quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13738: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (12): Viagens pelo Norte de Espanha: Em Logroño, e já a pensar nas catedrais de Burgos e León

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Setembro de 2014:

Queridos amigos,
Prossegue a viagem pelo Norte de Espanha.
Tive o palpite que Logroño traria surpresas. E trouxe mesmo. Não está nas principais rotas turísticas, não compete com Granada, Sevilha, Ávila ou Toledo. Tem uma harmonia soberba entre a urbanização moderna e o casco histórico. O povo é simpático, os estrangeiros deambulam aos magotes, são os peregrinos de Santiago, vêm fazer os trilhos do caminho francês. A arquitetura religiosa é valiosíssima, há para aqui a imagem de um tímpano medieval que nos deixa assarapantados. E que deliciosos são os vinhos de Rioja!

Um abraço do
Mário


Biblioteca em férias (12) 

Em Logroño, e já a pensar nas catedrais de Burgos e León

Beja Santos

A viagem de Bilbau até Logroño faz-se lindamente de comboio, primeiro são os maciços pétreos, não sei se espinhaços ou se cordilheiras, são rochedos que às vezes intimidam o passageiro, parece que vão rolar lá das alturas. E quando toda esta pedra desaparece, o comboio anda na berma do Ebro, são campos extensos, nunca vi tanto milho, até que os vinhedos tomam conta da paisagem, abeiramo-nos da comunidade autónoma de La Rioja. Sai-se numa estação de caminho-de-ferro moderna e logo se entra em quilómetros de habitação, só mais tarde me apercebi do facto que a cidade de aproximadamente 160 mil habitantes mais que duplicou dos anos 1970 para cá. Arrumados os pertences, percorrem-se avenidas largas e sempre perguntando onde é o casco histórico, é esta a razão da visita, ver os peregrinos de Santiago de Compostela, procurar duas ruas afamadas em todo o mundo onde se comem tapas e se bebe o supremo néctar da região. O calor é sufocante, a temperatura inusual, a rondar os 30 graus. Começa-se a ver referências ao General Espartero, vê-se mesmo que é um ícone da terra. À noite fui retirar referências deste Baldomero Espartero, Príncipe de Vergara, Duque da Vitória, Duque de Morella, Conde de Luchana e Visconde de Banderas, Regente do Reino durante a menor idade de Isabel II, fixou a sua residência em Logroño e aqui morreu em 1879. Ainda não sei que no dia seguinte lhe vou visitar a casa onde terei uma das maiores surpresas desta viagem, o museu de La Rioja é surpreendente, depois direi porquê. Chegámos ao casco histórico e estamos na concatedral de Santa Maria de La Redonda, tem duas imponentes torres gémeas do século XVII, o interior é faustoso, e por detrás do altar podemos ver uma crucificação atribuída a Miguel Ângelo.


Entardece, já estou ambientado aos horários espanhóis, o estômago pode muito bem esperar pela hora da ceia, depois logo se vê o que há de tapas e de néctares de La Rioja. E vai-se deambulando até à igreja de São Bartolomeu, iniciada no século XII. O tímpano da fachada principal é esmagador, mais a mais esta construção tem uma excelente torre em estilo mudéjar. Meu Deus, que beleza de tímpano, vejam lá se eu não tenho razão, se este estilo protogótico não conclama o sopro do divino:


E agora a última visitação, antes de ir aos comes e bebes. Chama-se Igreja Imperial de Santa Maria de Palacio, construída entre os séculos XII e XIII, estava em obras, encerrada, fica aqui a imagem da torre sineira, mais imponência não se pode ter:


É no casco histórico de Logroño à noite que se percebe a intensidade da sua restauração noturna. Há duas ruas que constam dos roteiros dos viajantes de todo o mundo: a San Juan e a Laurel. O movimento é febril, as bodegas iluminadas e ruidosas prometendo tapas e pinchos a preço módico, tal como o preço do Rioja a copo. É uma tentação não andar a petiscar tortilha, croquetes, coisas do fumeiro, daquelas lojas emanam odores convidativos, as ardósias que nos convocam com iguarias e preços de ucharia são fartas. E por ali se anda, é uma deambulação de feira, nada de tão belo e inesperado no senso gastronómico se suspeitava. E aqui fica a recordação de uma dessas ruas icónicas, para que conste dos possíveis roteiros de quem amavelmente acompanha esta viagem:


Agora vou à deita, o tempo finalmente esfriou, nem ligo o televisor, vai por aqui uma histeria descomunal com as manifestações da Catalunha, vi em Bilbau muitas bandeiras da Escócia, felizmente que no nosso terrunho só somos surpreendidos episodicamente pelas diatribes do Alberto João Jardim, quando quer desviar as atenções. Começo o dia pelo museu de Rioja, depois as muralhas e as pontes, a seguir comida de Rioja e regresso à estação ferroviária, a meio da tarde sigo para Burgos.


É um pequeno museu, mas com uma organização primorosa. Aproveita a estrutura do Palácio de Espartero, aqui viveu o tal ícone com a sua mulher Jacinta Martínez Sicilia, depois de se ter retirado definitivamente da política em 1856. O museu foi ampliado em 2003, tem salas dedicadas à Pré-História, ao período da romanização de Rioja, chega à pintura dos séculos XIX e começo do século XX. Impressionou-me a museografia, sugestiva, didática, apelativa, devorei tudo do princípio ao fim. Fixei-me numa pintura antiga, num quadro de São Francisco e o irmão Leão, saído da oficina de El Greco e acima de tudo, à má fila, captei um São João Baptista do século XIII, que me encheu as medidas:




Volto às ruas de Logroño, captei mais imagens, uma delas ficou muito boa, a da fachada do museu. Passeei-me de novo junto da igreja de São Bartolomeu, desta vez consegui apanhar a torre mudéjar, num românico sóbrio, do mais bonito que vi. Segui para a rua Vieja, a zona dos peregrinos, passei pelo Centro de Cultura da Rioja, uma intervenção moderníssima num edifício que me pareceu às moscas, passei a ponte de ferro sobre o Ebro, do lado de lá desfruta-se uma bela panorâmica de Logroño. O tempo passa, o estômago está a dar horas, Logroño convenceu-me, small is beautiful, recupero os meus pertences, sigo para a estação, vejo mais peregrinos estrangeiros que demandam Santigo, agora vou a ler o que me espera em Burgos e Léon. Depois conto, está prometido. E aqui seguem as últimas imagens de Logroño, seguramente que convenceram os últimos vacilantes de que Logroño é um refrigério para a alma e para os olhos:





Agora é que me despeço mesmo, ficaria mal comigo se não vos mostrasse a fachada de uma casa senhorial na rua Vieja, temos a mania que só cá é que deixamos arquitetura esplendorosa em ruínas, pois este palácio aguarda melhores dias, resignado. Oxalá que na próxima visita a Logroño ele já esteja reabilitado, nem que seja um hotel de charme… Até à próxima!
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13708: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (11): Viagens pelo Norte de Espanha: Bilbau é muito Bilbau, e ainda bem. E sigo para Logroño

Guiné 63/74 - P13737: Ser solidário (166): SOS, Ébola!... Uma epidemia que tem dIne ser levada a sério, só podendo ser prevenida e combatida por todos, a começar pelos mais ricos...

Micrografia electrónica do vibrião do vírus Ébola.
Cortesia de CDC - Centers for Disease Control and Prevention,
USA
1. Recorte de imprensa > Público > 14/10/2014, 10h26 [... com a devida vénia]:


OMS diz que ébola "é uma crise que põe em causa a paz e a segurança internacional"


(...) Margaret Chan, directora-geral da OMS, não poupou palavras para avisar sobre as consequências do ébola em países com um tecido social e um sistema político frágeis, como os da África Ocidental, onde a epidemia já fez mais de 4000 mortos: “Nunca vi uma crise de saúde ameaçar a própria sobrevivência de sociedades e governos em países já muito pobres. Nunca vi uma doença infecciosa contribuir tão fortemente para potenciais estados falhados.”

Chan declarou que o número de casos de infecções pelo vírus do ébola – que já ultrapassaram 8000, segundo dados da OMS – estavam a crescer exponencialmente nos países mais afectados – Guiné-Conacri, Libéria e Serra Leoa.

