segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12768: Blogpoesia (368): Cinco cartas aos Continentes... (J. L. Mendes Gomes)

Cinco cartas aos Continentes...

por J.L. Mendes Gomes


Fui aos Correios pôr cinco cartas.
Uma a cada Continente.
Deste mundo.

Uma delas
Há-de chegar às tuas mãos.
Onde quer que estejas agora.
Isso me deixa alegre
E faz feliz.

Quero que a abras,
Pela manhãzinha,
Ao nascer do sol.
É a hora a que a vida acorda.
Mais um dia para viver.

Que o da Europa,
Terra das luzes,
Já foi farol!...
Seja melhor
Que foi o de ontem,
E os dos últimos anos,
Quando tudo
Parece
Que voltou para trás...

Depois das guerras grandes,
Uma pequena,
Outra maior,
Ambas ferozes...
E da outra guerra fria,
Que de gelo
Reduziu a pó,
Tanta Fé e
E tanta Esperança
Num futuro medonho e negro
Que é o presente...
Diz-se União!...
Que paradoxo!...
Nunca esteve tão desunida
E desumana!...
Carcomida de mentira.

Venha de novo
Um São Bento que a lavre...
E ponha ao Sol!

Para a Ásia, vasta e extensa,
Das estepes,
Desde os Urais
Lá aos confins,
Pelos caminhos de Marco Paulo,
Onde há povos,
Nossos irmãos,
Filhos de Deus,
Iguais a nós,
Mas tão diferentes...
Vão no silêncio.
Só olham para trás,
De olhos no céu,
Vendo o mundo
De trás para a frente.

Para África, ao sul,
Esse vasto pedaço de mundo,
Com a forma dum coração.
Onde negros e brancos,
Nem sempre deram as mãos,
Apesar de terem a mesma cor
Nos olhos
E no sangue que lhes corre nas veias...
Chegou a hora certa...
Dum grande abraço
E para sempre serem irmãos.


Ouvindo Brendan Perry

Berlim, 2 de Fevereiro de 2014m, 7h17m

Joaquim Luís Mendes Gomes




J.L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66 [, foto acima, em Catio, 1964, assinalado com um círculo a vermelho; jurista, reformado; autor do livro de poesia "Baladas de Berlim", Lisboa, Chiado Editora, 2013, 232 pp., preço de capa:  € 14; encomendar aqui]

Foto: J.L.Mendes Gomes / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

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Nota do editor:

Último poste da série > 7 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12689: Blogpoesia (367): O passado e o presente no futuro (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P12767: Notas de leitura (567): "O Reencontro, Da Ponte Aérea à Cooperação", por General Gonçalves Ribeiro (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Setembro de 2013:

Queridos amigos,
O general Gonçalves Ribeiro tem um currículo invejável na área da cooperação técnica-militar.
Esta recensão circunscreve-se ao balanço que ele faz quanto à Guiné, está datado mas é uma importante pista de trabalho. Ele elenca as diferentes iniciativas e não esconde a sua consternação quando a guerra civil de 1998-1999 deitou praticamente por terra 20 anos de cooperação, houve que recomeçar e todo o entusiasmo dos tempos primigénios em que havia compreensão para as dificuldades do novo Estado praticamente arrefeceu.
Leia-se devagar, este repositório deixa bem claro que se procurou fazer cooperação com a Guiné sem reservas e de mãos limpas.

Um abraço do
Mário


A Cooperação Técnico-Militar e a Guiné-Bissau - 1

Beja Santos

O livro chama-se “O Reencontro, Da Ponte Aérea à Cooperação” e o seu autor é o General Gonçalves Ribeiro (Editorial Inquérito, 2006).
Gonçalves Ribeiro foi Alto-Comissário para os Desalojados, Representante Militar Nacional nos SHAPE/NATO, Diretor do Departamento de Operações do Estado-Maior do Exército e Diretor-Geral da Direcção-Geral da Política de Defesa Nacional.
Segundo o autor, este livro foi escrito com intenção de resumir e divulgar matérias e factos que julga não deverem ficar esquecidos sob o pó das prateleiras ou simplesmente confinados à memória dos que neles participaram. É um registo da relações que ao longo da década de 90 se foram tecendo e consolidando entre Portugal e os PALOP através da cooperação militar. Este registo é precedido de uma referência aos eventos da Ponte Aérea e o que de mais relevante ocorreu, segundo o autor, no período pós-descolonização. A Guiné-Bissau é objeto de um relato circunstanciado que aqui se resume. Tem talvez importância o que o autor escreve na introdução: “Fatores vários, alguns surgidos na fase da pró-independência, colocaram a Guiné-Bissau na vanguarda da Cooperação Técnico-Militar. Mencionam-se, entre outros: o companheirismo e respeito mútuo que deixaram rasto em muitos dos militares de ambos os países, que lá conviveram na altura da descolonização; o acesso de grande número de jovens e quadros guineenses a cursos de formação militar em Portugal, durante a década de 80; o interesse e o gosto do Presidente Nino Vieira em aprofundar os laços de cooperação com Portugal, especialmente na área militar; as muitas carências com que se debatia o Novo Estado e as inúmeras dificuldades que afligiam o seu povo; a natureza das Forças Armas da Guiné-Bissau que, embora mal estruturadas e com recursos mínimos, dispunham de alguma capacidade marítima para além da componente terrestre”.

O primeiro Programa-Quadro foi aprovado em 1980, abrangeu, prioritariamente, projetos de interesse para a sociedade civil, da engenharia de construções à mecânica de viaturas e do sistema de comunicações à fiscalização das águas costeiras. E traça um diagnóstico da Guiné-Bissau: “País pobre, os recursos naturais escasseavam (e escasseiam); inexistiam receitas públicas para a atividade corrente da administração, aliás desorganizada e inconsistente; a economia não ia além dos patamares da subsistência; a ajuda externa colmatava em grande parte as reconhecidas carências financeiras do país; alimentava, no entanto e indesejavelmente, a corrupção; os habitantes, na sua esmagadora maioria, viviam um quotidiano de miséria”.

