quarta-feira, 16 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12993: No 25 de abril eu estava em... (21): Nhala... e nessa noite já ninguém dormiu (José Carlos Gabriel, ex-1.º Cabo Cripto, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513, Nhala, 1973/74)


Guiné > Região de Tombali > Setor S2 (Aldeia Formosa) > Nhala > c. 1974 > 2ª CCaç / BCaç. 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973-74) >  Nhala > Trabalhos de Engenharia na estrada Aldeia Formosa-Buba,







Guiné > Região de Tombali > Setor S2 (Aldeia Formosa) > Nhala  > 2ª CCaç / BCaç. 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973-74) > Nhala, JUN73 > O 1º cabo cripto Gabriel no desempenho de funções,

Fotos (e legendas) : © José Carlos Gabriel  (2011). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]




1. Comentário de ontem,  ao poste P12988 (*),  assinado pelo  nosso camarada José Carlos Gabriel [, foto á esquerda, 1.º Cabo Cripto, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513, Nhala, 1973/74]

Jose Carlos disse...

Camarada Murta (*)

Embora me encontre na Alemanha junto aos meus netos (deixaram-me agora respirar um pouco), entrei no Blogue e vi a tua mensagem. Tinha feito referência que durante uns meses não me seria possível fazer intervenções mas sobre a nossa companhia não posso deixar passar a oportunidade. 

Como me lembro dessa noite em que recebemos a mensagem sobre a revolução e que dizia o seguinte; 

252245NABR RELAMPAGO “Agências noticiosas informam Governo Professor MARCELO CAETANO derrubado por movimento Forças Armadas “. 

A festa que foi feita nessa altura por toda a companhia e, se a memória me não falha,  já ninguém foi mais para a cama e penso que até o “cantinas“ foi abrir a mesma mas já não tenho a certeza. 

Fico satisfeito em ler mais uma intervenção de um antigo camarada a qual irá contribuir para que outros ganhem coragem e também escrevam alguma ocorrência desta ou de outras datas porque nem tudo acabou por ser mau.

Um grande ALFA BRAVO

José Carlos Gabriel
Ex-1.º Cabo Op. Cripto
2.ª CCAÇ/BCAC 4513
NHALA, 1973/74



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(**) Vd. poste de 16 de agosto de  2011 > Guiné 63/74 - P8680: Tabanca Grande (297): José Carlos Ramos dos Santos Gabriel, ex-1.º Cabo Op Cripto da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Nhala, 1973/74)

(...) José Carlos Ramos dos Santos Gabriel
Nascido a 1 de Novembro de 1951
Natural de Cova da Piedade – Almada
Residente na Amora – Seixal [, beste momento, m Alemanha]
1.º Cabo Op Cripto da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513, Nhala, 1973/74




Poster do nosso 10.º aniversário. Autoria do © Miguel Pessoa (2014)

(...) Infelizmente não tenho recordação do embarque para a Guiné do Batalhão em virtude de na data da partida me encontrar a prestar serviço na Defesa Nacional e não me ter sido permitido embarcar sem ter o meu substituto presente, razão pela qual só embarquei em 12 de Maio 1973 nos TAM, depois de muita insistência minha com o receio de vir a passar a rendição individual.

Agradeço a todos os meus ex-camaradas da altura que se prontificaram a fazer o meu trabalho até chegar o meu substituto pois sem este apoio não me teria sido dada a possibilidade de embarque.

O meu regresso também não foi com o Batalhão porque estava de férias na dita Metrópole a poucos dias de regressar à Guiné quando recebi um telefonema de um camarada a informar que o Batalhão já tinha regressado e para me dirigir ao quartel do Campo Grande para fazer o espólio.

Durante o tempo de permanência na Guiné vim sempre de férias logo que me era permitido visto já ser casado e ter a minha filha, e foi numa destas situações que mais uma vez não me juntei ao Batalhão no regresso.

Ainda mantive contato até 1997 com dois camaradas, o 1.º Cabo Rádio Telegrafista Luís Oliveira e o Furriel de Transmissões Roque, ambos residentes no concelho do Barreiro mas por razões da minha mudança de situação profissional perdi os contatos.

Relembro neste momento um torneio desportivo efectuado em Aldeia Formosa e se a memória me não atraiçoar terá sido em 1973 onde fui representar a 2.ª CCAÇ na modalidade de andebol e futebol de salão, hoje conhecida de FUTSAL.(...)

Guiné 63/74 - P12992: Memórias de um Lacrau (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70) (Parte XII): O Cunha, único até hoje, o fur mil Cândido Cunha... Ou Cor mil Lukas Títio, o antitropa...


Espinho > c. 1968 > CART 2479 > ainda em Espinho, no IAO, o Cunha está no centro da foto [, na segunda fila, de pé], facilmente identificado por ser o que se está a rir, se calhar por todos os outros estarem tão sérios. [Na 3ª fila. reconheço, à esquerda do Cunha, o Renato Monteiro; e na 4ª fila, *a esquerda do Bento, o Valdemar Queiroz. O segundo, a contar da direita,  na 1ª fila, parece ser o nosso grã-tabanqueiro Abílio Duarte] [LG]

Fotos (e legendas): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar. L.G.]

1. Continuação da publicação do álbum do Valdemar Queiroz [, foto à direita, Contuboel, 1969]... Desta vez, dedicado ao fur mil Cândido Cunha que, curiosamente já teve aqui uma passagem fugaz (*), quando o Valdemar Queiroz muito provavelmente ainda não acompanhava o nosso blogue:

Excertos de mensagens diversas do Valdemar Queiroz,

Assunto - O Cunha, único até hoje


(i)  9 de fevereiro de 2014 > 

(...) O que será feito do Cândido Cunha ? (*)

Entrámos  prá tropa em Santarém (10/07/67) e na EPC até os ilhós das botas por onde passavam os atacadores tinham que ser areados.

Faz este mês 45 anos, 18/02/69, da partida da rapaziada prá Guiné! (...)


(ii) 4 de março de 2014 

Sobre o ex-Fur Mil Cândido Cunha , ele, próprio, não quer saber de nada destas coisas.

Mas nós temos que saber quem foi o Cunha tal como, qualquer Miliciano que foi prá guerra, como foram tantos Milicianos, sargentos e oficiais,

O Cunha era um anti-tropa, mas entrou prá tropa, em 10/07/67, como eu, em Santarém, na Escola Prática de Cavalaria. Depois,  sempre com as botas engraxadas, até à exaustão, com as  [?] mais amarelas que o sol da madrugada, com as calças presas.  Depois fomos para a EPA, em Vendas Novas.[...]


(iii) 5 de março de 2014

Boa noite, caro Luís Graça.

É muito bom termos esta maneira de comunicarmos.

 Ainda sobre o ex-Furriel Mil Cândido Cunha (ele teria dito do ex-Furriel Cunha, o caraças!).

Tal com o eu, o Sousa e o Cunha,  éramos os mais velhos Furriéis Mil  da CART 2479. Fomos incorporados na tropa em 10/07/67, na EPC, em Santarém. Depois fomos, para a EPA, em Vendas Novas (Os Comandos do Sul).

Saímos duma tropa de boinas com grandes espadas reluzentes, calças apertadas, com um elástico, a meio da bota (das antigas), entre a primeira e segunda fivela, à golfe, ou à Mouzinho,  sempre bem engraxadas, e com umas grandes fitas vermelhas e amarelas na boina, quase a nos bater nos ombros. mas tudo à Cavalaria (nada de mariquice). 

Chegamos à EPA e foi do caraças. Queriam lá saber dos nossos tiques cavaleirescos. E lá estivemos e aguentamos as grandes cheias de Dezembro de 1967, depois eu fui para a Figueira da Foz dar instrução ao contingente geral e o Cunha ficou em Vendas Novas, a dar instrução ao CSM ou COM, não sei ao certo.

Mas, consta-se que na EPA, durante uma reunião de Oficiais, Sargentos e Cabos Mil. sobre um dispositivo de segurança, numa certa operação de treino de combate do CSM, e, depois, de todos apresentarem as suas questões, chegou a vez do Cunha, (que estava a desenhar uns autos de corrida no papel, dos seus mapas, etc.,) se pronunciar sobre o assunto, ao que ele teria dito: 
- VRRUMMMM!!!, VRRUMMMM!!! VRRUUMMMM!!!!..  Este é o meu novo modelo do Fórmula 
Um Lukas Titio (é de cair pró lado).

Ficou tudo siderado.