(…) Enquanto a atenção internacional se centrava nos poucos casos fora de África, Margaret Chan falou do “perigo das cada vez maiores desigualdades sociais e económicas”: “os ricos têm o melhor tratamento, e os pobres são deixados a morrer.” (…)

A desigualdade, continuou Chan, nota-se no investimento das farmacêuticas, que sem incentivo económico para vacinas ou outros medicamentos para o ébola, que apareceu há 40 anos, não desenvolveram produtos.

Mas os riscos de negligenciar os cuidados de saúde em países pobres são evidentes “quando um vírus mortífero e temido atinge os que não têm nada e fica descontrolado e todo o mundo fica em risco”. (…)

Ainda que a situação seja muito grave, Chan diz que “o pânico está a espalhar-se mais depressa do que o vírus”. E citou uma estimativa do Banco Mundial dizendo que “90% dos custos económicos vêm de esforços irracionais e desorganizados do público para evitar a infecção”.

Enquanto isso, sublinhou, “o mundo está mal preparado para responder a qualquer emergência de saúde pública grave e ameaçadora”. (…)

Fonte:  Público, 14/10/2014, 10h26

2. Para saber mais, consultar o sítio da Direção Geral de Saúde, Ministério da Saúde, Portugal:


(..) Um surto de Doença por Vírus Ébola decorre na Costa Ocidental de África desde fevereiro de 2014.

A infeção resulta do contacto direto com líquidos orgânicos de doentes (tais como sangue, urina, fezes, sémen). A transmissão da doença por via sexual pode ocorrer até 3 meses depois da recuperação clínica.

Uma vez que o período de incubação pode durar até 3 semanas é provável que novos casos venham ainda a ser identificados.

O risco para os países europeus é considerado baixo. No entanto, impõem-se medidas de prevenção que se detalham nos documentos abaixo publicados. (...)


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Nota do editor:

Último poste da série > 27 de setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13656: Ser solidário (165): Estou desesperada, conto com a vossa ajuda para encontrar o meu querido irmão Nivaldo Biagué Fortes, de 16 anos, desaparecido de Bissau há 4 meses (Hondina Cabral Fortes, guineense, enfermeira, São Carlos, São Paulo, Brasil)


Vd. também poste de 1 de agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13454: Ser solidário (162): SOS, Ébola!... Recomendações para viajantes com destino a regiões afetadas por doença por vírus Ébola (Portugal, Diretor-Geral de Saúde)

Guiné 63/74 - P13736: (Ex)citações (239): Ainda sobre as circunstâncias da morte do cap mil inf Rui Romero (1934-1966), comandante da CCAÇ 1565, que acorreu a 2 metros de mim (Artur Conceição, ex-sold trms, CART 730, Jumbembem, Bissorã e Bissau, 1964/66)


Guiné > Zona Oeste > Setor O2 > Farim >Jumbembem > CCAÇ 1565 (1966/68) > 10 de julho de 1966 > Helievacuação do cap mil inf Rui Romero > Na foto da evacuação importa também identificar o 1º Cabo Enfermeiro Fernando Teixeira Picão colocado do lado esquerdo da foto em calção e camisa (já falecido), e ainda do mesmo lado e logo a seguir o 1º Cabo radiotelegrafista Guilherme Augusto Leal chagas, natural de Elvas; do lado direito em tronco nu e calção, junto ao Heli o Furriel, Manuel Júlio Vira, natural de Setúbal, (já falecido em 2003).

Foto (e legenda): © Artur Conceição (2007). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]




Cap mil inf Rui Romero, de pistola Walther P38,
à cintura
1. Resposta do Artur Conceição, técnico de informática, aposentado, da Direção Geral de Viação, residente na Damaia, Amadora, ex-sold trms, CART 730 (Bissorã, Jumbembem e Bissau, 1964/66), ás perguntas que lhe enviámos  ontem, a propósito da morte do cap mil inf Rui Romero (1934-1966) (*)

Meus caros:

Não tenho muito mais para acrescentar àquilo que já foi escrito e dito, apenas quero clarificar alguns pormenores. (**)

A primeira questão prende-se com a marca da arma de fogo. Era uma pistola Walther? É muito provável que sim, uma vez  que era a arma de defesa usada pelos oficiais e os detentores de algumas especialidades, designadamente enfermeiros e pessoal de transmissões.

A porta do espaço reservado ao comando, descaída para o lado esquerdo, dava para um corredor aberto e era tapada com um reposteiro. A cama do senhor capitão Romero estaria colocada a cerca de 3 metros dessa entrada e com a cabeceira voltada para o lado esquerdo.  No sentido oposto, (pés com pés), e com um bom espaço entre ambas, ficava a cama do comandante da CART 730.

O senhor capitão Romero estava caído no chão, e não estava nem de bruços nem de costas.

A pistola Walther, P38, de 9 mm, de origem alemã, foi
adoptada pelas nossas Forças Armadas, em 1961, como
pistola 9 mm Walther m/961, vindo substituir a Parabellum.
Foi desde logo utilizada na guerra colonial em África.
Fonte:Cortesia da Wikipedia
Em relação à parte do corpo atingida , penso não ter dúvidas de que foi a cabeça, mas convém esclarecer de que eu não entrei no espaço, Isto é,  não passei da já referida porta. Fotos no chão, correspondência em cima da cama e arma no chão deu para ver.

O local exacto da cabeça onde foi o disparo não posso garantidamente afirmar. O choque, para mim, foi  brutal... e as reacções nem sempre são "normais".

Em relação a ter deixado algo escrito,  não me parece. Se tal tivesse acontecido estaríamos perante um acto premeditado que também  não me parece que tenha sido o caso. Inclino-me sim para uma tentação espontânea, um gesto repentino.

Respondendo ao José Câmara (**), não me parece, dadas as circunstâncias, de haver qualquer hipótese de acidente. E de homicídio então nem pensar. A versão que ficou entre todos foi a de suicídio.

Agora vamos à parte mais fácil. Em relação ao 1º cabo cripto, ele encontra-se de frente numa foto existente no blogue  (**)  e está  identificado nessa outra foto. Recordo-o como uma jóia de moço, bastante reservado, talvez pela sua especialidade. Não sei onde vive, sei que era natural de Portalegre. E já agora mais uma "dica" que só terá interesse para melhor o localizar se essa for a intenção. Pertencia nessa época a uma religião designada  de Sabatistas.

À pergunta "quem tirou a foto",  não sei responder.

Artur Conceição
Em relação ao meu capitão, estive com ele pela última vez, em Lagos num almoço convívio do Batalhão 733. Sei que mora na Rua António Saúde,  em Benfica.  porque ele me informou, não tenho mais nenhum contacto. Era cliente da Pastelaria Califa e de uma loja de óculos que existe ao lado.

Penso que o corpo do cap Romero seguiu para Bissau porque não vejo porque razão iria para Farim.

Salvo melhor opinião, penso que nesta época os helicópteros tanto levavam os feridos como os mortos.


Finalmente queria também fazer uma pergunta ao Carlos Silva (***): que tempo medeia entre cada uma das fotos que mandaste?

Alguém estragou o espaço onde era a minha cama, e quando a foto foi tirada estava à chuva....!

Ao dispor. Um abraço

Artur António da Conceição (****)

Damaia, Amadora



Guiné > Bissau  >    23/6/1966 > Em primeiro plano, o cap mil inf Rui Romero, cmdt da CCAÇ 1565 (1966/68) > Guarda de honra ao gen Carrasco.

Foto: © Ana Romero  (2014). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]

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Notas do editor:

(*) Questões postas ao Artur Conceição, em email de ontem

Artur: Queres responder ou comentar ou acrescentar algo mais ? 

(i)  A arma utilizada foi pistola Walther ? 

(ii) Como estava caído o corpo ? No chão ou na cama ? De costas ou de bruços ? 

(iii) Que parte do corpo foi atingida ? 

(iv) O capitão deixou algum papel escrito ? 

(v) Haveria alguma hipótese de ser "acidente", como sugere o José Câmara (que está nos EUA) 

(vii) Qual a versão que correu de imediato no quartel ? 

(viii) O cabo cripto, o "Fininho",  que está na foto, de costas, com o quico na mão, ainda vive em Portalegre ? 

(ix) Quem tirou essa foto ? 

(xi)  O corpor seguiu para Bissau ou Farim ?

(x) O teu antigo capitão está contactável ? A Ana Romero pode falar com ele ? 