Iniciou-se um curso de construções e reparações e os cerca de 20 novos especialistas foram colocados em trabalhos de reabilitação do seu futuro quartel, em Brá. Iniciou-se a Residência da Cooperação Militar Portuguesa e um conjunto de cursos práticos de mecânicos, bate-chapas, pintores, etc. A Residência da Cooperação Militar foi inaugurada em 1992, está situada em Santa Luzia. Nos anos de 1993 e 1994 foram construídas duas lanchas de fiscalização rápidas, concebidas para operarem nos mares e no clima da região e a nível do Exército iniciou-se um novo projeto de restruturação, do redimensionamento e do normativo jurídico respetivo e simultaneamente aprovou-se um segundo Programa-Quadro, isto numa altura em que já sucediam cursos práticos de operadores de transmissões, mecânicos, eletricistas, construções e reparações, no Exército, e de Eletromecânica Naval, Mecânica Naval, Básico de Marinharia, na Marinha.

Procedeu-se à análise dos resultados deste segundo programa para fazer a ligação ao novo biénio: a legislação da Defesa e das Forças Armadas da Guiné-Bissau fora aprovado pelo Governo, iria ser submetida à Assembleia Nacional Popular, as duas lanchas de fiscalização tinham tido trabalhos de manutenção e pequenas reparações, prosseguiam os cursos de Engenharia Militar, etc., etc. Mas a atmosfera dava sinais ameaçadores, tensões nas Forças Armadas, diferendo entre os antigos combatentes e uma nova geração de oficiais e abruptamente Nino Vieira suspendeu Ansumane Mané nas funções de Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, com base de denúncias do seu alegado envolvimento no contrabando de armas a favor dos rebeldes do Casamansa. A instabilidade agravou-se, Ansumane Mané fez uma exposição declinando toda a responsabilidade nos factos e imputando o tráfico de armas ao Ministro da Defesa, Samba Lamine Mané. Os Combatentes da Liberdade da Pátria escreveram um documento que alinhava pelo mesmo diapasão. Em termos formais, a cooperação prosseguia, era desejada pelos dirigentes da Guiné-Bissau, listaram-se novos cometimentos como o fornecimento de fardamento, medicamentos e material para dotar o posto de primeiros socorros da base naval, etc. Em 7 de Junho de 1998, rebenta o conflito, as forças fiéis a Ansumane Mané desencadeavam uma ação armada de que a causa próxima parece ter sido a indigitação do novo Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas. Nino Vieira fez um apelo de apoio militar a países vizinhos, correspondido, efetivos da Guiné-Conacri e do Senegal irão aparecer no teatro do conflito. Grande parte da população guineense considerou a medida intolerável, sentiram-se ocupados por forças estrangeiras, esse estado de espírito agravou-se com os desmandos perpetrados pelos senegaleses na cidade de Bissau.

As autoridades portuguesas estabeleceram um plano de evacuação com efetivos navais e aéreos. O autor observa: “De realçar que quer a distribuição da ajuda humanitária, quer a evacuação de cidadãos ao longo das povoações ribeirinhas, já controladas por rebeldes, foi feita em total sintonia com estes últimos, não se registando da sua parte qualquer sinal de hostilidade em relação a cidadãos portugueses”. O embaixador português, Henriques da Silva, dava conta da existência de 150 a 200 mil deslocados e desalojados na região envolvente da capital e de grandes movimentações de pessoas transportando os seus parcos haveres para Norte e Leste do país. A situação alimentar a higiénica, naturalmente, degradou-se, tudo se tornou catastrófico quando o impacto de uma granada de morteiro no Depósito Central de Medicamentos destruiu a quase totalidade do respetivo stock.

Continuaram a travar-se violentos combates e os rebeldes mantiveram-se firmes em Brá, tendo infligido severas perdas aos senegaleses; progressivamente, antigos militares e jovens militares vindos do interior juntaram-se aos rebeldes. Bissau e arredores tornaram-se num horrível campo de combate. O autor comenta: “Um dos trunfos maiores dos homens de Ansumane Mané era a precisão com que utilizavam as armas de tiro curvo, morteiros e obuses de artilharia. Os alvos escolhidos eram, por norma, concentrações de senegaleses ou os locais onde as suas forças se encontravam aboletadas na cidade de Bissau. Muitos edifícios foram destruídos e outros arrasados. Entre estes últimos, os quartéis de Engenharia e de Serviço de Material, em Brá, por azar situados na linha da frente, onde se travavam os combates mais violentos (…) Igualmente atingido foi o bairro inaugurado, em 1995, pelo Instituto de Cooperação Portuguesa. Constituído por alguns blocos, um deles de construção recente, com vinte apartamentos, servia de alojamento a professores, diplomatas, médicos, etc., em funções diversas, a maioria de cooperação. Em finais de Julho, princípios de Agosto, as tropas senegalesas instalaram posições de artilharia nas imediações do bairro. A resposta dos militares da Junta não tardou. Os bombardeamentos contra aquelas posições provocaram severos danos em dois dos blocos. Os muros de proteção do complexo ruíram em vários pontos. Por ali entrou uma multidão descontrolada que pilhou e saqueou a maioria dos apartamentos”.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12751: Notas de leitura (566): A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas - Parte 4 de 4 (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P12766: Parabéns a você (696): Manuel Henrique Quintas de Pinho, ex-Marinheiro Radiotelegrafista das LDM 301 e 107 (Guiné, 1971/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 23 de Fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12761: Parabéns a você (695): José Carlos Pimentel, ex-Soldado TRMS da CCAÇ 2401 (Guiné, 1868/70)

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12765: Debate sobre o livro "Segredos da Descolonização de Angola", de autoria de Alexandra Marques, no passado dia 18 de Fevereiro, em Oeiras (José Manuel Matos Dinis)

1. Em mensagem do dia 19 de Janeiro de 2014, o nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), enviou-nos o seu testemunho de mais uma tertúlia integrada no ciclo Fim do Império*, em Oeiras, esta realizada no passado dia 18 de Fevereiro cujo tema era o livro de Alexandra Marques, "Segredos da Descolonização de Angola".

Olá Carlos!
Envio-te uma espécie de reportagem sobre um encontro realizado em Oeiras, cuja matéria respeita à descolonização de Angola.
Fi-la de maneira a reportar só o propósito da sessão, e espero ter evitado opinar sobre o que ali foi dito. No entanto, não podia deixar de constatar e transmitir a opinião ali generalizada, ou, pelo menos, incontestada.
Não cito nomes, que constam do livro, para não ferir susceptibilidades, e para que os "árbitros de bancada" não se fiquem pelo comentário sobre causa desconhecida. Ah! Também não me foi pedida a divulgação, faço-o no âmbito das recensões no Blogue e para conhecimento de eventuais interessados.