Nós. os três,  já éramos Fur Mil antes do embarque, os outros eram mais novos três /seis meses.

O Cunha sempre foi um anti-tropa., mas nunca foi apologista de bandalheira ou de fugir a responsabilidades, (outros mais 'valentões' o fizeram ou estavam doentes quando era preciso ir pró mato).

Quando era preciso, o Cunha lá estava, nunca fugiu ou arranjou desculpas, tal qual a maior parte de todo nós, mas havia um espertinho.

Por mais anti-tropa que ele fosse, foi o seu pelotão que, também, fez parte da célebre emboscada da Judy na estrada Piche-Madina  (?). , com saída de Piche, de noite, com o comando do Cap Paquim, em que emboscaram o IN e ele lá esteve a segurar a nossa cadela Judy, que os tinha seguido.

Também em Canquelifá por lá andou em dias de ataques ou minas na estrada. (*)

O Cunha podia ter posto o pelotão ... atenção pelotão, marchar pra.. trás, ou ter escrito no quico Cor Mill Lukas Titio, por ter um humor surrealista, não bem  entendido por nós, mas nunca se esquivou.

Por isso eu digo, neste momento: quero 'fugir' desta terra de um novo cinzentismo retrógrado, 'fugir' com o humor do Cunha e ficar na claridade/colorida de Vila Nova de Milfontes nos dias de verão. (**)

Um abraço,
Queiroz

PS - Em anexo uma foto dos Furriéis da CART 2479, ainda em Espinho, no IAO, o Cunha está no centro da foto, facilmente identificado por ser o que se está a rir, se calhar por todos os outros estarem tão sérios.

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 28 de outubro de 2011 >  Guiné 63/74 - P8956: O Nosso Livro de Visitas (118): Cândido Filipe da Cunha, ex-Fur Mil da CART 11 (CART 2479) (Canquelifá)

(...) Recordarei sempre o 1.º Cabo [Aux Enf, José Manuel Justino]  Laranjo [, da CART 2439, com sede em Canquelifá,] que, dias antes, me tinha tratado do paludismo e fazendo planos para vir à metrópole conhecer a filha, me ia mostrando a foto da bebé que tinha nascido há oito dias.

Tinha eu já entrado (Canquelifá), e tomava duche, quando ouvimos os rebentamentos. O Cabo Laranjo foi um dos mortos e vi-o chegar deitado num Unimog... Recordações muito tristes. (...)



terça-feira, 15 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12991: Tabanca Grande (433): Lucinda Aranha, filha de Manuel Joaquim dos Prazeres que viveu em Cabo Verde e na Guiné entre os anos 30 e 1972, e que era empresário de cinema ambulante

1. Vamos receber hoje na Tabanca Grande a nossa nova amiga tertuliana Lucinda Aranha, filha de Manuel Joaquim dos Prazeres que viveu na Guiné e em Cabo Verde desde os anos 30 até 1972 e se dedicava à projecção de cinema ambulante, assim como à caça grossa. Como era conhecido por toda a Guiné, ajudava a resolver muitos dos problemas com que se deparavam os Administradores e Chefes de Posto locais.

Lucinda Aranha publicou um livro com o título No Reino das Orelhas de Burro*, recheado de histórias e memórias dos tempos em que o seu pai viveu naqueles ex-territórios portugueses. 

É com um trecho desse livro que se vai apresentar à tertúlia.


2. A mensagem que se segue é sequência de uma troca de correspondência a propósito de um pedido que a nossa nova amiga fez ao Blogue para tentar encontrar alguém que se lembre de seu pai na Guiné.

Por que Lucinda Aranha está ligada àquele território tão nosso conhecido, fiz-lhe o convite para se juntar à nossa tertúlia, ao que anuiu.

Caro Carlos Vinhal,

Escolhi para me registar um capítulo de "No Reino das Orelhas de Burro", da minha autoria, que conta estórias do tempo dos meus pais em Cabo Verde e na Guiné.

Seguem em anexo os 2 ficheiros, a foto e o texto.

Envio num próximo mail, as fotos de meu pai e o texto em que solicito a quem o possa ter conhecido eventuais informações e imagens.

Cumprimentos
Lucinda Aranha


No que diz propriamente respeito à Animalia, vulgo seres irracionais, confesso que o meu interesse por eles só despertou pelos meus vinte e picos. E isto apesar dos constantes bate bocas (quando o meu pai vinha da Guiné durante a época das chuvas, de férias para Lisboa) entre os meus pais, o Nequinhas e a Julinha petit-noms com que se mimoseavam mutuamente, para grande gozo nosso – os numerosos filhos, numa escala de sete, três de um primeiro casamento falhado do Nequinhas, mas que a Julinha criava como se suas crias fossem, que foram gradualmente desaparecendo à medida que se iam casando, ficando o grosso reduzido a quatro donzelas. 

Pruridos dos anos 50/60 levavam o pai, moralista ferrenho e seguidor dos preceitos de António Ferro, a acautelar constantemente a sua Julinha para os malefícios da literatura, cinema, teatro, bailes, enfim de todos os lazeres e, de uma forma mais abrangente, de toda a cultura na corrupção dos princípios Deus, Pátria, Família, pondo sempre a sua amada e muito recatada Julinha num estado de grande ansiedade com a expectativa das terríveis desgraças que poderiam ocorrer, na ausência do seu mais que tudo, tipo histórias da machadinha – não aconteceu, mas pode vir a acontecer.

Numa coisa, no entanto, eles não estavam de acordo e isso metia sempre imbróglios ligados ao bestial. Entenda-se, nada que tivesse a ver com o bué de bom actual, mas sim com os ditos irracionais. O Nequinhas, desde que se conhecia como adulto responsável, sempre apreciara cães e gatos, enquanto a Julinha os via como empecilhos que só traziam trabalhos, aborrecimentos, perda de tempo livre, prisão. Não me venha com coisas que para trabalhos já bastam esses seus amigos vindos das Guinés que, a toda a hora, entram, saem, comem, dormem, fazem da nossa casa pensão, dizia. As suas diatribes deixavam sempre de fora os compadres Branco Vicente com os quais tinham compadrio mútuo, tendo a Juju júnior e o Manuel, rebentos dos respectivos casais, nascido na Praia, Cabo Verde (como gostava de acrescentar) com o intervalo de um dia, e o compadre Esteves, transmontano que vira a sua vida medrar em Bissau e apadrinhara os casamentos de três das donzelas que ela pastoreava e das quais era pegureira zelosa não fossem uma raposa matreira ou um lobo faminto atreverem-se a assaltar-lhe o redil. Para eles e suas respectivas proles guardava um canto à parte nos seus afectos. Entenda, Julinha, retorquia-lhe, nesses momentos o marido, eles são importantes para o meu ganha-pão; não se esqueça que corro toda a Guiné levando a civilização a brancos e indígenas.

É preciso dizer que numa contradição, em que aliás ele era fértil, tinha um cinema ambulante com o qual correu desde os anos 40 aos anos 70 do século passado a Guiné e, quando a guerra colonial começou, entreteve civis, militares e guerrilheiros, oficialmente terroristas para o Estado português, convivendo com todos eles, admirando por igual Salazar e Amílcar Cabral com quem chegou a privar e de quem a Julinha se orgulhava de dizer que conhecera ainda rapazinho de calções. 

O próprio Zezinho Araújo, ministro de Luís Cabral e um dos assinantes do Acordo de Argel, foi durante os seus tempos de estudante em Lisboa visita assídua, com a irmã Noémia, de nossa casa. Até uma vez por lá apareceu o Agostinho Neto, quem sabe se levado pelo Manelito, angolano embarcadiço casado com a Maninha, afilhada de casamento do Nequinhas e da Juju, que apadrinharam também o casamento da Cecília e do Fidelis, célebre por ter vivido nos EUA, onde quase dera o nó com uma americana. Só a Nené escapou a esta onda de enlaces que es cusa di relaxo não era com ela, como dizia numa misturangada de português e crioulo da Praia, exemplo acabado de aculturação.

Nestas suas andanças lá ia com a sua velha Ford, gerador, projector, ecrã, filmes os mais inócuos possíveis (capa e espada, cowboys, musicais, comédias, dramas), os seus ajudantes nativos, os seus acompanhantes de quatro patas, os amigos cães que alimentava, afagava, acudia na doença, com quem convivia tu cá tu lá, que era médico e veterinário autodidacta. Veja bem, insistia o Nequinhas, que esses amigos são compadres, grandes comerciantes, sírios e libaneses, chefes de posto, administradores, governador, até um deputado e que seria do meu cinema – o cinco pesos e leva cadeira – sem o apoio deles? Era a pergunta com que sempre punha fim ao arrazoado da sua Julinha, farta de aturar gente que só dava trabalho. Já agora não se esqueça daqueles régulos que trouxe cá a casa, em 63, aquando da comemoração do dia da raça, acrescentava minuciosa, lembrando os “homens grandes” que arrebanhavam à força o grosso dos espectadores, que pateavam e ululavam quando o Nequinhas censurava os beijos dos actores tapando-os com a mão.