Ab. Luis

(**) Vd. poste de 13 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13729: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (88): Revivendo, 48 anos anos depois, a tragédia de Jumbembem, a morte do cap mil inf Rui Romero, da CCAÇ 1565, em 10/7/1966 (Ana Romero / Artur Conceição)

(***) Vd. poste de  14 de outubro de  2014 > Guiné 63/74 - P13735: Memória dos lugares (275): Jumbembem, ao tempo da CCAÇ 2548, 1969/71 (Carlos Silva)

(****)  Último poste da série > 13 de outubro de  2014 > Guiné 63/74 - P13728: (Ex)citações (238): Água da Bolanha... quem a não bebeu ?! (Mário Pinto, ex-fur mil at art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá", Buba, Aldeia Formosa e Mampatá, 1969/71)

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13735: Memória dos lugares (275): Jumbembem, ao tempo da CCAÇ 2548, 1969/71 (Carlos Silva)


Guiné > Região Oeste > SO2 > Farim > Jumbembem > CCAÇ 2548/BCAÇ 2879 (1969/71) >  Foto nº 1 > Vista do lado W/E caserna grande, arrecadação e secretaria, do lado esquerdo  3 casas com chapa de zinco; a primeira, era  a messe conjunta e quartos dos alferes; a segunda, era o quarto do capitão e quartos dos furréis; e a uma outra, que era era o que restava da antiga tabanca demolida  no tempo da CART 2548.




Guiné > Região Oeste > SO2 > Farim > Jumbembem > CCAÇ 2548/BCAÇ 2879 (1969/71) >  Foto nº 2 > A parada e as 2 casas, messe à esquerda;  e a do capitão e furriéis,  à direita  onde se vê a janela do quarto do Carlos Silva.

Fotos (e legendas): © Carlos Silva (2014). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]



1. Mensagem, de ontem, do nosso amigo e camarada Carlos Silva, jurista, ex-fur mil arm pes inf,  CCAÇ 2548 / BCAÇ 2879,Jumbembem, 1969/71), membro da Direcção da ONGD Ajuda Amiga 

Assunto: Poste  P13729 - Cap Rui Romero (*)

Luís

Aqui vão 2 fotos de Jumbembem, onde se pode ver a zona principal do aquartelamento:

Foto nº 1, a preto,  vista do lado W/E caserna grande, arrecadação e secretaria, do lado esquerdo  3 casas com chapa de zinco:

(i) A 1ª,  messe conjunta e quartos dos alferes;

(ii) A 2ª , quarto do capitão e quartos dos furréis;  a cabeceira da minha cama encostava à janela que se vê;

(iii) E outra era o que restava da antiga tabanca demolida no meu tempo, pois construímos uma cidade nova...

Ao centro era a parada que se estendia até às árvores.

Na foto nº 2,  a cores, tirada  de um slide, vê-se bem a parada e as 2 casas, messe à esquerda e a do capitão e furriéis à direita  onde se vê a janela do meu quarto.

Presentemente apenas existem estas 2 casas.




Guiné > Região do Oeste > Setor O2 > Farim > Jumbembem > 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512 (Jumbembem, 1973/74) > 1974 > Parada do quartel e chegada de um helicóptero com o correio.

Foto: © Fernando Araújo (2010). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]

Na foto publicada do Fermando Araújo,  que esteve lá a seguir ao batalhão que me foi render, vê-se as 2 janelas da secretaria/arrecadação viradas para a parada.

Nesta foto as 2 janelas são para W para o lado do refeitório.

Na minha foto colorida, anº 2, vê-se as 2 casas,  sendo que a da esquerda está afastada 10 mts da casa da arrecadação/secretaria.

A casa da esquerda era messe, zona das esteiras e sala de convívio com janela, os quartos ficavam atrás. Casa da direita,  em frente à bandeira,  a porta do quarto do capitão e a janela que se vê era onde encostava a cabeceira da minha cama. A parada era tudo que se vê, mas no tempo do Artur  Conceição (1964/66) e no início da minha estadia,  existia a tabanca velha que encostava ao meu quarto e prolongava-se até aos mangueiros e estrada Farim- Jumbembem-Cuntima.

Podes publicar para ajudar a compreender. (**)

Um abraço
Carlos Silva

_________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 13 de outubro de  2014 > Guiné 63/74 - P13729: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (88): Revivendo, 48 anos anos depois, a tragédia de Jumbembem, a morte do cap mil inf Rui Romero, da CCAÇ 1565, em 10/7/1966 (Ana Romero / Artur Conceição)

(**) Último poste da série > 9 de outubro de  2014 > Guiné 63/74 - P13711: Memória dos lugares (274): As estradas (cortadas) de Bissorá-Biambe e Bissorã-Encheia, em plena região do Oio (Carlos Fortunato, ex-fur mil trms, CCAÇ 13, Os Leões Negros, 1969/71, e presidente da direção da Ajuda Amiga)

Guiné 63/74 - P13734: Tabanca Grande (448): Ana Romero, filha do cap mil inf Rui Romero (Portalegre, 1934 - Jumbembem, 1966)



Rui António Nuno Romero (Portalegre, 1934- Jumbebem, Guiné, 1966)

Foto: © Ana Romero (2014). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]



1. Mensagem de 11 do corrente, da nossa leitora e, a partir de agora, nossa grã-tabanqueira,  n.º 669, Ana Romero, filha do saudoso cap mil inf Rui Romero (1934-1966):

Luís:

Desculpe,  mas acabei por ser apanhada na emoção pelas vossas palavras (*), que nem deixei mais informações sobre mim.

Moro em Telheiras, Lisboa (...). Sou engenheira electrotécnica, pelo IST - Instituto Superior Técnico, e trabalho  numa multinacional.

Tal como mencionei anteriormente, sou casada há 24 anos, tenho uma filha - Joana, de 19 anos, solteira, estudante do 2.°ano de Ciências Forenses e Criminais no ISCSEM.

Já falei à minha irmã Isabel sobre esta troca de mails que temos feito e,  se me autorizar, ceder-lhe-ei os seus contatos pois também ela tenta perceber os fatos poucos claros na época.

Mais uma vez muito obrigada pelas prontas respostas. Tal como ontem solicitou, envio umas fotos do pai e da família na altura. Envio também uma minha atual. Envio em 3 mails devido ao tamanho das fotos.

2. Comentário de L.G.:

Já transmiti, pessoalmente, à Ana Romero o nosso pesar e a nossa solidariedade pela tragédia que atingiu a família, há 48 anos. O cap mil inf Rui Romero, 1.º comandante da CCAÇ 1565, com 4 meses de Guiné, deixou duas filhas menores. A Ana tinha 1 ano. E hoje, passados 48 anos, ela quis saber a verdade sobre as circunstâncias da morte do seu pai e nosso camarada. Recorda que "o avô era militar (sargento-ajudante), nunca comentou a morte do meu pai"...

Na época, os jornais noticiaram, de acordo com o comunicado do Serviço de Informação Pública das Forças Armadas [, vd. recorte, à esquerda], que o cap Nuno Romero morrera "por desastre" no TO da Guiné. "Acidente com arma de fogo" é a causa oficial da morte. Talvez até para proteger a família, acrescenta a Ana.

Até à data, o único testemunho, escrito e oral, que temos é o do nosso camarada Artur Conceição, ex-sold trms, da CART 730 (1964/66), unidade de quadrícula em  Jumbembem, e que o pessoal da CCAÇ 1565 (1966/68) ia render.

Para que não haja quaisquer dúvidas sobre a natureza e as circunstâncias da tragédia, o Artur Conceição, técnico ide nformático reformado da Direção-Geral de Viação, de 71 anos, residente na Damaia, Amadora, e membro de longa data da nossa Tabanca Grande, confirmou-me, mais uma vez, e com novos detalhes a sua versão.  A Ana Romero mostrou interesse em falar com ele um dia destes. Da parte do Artur, ela tem toda a liberdade de lhe telefonar quando o entender.


Guiné > Região do Oio > Jumbembem > CART 730 (1964/66) e CCAÇ 1565 (1966/68) >  Domingo, 10 de julho de 1966 > Um dia trágico: pormenor da evacuação do cap mil inf Rui Romero, na foto a ser transferido para a maca do helicóptero Alouette II... A enfermeira paraquedista era a Alf Maria Rosa Exposto.

