domingo, 29 de junho de 2014

Guiné 63/74 - P13345: Palavras da Memória (Alberto Alves) (2): Momento de Guerra (Abel Santos)




1. Em mensagem do dia 19 de Junho de 2014, o nosso camarada Abel Santos (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69), enviou-nos mais um texto do livro "Palavras da Memória", de autoria do seu amigo e camarada Alberto Alves, ex-Fur Mil:





PALAVRAS DA MEMÓRIA

2 - MOMENTO DE GUERRA

Sempre as operações militares se processavam de uma forma acostumada e repetitiva, pese embora o secretismo que as envolvia e o especial cuidado posto na sua preparação.
Daquela vez também tudo decorreu dentro das normas usuais, com os mais directamente responsáveis pela condução dos homens a serem chamados pela noite dentro para ouvirem o programa e os objectivos da acção e providenciarem os preparativos com os homens e bagagens-material de guerra.

Por que nunca se tratava de brincadeira, muito menos de utopia, as coisas eram levadas e entendidas com muita seriedade e responsabilidade. Por isso, não eram permitidas “baldas” e tudo era passado a pente fino, desde equipamento bélico, até às refeições, água e mesmo o próprio estado físico, mental e de saúde.

As caminhadas eram longas e duras e era precisa toda a operacionalidade mental e física para aguentar o calor tórrido do início e meio da tarde, as cacimbadas nocturnas, o chapinhar na bolanha e a enorme percentagem de humidade do ar…

Como já não era novato na matéria, as explicações preparativas eram escutadas com grande atenção e as questões e interrogações surgidas, esclarecidas e ponderadas ao mais ínfimo pormenor.
Nestas ocasiões - e porque o início era sempre antes do raiar da aurora - a noite era vencida em amena cavaqueira, entremeada por duas partidas de “king”, com dois copos e um leve petisco à mistura.
Depois, o despertar da malta que, em silêncio atento, tomava conhecimento da operação, aprontava o material, tomava o pequeno-almoço, recebia a ração de combate e esperava pacientemente o início da caminhada.

Um certo e natural nervosismo contrastava com um leve sorriso nos lábios e um olhar distante e frio. Todos sabiam dos cuidados e atenção a ter, da responsabilidade que a cada um cabia. Sentia-se em alguns lábios o murmurar de uma oração silenciosa, rápida fervorosamente sentida, que num ápice dava oportunidade a dois dedos de conversa insignificativa, apenas para preencher o tempo. Nunca faltavam um pouco de humor e os vaticínios de boa sorte.

Como a operação agendava quatro dias, e apesar do reabastecimento estar previsto para um aquartelamento situado algures em cruzamento do trajecto, rigorosa inspecção a armas, munições e refeições, antecipava o início da partida.

Siai, localizado entre Canjadude e Cheche

Não se vislumbrava ainda o raiar do dia no horizonte e já a enorme fila de homens tinha palmeado um bom par de quilómetros, um caminhar cuidadoso quanto silencioso, ouvindo-se apenas o quebrar do capim à passagem e o pisar da terra húmida da bolanha. Não tardaria o sol e o despertar para a vida de milhares de insectos que durante o dia eram grande incómodo para todos. A cada paragem, o cuidado do espaço a ocupar, a redobrada atenção do olhar, a serenidade (inquieta) de momentos difíceis e de grande tensão, misteriosos até pela incógnita que sempre representavam.

Com a Terra em fase de aquecimento pelo calor de um sol brilhante e ávido por penetrar na imensidão da floresta, a grande fila de homens não dava tréguas, e em cuidadosa e lenta marcha ia vencendo quilómetros a fio em terreno perigoso, porque desconhecido e” habitado” pela outra parte, que a convenção de guerra chama de “inimigo”.

Iam-se as horas e os quilómetros. Os corpos escorriam suor e denotavam os efeitos do sol abrasador e o cansaço próprio da caminhada difícil feita em constante pressão psicológica, ainda que o relógio marque pouco espaço para se atingir a uma da tarde.
O intervalo para ingerir parte da ração de combate veio por um pouco de acalmia nas hostes do grupo de combate.

Alguns piropos davam conta de que a refeição não satisfaz.
- Esta merda está cada vez pior. Devia ser comida pelos “trutas”.
- Se estivessem connosco também comiam.
- Não sei, não sei. Eles estão sempre nas velhas calmas e nós é que damos o corpo ao manifesto. Eles é que deviam fazer a guerra.
- Não digas isso, ainda vais dentro.
- Dava um tiro nos cornos a quem me quisesse deitar as unhas.
- Deixa-te de merdas! Não faltam por aí valentões que se borram de medo quando são chamados a capítulo.
- Estou farto disto. Se me vejo em casa, vou a Fátima a pé.

Tantos e tantos desabafos! Tantas ameaças! Tantas promessas! Tantos sonhos desfeitos em vento. Por vezes, lágrimas receosas afloravam perante o desespero da distância da casa paterna e do regaço familiar. A compensação numa amizade e sincera feita na caserna, no abrigo do aquartelamento, no desespero da emboscada e na caminhada pela mata em tantos momentos difíceis, tornava menos penosos os dias intermináveis que se iam, um após outro.

O sol agora é muito mais quente. São três horas da tarde. As camisas indicam a natural perda de sal através do suor. A interminável fila de homens caminha mais pachorrentamente em direcção a uma zona de ligeira depressão montanhosa. Está previsto que a noite será ali passada. Até lá, os homens tinham de caminhar pelo menos duas horas. Foi um espaço de tempo terrível, com os pés acusarem o efeito da água da bolanha, enquanto os olhos penetravam atentos na densa mata, agora mais densa pelo crescimento do capim.

Aos poucos, a distância vai sendo vencida. A aproximação de uma linha de água é indicativa de que o objectivo está mesmo ali na frente dos olhos. Um leve arrepio percorre os corpos suados e incute nos espíritos algum temor pela natureza do terreno que a partir dali terá que ser percorrido até ao cimo da pequena elevação. O descampado enorme que terá de ser atravessado impõe mil cuidados atenções. Por isso, foi necessário um estudo rápido sobre a estratégia a adoptar. São quase cinco da tarde e o cimo terá de ser alcançado antes que o sol desapareça – na Guiné a noite começa a cair entre as cinco e meia e as seis horas da tarde.

A estratégia encontrada para vencer aquela distância foi posta em prática e referenciava os parâmetros de qualquer manual de guerra subversiva: guardando distâncias entre si de cerca de dez / vinte metros, os homens iam avançando um a um, cobertos na base pelo grosso da coluna; ao chegarem ao destino distribuíam-se de forma a fazerem, também, a segurança dos que iam caminhando na clareira.

Penosa, cuidadosa e atenta, foi aquela caminhada.
- Isto faz arrepiar a espinha!
- É preciso tê-los no sítio!
- O que será que vamos encontrar quando chegarmos lá em cima?!
- Já veremos. Deixa chegar a nossa vez.
- Não tens medo?
- E que adianta? Temos de ir.
- O capitão é corajoso! Olha para ele!
- É miliciano; e os milicianos é que aguentam muito de tudo isto! São eles e nós!
- É isso mesmo. Se a malta se virasse…
- Olha! Está a nossa vez; desejo-te sorte. Abre bem os olhos para os lados.
- Vou indo. Até já.
- Lembra-te que vou nas tuas costas para te guardar! Figas!

Conversa rápida, com os nervos à flor da pele. Agora toda a atenção era pouca. E o ânimo e a coragem eram precisos. Aos poucos toda a gente se instalou do outro lado.
Bonita panorâmica se avistava do cimo, envolto em densa e impenetrável vegetação que foi preciso vencer em curta caminhada.

Como o sol não tardava a “ recolher”, rapidamente se fez um reconhecimento ao terreno para que os homens se instalassem com segurança para pernoitar. Foi escolhido o planalto.
Depressa se montou um esquema de defesa – dispositivo em forma de meia lua – e procedeu-se ao tempo disponível para a refeição da noite. O habitual esquema de segurança e vigilância não foi esquecido e começou logo de imediato a funcionar.

Estavam a chegar as seis horas da tarde. Notavam-se já as primeiras sombras da noite.
Mal houve tempo de “ajeitar” o chão para o relaxamento dos músculos…
Rá-tá-tá-pum! Rá-tá-tá-pum!

- Eles aí estão!

Foi o grito unânime e o levantar rápido, como que impulsionados por molas. Ao grito sentiu-se o contínuo rebentar de granadas de morteiro e lança-rockets e o trabalhar certeiro de metralhadoras pesadas e armas ligeiras. Reacção pronta dos homens instalados que, de armas aperradas, disparavam para a sua frente, por onde a escuridão da noite, convencidos de uma acção eficaz e capaz de terminar logo com aquela “brincadeira”. Ninguém sabia ao certo de onde vinha o fogo do “inimigo”. A única certeza era a de que as armas estavam aperradas e num cântico certeiro “cuspiam” projecteis como se ensaiassem uma nova melodia para a morte. Ao barulho das armas juntava-se um cheiro agridoce, que significava sangue e suor, e gritos de “apanha à mão, apanha á mão” que vinham do lado de lá. A tudo misturavam-se frases injuriosas e palavrões que, de um e outro lado eram proferidas com um misto de raiva e ansiedade pelo final de toda aquela trapalhada.