Um grande abraço
JD


No passado dia 18, na sede da delegação da Liga dos Combatentes Cascais/Oeiras, realizou-se uma reapresentação, com debate, do livro com o título "Segredos da Descolonização de Angola", da autoria de Alexandra Marques, no âmbito do seu doutoramento em história. À guisa de preâmbulo cautelar sobre eventuais reacções emotivas, o senhor coronel Barão da Cunha advertiu para o "picante" da obra, e apelou à urbanidade das intervenções sob os diferentes pontos de vista.

E do que consta esse picante?
Pois o picante radica nos actos de alguns elementos das FA, que durante o período da descolonização de Angola, ali protagonizaram atitudes que causam "vergonha" a alguns dos seus camaradas presentes no encontro. E ficou a sensação, por falta de manifestações divergentes, que na assistência todos repudiam situações de desleixo, de indisciplina e abuso de poder na instituição militar, de desonra à história de Portugal e à ética da condição militar, principalmente consubstanciadas pelo desprezo votado aos cidadãos, e pela entrega indigna de militares portugueses a um movimento, que sobre eles praticou sevícias, como corolário da exagerada desfaçatez de não se terem deixado desarmar pelos anteriores inimigos. Terão ido parar à praça de touros de Luanda.

O senhor coronel-comando Manuel Bernardo, que cumpriu comissões em Angola e Moçambique fez uma síntese sobre a situação militar que precedeu o golpe de 25 de Abril, e adiantou alguma notícia sobre os desenvolvimentos negociais em que participaram as FA, os movimentos ditos de libertação, e o novo poder político de Lisboa, anotando algumas contradições e sucessivas cedências da parte portuguesa.

A Autora referiu os pressupostos da obra, que leu grande quantidade de documentos, vasculhou arquivos oficiais e particulares, que enfrentou relutâncias de diversa ordem, recebeu conselhos para não mexer em certas matérias, mas decidiu prosseguir, e garante que o livro só espelha o que conseguiu provar, quer em documentação, quer por testemunhos. Acrescentou que, pelo menos um militar que entrevistou, já tentou vexá-la numa apresentação anterior, negando a entrevista e a projecção plasmada no livro.
Como se infere com facilidade, há responsáveis que tentam branquear as acções que determinaram e mantê-las escondidas da opinião pública. Igualmente os órgãos de informação sonegam sobre a obra tão importante para o conhecimento público, que já se considera da maior importância e coragem. Ao Expresso, conforme citou, enviou seis exemplares, e até hoje nem uma linha sobre a matéria.
A autora, que exerceu o jornalismo durante 20 anos até enveredar por esta investigação, acrescentou que tem sido essa a atitude dos diferentes órgãos da imprensa, onde, aliás, conta com muitos companheiros de trabalho, que por via do livro chegaram a abrandar o relacionamento.

Por fim, seguiu-se um período de intervenção do público (quase cinquenta pessoas, na maioria militares de profissão). E nesse tempo houve revelações complementares sobre a época em epígrafe. Assim, foi revelado sobre o caso Vila Alice, como consta do texto, que os movimentos entraram em Luanda com 600 efectivos cada, e instalaram-se quase em frente na mesma rua. Esse testemunho, de um oficial nascido em Angola, referiu que estava na Vila Alice a fazer um exame de Karate, participado com um mestre cubano, quando começaram os disparos de um lado para o outro, uns de uma vivenda, os outros de um edifício onde instalaram uma Browning, sob a quase complacência da autoridade portuguesa e a estupefação dos residentes.

Esse famoso episódio dá-nos conta da alteração da normalidade urbana, e foi um anúncio das dificuldades que passariam a afectar a população civil, já que os portugueses não puseram cobro àquela e a outras situações seguintes.
Também foi revelado que antes do apoio oficial cubano, já ali confluíam cidadãos daquele país que faziam a avaliação material para incremento de uma estratégia. E também foi apontada a coordenadora do MFA como parte bastante activa em benefício de um dos movimentos, com capacidade para repatriar quem se lhe opunha, como no caso em que o Alto-Comissário terá incumbido dois oficiais superiores para uma acção revanchista que aqueles recusaram.

A propósito desse Alto-Comissário, um dos presentes exibiu a célebre carta de aconselhamento a mal-tratar os colonos, cuja autoria a autora considerou não estar provada. Mas também ali foi dito, que um empresário, em seu nome e no de outros cidadãos que residiam e exerciam actividades em Angola, escreveu ao almirante no sentido de que lhes fossem dispensados meios de protecção, e obteve como resposta - assegurou que o empresário ainda conserva a resposta - que eram os movimentos que avaliavam sobre a questão da segurança, e acrescentava, que sendo o destinatário branco e português, seria aconselhável deixar Angola para os autóctones, mas com outra expressão, ou seja, desanda enquanto é tempo.

Também se falou do "batalhão em cuecas". A estória resume-se assim: as autoridades portuguesas tinham decidido providenciar por um equilíbrio bélico entre os movimentos, e um batalhão que retirava para Luanda, recebeu instruções para entregar o armamento à Unita, mas que por intervenção de alguém do MFA entregou a outro movimento. Em represália, a Unita aprontou uma emboscada e deixou parte do batalhão em cuecas, o que dá uma boa imagem da decência, e da proficiência da tropa naquele momento, que devia ser de grande responsabilidade, em que mais se exigia ordem e serenidade.
Do que se infere que a tropa, no geral obedecendo a ordens controversas e ofensivas da mais elementar racionalidade, abdicava.

Finalmente, foi divulgado que aquela delegação da Liga dos Combatentes, com o patrocínio da Câmara Municipal de Oeiras, está recolher testemunhos como os que aqui são revelados, para um eventual projecto editorial, na senda das publicações que já promoveu, pelo receberá com interesse todas as colaborações que lhe sejam endereçadas.