Foto: © Artur Conceição (2007). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]

Segundo a última conversa que tive com o Artur, em Jumbembem não havia pista de aviação. O correio era largado às quintas-feiras, de avioneta. Acabada de chegar a Jumbembem, a CCÇ 1556 só recebeu o primeiro correio, no domingo, 10 de julho de 1966. Veio diretamente de Farim, por coluna auto.

O correio dos oficiais era separado dos restantes. Daí o cap mil Romero estar a abrir e a ler o correio no seu gabinete e quarto que partilhava com o comandante da CART 730, o cap art Amaro Rodrigues Garcia, hoje cor art ref, residente em Benfica, Lisboa.  Os militares da CCAÇ 1565, os "periquitos", estavam a ler o seu correio na parada. E o Artur Conceição estava, a 2 metros,  no gabinete de transmissões, de cerca de 15 metros quadrados, que era partilhado com o centro cripto. O 1.º cabo cripto era o "Fininho", o alentejano de Portalegre (por sinal, conterrâneo do cap mil Romero), de seu nome completo Florival Fernandes Pires.

Na altura em que se ouviu o disparo, o "Fininho"  não estava no centro cripto.  A 6/7 metros de distância ficava o bar/messe de oficiais.  O Artur foi  primeiro a correr e a ver o cadáver do capitão, ensanguentado, estendido no chão, de lado, com a cabeça virada para os pés da cama, fardado com as calças por dentro das botas. Essa imagem ficou-lhe para o resto da vida, bem como as cartas e as fotografias das filhas pequenas, espalhadas pelo chão.

Segundo o Artur, o capitão terá sacado da pistola Walther, que estava em cima da cabeceira, e disparou um único tiro na testa.  Imediatamente a seguir, apareceu o cap art Garcia. Foi mandada uma mensagem para Bissau, encriptada, a pedir uma  evacuação Ypsilon.  Na foto acima, o malogrado capitão Romero é  transferido da maca do quartel para a maca do helicóptero, um Alouette II. A enfermeira era a alf Maria Rosa Exposto. O corpo foi levado para Bissau. O funeral realizou-se em Lisboa, no dia 13 de agosto, do Hospital Militar Principal para o Alto de São João.

A Ana Romero, aceitando de pronto e de bom grado o meu convite, passa a integrar a nossa Tabanca Grande (**). É uma forma, nobre, e um grande exemplo de amor filial, de homenagear o seu pai e nosso camarada. Seja bem vinda, Ana, apesar das tristes circunstâncias que a levaram a chegar até nós.

Como já tive ocasião de lhe dizer, pessoalmente, ao telefone, em casos como este,  o nosso único móbil ou motivação é  a busca e a partilha da verdade a que têm direito as famílas dos nossos camaradas que morreram na Guiné, no cumprimento do seu dever... As famílias, e  nós próprios, seus camaradas... partilhamos memórias e afetos. E temos, de resto,  contribuído para levar algum conforto e paz de espírito a diversas familias que não souberam, na realidade, como morreram os seus entes queridos: esposo, pai, avô... E alguns não voltaram à pátria, nem mesmo num caixão de chumbo.


Fotos do álbum de família: o cap mil inf Rui Romero, na IAO (presume-se) antes de embarcar para o CTIG


Fotos do álbum de família: o cap mil inf Rui Romero,   a caminho do TO da Guiné. T/T Uíge, 24 de abril de 1966.


Fotos do álbum de família: Em casa, 1/3/1965, a esposa do cap mil inf Rui Romero com as duas filhas, a Isabel e a Ana (com 1 mês de idade)



Fotos do álbum de família: o cap mil inf Rui Romero, com a esposa e a filha mais nova, na praia, o verão de 1965 (presume-se)


Fotos do álbum de família: A Ana com a mana Isabel (seis anos mais velha),. A família vivia (e vive) em Lisboa.

Fotos: © Ana Romero (2014). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]
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Notas do editor:

(...) Olá, Luís! Foi com enorme alegria que recebi o seu mail, bem como aquele que encaminhou para o Artur [Conceição]. Já enviei o pedido de amizade para a Tabanca Grande Luís Graça [, página do Facebook,] e também aderi ao blog Luís Graça & Camaradas da Guiné.

É claro que autorizo a publicação da minha mensagem. Esta noite vou arranjar a foto do pai e enviá-la-ei, juntamente com uma minha. (...)



(**)  Último poste da série > 24 de setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13644: Tabanca Grande (447): Egídio Avelino Lopes, ex-Tenente Pilav da BA 12 (Bissalanca, 1966/67)... É o nosso grã-tabanqueiro n.º 668

Guiné 63/74 - P13733: (In)citações (69): Amigos das ONGD Ajuda Amiga e Tabanca Pequena, é importante abrir poços, mas se a água não for "Iagu Sabi", a população abandona-os (Cherno Baldé, Bissau)



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) > O fur mil at inf Arlindo Roda, apurando a sua técnica de beber "iagu di bolanha, manga di sabi"...

Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


1. Comentário de Cherno Baldé ao poste P13728 (*)

Caros amigos,

Esta água de bolanha de cor de leite e sabor ligeiramente adocicado era muito utilizada e, de certa forma, bem apreciada pelas populações nativas que eram obrigadas a passar a maior parte do tempo no mato (nos campos de lavoura, guarda do gado ou nos trabalhos da bolanha).

No entanto ela bem podia ser apelidada de água assassina, pelos graves prejuízos que causou e ainda continua a causar na saúde dos Guineenses.

Para quem não saiba, informo que uma grande proporção dos doentes que, através das juntas médicas, procuram tratamento especializado no exterior, sobretudo em Portugal,  tem a ver com doençaas dos rins e muitos acabam por lá ficar, porque não temos no país condições para a necessária hemodiálise que o sangue precisa com regularidade para sua purificação.

Em recentes análises de sangue que eu mesmo realizei, por razões profissionais, informaram-me que tenho uma elevada concentração de creatinina, que é uma amostra de possíveis problemas de rins devido a acumulação de impurezas.

Felizmente, para mim, não há muitos motivos para alarme, pois que já ultrapassei a casa dos 50, que é o limite máximo da esperançaa de vida de um Guineense.

Ao pessoal da Ajuda Amiga [e da Tabanca de Matosinhos] quero alertar que, sendo importante a criação dos poços melhorados de água potável para melhorar as condições de saúde das populações, não é menos importante a qualidade da mesma, pois se não for "bebível" (Iagu Sabi), o mais provavel é que seja abandonado pelas mesmas populações que, aparentemente, careciam da mesma. Para o Guineense a água tem que ser Iagu Sabi com um gosto especial para os seus paladares.

Com um abraco amigo,
Cherno Baldé (**)
______________

Notas do editor:


Guiné 63/74 - P13732: Os nossos médicos (78): Memórias do Dr. Rui Vieira Coelho, ex-Alf Mil Médico dos BCAÇ 3872 e 4518 (10): As recordações surgem e as saudades de todos os lugares e gentes também

1. Mensagem do nosso camarada Mário Vasconcelos (ex-Alf Mil TRMS da CCS/BCAÇ 3872 - Galomaro, COT 9 e CCS/BCAÇ 4612/72 - Mansoa, e Cumeré, 1973/74), com data de 9 de Outubro de 2014:

Do meu posto retransmissor, e por solicitação do camarada Rui Vieira Coelho, ex-Alf Mil Médico, reencaminho a sua descrição sobre as colunas Galomaro-Saltinho, agora, isentas do pó e da ansiedade que sempre as acompanhavam.

Um abraço colectivo e as nossas saudações a todos.
Mário Vasconcelos



MEMÓRIAS DO DR. RUI VIEIRA COELHO*

10 - As recordações surgem e as saudades de todos os lugares e gentes também

Rui Vieira Coelho

Por várias vezes integrei a coluna de abastecimento à nossa Companhia do Saltinho. Era a mais longínqua da sede do Batalhão, a mais complexa sob o ponto de vista logístico e a mais difícil sob o ponto de vista operacional, pela quilometragem a percorrer, pela segurança às picadas por onde passávamos e pelo apoio até da Cavalaria com dois esquadrões, um das velhas Panhards e outro de Chaimites a escoltar a alternância de camiões Civis e Militares.