Parecia não ter fim aquela emboscada nocturna. Mas o espectáculo era digno de apreço: a enorme clareira que cuidadosamente tinha sido atravessada hora antes, fora transformada num enorme novelo de fogo por efeito das morteiradas que incendiaram o capim; as balas tracejantes voavam no espaço com rapidez, descrevendo trajectórias de rara beleza geométrica; o efeito das rocketadas nas copas das árvores lembrava o melhor e o mais belo fogo-de artifício!...

Foram duas horas que mais pareceram uma eternidade. Um cheiro acre a suor, misturado com sangue e pó e uma respiração ofegante, anunciava que nem tudo estava normal. A vozearia confusa dos homens não deixava perceber o resultado do tiroteio, mas era indicadora de maus presságios. Um certo nervosismo de passos apressados que iam e vinham, confirmavam que algo de anormal se estava a passar. De repente, uma ordem do capitão colocava serenidade nos ânimos e deixava antever que havia gente gravemente ferida, a precisar a precisar de socorros urgentes.

Era noite cerrada e a alvorada ainda estava a muitas horas de distância… Tornava-se imperioso manter a maior serenidade e calma para uma avaliação da situação e, sobretudo, analisar a gravidade dos feridos. Depressa se soube que um dos enfermeiros tinha que ser evacuado com urgência, juntamente com outros igualmente feridos com gravidade. Na maior escuridão, foram prestados os socorros possíveis, ficando ao sabor da vontade e generosidade de Deus e o piorar das coisas. Preocupados estavam todos e as dúvidas eram mais que muitas. Gemidos e murmúrios abafados foram o “pai-nosso” daquela noite longa e angustiosa para todos os homens. Não se percebia uma nota daqueles murmúrios, mas adivinhava-se a revolta, o medo, a dor e o sofrimento a ânsia de abandonar o local, apesar da coragem e do destemor de toda aquela malta que resistiu a uma ofensiva forte e traiçoeira – mas a guerra subversiva é, toda ela, feita de acções deste género.

Respirava-se a indignação. Sentia-se o corpo “empapado” pelo nervosismo de ocasião. Veio o amanhecer e com ele o suspiro de alívio. As pessoas agora podiam ver-se e sentir melhor a realidade. Em cada rosto a máscara de uma noite de insónia nervosa e expectante; um corpo moído e cansado pela caminhada do dia anterior e pela falta de descanso.

Pum! Pum! Pum!
Num momento as armas voltaram de novo à posição de “vomitarem” a canção da morte. Das gargantas um grito seco e estridente: “eles aí estão”! Mas… às três morteiradas segui-se logo silêncio. A malta manteve-se atenta e serena. A experiência nestas andanças aconselhava a manter o sangue frio, não reagindo àquela “música” pesada que logo pela manhã pretendia causar inquietação. Prosseguir a acção era o passo seguinte da operação. A grande preocupação eram os feridos, alguns dos quais a necessitarem de tratamento adequado em hospital.

O contacto via rádio tinha sido estabelecido com o aquartelamento mais próximo e aguardava-se a todo o momento a chegada de meios que a possibilitassem a evacuação dos feridos. Restava, por isso, esperar com paciência. Cuidadosamente, foi feito um reconhecimento ao local e iniciada a caminhada de regresso, segundo os planos estabelecidos. Uma caminhada mais lenta e cuidadosa, na medida em que era preciso transportar alguns feridos em macas improvisadas. Pelas dez da manhã, um novo contacto, agora com unidades da Força Aérea, permitia a chamada de helicópteros para evacuação dos feridos, operação que seria feita sem incidentes e em curto espaço de tempo. Agora sim, podia respirar-se com mais algum alívio. Para os restantes, a marcha continuou: lenta, cuidadosa, não fosse o diabo tece-las.

À medida que as horas iam passando e os quilómetros iam sendo vencidos, o ânimo e a melhor disposição voltavam aos rostos e corpos cansados dos homens que continuavam em longa fila à espera de um pacato canto para o relaxe e descanso. Mais de quatro horas – depois de longa paragem para a dose de ração de combate – foram precisas para vencer a distância até ao aquartelamento onde estava previsto o reabastecimento e algumas horas de repouso. Foram horas difíceis, marcadas pelo cansaço próprio de horas seguidas de caminhada lenta, agravadas pela noite terrível de insónia e nervos, com tinha sido a noite da emboscada.

Pachorrenta, a fila de homens arrastava-se com tranquilidade mais animadora, porque cheirava já a proximidade do quartel – meia dúzia de abrigos cavados no chão, com algumas casas dos nativos e arame farpado a cercar todo o espaço.
- Estamos a chegar, cheiro isso à distância.
- Ainda bem. Sinto-me num oito. Dói-me o corpo todo.
- Deixa lá. Os que foram embora estão em piores condições.
- É verdade. Como estarão eles?
- Tens água?
- Devo ter algumas gotas no cantil. Toma. Vê o que tem. Podes gastar à vontade.
- Ah! Tinha as goelas secas!
- Tiveste sorte. Poupei-a muito durante o trajecto.
- Não sentes um cheiro esquisito?
- Não. Sinto um cheiro doce e parece-me que corre humidade no ar. Estamos próximos de um rio.
- Deve ser o rio Corubal.
- É isso, é. Uma banhoca para tirar o pó vem mesmo a calhar.

Em surdina, a conversa ia animando a marcha e provocava nos homens uma sensação de alívio e confiança. Para trás ficavam alguns temores com tiros e sangue à mistura, que ainda seriam temas de grandes discussões e exemplos para cuidados e preocupações.
O ritmo cadenciado dos passos ia martelando os ouvidos atentos, enquanto os olhos se espraiavam pela vegetação menos e convidativa a uma marcha mais acelerada.
O pular de pequenos símios nos ramos das árvores emprestava ao ambiente um ar divertido e era prenúncio de que por ali não podia rondar qualquer perigo. Começava a avistar-se, lá longe, a população que trabalhava a cultura do arroz e do milho e recolhia o gado. Outros carregavam trouxas à cabeça. Era sinónimo de que a povoação estava ali mesmo na frente do nariz dos homens que continuavam ordenadamente em fila e deixavam correr pelo corpo o suor próprio de uma longa caminhada debaixo de um sol ardente.

Estava quase gasto o tempo de duração de dois dias. As pernas estavam mais ou menos bem, mas o resto do corpo continuava a sentir a noite de insónia e o estômago alegrava-se quando na mente passava um cheirinho a caldo quente e bem cozido. Não admirou, por isso, que a distância até ao aquartelamento que começava a divisar-se fosse percorrida com maior entusiasmo e rapidez.

Foi enorme a satisfação de alívio que a rapaziada encontrou quando se achou em bem mais seguro e que dava por finda a caminhada daqueles dois dias. Sabiam que outro tanto tempo faltava ainda para chegarem ao ponto de partida. Mas esta situação era menos importante e transmitia aos homens nova confiança e mais esperança.
Não estranhou que a grande maioria dos homens caísse na água tépida e límpida do rio e desse largas a um distender mais relaxado e confiante dos músculos.

Não foi uma refeição farta. Mas ajudou bastante no retemperar nas forças e moral dos homens que antes de adormecerem no chão duro da tabanca ou do abrigo, tiveram oportunidade para dois dedos de conversa diante da luz mortiça da garrafa com petróleo que servia de candeeiro e a acalmia de um cigarro bem apetecido e apreciado.

Não havia lua naquela noite. Talvez por isso as manchas escuras das árvores emergissem ainda mais majestosas naquela imensidão de floresta tantas vezes perigosamente enigmática.
- Anseio cada vez mais que isto acabe.
- Também eu.
- Não sentes mais medo agora do que no princípio?
- Acontece com todos. Hás-de ver que daqui para a frente é pior.
- Santo Deus! Onde a malta veio cair!
- Deixa lá. Isto está quase no fim. Muito mais de metade está passado.
- O rabo da cabra… não é?
- Dizes bem.
- Apesar de tudo, temos de dar graças a Deus.
- Porquê?
- Temos um Comandante de Companhia que é mais do que nosso pai. Não permite baldas. Percebe disto. Tem-nos safado bem. Gosta muito de todos.
- Tá bem. Mas não nos safa destas merdas.
- Ele também está metido nelas. Decerto se ele mandasse ninguém vinha para cá.
- Ou a merda da guerra já tinha acabado.
- Já pensaste bem nesta vida? O que temos feito? O que temos passado? Os tiros que temos dado? O que nos esperará ainda?
- Sei lá. Só sei dizer que isto não interessa a ninguém.
- E eu ainda tenho um irmão que pode vir cá cair.
- Ninguém se safa.
- É difícil de perceber. Dizem que estamos a defender a Pátria. O que quero é defender a pele.
- Há tempos ouvi o alferes F dizer que os “turras” têm razão. Que esta é a terra deles e que por isso têm todo o direito de lutar.
- Eu quero lá saber. Que fiquem com a terra, mas que me deixem ir embora. Eu não pedi para vir.
- É como o outro: mas agora que estou cá…
- Não me f …. A malta está farta. E se perguntares ao pessoal, está tudo farto de andar aos tiros sem saber a quem e para quê.
- Por falar nisso: viste os rastos enormes de sangue que ficaram da emboscada de ontem?
- Morreria alguém ou seria só na pele?
- Não sejas cínico.
- Pois não; e os nossos?
- Também tens razão.
- É sempre a mesma música; tiros, sangue, feridos graves e ligeiros, mortes.
- Já nem durmo só de pensar nisso.
- Não penses e dorme.
- É o que vou tentar fazer. É só acabar o cigarro.
- Não te esqueças de apagar a vela.
- E tu não te esqueças de colocar a G3 a jeito.
- Não esqueço, não.
- Então, até…

Sem grande alvoroço, a malta despertou ao chamamento. Mais preparativos, novas e cuidadas recomendações, pequeno-almoço e pés ao caminho.
Está fresca a manhã. O sol ainda vai demorar, pois são apenas cinco da matina.

