Até isso ficou gravado.

Amanhã será um dia muito especial. Irei visitar o “meu” quartel, as tabancas e a “minha gente”. Carrego no peito o desejo incontido de abraçar a população do Xitole e, tentar encontrar alguém que tenha partilhado comigo aquela fase da minha vida. Este desejo esteve aprisionado anos demais e iria finalmente ser solto. Quantos de nós não sufocam perante a impossibilidade de o fazerem.

Fomos dormir. Amanhã será o dia de todas as emoções. Até me assusta o que me espera.

(Continua)

Negociando a troca da viatura

Na cidade, para trocar moeda

A caminho de Bafatá

Picada entre Bafatá e o Hotel Capé

Já próximo do Capé, paragem para recolher e saborear Caju

Fim de tarde, na piscina do Capé

Clube Capé, arredores de Bafatá

Avenida principal de Bafatá

Este filme mostra os momentos da partida do aeroporto de Sá Carneiro, as primeiras impressões de Bissau e a ida até Bafatá
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Nota do editor

Último poste da série de 24 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12195: Crónicas das minhas viagens à Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (2): A minha primeira viagem em 1998

Guiné 63/74 - P12225: Agenda cultural (293): Estreia do filme da jovem realizadora portuguesa Catarina Laranjeiro, "Pavia de Ahos", sobre memórias guineenses da guerra de libertação / guerra colonial. Doclisboa'13, hoje, 5ª feira, 31/10/2013, 17h00, Cinema São Jorge, Sala 3


Fotograma do filme "Pavia de Ahos", da jovem realizadora portuguesa Catarina Laranjeiro, que estreia hoje, no Doclisboa'13, 11º Festival Internacional de Cinema.


1. Pavia de Ahos / Because of Today
Realizadora: Catarina Laranjeiro
Duração: 57'
País: Portugal
Ano: 2013

Secção: Verdes Anos (*)

Sinopse:

Na Guiné-Bissau, quarenta anos depois da guerra, aqueles que aderiram ao movimento de libertação e aqueles que lutaram no exército colonial põem em cena uma multiplicidade de discursos e memórias irreconciliáveis.

A realizadora irá estar presente na sessão de 31 de Outubro.

31 de Outubro de 2013, 5ª feira, 17:00
Cinema São Jorge, Sala 3



2. Mensagem enviada por Catarina Laranjeiro, com data de  23/01/2013

Chamo-me Catarina Laranjeiro e atualmente estou a frequentar o mestrado de Antropologia Visual e dos Media [, na Universidade Livre de Berlim]. A minha tese de mestrado focará artefactos visuais (fotografias e outros) que antigos
combatentes da guerra de libertação na Guiné, sejam do PAICG, ou do exército português,  ainda conservem, explorando a representação que têm hoje desse período histórico.

Desta forma, a minha proposta de investigação é sobre fotografias de guerra/luta. Sobre fotografias que antigos combatentes e guerrilheiros guardam da guerra/luta e sobre as histórias que as fotografias congelam e transportam. Sobre o que as fotografias revelam e sobre o que escondem. E sobre como foram conservadas ou negligenciadas até aos dias de hoje.

Assim, para além da construção de um arquivo iconográfico e de uma pesquisa histórica sobre estas fotografias, proponho-me também a registar que memórias transportam e que histórias contam, consolidando-as num filme etnográfico.

Esta investigação já está a ser realizada em Portugal onde com relativa facilidade tenho encontrado antigos combatentes e antigos comandos africanos com muitas fotografias para mostrar e muitas
histórias para contar.

De qualquer forma, e tendo em visto o imenso trabalho que tem sido feito através do blog, gostaria de saber se têm alguns conselhos para mim ao nível da pesquisa histórica, pessoas que me indique que possam ter fotografias importantes e que gostariam de participar no meu trabalho.

Muito obrigada pela sua atenção.


3. Sobre a realizadora, Catarina Laranjeiro [, foto  à esquerda, retirada com a devida vénia do blogue Novos Talentos de Guimarães; dados recolhidos na Net]

(i) Nasceu em Guimarães, em 1983, vindo para Lisboa aos 18 anos;

(ii) Licenciada em Psicologia Social pelo ISCTE - IUL;

(ii) Mestre  em Antropologia Visual e dos Media,  pela Universidade Livre de Berlim.;

(iii) Atualmente é doutoranda em Pós-Colonialismo e Cidadania Global, pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra;

(iv) Trabalhou em diferentes Associações de Imigrantes em Portugal e em Educação para o Desenvolvimento na Guiné-Bissau;

(v)  Desde 2010, dedica-se a projetos de investigação e criação que cruzem o cinema e a antropologia.

4. Comentário de L.G.:

Catarina: Obrigado pelo convite e pelo lembrete. Mas por azar, hoje, à hora de estreia do seu filme, estou a dar aulas!... Vou, entretanto, e com muito gosto, divulgar o evento, na nossa série Agenda Cultural (**).  Terei depois oportunidade de ver o  filme em DVD e falar dele, com mais detalhe no nosso blogue.

Desejo-lhe boa sessão, e boa sorte para o filme. Convido os nossos leitores a darem um salto ao São Jorge, hoje, às 17h00, para ver o seu filme, conhecê-la pessoalmente e trocar algumas imoressões consigo.

Ainda há dias, no passado dia 27, vi lá um notável filme, do realizador português Mário Patrocínio, "I Love Kuduro", de produção angolana [Vd. aqui o sítio oficial].  Gostei imenso. Temos hoje gente jovem, muito talentosa, a fazer grande cinema documental. 

Parabéns, Catarina. Espero, enfim, que o nosso blogue lhe tenha dado também ideias, pistas e sugestões interessantes para a feitura do seu filme, cumprindo também a sua missão de ser uma fonte de informação e conhecimento, nomeadamente das pessoas da sua geração que já viveram, felizmente, o drama da guerra colonial.  Afinal, temos em comum, entre outras coisas, o gosto pelo trabalho de (e sobre) a memória da guerra e dos seus combatentes. Boa saúde, bom trabalho. Boa continuação do seu doutoramento. LG

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Notas do editor:

(*) A secção Verdes Anos apresenta filmes produzidos no contexto de escolas de vídeo, cinema, audiovisuais e comunicação, bem como em cursos de pós-graduação relacionados com o cinema e em particular o cinema documental.
Verdes Anos procura sobretudo abrir uma plataforma de diálogo e reflexão em torno dos filmes produzidos bem como do ensino destas áreas. Pretende-se dar a oportunidade aos jovens realizadores ainda em contexto de formação de mostrarem o seu trabalho a um público alargado facilitando, com isso, a sua entrada futura para o contexto profissional, bem como o seu enriquecimento enquanto realizadores.