Coitada da Nené, ama e posteriormente cozinheira, que estava sempre ao fogão nas cachupas, no feijão pedra, na galinha à cafreal, na caldeirada de cabrito, nos pudins de pão, de queijo e de chá, no café leve e aromático que combinava o Fogo com S. Tomé; da Cecília, criada de dentro acolitada pela Maninha engomadeira e pela Belmira mulher a dias, todas elas caboverdianas, à excepção da última. Porque o Nequinhas começara a sua saga pelas Áfricas nos anos 30, em Cabo Verde, donde partira para a Guiné, seguindo o movimento migratório habitual, gerador de sentimentos de inferioridade que envenenaram as relações entre a Guiné e Cabo Verde, originando conflitos tempestuosos e sangrentos de que todos conservamos memória.

Sempre que vinha à baila Cabo Verde, a Julinha desvairava, lembrando-se da célebre gata parideira que roubava, para desespero da Nené e da senhora e grande orgulho do patrão, bicudas, pedações de atum e bons lombos, muitas vezes ainda ao lume para dar de comer às suas ninhadas que ciclicamente se sucediam. Então com o Totó, o rafeiro, ia ao rubro. Sempre a escagaçar por todo o lado, fazendo gato sapato das mulheres da casa, só obedecendo ao dono. Nem queria lembrar a vergonha que a fizera passar com o Toneca, visita de todos os dias, que adorava a Juju júnior, então uma boneca de palmo e meio. Abre a boca, abre e fecha os olhos, que eu dou-te um bombom, disse-lhe a boneca, e enfiou na boca do lambareiro um cocó do porqueiro. O Toneca ia tendo um semidesmilinguamento; por mais que lavasse a boca, só lhe sabia a merdimbuca. Trastes, levasse-os a todos o demónio, à parideira, ao Totó e a todos os que o seu Nequinhas apadrinhava.

Então só defende cães e gatos? - Atirava-lhe em momentos de maior fúria, quando a teimosia do marido excedia toda a razoabilidade. Mas que grande advogado têm os animais. Que me diz aos belos sapatos e malas de crocodilo e de cobra que tenho feito com as peles que caça? Às peles que vende para o David Kit? À sua basófia de caçador de tiro certeiro a que não escapavam até os búfalos, as pobres das galinholas e os javalis, se é que não eram porcos selvagens abandonados pelos colonos quando regressavam de Cabo Verde? Ora, ora, não me venha com falsas moralidades sobre os amigos de quatro patas desprotegidos. Era o golpe de morte com que emudecia o Nequinhas.

Quando nos finais da Segunda Guerra Mundial assentou arraiais em Lisboa, uma coisa tornou-se clara: a Julinha não toleraria mais seres bestiais em sua casa. Não, que viviam em Lisboa, cidade capital, e animais eram para o campo, a província, áfricas e vivendas. Se bem que a Juju júnior ao casar tratou logo de arranjar um gato, o Zé Trinca, que a mãe despachou a grande velocidade, quando a filha se mudou de armas e bagagens para Angola.

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3. Comentário do editor

Cara amiga Lucinda, muito obrigado por se juntar a esta família de ex-combatentes da Guiné, onde como lhe disse antes, são bem-vindos todos aqueles que de algum modo se sentem ligados àquela terra com chão vermelho e paisagens fabulosas de longas bolanhas, palmeirais e capim a perder de vista.

Muito obrigado pelo seu texto de apresentação que nos leva a quase ver o que descreve.
Acho que jogou muito alto pois deixou-nos expectantes quanto à sua colaboração futura neste blogue.
Se a nós cabe deixar aqui as memórias de guerra, aos civis que, como a Lucinda, conhecem histórias dos tempos maravilhosos de não-guerra, de um país quase virgem, do ponto de vista europeu, pelo menos no chamado "mato", onde existia uma civilização ancestral muito estranha para o comum dos militares que para lá iam em missão de combate, o que desviava a atenção do que de mais belo havia.

Não se esqueça de nos mandar fotos que eventualmente tenha que irão certamente enriquecer o nosso espólio fotográfico, já que a esmagadora maioria das publicadas retrata a época da guerra.

Gostaríamos que pormenorizasse se e quanto tempo viveu com os pais na Guiné, eventualmente também em Cabo Verde, nomeadamente se fez a instrução primária e secundária por lá ou se a fez na metrópole onde supostamente teria melhores condições. Percebi que foi professora, suponho que só em Portugal.

Não me alongo mais porque acho que já está sensibilizada para a importância que poderá ter ao partilhar connosco as vivências do senhor seu pai. Isto sem prejuízo do livro que está a escrever sobre as suas memórias.

É da praxe deixar aqui um abraço de boas-vindas em nome da tertúlia e dos editores Luís Graça, Eduardo Magalhães e eu próprio.

Carlos Vinhal
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Notas do editor

No Reino das Orelhas de Burro
Autoria: Lucinda Aranha Antunes
Temas: Literatura Portuguesa e Ficção
Colecção: Tribuna Livre - Poesia e Prosa
Preço: 7,50 €

Detalhes:
Ano: 2012
Capa: capa mole
Tipo: Livro
N. páginas: 106
Formato: 21x15
ISBN: 987-989-689-260-9

(*) Sinopse

Glosando as histórias que preencheram o imaginário da sua infância, a narradora de No Reino dos Orelhas de Burro entrelaça e vai cerzindo, num estilo enxuto e directo, as suas memórias com as de familiares, de amigos ou simples conhecidos, dos velhos tempos de Cabo Verde e da Guiné, da sua vivência como professora do ensino secundário.
Uma após outra, as histórias que nos conta surpreendem e deixam-nos perplexos pela ténue diferença que separa humanos e animais. E, nesse sentido, constitui um vigoroso manifesto em defesa dos animais que, numa forma algo ingénua mas certeira, questiona a suposta superioridade desse predador que é o Homem.

Com a devida vénia a Edições Colibri

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Último poste da série de 2 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P12924: Tabanca Grande (432): João Alberto Coelho (Alf Mil Op Esp/RANGER da 1.ª CART do BART 6522 – S. Domingos -, 1972/74), grã-tabanqueiro nº 653

Guiné 63/74 - P12990: Convívios (582): Almoço do pessoal da CCAÇ 2315/BCAÇ 2835 (Bula, Binar, Mansoa, Bissorã e Mansabá, 1968/69), dia 26 de Abril de 2014 em Cantanhede (Manuel Moreira de Castro)

1. Conforme o solicitado pelo nosso camarada Manuel Moreira de Castro (ex-Soldado da CCAÇ 2315/BCAÇ 2835, Bula, Binar, Mansoa, Bissorã e Mansabá, 1968/69), damos a conhecer o próximo Encontro do pessoal da sua Unidade, a levar a efeito no próximo dia 26 de Abril de 2014, em Cantanhede.


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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P12984: Convívios (581): Almoço do pessoal da CCAÇ 1589/BCAÇ 1894, dia 10 de Maio de 2014 em Leça da Palmeira/Matosinhos (Manuel Coelho)

Guiné 63/74 - P12989: Agenda cultural (310): Sessão de apresentação do livro de Francisco Henriques da Silva e Mário Beja Santos, "Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau: Um Roteiro", levada a efeito no passado dia 10 de Abril no Palácio da Independência

Palácio da Independência, 10 de Abril de 2014. Sessão de apresentação do livro "Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau: Um Roteiro". À esquerda da foto os autores: Mário Beja Santos e Francisco Henriques da Silva


"Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau: Um Roteiro"

Sessão de apresentação no Palácio da Independência em 10 de Abril


Numa sala completamente apinhada, Alarcão Troni, presidente da Sociedade Histórica para a Independência de Portugal, saudou o evento e recordou as diferentes iniciativas associadas ao estudo e publicações ligadas à Guiné, por parte da instituição. Victor Raquel, da Fronteira do Caos, manifestou a sua satisfação por ver a editora conotada com obras de referência, incontornáveis na cultura portuguesa com conexões à problemática ultramarina.