JD
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Nota do editor

(*) Vd. poste de 15 de Fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12721: Agenda cultural (302): Tertúlia Fim do Império, dias 18 de Fevereiro, 18 de Março, 1 de Abril e 20 de Maio de 2014, às 15h00, na Livraria-Galeria Municipal Verney/Colecção Neves e Sousa, em Oeiras (Manuel Barão da Cunha)

Guiné 63/74 - P12764: Convívios (564): Comemoração dos 50 anos de incorporação militar nos COM e CSM, CISMI, Tavira, setembro de 1964: Quartel da Atalaia, 20/9/2014, às 11h (Rogério Freire, ex-Alf Mil, CART 1525, Bissorã, 1966/67)


Página da comissão organizadora, para efeitos de informação e inscrição




1. Mensagem, de 19 do corrente, do nosso camarada Rogério Freire [ex-Alf Mil da CART 1525,Bissorã, 1966/67; fundador e editor principal do sítio sobre a CART 1525 - Os Falcões]



Assunto: Vamos comemorar os 50 anos do assentar praça no CISMI !!!


Caro amigo Luís Graça,

Está a decorrer uma iniciativa para tentar reunir em Tavira, nas instalações do CISMI, no próximo dia 20 de Setembro, os mancebos que assentaram praça nos cursos de COM e CSM naquela unidade há 50 anos.

Há já um site preparado para dar informações e aceitar inscrições:

http://www.cismi-setembro-1964.pt

e um e-mail
geral@cismi-setembro-1964.pt

Porque tenho a certeza que muitos dos Tabanqueiros passaram pelo CISMI entre Setembro e Dezembro de 1964, lembrei-me de pedir a tua cooperação em ajudar-nos a divulgar este evento no nosso blogue.

Agradeço-te desde já a disponibilidade para o efeito bem como uma visita ao site.

Um abraço cordial do

Rogério Freire
(CART 1525 – Os Falcões)


Tavira >  CISMI > 1964 > "Garboso desfile pelas ruas de Tavira" [, neste caso, pela ponte romana; ao fundo, ao centro, o edifício da Câmara Municipal e Tavira]... Foto do sítio da comissão organizadora do evento. Reproduzida aqui com a devida vénia... (LG)


2. Comissão organizadora e contactos:


Com a devida vénia reproduz-se do sítio, o seguinte:


A ideia de realizar uma confraternização para comemorar os 50 anos do nosso "assentar praça" partiu do Adrião Mateus

O Adrião transmitiu-a ao Tenente António Carlos Fernandes Gomes, Comandante da 3ª Companhia de CSM, hoje Ten Cor aposentado e a alguns dos seus camaradas da CART 1525 (Guiné, Bissorã, 1966/67) e que passaram pelo CISMI, a saber:

Armando Benfeito da Costa;
António Jesus Picado Magalhães:
Joaquim Fernandes Pombo:
Rogério Marques Freire.

A ideia foi acolhida com carinho e está agora a ser posta em prática.

A confraternização só se poderá realizar e vir a ser um êxito se, ao tomares conhecimento desta iniciativa, te comunicares connosco, te inscreveres, mandares fotos e outros contibutos e ... muito importante passares a palavra a outros camaradas.

O e-mail para te comunicares connosco é o geral@cismi-setembro-1964.pt

Se preferires o contacto telefónico liga para o Adrião Mateus
telem  919755073  / telef 239717698

AGUARDAMOS O TEU CONTACTO



Tavira, 1 de fevereiro de 2014 > Foto nº 100 >  Interior do quartel da Atalaia (, hoje RI 1) (1)


Tavira, 1 de fevereiro de 2014 > Foto nº 091 > Interior do quartel da Atalaia (, hoje RI 1) (2)



Tavira, 1 de fevereiro de 2014 > Foto nº 108 > Igreja de São Francisco, ao lado do quartel da Atalaia, onde os instruendos podiam assistir à missa celebrada pelo capelão militar, aos domingos e dias santos... (Releio no "guia do instruendo", de 1968).



Tavira, 1 de fevereiro de 2014 > Foto nº 063 > A velha ponte romana sobre o Rio Girão, numa manhã de sábado, e maré vazia...


Tavira, 1 de fevereiro de 2014 > Foto nº 254 > O encanto dos recantos da cidade... Dizia-se, no nosso tempo, que tinha 29 igrejas, capelas e ermidas...



Tavira, 1 de fevereiro de 2014 >  Foto nº 074 > O velho coreto, ainda lá está, no Jiardim Público de Tavira, tendo à esquerda  o velho mercado (que hoje é zona de lojas de artesanato e restauração).



Tavira, 1 de fevereiro de 2014 > Foto nº  298 > Um aspeto do Jardim Público de Tavira, entre a Praça de República e o antigo mercado... por onde se passeavam as "morenas" e os senhores instruendos, no nosso tempo... Onde se vê o meu carro, é a Rua do Cais, segundo leio no mapa do Google...  E á esquerda, o rio Girão


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados


3. Comentário de L.G.:


Rogério, são gloriosos sobreviventes, essa malta de 1964!... Meio século, é obra! Parabéns aos bravos "falcões" que estão a organizar este evento.

Tens o nosso (que também é teu) blogue à tua inteira disposição para divulgar esta e outras iniciativas... Para mais, Tavira é um sítio que me é caro, também passei por lá, 4 anos depois de ti, no último trimestre de 1968, antes de ser mobilizado para a Guiné...

Acabei de visitar o sítio que me indicas e, como prometido, fiz-te um poste à maneira, no seguimento e em complemento do teu pedido... Acrescentei inclusive mais algumas fotos de Tavira, que eu tirei por ocasião de um fim de semana que lá passei, há três semanas atrás.

Estás também à vontade para (re)publicar, no nosso, coisas do blogue dos "falcões"... Devíamos falar mais da tua CART 1525 e da valente rapazida de Bissorã do teu tempo...

Um alfabravo. Luis

PS - Rogério, temos vindo a publicar uma série sobre o "Guia do Instruendo", documento, de 21 pp., que era distribuído no meu tempo (1968). Vê aqui. Provavelmente ainda não existia em 1964, no vosso tempo.

Guiné 63/74 - P12763: Crónicas higiénicas (Veríssimo Ferreira) (2): Os ursos, lobos, raposas e até os peçonhentos

Anúncio do sabão Lifebuoy, 1902.. Fonte:
Wikipedia. Imagem do domínio público.