Em silêncio, a longa fila de homens caminha pela mata, mas depressa tem de atravessar extensa bolanha com água que, em alguns sítios, dá acima do joelho.
- Que mal faria eu para me acontecer isto logo pela manhã?!
- Cala-te e vê o que vais a fazer.
- Quando sofreres dos ossos escreve-me a mandar-me calar…
- Não me esquecerei. Mas agora anda lá e toma cuidado. Olha onde pões os pés para não deixares cair a arma. E toma cuidado com as granadas que levas à cintura.
- Não sei para quê tantas recomendações, quando precisas de tomar as mesmas cautelas.
- É para ver se te calas e caminhas com mais cuidado que isto ainda vai durar.

Lentamente a caminhada prossegue, com cuidado, com o olhar atento e penetrante, agora que as formas escuras da vegetação tomam outras formas e outra luz, pois o dia começa a clarear. Sente-se desaparecer no ar a humidade do cacimbo, embora as gotas desse “orvalho” dêem conta de si quando nos bate no corpo a ramagem da espessa vegetação que nos rodeia.
De novo virá o sol quente, provocando uma aragem abrasadora e sufocante em virtude da grande percentagem de humidade que caracteriza o clima da Guiné; de novo virá a noite sempre enigmática e duplamente perigosa e o dormitar a espaços, porque toda a atenção será pouca; voltará novamente o despertar para o início da caminhada rumo ao aquartelamento onde nos espera um pouco de descanso e uma boa oportunidade para relaxar enquanto não se prepara nova acção.
Vão ser mais horas de terrível pressão psicológica, pela atenção e cuidados a ter; novamente o cansaço, o suor, a sede, os mosquitos e a incerteza que dali do interior da mata densa e misteriosa surja a surpresa da emboscada. Então, serão mais umas nuances para a “melodiosa” versão do “tango dos barbudos”, em mais uma canção para a morte.

P.S. - Texto escrito algures no nordeste da Guiné, no ano de 1969.

Do livro "Palavras da Memória" de Alberto Alves, ex-Fur Mil da CART 1742
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Nota do editor

Último poste da série de 27 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12353: Palavras da Memória (Alberto Alves) (1): Reflexão sobre a amizade (Abel Santos)

Guiné 63/74 - P13344: Parabéns a você (755): José Firmino, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 2585 (Guiné, 1969/71) e Santos Oliveira, ex-Fur Mil do Pel Ind Mort 912 (Guiné, 1964/66)


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Nota do editor

Último poste da série de 27 DE JUNHO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13334: Parabéns a você (754): Vítor Caseiro, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4641 (Guiné, 1973/74)

sábado, 28 de junho de 2014

Guiné 63/74 - P13343: Convívios (609): XXIX Encontro do pessoal da CART 3494 (Xime e Mansambo, 1971/74), realizado no passado dia 7 de Junho de 2014 em S. Pedro de Moel (Sousa de Castro)



40.º Aniversário da chegada da CART 3494 da Guiné, comemorou-se em São Pedro de Moel, com um grande encontro/convívio, foi o XXIX.

No Hotel “Mar&Sol” em São Pedro de Moel, que é um lugar pertencente à cidade, freguesia e concelho da Marinha Grande, do distrito de Leiria, realizou-se no passado dia 07 de Junho de 2014, o XXIX encontro/convívio da CART 3494 do BART 3873, que serviu o estado Português na Guiné, na zona leste, no Xime e mais tarde em Mansambo, nos anos de Dezembro de 1971 até Abril de 1974, num total de 27 meses de comissão, o que nos dias de hoje seria impensável, tanto tempo de serviço, tendo em conta o clima bastante quente e com elevada percentagem de humidade.
Curiosamente coincidiu este ano com o quadragésimo aniversário da nossa chegada. Foram 44 ex-militares presentes, muitos deles acompanhados pelas suas esposas, companheiras e alguns familiares, num total de 78 presenças.

De enaltecer a presença pela primeira vez de dois camaradas, o David Fernandes [foto à esquerda] que veio da Bendada – Sabugal, que segundo ele, pertencia ao pelotão do Fur Milº Carda e também o ex-Fur Milº Manuel Filipe Lourenço Lino [foto à direita], que veio de Lisboa, do 20.º pelotão de Artilharia (Obuses).

Como não podia deixar de ser, conforme iam chegando, eram abraços para aqui e para ali, tentar perceber a situação de cada um, constatando-se que uma boa parte já se encontram aposentados ou reformados.

Pelas 13 horas toque para o refeitório, onde o ex-Alf Milº Serradas Pereira, responsável pelo evento, proferiu algumas palavras de circunstância, nomeadamente agradecendo a presença de todos, sem esquecer os camaradas mortos e desaparecidos em combate, como também os outros que por uma ou outra razão deixaram a vida terrena.
Depois de prestado um minuto de silêncio, foi serviço o repasto que constou de Bacalhau Com Broa e “Beijinho” de Vitela, para além de variados doces, frutas e o bolo com o logotipo da CART 3494, sem faltar as respectivas bebidas normais e espirituosas.

De salientar o momento em que a companheira de um camarada nos presenteou com alguns fadinhos cantados sem acompanhamento musical, nos deixou deliciados e ainda mais bem-dispostos.
De seguida a despedida… o regresso de cada um às suas origens, na certeza de que o mesmo espírito de camaradagem que dura há quarenta e três anos se irá manter.

Por fim dizer que o próximo encontro será em data a anunciar, na zona da cidade do Porto, sendo responsável o ex-Fur Milº TRMS, Luís Coutinho Domingues.

Sousa de Castro



CMDT da CART 3494: António José Pereira da Costa

Também não faltou o fado

O ex-Fur Mil Godinho, Sousa de Castro e ao lado direito o Machado

O ex-Fur Mil Ruivo Fernandes

Lícinio Pereira com o David Fernandes, este foi a primeira vez que compareceu

O organizador de copo na mão, ex-Alf Mil Pereira com outros camaradas

O Antunes à conversa com o casal Godinho
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Nota do editor

Último poste da série de 24 DE JUNHO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13324: Convívios (608): Tabanca de Bedanda: 4º Encontro de bedandenses, 4ª CCaç / CCaç 6: Mealhada, 28 de junho (Hugo Moura Ferreira / Vasco Santos)

Guiné 63/74 - P13342: Agenda cultural (329): Lançamento do livro "Capitão de Abril", de Fernando Salgueiro Maia, apresentado pelo Cor Vasco Lourenço, dia 1 de Julho de 2014, pelas 18h30, na Associação 25 de Abril, Lisboa

C O N V I T E

1. Mensagem de Inês Figueiras com data de 27 de Junho de 2014

Assunto: Livro de Salgueiro Maia lançado nos 70 anos de nascimento

Livro de Salgueiro Maia lançado nos 70 anos de nascimento

Salgueiro Maia é homenageado esta terça-feira, 1 de Julho, dia em que faria 70 anos, com o lançamento da obra Capitão de Abril, na Associação 25 de Abril, em Lisboa, pelas 18:30 horas.

A apresentação ficará a cargo do coronel Vasco Lourenço. Natércia Salgueiro Maia e o biógrafo António de Sousa Duarte também participam na sessão.

O livro, escrito por Salgueiro Maia, com histórias da Guerra Colonial e do 25 de Abril, regressa às livrarias numa edição aumentada. Aos depoimentos que complementam a 1.ª edição, de Carlos de Matos Gomes, Francisco Sousa Tavares, Maria Manuela Cruzeiro e Vasco Lourenço, juntam-se os de António Sousa Duarte, Armando Fernandes e João de Melo.

Capitão de Abril contém ainda duas entrevistas – a primeira, cedida em 1974 a Adelino Gomes, e outra de 1988, a Fernando Assis Pacheco – e a reprodução fac-similada do relatório da “Operação Fim do Regime”.