O primeiro orador, Eduardo Costa Dias, do Centro de Estudos Africanos do ISCTE, saudou a publicação deste título e recordou como a história da antiga colónia e do Estado independente careciam de uma leitura que permitisse a linearidade histórica, contemplando os grandes eixos da presença portuguesa, iluminando o percurso ziguezagueante de 1974 a 2012. Considerou que o roteiro inseria e preenchia com informação rigorosa os capítulos essenciais dos cerca de 550 anos que o livro pretende abarcar. Não obstante, lembrou que há lacunas bibliográficas que poderão ser preenchidas em nova edição. Acentuou por último que o roteiro abre enormes perspetivas para novos estudos e investigações sobre a Guiné e outras regiões.

O segundo orador, Julião Soares Sousa, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Prémio Fundação Calouste Gulbenkian, História Moderna e Contemporânea de Portugal, pelo seu livro “Amílcar Cabral, Vida e Morte de um Revolucionário”, considerou que a obra que estava a ser apresentada supria uma grave lacuna não só quanto à presença portuguesa como à vida atribulada da República da Guiné-Bissau, mas igualmente estabelecia a charneira quanto às etapas fundamentais da luta da libertação, carreando informações prementes no campo da bibliografia, da literatura e da cooperação. Fez votos para que os conteúdos do roteiro venham a ser matéria-prima para trabalhos mais desenvolvidos de que aquela região africana precisa, e conta com a dinâmica das universidades portuguesas para tal, em colaboração com a investigação sediada em Bissau.

Coube a Francisco Henriques da Silva, um dos coautores, justificar a natureza da obra, apresentou-a como um projeto de diferentes valências, há estudos que carecem de aprofundamento e Portugal dispõe de instituições ímpares quanto a documentação, que é crucial para melhorar os conhecimentos do período colonial, sobretudo. No entender dos autores, o levantamento feito sobre a Guiné-Bissau é um bom ponto de partida e recordou que na guerra civil de 1998-1999 perderam-se arquivos preciosos sobre o passado e a contemporaneidade, o que agrava as dificuldades para densificar o fio condutor entre o período colonial, a luta de libertação e a história do país independente.

O Encarregado de Negócios da República da Guiné-Bissau, M’bala Alfredo Fernandes não escondeu o seu apreço por esta iniciativa e teceu considerações sobre o ato eleitoral em curso na Guiné-Bissau.
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Notas do editor

Vd. poste de 6 de Março de 2014 > Guiné 63/74 - P12798: Agenda cultural (305): O livro "Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau - Um Roteiro", co-autoria de Francisco Henriques da Silva e Mário Beja Santos, vai ser apresentado no próximo dia 9 de Abril de 2014, pelas 18 horas, no Palácio da Independência. Apresentadores: Julião Soares Sousa e Eduardo Costa Dias

Último poste da série de 14 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P12981: Agenda cultural (309): Reportagem do Porto Canal feita com a Tabanca Pequena será emitida hoje, dia 14 de Abril, depois do Jornal Diário das 20 horas

Guiné 63/74 - P12988: No 25 de abril eu estava em... (20): No mato, algures entre Nhala e Buba, emboscado, junto à estrada nova que ligava as duas povoações... (António Murta, ex-al mil, 2.ª CCAÇ / BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973-74)


Guiné > Região de Tombali > Setor S2 (Aldeia Formosa) > Nhala > c. abr/maio 74 > 2ª CCaç /  BCaç 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973-74) > O alf mil António Murta, em primeiro plano sentado no capô de um Berliet.

Foto: © António Murta (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. Mensagem do nosso leitor (e camarada) António Murta, da Figueira da Foz,  ex-alf mil,  2ª CCaç /  BCaç. 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba - 1973-74), actualmente reformado, e a quem fiz, o convite para nos honrar com a sua presença, à sombra do poilão da Tabanca Grande:

Caro Luís Graça:

Antes de mais, quero felicitar-te pelo 10º Aniversário do nosso Blogue, felicitações extensivas aos teus colaboradores mais próximos e a todos os “assíduos”, camaradas que vão dando corpo, com o seu contributo, à resenha histórica da Guerra Colonial que o Blogue incorpora, dando-lhe proporções monumentais.

Há dias, ao ler no Blogue aquela célebre pergunta  do Batista-Bastos, «Onde é que você estava no 25 de« Abril?», veio-me à memória o sítio onde eu próprio estava. E ocorreu-me que teria desse dia uma fotografia intimamente ligada ao acontecimento, pois estava emboscado no mato, algures entre Nhala e Buba, junto à estrada nova que liga as duas povoações, quando me foram buscar de viatura, interrompendo a minha finalidade ali.

Fui ao meu arquivo à procura da dita fotografia (digitalizada de um slide) e, para meu espanto, verifico que, embora seja posterior ao 25 de Abril e de uma data próxima, não é do próprio dia. Memória traiçoeira! 

Lá estou eu, lenço inseparável ao pescoço, sentado na frente da Berliet numa ocasião em que também me foram buscar ao mato, mas sem relação com aquela data. Aliás, o camarada que está à esquerda, também de bigode, é um alferes “periquito” de quem não recordo o nome, que estava sediado em Nhala, e não o furriel que cito no texto. Apesar disto, e porque também esta fotografia está a fazer 40 anos, envio-ta na mesma. De seguida transcrevo um pequeno apontamento, tal como o redigi no 25 de Abril, por ser mais verdadeiro e fugaz:

«25 de Abril de 1974 – Estava no mato a uns quilómetros de Nhala. Eram umas 3 ou 4 horas da tarde quando chegou numa Berliet um furriel “periquito” (i) com uma escolta, aos berros,  para que regressássemos porque a guerra ia acabar. Na Metrópole tinha havido uma revolução! 

Fiquei doido. O pessoal do meu grupo parece que não percebeu muito bem a notícia. Mas subiram alegres para a viatura. Eu e o furriel “periquito”, sentados nos guarda-lamas da Berliet, à frente, berrávamos para o ar e agitávamos as espingardas. Os soldados riam-se e faziam barulho. Pergunto ao furriel por mais pormenores e ele:
— Não se sabe mais nada. Houve uma revolução em Lisboa e prenderam os Pides. Não se sabe mais nada.

“...e prenderam os Pides”. O meu coração quase rebentava. A comoção perturbava-me. Chegámos ao quartel e estava tudo na maior confusão, agarrados aos rádios, mas pouco se adiantava. Quis ver e interpretar as caras das pessoas, ver as suas reacções e, de facto, elas eram diferentes, embora a generalidade estivesse radiante. Ainda era cedo para as pessoas se definirem e manifestarem, quer pela sua despolitização, quer pela incerteza dos pormenores dos acontecimentos».

A desinformação era tal, que os acontecimentos só me mereceriam nova referência em 5 de Maio, onde dou conta de ocorrências graves em Bissau: rebentamentos nas ruas, perseguições a Pides e, até, a agressão à esposa de um deles, frente ao Mercado de Bissau, em que a senhora foi completamente despida. A tropa interveio e impediu coisas certamente mais graves. Eram os rumores que iam chegando.

António Murta
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(i) – Este furriel, encarregado de me ir buscar, fora enviado pelo meu CMDT de Companhia de Nhala e fazia parte do pessoal que, na altura, a reforçava com três pelotões. Não recordo a que Unidade pertenciam. Portanto, ao todo, estavam nessa altura sete pelotões em Nhala.
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Nota do editor:

Último poste da série > 9 de anril de  2014 > Guiné 63/74 - P12955: No 25 de abril de 1974 eu estava em... (19): Na guerra colonial, Guiné, numa aldeia do fim do mundo chamada Cancolin (Manuel Vitorino)

Guiné 63/74 - P12987: Parabéns a você (720): António Pimentel, ex-Alf Mil Rec Inf do BCAÇ 2851 (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P12969: Parabéns a você (719): Francisco Alberto Santiago, ex-1.º Cabo TRMS do BART 3873 (Guiné, 1972/74)

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12986: Os Nossos Cartazes de Propaganda (3): Parte III (Fernando Hipólito): Soldados de Portugal!


Cartaz nº 7


Cartaz nº 8


Cartaz nº 9


Cartaz nº 10



Cartaz nº 11

Cartazes de propaganda das Forças Armadas Portuguesas, s/d, neste caso mais especificamente dirigidos à formação do combatente português, *a "mentalização" e "doutrinação"  bem como ao reforço da sua motivação para combater, "com as armas e o com o coração", já que o objetivio agora é "lutar pela paz" e às conquistar as  populações..... Foram recolhidos entre 1969 e 1971, pelo nosso camarada Fernando Hipólito e por ele digitalizados.