1. Em mensagem do dia 13 de Fevereiro de 2014, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3 e Bissau, 1965/67) enviou-nos a segunda Crónica Higiénica para publicação.



CRÓNICAS HIGIÉNICAS

2 - OS URSOS, LOBOS, RAPOSAS E ATÉ OS PEÇONHENTOS

No National Geographic está a dar um programa sobre os ursos a alimentarem-se com salmões. Luta pela vida portanto, com a qual concordo e agora... uma ursa luta com outra para salvar duas suas crias, bem lindas por acaso.

Dou-me a pensar: qu'é qu'isto tem a ver com a GUINÉ, sobre a qual irias escrever?

Tudo... respondi-me.
Tem que ver pois, que lá, lutei para sobreviver com e pelos camaradas de guerra, bem como também eles igualmente o fizeram por mim... para que nos salvássemos fisicamente... mas... mentalmente desesperávamos cada dia e eu... desesperado continuo.

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Estou a ler o nosso blog agora... e num post é descrita a morte dum lobo (e a condenação para o facto) cujo corpo até foi passeado por uma aldeia mas acrescenta-se a seguir que este não atacava crianças, só comia umas cabras para se alimentar. Cabras essas, que e obviamente, tão necessárias seriam também para a subsistência dos seus donos.

Questiono-me: mas afinal se era um predador, como fazer? E se não atacava crianças, devia-se ao simples facto de que também não as deixavam sós e sei do que falo porque na minha terra também os havia (os lobos), bem como raposas e ginetes que de noite arrebanhavam as galinhas que eram o nosso sustento, naqueles tempos difíceis dos anos 50 e 60.
A solução era fazer-se-lhes uma espera nocturna e acabar com tais bichos a tiro.

Tive e amansei, uma de cada das três feras citadas atrás, recolhidas, por abandonadas quando acabadas de nascer e com quem dividi o pouco leite (1/4 de litro) que a minha mãe adquiria a quem o andava a vender de porta em porta, e sempre vos digo... domesticados que foram, sempre que viam os referidos galináceos, ficavam bravos como própria era a sua natureza. Aliás eu, ainda hoje e tal como ontem, quando os vejo, sejam eles patos... perdizes... faisões ou franguinhas, só penso em canja e nas brasas para os assar e nas outras para se sentarem à mesa comigo.

É aqui que sinto mais as saudades do Pelundo, onde estive um mês a viver na tabanca do Ti Vicente. Ele, homem grande da zona, fazia questão de presentear diariamente a minha Secção de morteiros 60, com uma refeição de barulhentas (enquanto vivas) fracas, servidas grelhadinhas ou de chabéu e tudo preparado pelas bajudas suas filhas.

Continuemos:
Desse tempo de menino e moço saudável, ficou-me muita recordação e até dos nojentos alacraus, como lhes chamávamos, me esqueço.
Eram presença constante quer dentro das botas que o meu pai sacudia antes das calçar e donde de quando em vez, um saltava cá para fora.
Bonito era, mas pouco tempo tinha antes de ser esmagado.

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Algarve, Manta Rota 7/2/2014 

Saí agora da piscina (é coberta, aquecida), soube das chuvas que caiem lá pela capital que o foi dum Império e alembrei-ma daquelas torrenciais que suportávamos de Maio a Outubro.


Aquilo sim era chover, tanta e tão quente.
Lá no meu K3, toda a CCAÇ 1422 aproveitava e em vez de ir ao rio, que chuveiros no aquartelamento "cá tem", banhava-se dessa forma usando o Lifebuoy... nem nos limpávamos que cinco minutos passados e se permanecêssemos na suite, debaixo de telha (telha não... qu'é coisa de pobre)... debaixo sim, das madeiras tropicais dos tectos, que eram os cibes) secávamos, excepto os pés que continuavam no molho. Mas o remédio era colocá-los em cima da cama e enquanto víamos a televisão, que não tínhamos... e mesmo o rádio ouvia-se mal.
E os trovões!!!
Ao princípio nem descortinávamos se eram as bombardas de Dio... os canhões de Navarone ou se os obuses de Farim. A verdade vinha à tona ao vermos os poilões rachados ao meio.
Daí que agora se oiça muito por aí: (e somos muitos) "Raios os partam" (quando se fala de políticos entenda-se).

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Post 12701 do nosso Blog: Ora cá está um rapaz que gosto de ler, embora a princípio e quando ele escreveu "OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA", o título me parecesse desajustado. 

Porquê "os melhores etc... etc" se para todos nós, ir à tropa e depois combater, apenas nos trouxe angústias e desilusões?
Compreendi contudo e após leitura atenta, qual era o seu ponto de vista. O rapaz escreve bem, embora se notem alguns pontapés no Português, moderados que têm sido decerto pelas ajudas do seu distinto Editor, que também vai beneficiando os textos, apensando fotos adequadas às situações.


Agora com este novo título, "Crónicas Higiénicas" e parecendo ter abandonado a mordacidade habitual, vou aguardar mais uns episódios para em definitivo me pronunciar.

Noto porém e contudo, alguma melhoria na utilização gramatical e ao que sei, tem-se vindo a cultivar, lendo as obras primas mundiais, Astérix e Tim-Tim. Do mesmo autor (Senhor de, Veríssimo Ferreira) aconselho-vos também a consultar outras porcarias que tem vindo a escrevinhar, tais como "O PÓS-GUINÉ 65/67", "OS LOCAIS POR ONDE PASSEI" e por fim "FRAGMENTOS DE MEMÓRIAS".
(Blogue: Luís Graça & Camaradas da Guiné).

Veríssimo Ferreira
11/02/2014
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Nota do editor

Vd. primeiro poste da série de 9 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12701: Crónicas higiénicas (Veríssimo Ferreira) (1): A raiva que vai cá por dentro

Guiné 63/74 - P12762: Manuscrito(s) (Luís Graça) (22): O espírito de corpo ou a navalha de ponta e mola da solidariedade entre combatentes: recordando 3 episódios do meu tempo e lugar




Guiné > Zona Leste > Setor L1 (Bambadinca) > Pessoal do 2º Grupo de Combate da CCAÇ 12 atravessando em coluna apeada a bolanha de Finete na margem direita do Rio Geba. A tabanca, em autodefesa, guarnecida pelo Pelotão de Milicia nº 102, é visível ao fundo. No primeiro plano, para além de municiador da Metralhadora Ligeira HK 21, Mamadú Uri Colubali (se não erro), vê-se o fur mil op esp Humberto Reis, nosso colaborador permanente,  e o saudoso 1º cabo José Marques Alves, de alcunha "Alfredo" (1947-2013)...(Natural de Campanhã, Porto, vivia em Fânzeres, Gondomar).