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Fernando José Salgueiro Maia nasceu a 1 de Julho de 1944, em Castelo de Vide.
Frequentou a Escola Primária em São Torcato, Coruche, e o Ensino Secundário em Tomar e Leiria.
Viveu em Pombal, que considerou o local do seu “segundo nascimento”.
Aos 20 anos, ingressou na Academia Militar, em Lisboa e, acabado o curso, apresentou-se na Escola Prática de Cavalaria (EPC), em Santarém.
Participou na Guerra Colonial, em Moçambique e na Guiné, tendo ascendido ao posto de capitão em 1971.
Delegado de Cavalaria, integrou a Comissão Coordenadora do Movimento das Forças Armadas (MFA).
Em 25 de Abril de 1974, comandou a coluna militar que, partindo da EPC, ocupou o Terreiro do Paço e cercou o Quartel do Carmo, em Lisboa, culminando na rendição de Marcello Caetano e na queda do Estado Novo.
Salgueiro Maia retomou o rumo da carreira militar, ascendendo ao posto de major em 1981.
Passou pelos serviços administrativos da Direcção da Arma de Cavalaria, em Lisboa, o Quartel-General da Zona Militar dos Açores, o Presídio Militar de Santarém e o Regimento de Cavalaria de Santa Margarida.
Licenciou-se em Ciências Políticas e Sociais, e em Ciências Antropológicas e Etnológicas, pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), em Lisboa.
Em 1983, recebeu a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade.
De regresso à EPC, organizou o Museu de Cavalaria.
Em 1988, foi promovido a tenente-coronel.
Faleceu em 1992, após uma dura luta contra o cancro, tendo sido agraciado nesse ano, a título póstumo, com o grau de Grande-Oficial da Ordem da Torre e Espada.
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O convite e a capa do livro seguem em anexo.

Para mais informações, por favor contactar:

Inês Figueiras
Âncora Editora
Av. Infante Santo, 52 – 3.º Esq.
1350-179 Lisboa
Tel. 213 951 221 | Tlm: 963 054 215 Fax 213 951 222
www.ancora-editora.pt
www.facebook.com/ancoraeditora

Obrigada.
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de Junho de 2014 > Guiné 63/74 - P13340: Agenda cultural (328): Apresentação do livro "Militares e Política - O 25 de Abril" por Jacinto Godinhoa, debate com a participação de Luísa Tiago de OLiveira e projecção de um documentário, dia 2 de Julho pelas 18h30 na Livraria Almedina-Estádio "Cidade de Coimbra", em Coimbra

Guiné 63/74 - P13341: Bom ou mau tempo na bolanha (60): Parecido com uma coluna militatr (Tony Borié)

Sexagésimo episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.




Não, não e não.

Não tem qualquer comparação, isso foi há muitos anos, lá na “Mansoa City”, de onde, quase todas as semanas partiam aquelas colunas militares para Mansabá, Bissorã, Olossato ou Farim, para as zonas de combate, onde não havia lá muita preparação, era ir, aguentar, ter alguma boa sorte, que era esperar que os guerrilheiros tivessem alguma contemplação pelo pessoal civil, que normalmente faziam parte dessas célebres colunas.

Hoje, passados cinquenta anos, tentando em circunstâncias muito, mas mesmo muito diferentes, projectar uma coluna, não militar, não de acção, mas sim de paz e alguma aventura, pois é só isso que nos resta, nesta linda idade dos “entas”, que muitos chamam a idade de ouro, que eu concordo perfeitamente e, o tal espírito de aventura, que todos nós guardamos dentro de nós, que por lá andámos, felizmente ainda continua vivo e, foi nesse contexto que projectamos esta viagem de ida e volta, oxalá que sim, do estado da Flórida ao estado do Alaska, lá no norte, onde dizem que ainda existem “glaciares”, vida quase selvagem, a luz do sol ilumina o dia por um grande espaço de tempo no verão e, no inverno é quase sempre de noite.


Este projecto é um pouco complicado, quase de um “louco”, como se dizia na minha aldeia, quando era jovem, pois naquela zona do globo, e até se lá chegar, onde dizem que se encontra o “Artic Circle, e a latitude é de 66º 33’, viajar no Alaska Highway, Dalton Highway ou no Denali Highway, estradas quase desertas, onde em algumas zonas, a civilização ainda não é como quase todos nós estamos habituados, as estradas e algumas pontes, ficam danificadas com a neve e o rigor do inverno, não existem hotéis, estações de abastecimento de gasolina muito frequentes, os hospitais, vilas ou aldeias, que podem dar algum apoio, normalmente estão distantes umas das outras, o “GPS”, não funciona em algumas áreas, há zonas em que se tem que esperar por outras pessoas nas mesmas circunstâncias, para em conjunto avançar, tal como acontecia lá na Guiné.


Pensando em tudo isto, havia que nos preparar, fizemos exames médicos, autorizações especiais da companhia de seguros do veículos, uma pequena caravana, onde vai uma cozinha ambulante com fogão a gás, quarto para dormir, caixa frigorífica, ar condicionado ou aquecimento, alguns géneros de primeira necessidade, muitas latas de conservas, algumas portuguesas, alguma ferramenta, pás, cordas, tanques extras de gasolina, latas de óleo, bateria extra, caixa médica de primeiros socorros, enfim, pequenas coisas que são muito grandes, nos momentos em que delas precisamos.

Também levamos medicina de manutenção diária, (onde inclui vinho de Portugal e da Califórnia), boa disposição, equipamento apropriado e, as canas de pesca.

Portanto, durante umas semanas, não vou dar notícias tão frequentes como vem acontecendo, mas quando regressar, se vocês entenderem vou contar-vos tudo, vão fazer a viagem comigo.

Até lá, um abraço, companheiros, “believe it or not, we're going to Alaska”.

Tony Borie,
Junho de 2014
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de Junho de 2014 > Guiné 63/74 - P13254: Bom ou mau tempo na bolanha (59): O Alferes Miliciano Bobone (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P13340: Agenda cultural (328): Apresentação do livro "Militares e Política - O 25 de Abril" por Jacinto Godinhoa, debate com a participação de Luísa Tiago de OLiveira e projecção de um documentário, dia 2 de Julho pelas 18h30 na Livraria Almedina-Estádio "Cidade de Coimbra", em Coimbra

C O N V I T E

1. Mensagem de Luisa Tiago de Oliveira com data de 27 de Junho de 2014

Assunto: Lançamento do livro "Militares e política: o 25 de Abril": Coimbra, 2 de Julho, 18h30, livraria Almedina-Estádio "Cidade de Coimbra"

Caros possíveis interessados e interessadas:
Venho convidar-vos para o lançamento, em Coimbra, de um livro que organizei e cujo índice é o seguinte:

Militares e política: o 25 de Abril
Introdução - Luísa Tiago de Oliveira
Abertura: Grândola Vila Morena.

Cinco instantes para uma canção - Carlos de Almada Contreiras
Parte I - Ramos Militares e 25 de Abril
Capítulo 1: Caracterização sociológica do Movimento dos Capitães (Exército) - Aniceto Afonso
Capítulo 2: A Marinha e o dia 25 de Abril de 1974 - Pedro Lauret
Capítulo 3: Força Aérea Portuguesa: uma realidade militar e sociológica - Luís Alves de Fraga
Parte II - Rupturas iniciais com o Estado Novo
Capítulo 4: O fim da PIDE/DGS e a libertação dos presos políticos - Luísa Tiago de Oliveira
Capítulo 5: A descolonização: libertação dos presos políticos e fim da PIDE/DGS nas colónias de África - Ana Mouta Faria

Biografias dos autores
Índice onomástico"

Esperando que seja do vosso interesse,
Luísa Tiago de Oliveira




Lançamento do livro “Militares e Política: o 25 de Abril”

O livro, organizado por Luísa Tiago de Oliveira, professora do Departamento de História do ISCTE-IUL, assinala o 40.º aniversário da Revolução portuguesa, que, segundo Samuel Huntington, abriu uma nova vaga revolucionária mundial.

O livro abre com um texto de Almada Contreiras, em que este militar, na altura membro do MFA e do Conselho de Revolução, explica porque é que escolheu a canção “Grândola, Vila Morena” para senha da revolução.

Seguem-se duas partes.
A primeira debruça-se sobre os três ramos militares e a mudança política, tendo capítulos dos ex-membros do MFA Aniceto Afonso (Exército) e Pedro Lauret (Marinha), e do professor universitário Luís Alves de Fraga (Força Aérea).
A segunda parte analisa o fim da PIDE/DGS e a libertação dos presos políticos em Portugal e nas ex-colónias, sendo composta por capítulos de Luísa Tiago de Oliveira e Ana Mouta Faria, ambas docentes do ISCTE-IUL.

Com esta obra, os autores pretendem contribuir para uma visão plural dos problemas, fazendo dialogar investigações provenientes de perspetivas diversas e permitindo o avanço do conhecimento e o reforço da cidadania.