Imagens: © Fernando Hipólito (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]



1. É provável que estes cartazes tenham sido mais usados no TO de Angola. Pertencem à coleção do Fernando Hipólito [, foto atual à esquerda, ].

O Fernando passou pelo CISMI, Quartel da Atalaia, Tavira, 3º turno, 1968. antes de ser mobilizado para Angola. Foi fur mil, CCAÇ 2544, 1969/71. Esteve a maior parte do tempo no leste de Angola, em Lumege. Está reformado da sua atividade de vendedor numa empresa de tintas de impressão.

Estes cartazes foram recolhidos por ele entre 1969 e 1971, têm hoje um real valor documental e historiográfico. São documentos avulsos, que estamos a  publicar ao longo de vários postes (*). Esteticamente eram muito mauzinhos, tal como de resto os cartazes da chamada "oposição democrática" que constestava o regime do Estado Novo (, mas aqui havia  a desculpa da escassez de meios e de sobretudo de liberdade de expressão e de organização...).

A eficácia comunicacional destes cartazes era baixa. Eram provalmente feitos por gente em Lisboa que nunca conheceu a trilogia "sangue, suor e lágrimas"... O serviço de propaganda do exército tinha a obrigação de fazer muito mais e melhor... Não o fez, por que as Forças Armadas Portugueses, ou melhor ou seus generais e almirantes,  tinham um "problema de legitimidade" a resolver.... e sobretudo porque  a "brigada do reumático" que controlava o aparelho político-militar em Lisboa, já não conseguia convencer a juventude do nosso tempo a "morrer pela Pátria", numa guerra que se travava longe de casa e que se arrastava há demasiado tempo, sem fim à vista, num contexto internacional de crescente isolamento e de desprestígio de Portugal...

Pessoalmente, o único slogan que eu ainda hoje recordo e que sou capaz de reproduzir, de cor,  vem do tempo da minha recruta nas Caldas da Rainha, em 1968: "Mais vale perder um minuto na vida do que a vida num minuto"...

No TO da Guiné, em 1969/71, bem como na metrópole, não tenho ideia nenhum de lhes ter posto a vista em cima, a estes cartezes dirigidos aos "soldados de Portugal"...

Era interessante descobrir a sua "autoria"... (LG)

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Guiné 63/74 - P12985: 10º aniversário do nosso blogue (8): O porco, animal sagrado, para o povo mandinga... Uma conversa com o guia Malan, em 20/3/1967, em Santancoto (Domingos Gonçalves, ex-alf mil, CCAÇ 1546 / BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68)

1. Mensagem de hoje do nosso camarada Domingos Gonçalves:

Data: 14 de Abril de 2014 às 09:45
Assunto: Feliz Páscoa

Braga, 14/04/2014

Com votos de Feliz e Alegre 
Páscoa, cheia, só, de coisas boas, em especial boa  recuperação da saúde, envio um pequeno texto, que poderá ser publicado.

Quanto à idade do Blog, está em plena infância, terá, por isso, ainda um longo caminho a percorrer, antes de atingir a velhice.

Feliz Páscoa.
Domingos Gonçalves



Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74), "Os Unidos de Mamaptá" > "Depois da caçada há que preparar o bicho, tal qual uma matança de porco numa das nossas aldeias"....

Foto (e legenda): © José Manuel Lopes (Josema)  (2008). Todos os direitos reservados.  [Edição de L.G.]


 
2. Guiné, dia 20/03/1967 > O  porco, animal sagrado, para o povo mandinga

por Domingos Gonçalves [ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68; foto atual à esquerda]

Às sete horas da manhã saí para Santancoto, onde fiquei emboscado todo o dia.

Preparei a emboscada a cerca de 300 metros do rio, tendo permanecido no local, à espera que o inimigo por lá passasse.

Mas não passou. Quando, a certa altura, saboreava a ração de combate, ofereci conservas de carne ao Malan,  (soube recentemente que já faleceu), um nativo pertencente à milícia, que, regra geral, nos acompanha a servir de guia.

Não aceitou, com receio de que fosse carne de porco.

Perguntei-lhe, então, por que razão os Mandingas não comem carne de porco.  Ele respondeu-me com a seguinte história:

Um dia, já lá vão muitíssimos anos, o povo Mandinga andava perdido no deserto, e morria de sede. O calor era muito, e todo o povo já perdia a esperança de encontrar água. A nação Mandinga ia desaparecer.

Então, o chefe do povo perguntou à galinha onde haveria água que pudesse beber, mas a galinha não o ajudou. Por isso é permitido ao povo comer carne de galinha.

Depois, perguntou a mesma coisa à cabra, mas esta também não lhe indicou onde havia água.

Sucessivamente, o chefe do povo Mandinga repetiu a pergunta à vaca, à ovelha, ao coelho e a muitos outros animais. Mas, nenhum lhe disse onde havia água.

Então, em último lugar, o chefe do povo, já desanimado e a pensar na sua morte, e na morte da sua nação, perguntou ao porco onde havia água. E o porco começou a caminhar... A caminhar... E conduziu o povo até à margem de um rio caudaloso, de aguas frescas e cristalinas.

O povo bebeu daquela água, e não morreu de sede.

É por isso 
 disse-me o Malan , que o povo Mandinga não come a carne de porco. Foi ele quem o salvou de morrer de sede. É por isso que o povo Mandinga ainda existe, e guarda muito respeito pelo porco, como se ele fosse um animal sagrado.

Durante aquela nossa caminhada difícil, de travessia do deserto, foi o porco o nosso maior amigo. Foi ele que salvou da morte pela sede o povo Mandinga. Por isso, nós não matamos o porco, nem comemos a sua carne.

Esta, a explicação que permanece na alma do povo.

Todavia, se fizer a mesma pergunta ao sacerdote muçulmano, cá da terra, ele apenas me dará a seguinte resposta:

– Está escrito. É uma determinação sagrada do nosso livro santo, o Alcorão.
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Nota do editor:

Último poste da série > 14 de abril de  2014 > Guiné 63/74 - P12983: 10º aniversário do nosso blogue (7): "Não fui soldado raso"... Poema de J. L. Mendes Gomes, bravo "Palmeirim de Catió", 1964/66

Guiné 63/74 - P12984: Convívios (581): Almoço do pessoal da CCAÇ 1589/BCAÇ 1894, dia 10 de Maio de 2014 em Leça da Palmeira/Matosinhos (Manuel Coelho)

1. Mensagem do nosso camarada  Manuel Caldeira Coelho (ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1589/BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68), com data de hoje, 14 de Maio de 2014 com o anúncio do próximo encontro do pessoal da sua Unidade.

Caros amigos,
A CCAÇ 1589 vai proceder ao seu encontro anual e eu pedia o favor de publicarem a notícia, poderá ser útil a quem tem intenção de estar presente.
Aqui vai a imagem em JPEG.

Obrigado
Manuel Coelho


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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P12965: Convívios (580): XV Encontro do pessoal da CCS/BCAÇ 2930 - Catió, dia 4 de Maio de 2014 em Fátima (Manuel Dias Pinheiro Gomes)

Guiné 63/74 - P12983: 10º aniversário do nosso blogue (7): "Não fui soldado raso"... Poema de J. L. Mendes Gomes, bravo "Palmeirim de Catió", 1964/66

1. Poema do nosso camarada J. L. Mendes Gomes, acabado de chegar esta manhã, como pão fresco, e sob título "Não Fui Soldado Raso".

Queremos que seja associado às comemorações do nosso 10º aniversário.

Recorde-se que o nosso blogue nasceu em 23/4/2004... (LG).




Não fui soldado raso....

por J. L Mendes Gomes

Podia tê-lo sido.
Não seria desonra.
Por sorte, mero destino, não.

Fui um dos muitos
Que lá andou.
De arma em punho...
Pertenço ao grupo
Dos que voltaram.
Sorte. Destino.
Salvo e são...


Muitos, iguais a mim,
Lá deixaram a vida,
Na mocidade...

Como um rio a correr,
A vida marcha.
Vertiginosa.
Parece lenta.

Inexoravelmente,
Corre, dia a dia,
Gota a gota.

E, nela marcho,
Agora,
Soldado raso,
Sem qualquer espingarda.
Ando na luta.
Com a minha força.

Inimigos não faltam.
Não vêm de fora.
Por todo o lado.
Estão cá dentro.