Foto do Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).

Foto: © Humberto Reis (2006) / Blogue Luíos Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


1. Quantas vezes, à noite em Bambadinca, fumando um cigarro, depois do jantar, descontraídos, de copo de uísque na mão, gozando o merecido repouso dos guerreiros, nas traseiras do aquartelamento, no conforto relativo  do bar e messe de sargentos,  sobranceiro à bolanha, não assistimos ao "fogo de artifício", ao longe, ao mesmo tempo que tentávamos advinhar, em voz alta,  quase em disputa uns com os outros, quem eram os "desgraçados", tabanca em autodefesa, destacamento  ou aquartelamento, dentro ou fora do setor L1, que estavam a "embrulhar", a levar porrada, o tipo de granadas que explodiam, os quilómetros que distavam da nossa posição,  enfim, cronometrando o ataque ou a flagelação, estimando baixas...Por vezes, os gajos do PAIGC usavam inclusive balas tracejantes, tornando ainda mais real,  e ao mesmo tempo fantasmagórico,  o "espetáculo"...

E tudo isto, sem nada fazer ou sem nada poder fazer... Nessas noites tínhamos pelo menos a certeza de poder dormir numa cama com lençóis lavados, na nossa cama, com colchão de espuma... Era dia (ou noite) de folgar as costas, de poupar o coirão, e, se possível, sonhar com coisas boas...

2. Mas também é verdade que éramos capazes de pegar na trouxa e zarpar, em socorro de camaradas em perigo, de dia ou de noite. Ou de trazer às costas os nossos mortes e feridos, ou os mortos e feridos de outras companhias... De resto, o ser humano em grupo é capaz de fazer o melhor e o pior, as coisas mais sublimes como as mais perversas (como, por exemplo, acordar de noite e limpar a parada de Bambadinca de todos os cães vadios que nos perturbavam o sono...).

Podía contar aqui alguns episódios do tal "espírito de corpo": lembro-me, por exemplo, de um coluna de socorro a Nhabijões, justamente quando eu lá estava destacado, a comandar aquela tropa fandanga, e houve uma alerta de turras na tabanca (que estava em fase de reordenamento)... Sei que recebi, de imediato, o reconfortante apoio do piquete de Bambadinca, reforçado por mais alguns voluntários, entre os quais o Beja Santos... E nessa noite pude dormir mais descansado (mas já não me lembro se, mesmo assim,  o consegui...). O destacamento era constituído por "básicos" e "convalescentes"... E a enorme tabanca (c. de 1600 habitantes, maioritariamente balantas e alguns mandingas) era considerada, desde o início da guerra,  como estando "sob duplo controlo",,,

Nessa noite, alguns elementos IN (provavelmente pop e não propriamente guerrilheiros) tinham entrado na povoação, para se abastecer, como o faziam regularmente. Nhabijões era jum "entreposto" do PAIGC...A populaçaõ abastecia-se em Bambadinca (no Zé Maria,no Rendeiro...).

Nessa noite, em data que já posso precisar, os nossso "bufos" deram o alerta, mas a notícia de "turras na tabanca" era manifestamente exagerada...Se nessa noite vieram turras, armados, a acompanhar a população, eles ficaram só para jantar e deixaram as Kalash no bengaleiro... Aliás, não era do seu interesse alterar o "status quo"...De dia a tabanca era "nossa", de noite eles entravam e saíam com a maior das calmas (, pelo menos aparente...), cambando o rio Geba para o outro lado (, Enxalé e Cuor) ou metendo-se a pé a caminho do Baio Buruntoni, no subsetor do Xime

Repare-se que, de noite, e nestas circunstâncias, as nossas viaturas arriscavam a pisar uma mina... Como nos acontecerá uns meses depois, aos 20 meses de comissão, à entrada (ou à saída) de Nhabijões, em 13 de janeiro de 1971... Mas, quando se vai em missão de socorro, subestimamos os riscos e sobrevalorizamos as nossas forças, fazendo apelo ao tal espírito de corpo para o qual fomos treinados...


Guiné >  Região de Bafatá > Antiga Estrada Xime - Bambadinca > 1997 > A antiga Ponte do Rio Udunduma, vista da nova estrada Xime-Bambadinca. Neste destacamento estava permanente um Grupo de Combate da CCAÇ 12, que vivia em buracos como as toupeiras (rodava todas as semanas). Ou melhor dizendo: eram três apartamentos subterrâneos tipo T Zero" (HR)...

Foto (e legenda): © Humberto Reis (2005) (com a colaboração do Braima Samá, professor de Bambadinca)


3. Mas houve mais outros episódios em que a solidariedade entre combatentes funcionava como uma verdadeira navalha de ponte e mola...

Recorde-se aqui uma história, já contado pelo Humberto Reis, na I Série, há manga de tempo, e que tem a ver com o destacamento da ponte do Rio Udunduma:

"Com este destacamento [do ponte do Rio Udunduma] passou-se um episódio que diz bem do carácter que presidia à união de todos os operacionais [...].

"Um domingo à noite estávamos a jantar na messe [, em Bambadinca], nesse dia calhou-me estar dentro do arame, e de repente começámos a ouvir rebentamentos para os lados da ponte. Pensámos que era o destacamento que estava a embrulhar e automaticamente nos levantámos (eu e mais alguns até estávamos vestidos à civil), fomos a correr aos respectivos quartos buscar as armas e quando chegámos à parada já lá estavam alguns Unimog com os respectivos condutores à espera (ninguém lhes tinha dito nada mas a ideia foi a mesma - é a malta da ponte a embrulhar, temos de os ir socorrer).

"Até um dos morteiros 81 levámos e aí vai o Fur Mil Lopes, do Pelotão de Morteiros com uma esquadra - o Lopes, natural de Angola (tão bem organizada que era a nossa administração militar, que o colocaram na Guiné!).