Em Coimbra, o lançamento do livro decorrerá no dia 2 de Julho, às 18h30, na livraria Almedina-Estádio Cidade de Coimbra.

A apresentação será feita pelo jornalista da RTP e professor universitário da Faculdade de Ciências Socias e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Jacinto Godinho.

Nesta sessão de lançamento do livro “Militares e Política: o 25 de Abril”, da editora Estuário, será projectado ainda um documentário sobre o assalto à sede da PIDE-DGS. ​

Luisa Tiago de Oliveira
Departamento de Historia
ISCTE, Instituto Universitario de Lisboa | Lisbon University Institute
Av. Forcas Armadas
1649-026 Lisboa
+351217903915
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de Junho de 2014 > Guiné 63/74 - P13339: Agenda cultural (327): Revista do IDN - Instituto de Defesa Nacional, "Nação e Defesa", nº 139: "Portugal na Grande Guerra - A posição de Portugal no Mundo": convite para a submissão de artigos até 7 de julho próximo

Guiné 63/74 - P13339: Agenda cultural (327): Revista do IDN - Instituto de Defesa Nacional, "Nação e Defesa", nº 139: "Portugal na Grande Guerra - A posição de Portugal no Mundo": convite para a submissão de artigos até 7 de julho próximo


Lisboa > Outubro de 1914 > Envio de uma força expedicionária da 1600 homens, sob o comando de Alves Roçadas, em Outubro de 1914. 

Na fronteira sul de Angola, após um ataque alemão ao posto fronteiriço de Cuangar, as NT  tentaram, em vão, expulsar os alemães do território. São derrotadas em Dezembro de 1914, em Naulila (Desastre de Naulila). Retiram para Humbe, ao mesmo tempo que as populações locais se revoltam contra a soberania portuguesa. O governo republicano é obrigado, devido a esta revolta local, a reforçar a guarnição de Angola, enviando  da Metrópole uma força constituída por cerca de 400 oficiais e 12 mil praças. De Moçambique chegam mais 2 companhias landins.

Lisboa > c. 1914 > Tropa expedicionário a caminho de Angola

Também em Moçambique as tropas alemãs começaram a ameaçar a soberania portuguesa. Houve um primeiro ataque alemão ao posto fronteiriço de Maziua, no Rovuma, obrigando o governo da República a mandar um força de mais de 1500 homens para aquela colónia do Índico. Essa força chegou a Moçambique em Outubro de 1914. Mal organizadas e equipadas, as NT, passaram meses sem contacto com o inimigo e perderam um quinto dos seus efetivos por motivo de doença.
Um ano depois, e Novembro de 1915 uma nova força expedicionária, de mais 1500 homens, chega a Moçambique sob o comando de Moura Mendes. Essa 2ª força tinha como finalidade recuperar a ilha de Quionga, mas também devido a desorganização idêntica à da primeira força, só em 4 meses perdeu, por doença, metade dos efectivos. Em abril de 1916, a pequena ilha de Quionga é recuperada mas Moura Mendes já tinha perdido metade dos seus efetivos por doença....

Novo reforço em homens (mas de 4600, sob o comando de Ferreira Gil) chega à colónia em finais de Junho de 1916. A sua missão é passar o Rovuma e atacar as tropas alemãs ao mesmo tempo que estas eram atacadas no Tanganica pelos ingleses e outros aliados O exército de Ferreira Gil consegue passar o Rovuma, conquistar Nevala mas acaba por ser derrotada, sendo obrigada a retirar novamente para Moçambique.
Em 1917 é envia a 4ª força para Moçambique, esta constituída por  cerca de 9800 homens, comandados por Sousa Rosa.

(...) "A Alemanha tinha na África Oriental, uma pequena força de 4000 askaris e 305 oficiais europeus, comandados pelo general Lettow Worbeck. Este general alemão conseguiu sempre resistir aos ataques das forças inglesas, apesar de estas serem em número muito superior. Isto só foi possível devido a este general ter utilizado uma nova forma de guerra (guerrilha), não lhe interessando manter ou conquistar posições, mas sim manter o inimigo sempre ocupado, de modo que este não pudesse libertar soldados para enviar de volta à Europa.

"Em Novembro de 1917, Lettow Worbeck passa o Rovuma e derrota as tropas portuguesas em Negomano, e percorre Moçambique sempre fugindo e derrotando as tropas (inglesas e portuguesas) que encontrava pelo caminho e provocando a revolta das populações locais contra os portugueses. Este general alemão acabou por voltar ao Tanganica.

"Com o final da guerra na Europa, o exército alemão que se encontrava nessa altura na Rodésia, acabou por se render apesar de nunca ter sido derrotado.

"Para Portugal ficaram, além das grandes derrotas militares, as revoltas das populações locais, que demoraram a ser reprimidas." (...) (Fonte: Wikipedia > Portugal na Primeira Grande Guerra)



França > Brest > O desembraque das tropas portuguesas


 Frente ocidental > Prisioneiros de guerra portugueses [Bundesarchiv Bild 183-S30568, Westfront, portugiesische Kriegsgefangene CC-BY-SA-3.0-de] Autor desconhecido. Iimagem foi doada à Wikimedia Commons pelos Arquivos Federais da Alemanha (Deutsches Bundesarchiv) dentro de um projecto comum.

A batalha decisiva travada  pelo  corpo expedicionário português na I Grande Guerra  (calculado em 55 mil homens) foi em La Lys, na Flandres, em 9 de abril de 1918. Segundo o historiador militar Nuno Severiano Teixeira, as nossas baixas estimam-se em 1312 mortos, 4616 feridos, 1932 desaparecidos e 7740 prisioneiros. (Fonte: Nova História Militar de Portugal, ed. l. Manuel Themudo Barata e Nuno Severiano Teixeira: Vol 4, Lisboa: Círculo de Leitores, 2004, p. 30).

Imagens do domínio público (com mais de 70 anos). Cortesia de Wikipedia.



Página de rosto do sítio do IDN - Instituto de Defesa Nacional, que edita a revista "Nação e Defesa"


1. Do nosso leitor (e camarada) José João da Costa Pereira,  ten cor ref, do núcleo de Torres Vedras da Liga dos Combatentes, reencaminhando-nos um mail das Relações Públicas do Instituto de Defesa Nacional (IDN), que edita a revista "Nação e Defesa"

De: IDN Relações Públicas [mailto:idn.relacoespublicas@defesa.pt]
Enviada: segunda-feira, 23 de Junho de 2014 14:12
Para: Instituto Ação Social FFAA - TGEN Fialho da Rosa

Assunto: Call for papers: Nação e Defesa nº 139 "Portugal na Grande Guerra - A posição de Portugal no Mundo"

(...) A Grande Guerra ou Primeira Guerra Mundial (1914-1918) é consequência de rivalidades cruzadas entre as principais potências, quer na Europa, quer no resto do mundo, de carácter variado (ideológico, político, económico, imperial).

Estas rivalidades culminaram nos dois conflitos de maior intensidade da história, entre 1914 e 1945, e conjugaram-se com o que historiografia designou por crise do sistema liberal, mas também com a legitimidade internacional crescente do princípio da autodeterminação. Esta norma emergente condicionava a ação das grandes potências e potenciava a emergências de novas pequenas e médias potências, que, no entanto, enfrentaram nesses conflitos desafios particularmente agudos.

A Grande Guerra (e seus antecedentes) remete também – numa situação com alguns paralelos com a atual – para o debate em torno das chamadas guerras de transição de poder entre grandes potências emergentes revisionistas e as grandes potências conservadoras. Assim como para o debate relativo ao efeito de arrastamento que conflitos inicialmente localizados podem transportar, através de sistemas de alianças, para um conjunto alargado de Estados do sistema internacional.

Portugal não escapou à crise do sistema liberal oitocentista, agravada por tensões externas como o Ultimatum de 1890, e pela crise do sistema económico da Regeneração, resultando em ruturas que levaram consequentemente ao surgimento da I República, da Ditadura Militar e do Estado Novo. Também não escapou, ou não quis deixar escapar, a Primeira Guerra Mundial.

Importa pensar com que dilemas internos e externos se confrontava Portugal nesse período, e como estes condicionaram a sua resposta, em termos político-estratégicos, à crise externa cada vez mais intensa e grave, nomeadamente o problema fundamental de como uma pequena potência europeia poderia manter um grande império colonial.

Interessa compreender e analisar, de forma crítica e inovadora, a situação política e estratégica de Portugal, no dealbar do século XX e como esta influenciou a decisão de intervir na contenda mundial em curso entre 1914 e 1918: quais os objetivos de guerra no quadro da inserção geopolítica de Portugal no início do século XX e os efeitos desta intervenção na posição internacional do país após o seu desfecho.
Neste contexto, convidamos todos os interessados a submeterem um artigo que se enquadre no tema genérico "Portugal na Grande Guerra – a Posição de Portugal no Mundo".