Andam ocultos.
Não vestem farda.
Não usam arma.
Mandam atacar.

São dos perigosos.
Muito ardilosos.
Andam opacos.
Vestem jaquetas.
Põem gravata,
Uns caras de anjo.

Gozam palácios.
Não vivem na tenda...
São generais.
De quatro estrelas.
Vivem à farta.
Ao pé do sol!...

À custa de quem?...
Dum grande exército,
Cada vez maior
De soldados rasos!...
Desarmados....o que é pior.

Ouvindo Hélène Grimaud

Mafra, 14 de Abril de 2014, 6h22m

Joaquim Luís Mendes Gomes


[ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66; jurista, reformado; autor do livro de poesia "Baladas de Berlim", Lisboa, Chiado Editora, 2013, 232 pp., preço de capa;: € 14; encomendar aqui]
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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12973: 10º aniversário do nosso blogue (6): A propósito da nossa sondagem... "Ao fim de alguns anos eu tive de relembrar ao Migel Nuno que aos dois anos esteve comigo e com a mãe em Bissorã, de set 73 a jan 74, o significado destas fotos e de quando em vez faço o mesmo com o seu filho, meu neto" (Henrique Cerqueira)

Guiné 63/74 - P12982: Notas de leitura (581): Quem são os responsáveis pelo assassínio de Amílcar Cabral?, em O Jornal de Janeiro de 1976 e Jeune Afrique de Novembro de 1983 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Outubro de 2013:

Queridos amigos,
Junto comentários a duas entrevistas publicadas em 1976 e 1983, alusivas aos acontecimentos de 20 de Janeiro de 1973.
Não deixa hoje de surpreender o tom perentório com que se incriminaram a PIDE de Bissau e Spínola, sem apresentar uma prova material, como foi possível pôr muita gente a acreditar que pessoas com reconhecidas limitações como Momo Turé pudessem ter-se imposto à frente de larguíssimas dezenas de quadros conspirativos.
As provas materiais de quem mandou matar Cabral continuam em falta, os arquivos estão vazios, os processos efetuados em 1973 desapareceram. Vamos ter que aguardar que algumas das figuras determinantes estejam dispostas a revelar o que aconteceu.
Joaquim Chissano, por exemplo.

Um abraço do
Mário


Quem são os responsáveis pelo assassínio de Amílcar Cabral?

Beja Santos

O puzzle continua incompleto, quarenta anos depois são escassos os factos provados quanto ao assassinato de Amílcar Cabral pelas 22h30 de 20 de Janeiro, em Conacri: sabe-se que houve uma equipa que o abordou, que o primeiro tiro partiu de Inocêncio Kani e que alguém de nome Bacar deu o tiro de misericórdia; sabe-se como atuaram várias equipas a fazer prisões dos quadros cabo-verdianos; sabe-se que Sékou Touré foi abordado pelos sublevados, mandou fazer prisões e institui uma comissão de inquérito, cujos resultados nunca foram divulgados; sabe-se que houve inquirições de todos os presumivelmente sublevados, foram tomadas decisões de execução e desapareceram todas as provas materiais do processo; e sabe-se que alguns dos observadores de toda esta situação à volta do assassinato ainda não disseram a última palavra – é o caso de Joaquim Chissano. Há muita penumbra, muito fogo-fátuo, muita presunção, com ou sem água benta. Por isso, todo o envolvimento sobre os mandantes é um grande mistério. E à volta desse mistério escreveram-se acusações sem provas, sobretudo a seguir ao assassinato era de bom-tom apontar o dedo a criminosos longínquos: Spínola, a PIDE, Rafael Barbosa, por exemplo. Há que juntar metódica e incansavelmente tudo quanto se escreveu e perceber que está quase tudo por esclarecer.


Numa edição de Janeiro de 1976, o semanário O Jornal publicava um documento inédito: páginas de um livro branco do PAIGC. O jornalista achou por bem encontrar uma relação causa-efeito entre a invasão de Conacri, de Novembro de 1970, com o assassinato de Cabral. Chega-se ao cúmulo de dizer que as infiltrações nas fileiras do PAIGC teriam começado em 1966 e com o maior à vontade escreve-se: “Foi essa máquina, montada minuciosamente ao longo de alguns anos, que os governantes de Lisboa e o seu representante em Bissau, Spínola, decidiram pôr em funcionamento no dia 20 de Janeiro de 1973. A morte de Cabral, o rapto de Aristides Pereira e a prisão dos principais dirigentes do PAIGC constituíam a parte operacional de um plano que tinha por objetivo último a sobrevivência dos interesses colonialistas na Guiné e a manutenção das ilhas de Cabo Verde”. O jornalista cola-se ao tal livro branco preparado pela comissão de inquérito do PAIGC que, resumidamente, defende tais teses, que se passam a sintetizar.

Primeiro, os colonialistas elaboraram um plano que desembocaria na independência da Guiné ao mesmo tempo que recusariam qualquer abertura à autodeterminação de Cabo Verde. Segundo, Spínola criara secretamente um partido formado exclusivamente de guineenses, a FUL (Frente Unida da Libertação) constituída entre outros por Rafael Barbosa e Momo Turé, havendo mesmo uma ramificação no Senegal. Em dada altura, libertaram-se antigos quadros do PAIGC como Momo Turé e Aristides Barbosa para serem preparados e enviados para Conacri. Terceiro, conseguido o descontentamento e a franca adesão dos guineenses do PAIGC contra os cabo-verdianos, punha-se em marcha o golpe, que seria apresentado como uma revolta dos guineenses contra a direção cabo-verdiana, havendo êxito Sékou Touré primeiro e a Organização da Unidade Africana depois iriam apoiar as novas autoridades.

O documento da comissão de inquérito excede-se na imaginação: “Portugal não pode falar da independência da Guiné sob pena de ser obrigado a falar também da independência de Angola e Moçambique. Se conseguissem todos os objetivos almejados com o complô, os colonialistas portugueses começavam por desarmar os combatentes do PAIGC, em seguida desarmavam os seus comandos africanos, evocando o fim da guerra: reforçavam a sua guarnição militar em toda a Guiné e finalmente prendiam todos os dirigentes da FUL em Bissau”.

É esta a única referência que eu conheço à comissão de inquérito do PAIGC liderada por Fidelis Cabral de Almada, o mesmo que, após o golpe de Estado de 14 de Novembro de 1980, veio no Congresso do PAIGC pedir desculpa pelas barbaridades que tinham sido cometidas, nomeadamente as torturas praticadas durante os interrogatórios. Quando hoje se conhecem as profundas limitações intelectuais e políticas de Momo Turé (até desaparecer para Conacri, em 1972, era empregado de mesa no restaurante “Pelicano”), fica-se estarrecido como foi possível tentar fazer convencer que ele foi um dos autores da conspiração que envolveu largas e largas dezenas de quadros, muitos deles com elevadíssima preparação. Como foi possível ter criado tanta mistificação à volta de um processo de que hoje não há um só documento?

“Jeune Afrique”, num número de Novembro de 1983, volta ao assassinato de Cabral, trata-se de um inquérito de Sophie Bessis em Bissau, na Praia, em Lisboa e Paris. Pouco ou nada adianta. Refere o documento de Março de 1972, consagrado aos problemas de segurança, denunciado que está em curso um plano para a sua liquidação. Cabral diz que recebera estas informações através do Partido Comunista Português. A repórter não esconde a surpresa quanto ao silêncio à volta de dossiê que parece incomodar o poder político instalado. Não há prova determinante, passados dez anos do assassinato, para infirmar ou reforçar as suspeitas que pesam sobre uma série de personagens da época. Cabral tinha uma enorme relutância em fazer-se acompanhar de guarda-costas. Ana Maria, a sua mulher, revela que naquela noite, antes de partirem para o jantar na embaixada da Polónia em Conacri, ela viu Cabral inquieto. Durante a manhã desse dia, Cabral tinha recebido uma visita inopinada, a do embaixador da Guiné em Dakar, portador de uma mensagem de Sékou Touré, informando que havia qualquer coisa em preparação. Cabral chamou o responsável pela segurança, Mamadu Indjai, ao que parece um dos conspiradores, ao revelar-lhe que corria o rumor de um golpe pode ter dado azo a que os conspiradores acelerassem as movimentações.