De Galomaro para Bafatá, lá seguia a nossa coluna por uma picada sobejamente conhecida por todos nós os da CCS onde transitavam diariamente colunas a nível de Grupo de Combate que faziam a ligação da sede com a localidade "Princesa do Geba", para trazer e levar Correio, peças e acessórios para a Ferrugem desempanar os Unimogs ou as Berliets avariadas, e para saborear um bom bife com batatas fritas no Restaurante das Libanesas regados com umas cervejolas bem geladinhas.

De Bafatá para Bambadinca e para o Xime já seguíamos enquadrados pelos Homens da Cavalaria, por uma estrada já asfaltada e o andamento era veloz e sem sobressaltos.



Um Grupo de Combate seguiu para o Xime a proteger dois camiões militares que foram carregar cunhetes de Munições e outro material militar como rações de combate, fardamento, armas, pneumáticos e material Rádio para comunicações.

O trabalho de descarga das barcaças vindas de Bissau processava-se com rapidez com as gruas do Pelotão de Intendência a transferir todo o material para os camiões, enquanto eu aguardava meditando por que razão estava naquele lugar, neste teatro de Guerra inimaginável a não ser por todos aqueles que como eu cumpriam o Serviço Militar Obrigatório.

O pior era depois de Bambadinca na picada para Mansambo, Ponte dos Fulas, Xitole, até ao Saltinho. A coluna ficava então medonhamente grande com mais camiões civis e militares carregados com mantimentos e elementos da população civil, aproveitando para se deslocar, para as diferentes Tabancas perto de Companhias e Destacamentos, dando até certo ponto um sentido de protecção e segurança de possíveis emboscadas, minas quer pessoais quer anti-carro.

A tensão visível nos rostos dos nossos camaradas e a apreensão com o imprevisto e o oculto, o inimaginável vindo de qualquer lado, com o empoeiramento vermelho do pó da picada que se entranhava por cima do fardamento, rostos e tudo o que se mexia, envolvidos por uma floresta de capim que não deixava ver um palmo à frente do nariz, o que aumentava a insegurança que todos vivíamos, uns mais que os outros. E assim fomos até Mansambo, onde alguns carros civis e militares e o Esquadrão de Panhards da Cavalaria, nos abandonaram a caminho desta Companhia do Batalhão de Bambadinca.

A coluna ficava ligeiramente mais pequena, mas todos nós sentíamos-nos mais pequenos, mais sós, mais impotentes, sem nada dizer a nossa expressão tudo dizia.
Mesmo assim a coluna continuava grande e lá íamos com redobrada cautela, bem escoltados mas com "cagaço" (pelo menos eu) do que pudesse acontecer.
E por fim chegamos à Ponte dos Fulas, sobre o Rio Pulom, afluente do Rio Corubal, de vital importância para as colunas de abastecimento para o Xitole e Saltinho.

O destacamento da Ponte dos Fulas era qualquer coisa do outro mundo, um amontoado de adobes e tijolos, bidões, abrigos cavados na terra, valas, chapas de zinco, um forno de barro feito, chuveiros com bidões como depósito, um alpendre tosco que servia de refeitório, sala de convívio, mais ao lado um atrelado com depósito de água e um Grupo de Combate que o habitava, isolados, uns barbudos, outros carecas rapadas, de camisas abertas, calções esfiapados, uns com quicos, outros sem eles, calçavam uns botas outros xanatas.

Deste grupo uma secção permanecia no Torreão de vigia à Ponte, cerca de turnos de 24 horas que iam alternando com as outras secções. Milhares de garrafas vazias de cervejas encontravam-se a circundar a ponte e as margens do rio encostadas umas às outras em continuidade com um fio condutor que as segurava. Se algo, alguém ou um animal tocasse no fio ou nas garrafas, estas batiam umas nas outras e facilmente poderiam localizar o intruso pelo tilintar, tornando vulneráveis aos focos de luz direccionada para o local e às rajadas que se lhe seguem.

Este destacamento distante 3 quilómetros do Xitole, era abastecido diariamente pela Companhia mas mesmo assim era um verdadeiro inferno permanecer dois meses naquele lugar até serem substituídos por outro Grupo de Combate. Os seus sorrisos e a amabilidade demonstrada era compensada pela generosidade dos passantes que compreendiam o isolamento daqueles camaradas, e os mimavam com algumas grades de cervejas e outras necessidades evocadas em passagens anteriores.

A ponte era uma passagem estratégica no xadrez político, militar e logístico e muito se deve a todos os que permaneceram naquele lugar, contribuindo para o bem estar de todos os outros camaradas que permaneciam neste Teatro de Operações. Bem hajam pelo vosso sacrifício em prole de todos nós.

Lá seguimos mais 3 quilómetros até chegarmos ao Xitole onde fomos recebidos pelo Comandante da Companhia, um Capitão Miliciano e pela sua esposa que o acompanhou durante toda a comissão. Uma verdadeira Mulher de Armas que pelo seu exemplo arrastou para o Xitole várias outras mulheres, esposas de outros militares em comissão no local, e que deram um toque feminino aos refeitórios, messes de graduados e sala dos soldados com melhorias substanciais no rancho e outros paparicos para que todas contribuíram .

Fomos obsequiados com bebidas bem frescas, uns salgadinhos, boas palavras e boas maneiras para sedentar o corpo e a alma de todos nós.

Mais pequena ficou a coluna, mas o objectivo já estava bem perto, o Saltinho. Enquadrados pelas Chaimites e com segurança montada ao longo da picada lá chegamos ao Aquartelamento, comandado pelo Capitão miliciano de seu nome Lourenço.

O local era paradisíaco para fim de percurso e deleitei-me olhando a água revolta nos rápidos entre os rochedos, a ponte com seus arcos em betão, as piscinas naturais, a vegetação envolvente o marulhar das águas e o seu espelhado reflectindo o Sol que nos cobria de paz e sensação de bem estar e de repouso de guerreiro bem merecido.










Fotos - Saltinho: © Rui Vieira Coelho

Após uma boa refeição e alguns momentos de lazer lá tivemos o regresso, um verdadeiro filme ao contrário, todas as mesmas caras e sensações de pernas para o ar, a juntar ao medo de voltar à rotina dos dias agridoces porque todos nós passámos na Guiné.

As recordações surgem e as saudades de todos estes lugares e gentes também.

Rui Vieira Coelho
ex- Alf Mil Médico 025622/67
Guiné 1973
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Nota do editor

(*) Vd. poste anterior de 13 de Abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12977: Os nossos médicos (76): Memórias do Dr. Rui Vieira Coelho, ex-Alf Mil Médico dos BCAÇ 3872 e 4518 (9): O PAIGC no tempo do presidente Luís Cabral, perpetrou fuzilamentos sucessivos nos "Comandos Africanos"

Último poste da série de 22 de Abril de 2014 > Guiné 63/745 - P13019: Os nossos médicos (77): Capitão médico QP António Vieira Alves, estomatologista e subdiretor do HM 241, Bissau, 1967/69 (Paulo Alves / J. Pardete Ferreira)

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13731: História da CCAÇ 2679 (70): Em "O Jagudi" - Quanto vale a vida de um homem?" (José Manuel Matos Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 9 de Outubro de 2014: 

Olá Carlos, bom dia!
Na senda da lenta revelação de episódios ocorridos no âmbito da comissão militar, tanto em estrito, como em largo senso, hoje envio-te uma referência a uma intervenção de um dinâmico parlamentar da antiga Assembleia Nacional, o Pedro Pinto Leite, que (em minha opinião) conjuntamente com o Miller Guerra eram os mais afoitos deputados da chamada Ala Liberal, onde o Sá Carneiro dava a nota "snob" do oposicionista com "pedigree" civilizado.
Por infortúnio do destino, o Pinto Leite faleceu na Guiné durante uma visita no âmbito das funções parlamentares.

A referência relaciona-se com o eco dado pelo Jagudi a uma reportagem sobre a discussão da Lei de Meios, hoje designada por Lei do Orçamento, ou simplesmente Orçamento.

Com um abraço amigo
JD

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HISTÓRIA DA CCAÇ 2679

"QUANTO VALE A VIDA DE UM HOMEM?"