Os artigos deverão ser enviados até 7 de Julho de 2014 para idn.publicacoes@defesa.pt sendo as normas de submissão destes consultáveis em www.idn.gov.pt

Serão selecionados um máximo de 6 artigos, tendo em consideração um conjunto de critérios: a qualidade do texto, assegurar alguma diversidade temática, a fundamentação em fontes relevantes, a abordagem original de questões relevantes, sendo a atenção à dimensão comparativa também valorizada. (...)

Guiné 63/74 - P13338: IX Encontro Nacional da Tabanca Grande (42): Todos bons camigos e melhores camaradas, muitas caras conhecidas de outros encontros, alguns totalistas ou quase totalistas


IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > Jorge Canhão & Maria de Lurdes (Oeiras)... O Jorge é um dos nossos fotógrafos oficiais...


IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > António José Pereira da Costa (Tó Zé para os amigos...) e Isabel (Mem Martins / Sintra)... Duas presenças habituais nos encontros nacionais da Tabanca Grande... 


IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > António Fernando Marques e Gina (Cascais)... Um casal amoroso que não falha um encontro de camaradas, sejam os da Tabanca Grande, sejam os de outras tabancas, ou os encontros (anuais) da malta de Bambadinca (1968/1972)


IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > José Barros Rocha (Penafiel) e Jorge Rosales (Cascais), o homem que gosta sempre apresentar-se como um camarada do "caqui amarelo" (leia-se: dos "velhinhos" da Guiné)... O Rocha por sua vez é um bom amigo e camarada de longa data, que continua a trabalhar "a bem da Nação" como despachante alfandegário (ou coisa parecida, lá na sua bela terra que é Penafiel).


IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > Jorge Cabral (Lisboa), Rui Gouveia (Leiria)  e Luís Moreira (Mem Martins / Sintra). O Jorge e o Luís não precisam de apresentações, são caras conhecidíssimas... O Rui, creio que é a primeira vez que vem ao nosso encontro anual... Foi fur mil do Pel Caç Nat 63, em Missirá, já depois do Jorge Cabral ter regressado a Lisboa... Não é membro (registado) da Tabanca Grande mas fica convidado para "apresentar-se à porta de armas"...


IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014  > Xico Allen (V. N. Gaia)  (quantas vezes, Xico,  já foste à Guiné, camarada?) e o Vítor Caseiro (Leiria) que, muita gente não sabe, é autarca e que ontem fez anos...


IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > Vasco Ferreira (Vila Nova de Gaia) e António Sousa Bonito (Carapinheira / Montemor-o-Velho)... Duas presenças também habituais e sempre muito festejadas nos nossos encontros...


IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > Idálio Reis (Sete-Fontes / Cantanhede) (um dos "heróis de Gandembel") e Arménio Santos (Lisboa) que, muita gente não sabe, é deputado da Nação... (Veio com o Jorge Cabral, e é já a 2ª  ou a 3ª vez que vem ao nosso encontro).


IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 >  Da esquerda para a direita: C. Martins (Penamacor), Manuel Luís Lomba (Faria / Barcelos) e Eduardo Jorge Ferreira (Vimeiro / Lourinhã)... Gente de cinco estrelas que vem de 3 províncias distintas deste  reino milenar: Beiras, Minho, Estremadura...


IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > António Martins de Matos (Lisboa) e Vasco da Gama (Buarcos)... São dois "residentes" também da Tabanca do Centro.


IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > Joaquim Mexia Alves (Monte Real / Leiria) e António Santos (que veio com Graciela & mais 7 do clã) (Caneças / Odivelas)


IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > Jorge Loureiro Pinto (Agualva / Sintra) e Joaquim Luís Fernandes (Maceira / Leiria)


IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > Três camaradas do norte: Joaquim Almeida (Maia), David Guimarães (Espinho) (é "totalista" com a Lígia) e José Manuel Lopes (Régua) ( desta vez, veio sem a Luísa)

Fotos (e legendas): © Luís Graça  (2014). Todos os direitos reservados

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Guiné 63/74 - P13337: Fotos à procura... de uma legenda (29): O menino... soldado de Madina do Boé, a G3 e a Kalash... (Manuel Coelho, ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68)


Foto nº 1


Foto nº 2

Guiné > Região do Boé > Madina do Boé >  CCAÇ 1589/BCAÇ 1894 (Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68). > Foto nº 1 > O menino a fingir de soldado, empunhando a custo  uma G3; foto nº 2 > Uma Kalash, capturada ao PAIGC...  Duas fotos do álbum Fotográfico do nosso camarada Manuel Caldeira Coelho,  ex-fur mil trms,  CCAÇ 1589 (Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68).(*)... Duas fotos à procura de um boa legenda (**)...e da generosa  e espontânea colaboração dos nossos leitores que continuam a ser fiéis ao nosso blogue (a avaliar pelas 6 a 7 mil visualizações de página por dia).

Fotos: © Manuel Coelho (2011). Todos os direitos reservados [Edição: LG]
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Notas do editor:

Guiné 63/74 - P13336: Memórias da CCAÇ 1546 (Domingos Gonçalves) (3) - Reportagens da Época (1966): Viagem a Madina do Boé

1. Mensagem do nosso camarada Domingos Gonçalves, (ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68) com data de 19 de Junho de 2014:

Prezado Graça:
Saúde para ti, e para todos os navegantes do Blogue.
Caso não exista inconveniência, poderás inserir no blog a descrição de uma ida a Madina do Boé, à distância de 48 anos.

Um abraço amigo.
Domingos Gonçalves


MEMÓRIAS DA CCAÇ 1546 (1966) 
- REPORTAGENS DA ÉPOCA

3 - VIAGEM A MADINA

Dia 20

Começaram os preparativos para o transporte de abastecimentos a Madina do Boé.
Os géneros começaram a ser transportados para o destacamento do Ché-Che, onde ficam armazenados.
Não devem faltar muitos dias para que a companhia de caçadores n.º 1546 atravesse de novo o rio para escoltar as viaturas que transportarão os géneros e as munições para o abastecimento, durante a época das chuvas, da companhia n.º 1416, aprisionada dentro de um rectângulo de arame farpado, numa terra a que ainda se dá o nome de Madina do Boé. Um nome que apenas faz lembrar, a quem o escuta, o sofrimento de um grupo de homens valorosos que, estoicamente, ali vão permanecendo.
Eles, sim, merecem ser chamados de heróis.
Pelas onze horas e meia o pelotão do Alferes Y, partiu para o Ché-Che, escoltando as primeiras viaturas carregadas de géneros.
Não almoçaram porque à hora em que saíram ainda não havia almoço.
Não jantaram porque, quando chegaram, era tarde e já não havia jantar...
Não receberam ração de combate, porque a companhia precisa de economizar algumas dezenas de rações... Passaram fome!
Triste comando este, e desumano, que nós temos!
É terrível esta insensibilidade!... Esta falta de humanismo e de sentido de responsabilidade.
É chocante este abuso do poder, esta sede economicista, que se alimenta, exclusivamente, do sofrimento dos outros.


Dia 21

Pela manhã parti para o Ché-Che, com o meu grupo de combate, a escoltar as viaturas que transportam os géneros que estão a ser armazenados nessa localidade.
Passei lá o dia e pernoitei na casa de um nativo.
Foi uma noite de tempestade.
A época das chuvas chegou mesmo a sério.
No destacamento não há condições de armazenamento para os géneros que transportamos.
Fica tudo ao ar livre, ao sol e à chuva. Grande parte do abastecimento não vai chegar ao destino.
A culpa é toda de quem programou o transporte para esta época... Mas aqui, por incrível que pareça, não se pedem responsabilidade a ninguém.
É a tropa... Quem se lixa, depois, são aqueles que acabam por sofrer a fome e a necessidade... Quem faz as asneiras acaba sempre por não sofrer nada... Há pessoas afortunadas que nasceram já com o privilégio de poder fazer todo o tipo de asneiras, sem que ninguém, depois, as incomode...
A tropa é o mundo dessa gente... É uma corporação de medíocres...
E quanto mais alto é o grau na hierarquia, maior é, também, a mediocridade.

Guiné > Região do Boé > Rio Corubal >  Cheche > A jangada que fazia a travessia do rio. Belíssima foto do Manuel Caldeira Coelho (ex-fur mil, CCAÇ 1589/BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68).

Foto: © Manuel Coelho (2011). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


Dia 22

Pelas onze horas chegou, sob o comando do capitão, o restante pessoal da companhia.
O Tenente Coronel X, comandante do meu Batalhão, veio, também, na coluna.
Parte do pessoal atravessou, ainda cedo, para a margem Sul do Corubal e ocupou a zona ribeirinha. Entretanto, durante toda a tarde, a jangada foi transportando para a margem Sul as viaturas e os géneros.
Toda a companhia passou a noite na margem Sul.
Durante a noite choveu muito.
Como não havia local onde nos abrigássemos apanhou-se com a chuva toda. Foi o suficiente para ninguém dormir nada.
Perto da margem do rio rebentou uma armadilha anti-pessoal sob a roda de uma viatura. Fez apenas estragos ligeiros e não feriu ninguém.
A mina anti-pessoal rebentou, perto do tronco de uma árvore, onde, normalmente, todos temos tendência para nos encostar.
Foi uma sorte a viatura ter passado primeiro...