A repórter descreve o que se passou nos momentos do assassinato e depois. A comissão de inquérito de Sékou Touré fez passar que a responsabilidade era dos portugueses, Spínola e a PIDE, mas que havia também africanos infiltrados. Lidas as sentenças, depois do processo organizado pelo PAIGC, um conjunto de sublevados foram executados, a repórter diz que morreram linchados. E volta a desenvolver a tese de que Spínola criara a FUL, sob a direção de Rafael Barbosa, que dera luz verde para a operação dos infiltrados guineenses em Conacri, etc. E citando “algumas fontes” diz que Spínola tinha projetado aproveitar-se dos guineenses para capturar Cabral e mantê-lo como reserva. Também releva o papel de Momo Turé, mas não deixa de insinuar que a morte de Cabral podia ter constituído um alívio para Sékou Touré que mantinha relações muito tensas com o pai fundador do PAIGC, a africanização do PAIGC permitiria a Sékou Touré ter um maior controlo sobre a futura nação independente.

Era dentro desta bruma e deste nevoeiro que se falava em 1976 e 1983 do assassinato de Cabral. Ninguém pediu provas, ninguém apresentou provas, acusava-se na base da especulação e das hipóteses. E aqui estamos, a aguardar que apareçam declarações ou depoimentos que tragam um verdadeiro esclarecimento a um dos imbróglios mais intrigantes da história da Guiné-Bissau.
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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P12964: Notas de leitura (580): "Os Portugueses Descobriram a Austrália? 100 Perguntas Sobre Factos, Dúvidas e Curiosidade dos Descobrimentos”, por Paulo Jorge de Sousa Pinto (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P12981: Agenda cultural (309): Reportagem do Porto Canal feita com a Tabanca Pequena será emitida hoje, dia 14 de Abril, depois do Jornal Diário das 20 horas

1. Mensagem da jornalista Joana Almeida Silva do Porto Canal, chegada ao nosso Blogue através da Tabanca Pequena:

Boa tarde,
a reportagem que realizámos convosco sobre a guerra colonial vai ser emitida amanhã, dia 14 ABRIL, no Porto Canal, depois do Jornal Diário, em "40 ANOS DEPOIS"

O trabalho ficará na terça-feira (15 Abril) disponível em:


Além da reportagem podem encontrar no site excertos extra das entrevistas que gravámos e conteúdos adicionais.

Os meus melhores cumprimentos,
Disponha sempre,
Joana Almeida Silva
Jornalista Porto Canal
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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P12962: Agenda cultural (308): O livro de Francisco Henriques da Silva e Mário Beja Santos, "Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau: Um Roteiro" vai ser apresentado em Tomar no dia 12 de Abril

Guiné 63/74 - P12980: Manuscrito(s) (Luís Graça (25): Revisitar Bissau, cidade da I República, pela mão de Ana Vaz Milheiro, especialista em arquitetura e urbanismo da época colonial (Parte II): o Pavilhão de Tisiologia, mais tarde HM 241


Guiné > Bissau >  s/d > O antigo Pavilhão de Tisiologia, desenhado pelos arquitectos Licínio Cruz e Mário Oliveira, do Gabinete de Urbanização do Ultramar, Projeto de 1951/53. Passará a Hospital Militar, o HM 241, com o início da guerra, em 1963, Foto comprada na Feira da Ladra, pelo nosso infatigável Mário Beja Santos.

Foto: © Mário Beja Santos (2013). Todos os direitos reservados.


Guiné > Bissau > HM 241 > 1970 > Varanda do Hospital Militar de Bissau. Foto do álbum de Elias dos Anjos Rodrigues, ex-soldado atirador do 3.º pelotão (, comandado pelo alf mil Ravasco), da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72). O Elias mora em Vale de Anta, Chaves. Foi gravemente ferido em 10 de Agosto de 1970, numa mina A/C na região de Jifim.

Cortesia do blogue CCAÇ 2700 - Dulombi (1970/72), criado (em 2007) pelo nosso grã-tabanqueiro Fernando Barata. Foto reproduzida com a devida vénia.

Foto: © Elias Anjos Rodrigues (2012). Todos os direitos reservados.



Guiné > Bissau > 1972 > O edifício do Hospital Militar, o HM 241... Os horrores da guerra (os mutilados, os politraumatizados, os feridos graves...) eram ali despejados todos os dias, de helicóptero... Foto do Carlos Américo Rosa Cardoso que pertenceu aos Serviços de Saúde Militar, com o posto de 1º Cabo Radiologista.

Foto: © Carlos Américo Rosa Cardoso (2007). Todos os direitos reservados



Guiné- Bissau > Bissau > Novembro 2000 > Antigo Hospital Militar de Bissau, HM 241, num processo já de degradação irreversível...

Foto: © Albano Costa (2005). Todos os direitos reservados


1. Manuscrito(s), por Luís Graça

Nota de leitura >  Ana Vaz Milheiro – 2011: Guiné-Bissau. Lisboa, Circo de ideias, 2012, 52 pp. (Viagens, 5)

Parte II   

Recorde-se o que já dissemos em poste anterior sobre esta brochura da investigadora e professora do ISCTE -IUL, Ana Vaz Milheiro.

Este livrinho, profusamente ilustrado com fotografias da autora, a cores, resulta de uma singular viagem à Guiné-Bissau, de 2 arquitetos (entre as quais a autora) e de 1 sociólogo (Eduardo Costa Dias, nosso grã-tabanqueiro),  durante 10 dias, de 2 a 10 de outubro de 2011.

Com a promoção de Bissau a capital da colónia, em 1941, em plena II Guerra Mundial e em plena batalha do Atlântico, dificultando as ligações marítimas da Metrópole com as colónias africanas, agravam-se os problemas de habitação. A procura é maior do que  a oferta.

Em, 1944 chega finalmente a Bissau  uma "Brigada de construção de moradias", sob a cehefia do arq Paulo Cunha. E com ele vêm mais um arquiteto adjunto, um construtor, um desenhador, 5 carpinteiros e 8 pedreiros. Vão ser construídas casas de 3 tipologias. Por exemplo, as de 2 pisos custavam o triplo do seu valor em Lisboa. O que seria explicado por Ana Vaz Milheiros,  por 3 ordens de fatores: (i) escassez de materiais; (ii)  atrasos nas remessas financeiras da metrópole; e (iii)  falta de qualificação da mão de obra local. 

O trabalho da Brigada (1944-46) é objeto de críticas de um lado e outro. Mas, de entre os eliogios, destacam-se: (i) o desenho inovador dos projetos, superando o tradicional bangalô tropical; (ii) as preocupações de ordem estéstica que passam também a ser tidas em conta  pelos promotores imobiliários, públicos e privados; e (iii)  a atenção que é dada às condições locais de clima, luz e calor.

A volumetria de Bissau resulta em grande parte deste "padrão unifamiliar, impresso pelos projetos residenciais da Brigada", marcando a sua escala, e "contribuindo para acentuar uma fisionomia de tipo Garden City [,Cidade Jardim,] que continua a qualificar o actual ambiente urbano" e que remonta à I República (p, 12).


Do Pavihão de Tisiologia (1951-53) ao Hospital Militar 241 (a partir de 1963), com assinatura de um lourinhanense, o arq Lucínio Guia da Cruz

O antigo hospital militar, o HM 241, é hoje uma triste ruína.  Mas já fora um Pavilhão de Tisiologia, do   Hospital de Bissau  (hoje, Hospital Nacional Simão Mendes).

Localizava-se fora do perímetro urbano, a cerca de 6 km do centro. Tem risco dos arquitectos Lucínio Cruz e Mário Oliveira, ambos do Gabinete de Urbanizações do Ultramar. Data de 1951-1953. A sua localização fora da cidade, e longe do seu  buliço, obedecia às concepções higiossanitárias da época, ou sejam, as da luta antituberculose (que, na metrópole, impunham a localização dos sanatórios em altitude ou nas zonas marítimas, com "bons ares"). (A tísica, ou tuberculose pulmonar, ainda era então um grave problema de saúde pública, tranto noa metrópole como nos trópicos).

São arquitectos de regime, conservadores, mas com qualidade técnica e conhecimento da realidade local. Curiosamente, fico a agora a saber que o meu conterrâneo e vizinho arq Lucínio Cruz, já falecido, tem obra vária, edificada em  Bissau e outras partes do império. Por ex., a Estação Metereológica, em Bissau, também é dele (1952), bem como o edifício dos CTT (1950, alterado). Também fez o projeto para a Câmara Municipal de Bissau (1948, não construído). E, já agora: a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (1952-58), o Departamento de Física e Química da FCT/UC (1956-1975), parte do projeto da nova Cidade Universitária de Coimbra, exemplo acabado da arquitetura estadonovista.