Decorria a tarde sem incidentes que me fizessem levantar da cama, onde folheava um livro qualquer, quando, sem que a tempestade se fizesse anunciar, alguém me procurou para me apresentar ao capitão Trapinhos.
Ao passar a ombreira da porta do gabinete de SEx.ª, deparei com ele lívido e escanzelado que de costume, e num impulso de sobrevivência, atirou-me com a pergunta impertinente:
- Você quer foder-me, ou quê?

Posta assim a questão introdutória, a que reagi com um cauteloso silêncio, num gesto tenso de perturbação agarrou numa folha de papel que jazia na sua frente sobre a secretária, e deu-me a ordem clara para ler o conteúdo, esticando o braço com o papel na ponta dos dedinhos, enquanto me lançava um olhar vermelho de ódio incontido.
Tratava-se de uma mensagem-rádio proveniente de Bissau, que cito de memória:
- Encarrega-me S.Ex.ª o Com-Chefe de recomendar que, quando conveniente, os textos a inserir no Jagudi susceptíveis de interpretações deturpada, sejam previamente esclarecidos sobre o respectivo contexto.
Assinava o Brigadeiro Comandante-Militar.

Virei a folha para ganhar tempo e inspiração, pois no verso nada era acrescentado, fiz o gesto de lhe devolver a mensagem, que ele ignorou, enquanto parecia exigir o meu esclarecimento contextual.
Deixei cair o papel sobre a secretária, e com uma inusitada lata observei:
- Isto está a ser um sucesso!

O Trapinhos ficou tonto pela surpresa da resposta, e teorizei que o Sr. Com-Chefe, secundado pelo Sr. Comandante-Militar, não manifestava qualquer opinião condenatória, antes parecia só faltar mais clareza a dar estímulo para prosseguir.

Atónito, o capitão nada disse de relevante, mas advertiu-me, que se levasse uma porrada que lhe estragasse a carreira, haveria de vingar-se convenientemente.
Coitado, ainda não estava feliz. Para melhor compreensão da origem perturbadora da vida suave do comandante da Companhia, anexo o documento publicado.


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Nota do editor

Último poste da série de 4 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13570: História da CCAÇ 2679 (69): O número 2 de "O Jagudi" (José Manuel Matos Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679)

Guiné 63/74 - P13730: Blogues da nossa blogosfera (68): Quando dois desconhecidos se apaixonam (1): Início - Blogue Molianos, viajando no tempo (António Eduardo Ferreira)

1. Transcrição de uma publicação do Blogue Molianos, viajando no tempo, do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74).

Quando dois desconhecidos se apaixonam, é uma história de amor, onde a ficção e a realidade se misturam, terá acontecido na década de sessenta do século passado, entre uma jovem da Nazaré e um rapaz de Almeirim. Começa hoje a ser publicada neste blogue, na categoria Tempos Cruzados, terá continuidade nas semanas seguintes.
Como gosto de dizer, escrevo para estar entretido… a quem tiver paciência para ler o que vou escrevendo, os meus agradecimentos.

António Eduardo Ferreira



QUANDO DOIS DESCONHECIDOS SE APAIXONAM

1 - Início

Na década de trinta do século passado, chegada a primeira semana de setembro, ia o António da Palha e a esposa Guilhermina com os três filhos a caminho da Nazaré, a banhos, como sempre faziam. Por essa altura ficavam por lá apenas uma semana, o tempo foi passando os filhos atingiram a idade adulta casaram e os pais passaram a ficar duas semanas.

O primeiro a casar foi o João, depois o Jorge e, por último a Maria do Carmo. Se os rapazes ficaram na terra, a Carminho casou com um rapaz do Pombalinho e foi morar para Santarém, a cerca de oito quilómetros da pequena quinta dos pais que ficava próximo de Almeirim. Distância considerável atendendo à falta de transportes, ainda que minimizada graças à égua e à velha carroça do pai, um dos maiores negociantes de gado bovino da região.

Não tardou muito tempo para que o António da Palha e a Guilhermina tivessem sete netos, se o António era uma pessoa alegre e feliz, em quase todos que o conheciam tinha amigos, essa felicidade aumentava sempre que nascia mais um neto, ao todo foram nove.

Sempre que chegava o mês de setembro, agora na companhia dos netos mais crescidos, lá iam eles a banhos para a praia da Nazaré, viagem que era feita na empresa de transportes Ribatejana, uma das que fazia carreira para aquela praia, ao saírem da camioneta um dos primeiros que aparecia a oferecer os seus préstimos era o moço de fretes, que a troco de uns escudos se prontificava a transportar toda a bagagem que levavam, que era sempre muita: o saco com batatas, feijões e alguns melões entre outras coisas indispensáveis para os dias em que iam estar na praia.

Mas antes de acertar o transporte com o moço era necessário alugar casa, a oferta era muita, as mulheres da Nazaré estavam sempre com atenção a quem chegava para oferecer a sua casa. Quando a mesma não era do agrado de quem acabava de chegar, elas não raramente informavam outras na mesma rua ou nas imediações.

Para o avô nem sempre era tarefa fácil, tinha que ser no rés-do-chão, ele não gostava de subir escadas, e tinha de ter casa de banho. Havia muitas que tinham apenas uma pia de despejo, como as nazarenas lhe chamavam, e o avô não queria casas assim. Para além das condições da habitação havia que ter em conta o preço da renda, ou não fosse o avô homem habituado ao negócio.

Alugada a casa era altura de entrar em ação o moço de fretes, que nem sempre conseguia levar toda a bagagem, mas o avô, a avó e a pequenada todos ajudavam. Havia anos em que o sítio onde iam morar durante o tempo em que estavam a banhos era o mesmo de anos anteriores, o que era sempre do agrado da dona da casa.

Quando chegava o fim da estadia, quase sempre sobravam algumas coisas que tinham ido para ser consumidas, sobras que lhe eram oferecidas, o que dava muito jeito pois a seguir ao verão vinha o inverno, e a vida na Nazaré por essa altura não era fácil para a maioria das pessoas.

Depois de se terem instalado na nova casa havia que comer alguma coisa, a viagem tinha sido longa, acalmado o estômago o avô apressava-se a ir procurar alguns amigos que, como ele, era sempre naquela tempo que iam a banhos, alguns nem chegavam a pisar a areia… tinham lugar por essa altura as festas em honra de Nossa Senhora da Nazaré, no Sítio, a que eles nunca faltavam, se não os visse todos nesse dia, certamente no dia seguinte haveria de os encontrar, a notícia da sua chegada ia sendo divulgada por aqueles com quem já tinha estado à conversa. Passado pouco tempo todos sabiam que ele estava por ali…

Havia alguns locais que fazia questão de visitar no dia da chegada, eram as tabernas onde ele e os amigos passavam grande parte do tempo: a casa da Parreirinha, o José da Reboicha, e o António dos passarinhos, se não fosse naquele dia, em breve na companhia dos amigos haveriam de ir à taberna do António Arnaldo tinha sempre vinho daquele que eles gostavam, do bom!

No dia seguinte havia que ir à praça, ritual para cumprir todos os dias que estivessem na praia, as compras estavam a cargo da avó Guilhermina, só a compra de carne é que era feita pelo avô, alguns dos talhantes eram seus conhecidos. A ida à praça servia também para que a rapaziada conhecida se encontrasse e, muitas vezes, combinar onde naquela tarde iam comer uns carapaus secos, assados no fogareiro a carvão e beber uns copos, normalmente onde o vinho fosse melhor. As mulheres e a pequenada passavam a tarde na praia.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de Agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13458: Blogues da nossa blogosfera (67): Jovens da Aldeia de Molianos na Guerra da Guiné, no Blogue Molianos, viajando no tempo (António Eduardo Ferreira)

Guiné 63/74 - P13729: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (89): Revivendo, 48 anos anos depois, a tragédia de Jumbembem, a morte do cap mil inf Rui Romero, da CCAÇ 1565, em 10/7/1966 (Ana Romero / Artur Conceição)


Guiné > Região do Oio >  Jumbembem > CART 730 e CCAÇ 1565 (1966/68) >  Em primeiro plano, de costas, e quico na mão, o 1.º cabo operador cripto Florival Fernandes Pires, natural de Portalegre, que foi, com o Artur Conceição, sold trms, uma das primeiras testemunhas das circunstâncias trágicas em que morreu o cap mil inf Rui Anónio Nuno Romero, comandante da CCAÇ 1565, de 32 anos, casado, pai de 2 filhas (a Isabel, com 7; a Ana, com 1), natural de Portalegre, residente em Lisboa, filho de pai militar,  desenhador de construção civil a frequentar o curso de arquitetura quando foi chamado para o curso de capitães.