Dia 23

Continuou a travessia de géneros para a margem Sul, onde nos encontramos.
É uma operação lenta e muito perigosa.
A jangada está arruinada e não oferece nenhumas condições de segurança.
Hoje, caiu outra viatura ao rio e por lá ficou mergulhada, a tomar banho.
Desta vez também não tivemos, ainda, desastres pessoais. Temos andado com muita sorte.
Se um dia o raio deste calhambeque perde a estabilidade quando transportar soldados, será uma catástrofe..
De noite, as formigas e os mosquitos não deixaram dormir ninguém
O local onde se pernoitou, devido às chuvas, transformou-se num enorme lamaçal.


Dia 24

Ainda cedo iniciou-se o transporte dos géneros para Madina do Boé.
Fiquei todo o dia, com o meu grupo de combate, emboscado na zona da tabanca do Vilongo, uma povoação abandonada, cujo espaço o capim depressa se encarregou de conquistar.
Pelas duas horas da tarde, já perto do cruzamento Béli/Madina, explodiu uma mina anti-carro sob a roda de uma viatura.
Uma das secções do meu pelotão, que seguia do Vilongo [Bilonco] para o Ché-Che, a prestar segurança às viaturas, foi toda projectada para o chão.
Todos os soldados dessa secção ficaram feridos. Todos menos o Eusébio que, por simples acaso, não seguia naquele meio de transporte.
Reparei que o rapaz trazia um terço pendurado ao pescoço.
Nenhum dos feridos corre perigo, mas foram todos transportados para Bissau de helicóptero
Ao cair da noite fomos para Madina do Boé, onde se pernoitou.
O nosso comandante de batalhão acompanhou-nos sempre durante esta aventura.
É dos poucos, (ou talvez o único) comandantes de batalhão que se metem nestas andanças.
Regra geral os comandantes de batalhão preferem andar longe dos locais onde os tiros se façam ouvir, escolhem andar de avião, a algumas centenas de metros de altura, mesmo para comandar as forças de que são responsáveis.
De avião, e a uma altura considerável, longe do alcance das metralhadoras antiaéreas, é muito mais seguro viajar, ou proceder ao comando, através das comunicações rádio.
Mas, o comandante do batalhão de caçadores n.º 1887 é um homem diferente.

Em Madina, um alferes da guarnição local, ao vê-lo em tronco nu, a pele queimada, confundido entre os soldados, veio perguntar-me:
- Eh pas!.. Quem raio é aquele sargento?
- Caluda... - Respondi-lhe! Olha que se trata do comandante do meu batalhão.

O alferes ficou admirado. E tinha razão para isso.
Efectivamente, as altas patentes não se dão ao trabalho de experimentar no terreno um pouco do sofrimento que, no dia, a dia, aflige os seus homens.
Esta guerra está a ser feita pelas baixas patentes, principalmente por milicianos, sejam eles furriéis e alferes, ou em menor número, capitães. Os altos comandos preferem a tranquilidade dos gabinetes, mesmo que pouco confortáveis, a burocracia e a vida fácil dos quartéis..
Quando é necessário exercer o comando das operações nunca se deslocam com os seus homens. Através do rádio, e do avião, eles indicam os objectivos.

Convictos, eles ordenam:
-Siga pela direita. Avance mais para a frente. Atravesse a bolanha...
- Faça fogo para ali. Utilize o morteiro.

E a tropa macaca, como as elites nos chamam, lá vamos cumprindo tantas parvoíces que às vezes nos mandam fazer. Autênticas loucuras donde, às vezes, só o acaso nos deixa sair com vida...
Depois, quando chegar o fim das comissões, eles, cheios de orgulho, ficam com o peito cheio de medalhas e condecorações. São uns heróis. Desfilam garbosamente em grandes paradas, perante os ministros embriagados de júbilo.
E ouvem-se discursos! Decidem-se louvores! E escreve-se a história com uns heróis feitos de barro!
E os soldados, esses, se tiverem a sorte de não regressar numa urna funerária, dificilmente conseguirão regressar livres das enfermidades tropicais, das mutilações, dos traumas e da miséria.
É este o panorama de um exército lançado numa guerra em que já ninguém acredita. Numa guerra que apenas terá ligeiro interesse para meia dúzia de iluminados que andam por aí quase só a exibir os galões. No fim, eles levam pelo menos algum dinheiro. Quem sabe. Vão mesmo levar algumas condecorações.
Recebi carta de Lisboa, de uma rapariga que deseja ser minha madrinha de guerra...


Dia 25

De manhã, partindo de Madina, a companhia foi ao monte (uma pequena elevação) junto ao cruzamento de Béli/Madina, fazer uma pequena operação. Depois, um dos pelotões foi ao Ché-Che buscar mais géneros.
De tarde voltou toda a gente para Madina.
O comandante de Nova Lamego veio a Madina.
Como não podia deixar de ser, veio de avião.
No regresso ofereceu boleia ao meu comandante de batalhão, mas ele não aceitou. Prefere regressar, acompanhando-nos, conhecendo o nosso dia a dia, e as dificuldades que em cada encruzilhada estão à nossa espera.
A proceder assim não vai receber condecorações. É que as medalhas, regra geral, destinam-se a condecorar outro tipo de heróis. Os que tiverem mais horas de voo, em Dornier 27, ou em helicóptero, os meios de transporte mais utilizados pelos altos comandos.
- Caro comandante... Se assim continuas não fazes carreira. Ninguém se vai lembrar de ti. Mesmo que não sejas muito ambicioso, terás sempre na mente, como qualquer bom militar, atingir, no mínimo, o posto de general. É um desejo mais do que justo... Mesmo razoável...
- Mas, se não fores como os outros, insensível e desumano, oportunista e alheio ao sofrimento dos teus homens, nunca atingirás o topo da carreira que abraçastes.
Quem me dera não ser profeta...


Dia 26

Às sete horas da manhã iniciou-se a viagem de regresso a Nova Lamego.
Caminhou-se quase sempre sob uma chuva intensa.
Recuperou-se a viatura que accionou a mina anti-carro.
Ao anoitecer as viaturas já estavam todas na margem Norte do rio Corubal. Desta vez a jangada portou-se bem. Não nos pregou nenhuma das partidas do costume. Já merecíamos ter alguma sorte na travessia deste rio.
Cansados e famintos, atingimos Nova Lamego quase à meia noite.
Foi quase uma semana de fome, sede, fadiga e trabalho sem fim. Acima de tudo foi uma semana de tensão nervosa contínua, onde a miragem do perigo foi constante, tocando, às vezes, os limites da resistência psíquica de cada um de nós.
Mas, estoicamente, todos vão aguentando...
Todos vão passando além dos limites da capacidade de aguentar...
Regra geral, a nossa capacidade de resistir é sempre maior do que aquilo que nós próprios pensamos.
Somos sempre capazes de chegar um pouco mais longe...
Impressionou-me, nesta viagem, a personalidade do capitão da companhia de Madina do Boé. É um homem especial.
É mesmo um homem invulgar. Dele pode dizer-se que é um guerreiro nato.

Domingos Gonçalves
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Guiné > Mapa da província (1961) (Escala: 1/500 mil) > Detalhe: região do Boé > A única "estrada"  que ligava Nova Lamego (carta de Nova Lamego) ao sul (até Cacine), passando por Canjadude (carta de Cabuca), atravessando o Rio Corubal em Cheche (margerm direita)  (carta de Jabiá) e segundo depois para Madina do Boé (carta de Madina do Boé)...

Entre o Cheche e Madina do Boé havia o cruzamento para Beli (carta de Beli). Entre o Cheche e Madina do Boé a única povoação (abandonada) que havia em 1966 era Bilongo.

Um dos mitos da propaganda do PAIGC foi o da declaração da independência em 24 de setembro de 1973 em Madina do Boé, o que nunca aconteceu... Madina do Boé foi retirada pelas NT, por ordem de Spínola, em 6 de fevereiro de 1969 (Op Mabecos Bravios). No regresso desta operação houve o trágico desastre no Cheche, com 47 mortos por afogamento.

Guiné > Região do Boé > Carta de Jabiá (1961) (Escala 1/50 mil) > Posição relativa de Che-Che, por onde passava a "estrada" para Madina do Boé com cruzmento à direita para Beli.  Estas 3 posições (Beli, Madina do Boé e Cheche foram abandonadas pelas NT, por ordem de Spínola). O aquartelamento mais a sul de Nova Lamego passou a ser Canjadude, guarnecida pelos "Gatos Pretos" (CCAÇ 5). Eram precisos 4 cartas militares para se ir de Nova Lamego a Madina do Boé (cinco, no caso de Beli).