"Felizmente, quando chegámos à ponte, verificámos que não era aí, mas sim dois Km mais à frente, na tabanca de Amedalai, pelo que seguimos até lá. [Amedalai ficava a caminho do Xime, antes da temível Ponta Coli]...

"Escusado será dizer que quando o IN notou que chegaram reforços desarmou a tenda, fez a mala e foi-se embora" [Relato de Humberto Reis]...


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada Finete-Missirá > 17 de outuibro de 1969 > O fur mil op esp Humberto Reis (à esquerda) e o alf mil at inf António Carlão (à direita), do 2º Gr Comb da CCAÇ 12, vistoriando, no dia seguinte,  os restos da viatura (Unimog 404) em que seguia o alf mil Beja Santos, comandante do Pel Caç Nat 52, quando accionou uma mina anticarro, no dia 16 de Outubro de 1969, por volta das 18h00, na zona de Canturé (entre Finete e Missirá: vd. carta de Bambadinca, de 1/50.000).

Foto: © Humberto Reis (2006)/Bogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


4. Outro episódio de que me lembro bem,  foi  quando o Beja Santos e parte do seu Pel Caç Nat 52 caíram num mina A/C, seguida de emboscada, quando iam de  regresso a Missirá, já ao fim da tarde... Na história oficial ou oficiosa das crónicas da Guiné, o evento foi assim secamente relatado:

"Em 16 [de Outubro de 1969] , IN não estimado emboscou no lado direito da estrada Finete-Missirá, próximo de Canturé, uma coluna de reabastecimerntos do Pel Caç Nat 52, composto por 15 elementos, simultaneramente ao accionamento de mina A/C, causando 1 morto e 3 feridos graves às NT. O IN sofreu 1 morto quando provocava assalto." (Fonte:Históira da CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).

Lembro-me bem deste fatídico acontecimento, que causou emoção em Bambadinca, até porque integrei a coluna de socorro que partiu daqui, atravessando o Rio Geba, de piroga,   e a bolanha de Finete, a pé. Tudo se passou quase à nossa frente. O local da emboscada estava inclusive ao alcance dos nossos morteiros. Na altura ainda não havia obuses em Bambadinca, mas apenas um esquadrão do Pel Mort 2106 (espalhado, de resto, pelos ouytros aquartelamentos do Setor L1: Xime, Mansambo, Xitole, Saltinho).

Mal ouvimos a explosão, foi de pronto organizada um coluna de socorro, composta pelo pelotão de piquete, o  2º Gr Comb do lf mil Carlão e dos furriéis mil Humberto Reis e Tony Levezinho,  reforçado com  Pel Rec Inf da CCS/BCAÇ 2852.

Era voz corrente que o Beja Santos, conhecido entre os seus camaradas milicianos como o "tigre de Missirá" (nome de guerra que lhe terá sido posto pelo "major elétrico", 2º comandante do BCAÇ 2852) tinha a cabeça a prémio no regulado do Cuor... Exagero ou não, o próprio Beja Santos reconhece publicamente este facto num dos muitos postes que ele já escreveu, com as suas memórias deste tempo e lugar:

"A 15 [, ou melhor, 16] de Outubro devíamos ter regressado mais cedo. O Comandante local do PAIGC, Corca Só [antigo futebolista dos balantas de Mansoa] já me tinha ameaçado de morte, tendo mesmo deixado um bilhete na estrada. Saímos tardíssimo de Finete, o sol a cair a pique, como acontece nos trópicos" (...).

De facto, não foi a 15, mas sim a 16. Felizmente que o Corca Só não levou para Madina/Belel o escalpe do Beja Santos. Pelo contrário, voltou para casa com um morto às costas. Nesse dia, ficámos quites, foi um jogo de empate, se é que podemos brincar com uma tragédia como esta, em que houve mortos e feridos de um lado e do outro...

O Beja Santos não foi apanhado à mão por um triz. E isso é o mais importante: ele hoje está vivo e entre nós, partilhando connosco as alegrias e as tristezas de um tempo e de um espaço que nos coube em sorte, nos nossos verdes (e loucos) vinte anos.

PS - O episódio da emboscada com mina, em Canturé, em 16/10/1969,  passou-se antes do episódio de Nhabijões...Que terá sido no 1º trimestre de 1970, estava já o Beja Santos em Bambadinca, com o seu Pel Caç Nat 52, a terminar a sua comissão, de rendição individual... Não posso, de momento, precisar a data e o mês. De qualquer modo, eu e o Beja Santos ficámos quites... Mas também na guerra o altruísmo é egoista: é um por todos e todos por um...

Guiné 63/74 - P12761: Parabéns a você (695): José Carlos Pimentel, ex-Soldado TRMS da CCAÇ 2401 (Guiné, 1868/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 21 de Fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12749: Parabéns a você (694): Veríssimo Ferreira, ex-Fur Mil da CCAÇ 1422 (Guiné, 1965/67)

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12760: Bom ou mau tempo na bolanha (45): Combatentes até ao fim (Tony Borié)

Quadragésimo quinto episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.


O dia estava radioso, nem muito sol, nem muita humidade, o céu tinha umas nuvens brancas, lá ao fundo, do lado da ponte.
Pelo menos eram estas as palavras que começavam o diário, que dizia que era o dia 9 de Março, uma terça-feira, que devia de ser de 1965.
Mais à frente dizia, como sempre em letras, um pouco difíceis de entender, que tinha ficado a trabalhar nas suas tarefas no centro cripto, em lugar de um companheiro que tinha ido para a capital da província, que não sabe se foi em passeio ou doente.

Para o Cifra, estar no centro cripto, executando as suas tarefas ou estar a dormir, era a mesma coisa, pois estava ali preso, naquele aquartelamento em construção.

Diz mais à frente que estava sentado, claro, talvez fumando aquele “três-vintes” sem filtro, (que fazia os dedos amarelos, só de segurar o cigarro entre eles), passando a limpo o texto de uma mensagem que mencionava dois feridos e um morto, que era milícia, durante um ataque, na pequena fortaleza que os militares acabaram de construir em Encheia.
Levanta os olhos, vê na parede um mapa de Portugal continental, que alguém ali pôs e que o Cifra sabia que estava lá, mas nunca tinha reparado assim com tanta atenção, e disse para si: "Quando acabar esta mensagem vou ver aquele mapa melhor".