O Artur Conceição estava a 2 metros do local da tragédia. Embora já cadáver, o corpo do malogrado oficial foi levado de helicóptero para o Hospital Militar de Bissau (presume-se), e o funeral realizou-se um mês e tal depois em Lisboa, no cemitério do Alto de São João. A enfermeira na foto parece ser a Rosa Exposto, do curso de 1964, segundo apurámos junto do nosso camarada Miguel Pessoa e das nossas camaradas enfermeiras paraquedistas Giselda Pessoa e Maria Arminda.

A CCAÇ 1565 foi mobilizada pelo RI 1, partiu para o TO da Guiné em 20/4/1966, e regressou a 22/1/1968. Esteve em Bissau, Jumbembem, Canjambari e Bissau. Comandantes, além do cap mil inf Rui António Nuno Romero:  cap inf  José Lopes e cap mil inf José Alberto de Sá Barros e Silva, que vive atualmente em Lisboa.

Por sua vez, a CART 730 / BART 733, foi mobilizada pelo RAL 1, partiu para o TO da Guiné em 8/10/1964, e regressou a 14/8/1966.  Pasou por Bironque, Biossorã, Jumbembem e Farim, Foi seu comandante o cap art  Amaro Rodrigues Garcia. O BART 733 esteve em Bissau e Farim.

Foto: © Artur Conceição (2007). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]


1. Mensagem da nossa leitora Ana Paula T. Romero, com data de 8 do corrente:

Olá! Peço desculpa por estar a incomodar, mas talvez me possa fornecer algumas respostas que ainda não encontrei.

O meu nome é Ana Paula Teixeira Romero Serranito, tenho 49 anos e sou a filha mais nova do Capitão Rui António Nuno Romero, falecido na Guiné (Farim), a 10/07/1966.

Na altura eu tinha 1 ano, 5 meses e 9 dias, a minha irmã mais velha, Isabel, tinha acabado de fazer 7 anos (a 04/07) e a nossa mãe,Rosária, tinha 31 anos.

Acabei de ler a informação sobre a morte do meu pai (*)  e a curiosidade voltou.

A minha mãe felizmente ainda se encontra viva, mantem-se viúva, a minha irmã também se encontra viva, divorciada, com uma filha (35 anos) e com um neto (9 anos), e eu, casada e com uma filha de 19 anos. Os avós paternos já faleceram (avó em 1989 e avô em 2005), mas o avô, que também era militar (Sargento Ajudante), nunca comentou a morte do meu pai.

A minha mãe, pela tristeza ou pela minha tenra idade na altura do acontecido, também nunca comentou e eu confesso que cresci sempre a pensar o que tinha sucedido ao meu pai, mas também evitei perguntar pormenores à minha mãe, pois não queria colocar “o dedo na ferida”.

Se me puder dar alguns detalhes, contatos de colegas que tenham sido próximos do meu pai, agradeço.

Deixo os meus contatos [...]

Até breve e obrigada por ter criado o blog. (**)


2. Novo mail enviado no dia seguinte, 9 do corrente:

Caros Camaradas Luís Graça, Carlos Vinhal e Eduardo Ribeiro,

Peço desculpa por vos incomodar com este assunto, por tomar a liberdade de vos tratar, com todo o respeito, por Camaradas, mas gostaria de pedir a vossa ajuda.

Tal como informei ontem no mail que enviei ao Camarada Luis Graçam o meu nome é Ana Paula, e sou a filha mais nova do capitão miliciano Rui Romero, falecido na Guiné, a 10/07/1966.

Depois de ter enviado ontem o email, estive a ler com mais atenção o texto escrito pelo Artur Conceição (Era domingo, dia 10 de Julho de 1966, um dia como tantos outros por Artur Conceição)(*)  em que o Artur menciona; “…A distribuição do correio ocorria na parada quando, subitamente, se ouviu um disparo. Eu estava de serviço no posto de rádio e, a dois metros do local do disparo, que havia acontecido no gabinete mesmo ao lado” e pelo seu [, de Luís Graça,]comentário, que transcrevo abaixo, e confesso que fiquei confusa…chocada, pois nunca tive consciência que o meu pai pudesse ter cometido suicídio.

(...) “Foste corajoso ao trazer, até nós, este trágico episódio da morte do capitão Romero... Mas sejamos francos, vamos chamar as coisas pelos seus nomes: o Cap Mil Romero cometeu suicídio, em plena parada, na hora da distribuição do correio... É isso que eu leio nas entrelinhas... Por pudor, por razões culturais, para poupar a família e os amigos, nunca falamos de sucídio... A p+alavra é tabu. Por outro lado, como se o suicídio fosse desonroso, hipocriticamente o exército atribuiu a morte do Cap Mil Romero a um acidente com arma de fogo... O exército (colonial) nunca quis assumir que alguns de nós, militares, milicianos, do quadro ou do contingente geral, puseram (ou tentaram pôr) termo à vida, ou se automutilaram, por que a guerra, aquela guerra, os perturbou intensamente... Sabemos que em muitos casos houve erros de 'casting': os oficiais milicianos ou do QP eram mal seleccionados, mail treinados e formados, não estavam preparados para comandar homens no TO da Guiné... Para muitos foi uma aprendizagem dolorosa. Por outro lado, o exército não tinha especialistas para dar apoio a militares em sofrimento psíquico" (...) (*)

Afinal ocorreu na parada ou no gabinete ao lado? Foi mesmo suicídio?

Gostava tanto de saber um pouco mais daquilo que nada sei…

Um grande bem haja a todos,
Ana Romero

3.  No dia 10, o Artur Conceição, contactado por mim,  mandou-me a seguinte mensagem e texto anexo:

[, foto á esquerda, o Artur Conceição, ex-Sold Trms Inf e Cond Auto, CART 730, Bissorã, Farim e Jumbembém, 1964/66; por lapso, o nome deste camarada aparece sistematicamente no nosso blogue como sendo de 1965/67,,,]

 Meu caro  caro Luís Graça

(...) Escrevi mais um pequeno texto que junto em anexo, que penso possa clarificar alguns pontos, e que se achares por bem poderás enviar à Ana Paula. Podes também corrigir algo que esteja menos explicito se assim o entenderes, bem como eliminar aspectos que aches que não são relevantes .

O Capitão Rui Romero não estava na parada mas sim nos aposentos que lhe estavam reservados, e estava sozinho. Quem estava na parada eram apenas os Cabos e os Soldados. A correspondência de Oficiais e Sargentos era retirada e entregue antes da distribuição geral.

Estou ao inteiro dispor para mais esclarecimentos.

Um grande abraço
Artur António da Conceição
Damaia / Amadora



Guiné > Região do Oio > Farim > Jumbembem > 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512 (Jumbembem, 1973/74) > 1974 >  Parada do quartel e chegada de um helicóptero com o correio.

Foto: © Fernando Araújo  (2010). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]


MEMÓRIA, por Artur Conceição

Para quem conhece o local dos acontecimentos [, Jembembem,] entende mais facilmente o que em tempos [escrevi] (*). Para quem não conhece torna-se um pouco mais difícil, pelo que assim sendo importa fazer mais alguns esclarecimentos.

Quando se sai da estrada que vai para Cuntima para se entrar no destacamento de Jumbembem,   depara-se um espaço a que vulgarmente se chamava de parada.

Ao fundo desse espaço existia uma casa com apenas rés do chão, que tinha uma pequena escada de madeira que dava acesso a uma varanda que dava entrada do lado direito para a secretaria e para o lado esquerdo ao posto de enfermagem.

Do lado oposto e por detrás do posto de enfermagem ficava o espaço reservado aos aposentos do Comandante da Companhia, servia de escritório, gabinete e quarto de dormir. Mesmo ao lado e por detrás da secretaria ficava o posto de rádio.

As praças da CCAC 1565 [, a que o cap mil inf Rui Romero pertencia,] estavam a receber o seu correio, que estava a ser distribuído de um dos degraus da escada que já foi referida.

O espaço reservado para dormitório do Comandante da CART 730 estava a ser partilhado com o Senhor Capitão Rui Romero que dormia com a cabeceira para o lado do posto de rádio, enquanto o Comandante da CART 730 dormia com a cabeceira para o lado contrário.