Infografia: Blogue Luis Graça & Camaradas da Guiné (2014).
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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE SETEMBRO DE 2011 > Guiné 63/74 - P8759: Memórias da CCAÇ 1546 (1966) - Reportagens da Época (Domingos Gonçalves) (2): A Viagem, O Desembarque e o Passeio pelo Geba

Guiné 63/74 - P13335: Notas de leitura (605): "O Retorno dos “Gans”, de Fernando Perdigão (2): Uma viagem ao ocultismo ligado ao culto do morto na Guiné (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Dezembro de 2013:

Queridos amigos,
Tudo leva a crer que a base histórica forjada por Fernando Perdigão para o ressurgimento dos Gans não passe de uma trama bem magicada. Dá uma oportunidade única para conhecer as práticas rituais da comunicação com os mortos, seus oficiantes, desempenho de curandeiros, sacerdotes e sacerdotisas e a invocação dos irãs. E também abre espaço para pressentir as aspirações de uma classe burguesa que procura afanosamente uma saída para o desenvolvimento, empreender com algum respeito pela tradição.
Uma leitura que traz ganhos culturais, indubitavelmente.

Um abraço do
Mário


O Retorno dos “Gans” (2): Uma viagem ao ocultismo ligado ao culto do morto na Guiné

Beja Santos

A morte e as exéquias de Procópio Fidalgo são o pretexto para uma viagem aos mistérios e aos tabus associados ao culto dos mortos na Guiné-Bissau no romance de estreia de Fernando Perdigão «O Retorno dos ‘Gans’», Edições Colibri, 2013, ao que sabemos é a primeira obra da literatura luso-guineense que se debruça com tal profundidade sobre os santuários das cerimónias tradicionais, sacerdotes, curandeiros, peregrinações aos locais de culto, irãs, cerimónias de toca-choro, esteiras de choro, amuletos, comunicação com o espírito dos falecidos. O outro pretexto, porventura uma aventura ficcional, são os Gans, em que, segundo o autor, os familiares dos antigos escravos passaram a viver independentes e fora das cercas das feitorias e das empresas dos antigos colonos, isto nos arrabaldes de Cacheu, Bolama, Farim, Geba, bem como Bissau, instituindo uma nova ordem social e económica. Pesquisei sobre os Gans e nada se encontrou, nenhuma literatura de referência consultada aborda tal problemática. O autor estabelece o enredo em torno de famílias de estatuto pequeno-burguês, dando-lhe uma permanente tensão entre a modernidade e a tradição, a família Fidalgo vai delapidando o seu património em todos os cerimoniais de choro e nas sucessivas receções dos muitos convidados, sabemos como a Guiné tem famílias extensíssimas. Nascem amores, confirmam-se casamentos, um psicólogo interpreta sonhos e um sociólogo disserta sobre os Gans.

O autor recorre ao expediente de jornadas universitárias para discorrer sobre o passado. Aqui e acolá, dá a sua alfinetada sobre a situação política: a lenta evolução do país à mercê das profecias; um funcionalismo público que tem emprego mas não tem trabalho, uma classe política arranjista… O sociólogo, de nome Fundungo, disserta sobre os Gans que teriam aparecido no período pós-descobrimentos, mais concretamente no período de instalação das feitorias. Os Gans teriam sido desmantelados até meados do século XX, eram um edifício educativo tradicional do país, os seus patriarcas constituíam uma espécie de assembleia restrita. Saúde-se o autor por esta nota de exótico que irá apimentar o livro até ao fim. Porque toda a obra está embrenhada de imaginário religioso à revelia do que prevêem os códigos cristão e islâmico. Por exemplo, a cerimónia do “cabaz”, o casamento tradicional guineense, materializado num objeto envolto de uma toalha branca e que é posto no meio da sala, simboliza o termo de compromisso entre duas pessoas e descreve-se com detalhe o longo cerimonial da chegada dos noivos na presença dos parentes, abre-se o cabaz de onde se retira um envelope branco e outros objetos, foi assim que “casaram” Ernesto e Kilda. Ficamos a saber que neste cerimonial há em sequência o pedido da mão da noiva, a abertura do cabaz e o casamento oficial. Este Ernesto era irmão do defunto Procópio, será ele que irá revitalizar Gan Fidalgo. E entretanto prosseguem cerimónias em memória do falecido Procópio, copos de água, missas, elogios…

Esperança, a filha de Procópio que casara com Gilberto, um angolano, e viveu em Lisboa, decidem refazer a sua vida em Bissau, ela trabalhar nas Linhas Aéreas Lusófonas, Gilberto tem outros planos, quer fazer uma agência funerária moderna. Depois das cerimónias religiosas do Dia de Todos os Santos, chegou o momento para o cerimonial do irã e dá-se a seguinte explicação: “Naqueles tempos, quando os brancos cá chegaram, isto era tudo mato cerrado, cheio de poilões e calabaceiras habitados pelos irãs. Mas havia caminhos muito antigos que os filhos da terra, habitantes das tabancas, percorriam, como itinerários sagrados, em direção aos santuários. Os portugueses em conluio com certos irãs, apoderaram-se do território e derrubaram muitas dessas árvores sagradas e até ficaram com alguns irãs para eles. Os nossos antepassados transferiram outros irãs para outros sítios…”. E presenciamos um cerimonial de irã, no quintal do “Caminho do Irã”.

Fernando Perdição não perde oportunidade para ventilar algumas das questões ditas fraturantes da sociedade guineense como a mutilação genital feminina. O toca-choro é também alvo de minúcia descritiva, é convocado para proteger a nova casa-grande de eventuais entradas dos espíritos maus. Faz-se o chamamento dos defuntos, instrumentos repicam, como o bombolom, segue a ladainha das mensagens, invocam-se os nomes dos entes queridos dignos de lembrança e choro, explica-se a indumentária com que todos se apresentam na cerimónia, segue-se a matança dos animais, uma boa parte de cada animal havia de ficar na casa de acolhimento da cerimónia. No contexto da tensão entre a tradição e o moderno, estes reagem e tecem críticas: as crianças não devem compadecer a cerimónias destas, pois a violência da carnificina do abate de animais pode provocar traumatismos graves, devia-se arranjar uma maneira simbólica de derrabar um bocadinho de sangue, não se devia consentir neste atentado à moral e à saúde pública já que o sangue e as fezes que se extraem das tripas acabam por apodrecer ao relento e favorecer doenças.

Começaram as obras de preservação de Gan Fidalgo, entretanto o seu herdeiro direto, Ernesto, vai remexer nos papéis do falecido Procópio que deixara imensos escritos, descobre que este era completamente hostil a este culto desordenado dos mortos e deixara, entre outras, a seguinte observação: “Faz-se o culto da personalidade aos vivos em troca do dinheiro, e o culto aos mortos, só pode ser, entre outras velhacarias, para que as almas nos ajudem a garantir um lugar no outro mundo, lugar esse que, se calhar, nem o merecemos”.

A saga encaminha-se para o fim, aparece a árvore genealógica dos Fidalgos, tudo começara em finais do século XVIII com Adelaida Fidaldo, filha de pai português e mãe Pepel, esta escrava guineense. Gan Fidalgo, vem a descobrir-se já tem cerca de 170 anos. Gilberto já pôs de pé a Agência Funerária Pés-Juntos, de colaboração com o Ernesto, que deixou o seu lugar no Ministério da Agricultura. Alguém critica-o: “Onde é que foram buscar essa ideia estapafúrdia de criar uma empresa para tratar de mortos, a ponto de te levar a abandonar o Ministério para ficares sem trabalho?”. Ao que Ernesto responde: “Aqui na Guiné as pessoas pensam que trabalho a sério é só quando se trabalha para o Estado. A nossa agência privada é também trabalho sério, tão sério que eu vou ter que tirar um curso para poder ser administrador da agência”. Ernesto pôs uma nova cobertura de zinco na Casa-Grande, do Gan Fidalgo, uma nova escadaria de acesso à varanda frontal, uma nova pintura, mandou colocar um letreiro em madeira esculpida “Gan Fidalgo”. E disse para si próprio: “Os Gans são os pilares da cultura guineense”. No dia da inauguração profere um vibrante discurso sobre a história dos Gans.

Fica-se com a ideia de que Fernando Perdigão pretende abrir uma via para que os guineenses alcancem um novo paradigma, inovando e assimilando a tradição livre de adulterações e obscurantismos. Depois da luta de libertação chegou o momento de tomar consciência de uma nova mudança. Há que restituir importância aos Gans, fazer deles a base de uma sociedade mais organizada e sem violência. Os Gans contribuirão para que cada guineense possa criar riqueza na sua própria terra, os Gans serão também renovação cultural, prepararão a sociedade para criar riqueza e equidade.

Utopia ou não, há uma mensagem de espírito de renovação, mesmo supondo que os Gans são ficção pura. E para o leitor não iniciado esta cosmogonia da dimensão cultural dos mortos é uma perfeita revelação.
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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE JUNHO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13322: Notas de leitura (604): "O Retorno dos “Gans”, de Fernando Perdigão (1): Uma viagem ao ocultismo ligado ao culto do morto na Guiné (Mário Beja Santos)