Assim fez, e estava lá, em letras pequenas num canto, uma pequena história que mencionava “sarracenos”, “fenícios”, “visigodos”, e mais umas dezenas de palavras, que explicava que era a Península Ibérica, e logo aí o Cifra pensou: "É verdade, somos isso tudo e mais, talvez da “bretanha”, “vikings”. Tinha lido essas palavras numa revista do “Século Ilustrado” que traziam umas gajas quase nuas, que tinha roubado na messe dos sargentos, e logo pensou: "Somos oriundos da Península Ibérica, estávamos quase rodeados de mar, somos descendentes de aventureiros, fomos criados em regime de família, portanto os mais idosos diziam o que era bom ou mau, e os mais novos acatavam as ordens, obedeciam, e assim na idade jovem, apresentámo-nos voluntários no quartel para inspecção.

Alguns aprenderam as normas militares que os mais velhos ensinavam, e assim aparecemos num cenário de guerra, com o tal espírito dos nossos antepassados que eram AVENTUREIROS!

E agora o Cifra acrescenta, AVENTUREIROS que se transformaram em COMBATENTES, e o nome de combatente vai acompanhar-nos até morrer, os nossos filhos, netos e bisnetos, todas as futuras gerações vão sempre mencionar, que o pai, o avô, ou bisavô, era COMBATENTE!

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Nota do editor

Último poste da série de 8 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12696: Bom ou mau tempo na bolanha (44): Fomos Combatentes, tratem-nos bem (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P12759: CISMI - Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria, Tavira, 1968: Guia do Instruendo (documento, de 21 pp., inumeradas, recolhido por Fernando Hipólito e digitalizado por César Dias) (4) : Parte IV (pp. 16-18): Regime disciplinar; Pretensões, dispensas e licenças


Tavira > Quartel da Atalaia > CISMI > 1968 > Foto nº 8 >  A hora do almoço...



Tavira > Quartel da Atalaia > CISMI > 1968 > Foto nº 8 A >  A hora do almoço... Pormenor: lado direito da foto nº 8: os instruendos estoirados e esfomeados...




Tavira > Quartel da Atalaia > CISMI > 1968 > Foto nº 8 AA > A hora do almoço... Pormenor: lado direito da foto nº 8... Há sofrimento nestes rostos...




Tavira > Quartel da Atalaia > CISMI > 1968 > Foto nº 8 B >  A hora do almoço... Pormenor: lado esquerdo  da foto nº 8: os instruendos estoirados e esfomeados...




Tavira > Quartel da Atalaia > CISMI > 1968 > Foto nº 9 >  Regresso da carreira de tiro, sob a ponte romana que ligava as margens do Rio Gilão, a esquerda (casario ao fundo) e a direita (onde ficava a colina de Santa Maria e, nesta, a parte antiga de Tavira)



Tavira > Quartel da Atalaia > CISMI > 1968 > Foto nº 9 A >  Regresso da carreira de tiro, sob a ponte romana.. Lado esquierdo da foto nº 9.




Tavira > Quartel da Atalaia > CISMI > 1968 > Foto nº 9 B >  Regresso da carreira de tiro, sob a ponte romana.. Lado direito  da foto nº 9.




Tavira > Quartel da Atalaia > CISMI > 1968 > Foto nº 10 > A memorável semana de campo...



Tavira > Quartel da Atalaia > CISMI > 1968 > Foto nº 11  > Semana de campo: o grupo IN, alguns equipados de mauser...



Tavira > Quartel da Atalaia > CISMI > 1968 > Foto nº 12 >  Regresso da semana de campo 



Tavira > Quartel da Atalaia > CISMI > 1968 > Foto nº 12 A >  Regresso da semana de campo  (pormenor)


Fotos (e legendas): © César Dias (2014). Todos os direitos reservados.[Edição: L.G.]



1. Continuação da publicação da brochura "Guia do Instruendo" (Tavira, CISMI, 1968), pp. 16-18 (*):












Páginas, de 16 a 18, não numeradas, do "Guia do Instruendo", usado no CISMI - Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria, em Tavira, na altura em que o César Dias lá fez a recruta e a especialidade (sapador) (2º semestre de 1968).

O documento, de 21 páginas, era policopiado a "stencil". O César Dias mandou-nos o documento em "power point", com 21 "slides". As páginas foram convertidas em formato jpg. O original foi-lhe dado pelo seu camarada de recruta, o Fernando Hipólito, que foi depois mobilizado para Angola, enquanto o César foi parar à Guiné.

Um grande abraço  aos dois.

O César Dias, em resposta a email meu, deu-me as seguintes coordenadas, em mensagem do dia 10 do corrente:

Olá, Luis!,,, É verdade, não voltei lá [, à Guiné, a Mansoa...] nem voltarei,  penso eu, embora gostasse de voltar a vêr alguns lugares daquela terra. Sobre o Branquinho também não sei nada dele, nem do Levezinho, mas para as Caldas não foram, porque no nosso tempo não havia especialidades nas Caldas se eram atiradores de infantaria ficaram em Tavira.

Tens razão em me relacionares com Torres Novas, nasci numa aldeia desse Concelho, Chancelaria entre Torres Novas e Fátima. Vivo há 35 anos em Santiago do Cacém, trabalhei na Refinaria de Sines este tempo todo e por cá fiquei. Estou reformado desde 2009, mas agora tive uma recaída, chamaram-me para dar formação à juventude, e eu aceitei.
Sobre as fotos, ainda pensei que tinha alguma de Santa Margarida, mas aquilo foi mesmo uma rapidinha, nem fotos fizemos.

Obrigado pelo mapa [de Tavira], fiz alguma plantação de explosivos por essa zona [, salinas].
Um abraço, César Dias.

Imagens (digitalizadas): © César Dias (2014). Todos os direitos reservados.[Edição: L.G.]


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Nota do editor: 

Postes anteriores da série:

10 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12703: CISMI - Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria, Tavira, 1968: Guia do Instruendo (documento, de 21 pp., inumeradas, recolhido por Fernando Hipólito e digitalizado por César Dias) (1) : Parte I (pp. 1-6)