Tem também, o arq Licínio Cruz, obra espalhada por outros sítios, incluindo a sua terra natal (n. 1914 e faleceu em finais de 1990 ou princípios de 2000). Inclusive o prédio, onde tenho um apartamento, na Rua da Misericórida, Lourinhã,  foi desenhado por ele. Ao que soube, na altura, terá posto termo à vida, na presença na sua última companheira, de origem africana. Foi presidente da Câmara Municipal da Lourinhã (1969-74) e provedor da Misericórdia local, no pós-25 de abril. Também era conhecido por Licínio Guia da Cruz. Lamentavelmente não encontro, na Net,  uma simples nota biográfica sobre ele, contrariamente ao seu colega Mário Oliveira (1914-2013), "o arquiteto que morreu duas vezes", no dizer de Ana Vaz Milheiro, que também é jornalista do Público.

(...) "O desaparecimento do arquitecto Mário de Oliveira, que morreu na terça-feira [, 17/12/2013,]no Hospital de Vila Real, equivale a uma segunda morte. A primeira ter-se-á dado simbolicamente, quando, nos anos de 1980, decidiu retirar-se voluntariamente da vida pública e exilar-se no Hotel Mira Corgo, em Trás-os-Montes, para pintar.

A sua actividade ao serviço do Ministério do Ultramar e o esquecimento a que Mário de Oliveira e os seus colegas arquitectos estiveram votados durante os anos que se seguiram ao 25 de Abril talvez tenham, em parte, justificado a opção. (...)

"Quanto às ruínas do velho Pavilhão de Tisiologia, estas parecem desmentir  rumores que as descrevem como mal construídas e com problemas estruturais graves (...). O estado ruinoso é já  uma realidade pós-colonial" (p. 16).

Na prática isto é uma elogio a dois dos arquitectos que fizeram carreira no Gabinete de Urbanização Colonial (1944-51), e depois Gabinete de Urbanização do Ultramar (1951-57) e por fim Direcção de Serviços de Urbanização e Habitação da Direcção Geral de Obras Públicas e Comunicações do Ministério do Ultramar (1957-74).

Estes e outros são homens, hoje  injustamente esquecidos. Tal como a arquitetura que deixamos na Guiné-Bissau

O Pavilhão de Tisiologia (que com o início da guerra colonial em 1963 vai transformar-se em Hospital Militar 241, dramaticamente familiar a muitos de nós, e tornar-se um dos melhores de África, nomeadamente ao nível  da cirurgia ortopédica. É um edifício público, tal como outros da época, que seguia a "cartilha estadonovista" da arquitetura colonial: (i) funcionalidade, (ii) resistência; e (iii) adaptação ao clima...

Já em artigo publicado, em 2009, na revista brasileira "on line" Arquitectura e Urbanismo, do mestrado de arquitectura e urbanismo, da Universidade São Judas Tadeu, em São Paulo, Ana Vaz Milheiro e Eduardo Costa Dias chamavam a atenção para o facto de  "o trabalho do Gabinete de Urbanização Colonial – um organismo central dependente  do Ministério das Colónias, criado em 1944 e exclusivamente dedicado à execução de projectos  de arquitectura e de urbanismo para as colónias, nunca foi objecto de uma investigação monográfica, embora surja parcialmente citado em algumas investigações sobre arquitectura portuguesa em  África"... Os autores, neste artigo, elegem a cidade de de Bissau, capital da Guiné Portuguesa a partir de 1941, como um caso de estudo demonstrativo dos diferentes papéis que o Gabinete assume ao longo das suas  três décadas de existência".... Assim, e como "primeira etapa da análise dos princípios de actuação dos arquitectos  ao serviço do Gabinete e da cultura de projecto seguida, procura-se aqui conhecer a extensão dos  projectos efectivamente realizados, a datação de edifícios e a identificação algumas autorias assim  como verificar o estado de conservação em que este património actualmente se encontra"...







Gabinetes de arquitetura e urbanismo coloniais (1944-1974) > Bissau > Lista de obras (feitas e por fazer) e respetivos arquitetos 






Fonte: Milheiro, Ana Vaz, e Dias, Eduardo Costa - A Arquitectura em Bissau e os Gabinetes de Urbanização colonial (1944-1974). usjt - arq urb , nº 2, 2009 (2º semestre), pp.80-114 [ Disponível aqui em pdf ]

(Continua)

Guiné 63/74 - P12979: Documentos (27): Memórias dos últimos soldados do império (3): (Albano Mendes de Matos / Magalhães Ribeiro)



1. O nosso Camarada Albano Mendes de Matos, TCor Art.ª Ref, que esteve no GA 7 e QG/CTIG (Bissau, 1972/74), via e-mail, ajudou-me a ajustar memórias quarentonas e a ultimar a seguinte mensagem. 



2. Com foi dito no comentário final da primeira mensagem desta série “Memórias dos últimos soldados do império”, ficou lançado o desafio ao nosso último grã-tabanqueiro, nº 652 – TCor Albano Mendes de Matos, para abrir o "baú" das suas recordações e continuar a partilhar, connosco histórias e memórias do seu/nosso tempo... Recorde-se que ele terá sido o último militar português a vaguear pelas ruas de Bissau, na noite de 13 para 14 de outubro de 1974, antes de apanhar o último avião para Lisboa. 



3. Já eu, eterno "pira de Mansoa", também estou nesta lista dos últimos soldados do império, tendo regressado em 15 de Outubro de 1974, na última viagem do T/T Uíge, com as últimas tropas portuguesas que estiveram no CTIG. Os últimos a embarcar, não tendo deixado essa tarefa para mais ninguém, foram os comandantes e eu um dos penúltimos… nada importante a dizer mais sobre esta matéria! 

4. No entanto, lembrei-me de pedir ao TCOR Albano Matos, que me ajudasse a completar este “puzzle” e, acto que aproveito para agradecer aqui, recebi de imediato a seguinte e prestimosa resposta:

“Caro Amigo Eduardo,

Sobre a data da saída da Guiné, de facto, deixei Bissau antes da meia-noite do dia 14, portanto dia 13, e tomei o último avião militar da Guiné já no dia 14. Um navio estava ao largo para zarpar depois de os últimos militares terem saído de avião. Havia militares no forte da Amura, onde tinha a minha bagagem, que saíram de tarde. Fui o último a sair do Quartel-General do CTIG depois do meio-dia do dia 13. Só encontrei lá um comandante do PAIGC que me levou para a cidade. O meu condutor, embebedou-se no restaurante de um primo, que ficou em Bissau, e não pode ir buscar-me. ao QG. 

Almocei e jantei na casa de um antigo militar, que era locutor da Emissora, e ficava na Guiné. Passei o dia e parte da noite em Bissau, pelas ruas e não encontrei qualquer militar além do meu condutor. Os militares do QG foram, pela manhã, para a Base Aérea de Bissalanca. O que eu sabia é que estava um navio ao largo para sair logo que todos os militares deixassem o território da Guiné. Portanto, sairia em 14 de Outubro. Saiu em 15. Sempre pensei que tivessem saído em 14. Diziam que esse navio estava em Bissau, para sair com as últimas tropas porque poderia haver algum acontecimento.

É a razão por que eu digo que fui o último a sair das ruas de Bissau. No aeroporto, a despedirem-se de nós estavam dirigentes do PAIGC e o presidente da Câmara de Bissau.

Eu quis fazer uma reportagem sobre o último avião da Guiné, mas outro antecipou-se. Quando chegou o navio com as últimas tropas, o general Galvão de Figueiredo e alguns oficiais, que vieram no último avião, foram ao desembarque. A notícia dos últimos da Guiné, os que vieram de barco, está nos jornais. Creio que está esclarecido.

Eu vim no último avião, o amigo Magalhães veio no último barco, logo, depois de mim.

Abraço.”

5. Fui ao meu arquivo da Guiné dar mais umas voltas à papelada e acabei por descobrir, entre vária documentação do resgresso, 3 documentos que me foram entregues no UÍGE, que penso podem ser interessantes para quem gosta destas coisas e que passo a publicar para vosso conhecimento:

Normas internas - 1

Normas internas - 2


 Capa da ementa do dia 15 de Outubro de 1974

 Ementa do dia 15 de Outubro de 1974 - Messe de Sargentos
 Mensagem de despedida do dia 20 de Outubro de 1974 - Chegada ao cais de Alcântara.

Um abraço Amigo para todos e cada um de vós, 
Magalhães Ribeiro, Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS/BCAÇ 4612/74
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Nota de M.R.:

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