O senhor Capitão Rui Romero estaria sentado na sua cama a ler a sua correspondência, quando ocorreu a triste tentação.

Ao ouvir um disparo ali tão perto, acorri de imediato à porta, (ou melhor dizendo, ao espaço para entrada naquela área, porque porta propriamente dita não existia), deparei com o senhor Capitão Rui Romero caído no chão,   com algumas fotos de duas meninas bastante jovens, espalhadas em seu redor e algumas cartas em cima da cama. A arma também estava no chão.

Naquele espaço não havia mais ninguém, atendendo a que se estava próximo da hora de almoço.

Nesta foto [, vd. acima,] pode ver-se em primeiro plano com o quico na mão direita o 1º Cabo Operador Cripto Florival Fernandes Pires, natural de Portalegre,  e que como pode ver-se também assistiu a uma parte do acontecimento.

[Artur Conceição, Damaia, Amadora, 10/10/2014]

4.  No mesmo dia deu conhecimento À Ana Romero deste último texto do Artur Conceição:

 Ana: Aqui ten os contactos do Artur Conceição e um pequeno texto com uma versão mais recente sobre as circunstãncias da morte do seu pai... No meu comentário [ao poste P2335, de 8/12/2007] (*), por lapso meu, fiz referência despropositada à "parada"... Não, tudo se passou à hora da distribuição do correio, e no seu quarto e gabinete... A Ana pode tentar juntar as pontas e perguntar: porquê ?... Quando se tem acesso (fácil) a armas, há mais risco de ocorrerem tragédias destas... Oficialmente, foi um acidente com arma de fogo...

Disponha sempre. Mandei-lhe esta manhã um outro mail, do meu endereço profissional.
Bom fim de semana.
Luís Graça

5. Mail enviado por L.G., na manhã de 10 do corrente, à Ana Romero [, foto à esquerda, da sua página do Facebook]:

Querida: Lamento muito que só agora saiba das circunstâncias trágicas em que morreu o pai. Mas o nosso blogue tem esse dever (doloroso) também de falar dos nossos queridos camaradas mortos, em combate, por doença, acidente ou outros motivos. Nalguns casos, temos ajudado as famílias a fazer o lutto (até agora patológico). O exército (e o Estado) tratou mal estes bravos que deram tudo pela Pátria.

Posso pô-la em conctacto com o Artur Conceição, soldado de transmissões que estava a 2 metros do gabinete onde tudo ocorreu... Ele vive aqui perto na Amadora. Mas a Ana pode primeiro falar comigo. Tem aqui o meu telemóvel (...). Ou se preferir,  eu ligo-lhe, se me mandar o seu nº de telemóvel.

Eu não conheci o seu pai. Sou mais novo na Guiné (1969/71). Mas sou o fundador deste blogue coletivo (que vai a caminho dos 700 membros e dos 7 milhões de visualizações). Como costumamos dizer, os filhos dos nossos camaradas nossos filhos são. Convido-a inclusive a integrar a nossa Tabanca Grande (comunidade virtual, à volta do blogue, que tem mais de 10 anos), honrando desse modo a memória do seu pai.

Se quiser. mande-nos uma foto dele e outra sua. E escreva-nos duas linhas. Ou autorize-nos a publicar a sua mensagem anterior, ou parte dela. Sente-se à sombra retemperadora e fraterna do nosso mágico poillão, a árvore sagrada da Guiné. Somos uma espécie em vias de extinção, mas partilhamos memórias e afetos.

Um beijo com ternura.
Luís Graça

6. Feedback imediato da Ana Romero:

Olá, Luís!

Foi com enorme alegria que recebi o seu mail, bem como aquele que encaminhou para o Artur.

Já enviei o pedido de amizade para a Tabanca Grande Luís Graça [, página do Facebook,] e também aderi ao blog Luís Graça & Camaradas da Guiné.

É claro que autorizo a publicação da minha mensagem.

Esta noite vou arranjar a foto do pai e enviá-la-ei, juntamente com uma minha.

Muito obrigada pelo seu feedback.

Bjo. Ana [telemóvel...]

Guiné 63/74 - P13728: (Ex)citações (238): Água da Bolanha... quem a não bebeu ?! (Mário Pinto, ex-fur mil at art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá", Buba, Aldeia Formosa e Mampatá, 1969/71)

1. Mensagem do Mário Pinto [ex-fur mil at art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá", Buba, Aldeia Formosa e Mampatá, 1969/71]

Data: 12 de Outubro de 2014 às 15:46

Assunto: Água da Bolanha quem a não bebeu (*)

Caro Luís Graça

O tema "água da bolanha quem a não bebeu?"  remete para  mais um dos sacrifícios que nós, os ex-combatentes, estávamos sujeitos nas nossas muitas missões pelas matas e bolanhas da Guiné.

No meu sector não era a falta de água que nos afligia, pois existia muita e felizmente em quantidade. o problema é que a maioria dos poços existentes a sul de Mampatá estavam todos minados ou inquinados pelo PAIGC o que limitava o nosso abastecimento quando das nossas deslocações. Era preciso uma atenção redobrada e uma picagem maciça do terreno quando era necessário o seu abastecimento nas nossas missões a sul de Mampatá e não nos podemos esquecer dos famosos comprimidos que nos eram distribuídos para colocar na água inquinada das bolanhas e poços.

Tivemos alguns dissabores na procura do precioso líquido, lembro-me de uma vez o 1.º Cabo Enf Alves que seguia no 4.º Grupo de Combate e que regressava do corredor de Missirã, depois de lá ter permanecido 24 horas ter caído numa mina A/P na nascente de Iroel, já perto de Mampatá, quando procurava abastecer-se devido à sede que apertava.

Eram muitos os perigos que assolavam as NT à procura de saciar a sede, porque dois cantis de água que levávamos à cintura para 24 horas era muito pouco para quem com o calor tórrido da Guiné se desidratava a cada minuto que caminhava sob aquela temperatura de 45º e de uma hostilidade sem piedade para quem não estava habituado àquela intempérie. Nem a rudeza da maioria dos nossos soldados, oriundos do Alentejo e habituados ao sol e ás temperaturas elevadas da sua terra em pleno verão, aguentavam tamanha contrariedade que era a sede.

No mato que eu me lembre fomos sempre deficitários quanto a água excepto no período das chuvas, aí sim havia com fartura ás vezes até em demasia. Existia outra situação que não ajudava nada a nossa necessidade de matar a sede era a ração de combate que nos distribuíam quando saíamos, derivado à sua constituição à base de salgados e doces, o que não admirava a maioria optar por a deixar no aquartelamento e não se alimentar durante a saída.

Uns mais outros nem tanto, mas o certo é que nós todos tivemos a nossa cota parte nas águas das bolanhas.

Um abraço
Mário Pinto (**)
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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 12 de outubro de 2014 > Guiné 63/734 - P13722: Fotos à procura de... uma legenda (38): Estrada Nova Lamego-Bafatá, maio de 1970: Fomos à água... Água das Pedras ou da Bolanha ? (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)

Guiné 63/74 - P13727: Notas de leitura (641): “Para um conhecimento do teatro africano”, por Carlos Vaz, Ulmeiro, 1978 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Março de 2014:

Queridos amigos,
Trata-se de um livro que não fez história mas que tem mérito de ajuntar os dados sobre as manifestações teatrais na Guiné, antes da independência, fazendo uma leitura de que o teatro africano é um compósito de instrumentos musicais, dança, representação e narrativa.
Escrito por Carlos Vaz aos 24 anos, é um manifesto de pendor revolucionário, tem a candura de fazer propostas de impossível execução como a criação Teatro Nacional Popular da Guiné-Bissau, uma ferramenta básica para a cultura guineense e para a didática revolucionária.
Para que conste, pois é matéria que merece registo.

Um abraço do
Mário


O teatro na Guiné-Bissau: Antes e depois da independência

Beja Santos

“Para um conhecimento do teatro africano”, por Carlos Vaz, Ulmeiro, 1978, é um título de apresentação das manifestações teatrais sobretudo na chamada África Ocidental, debruçando-se, à guisa de proposta, para a organização de um Teatro Nacional Popular da Guiné-Bissau. O autor é Carlos Vaz que viveu até aos 16 anos em Bissau, veio para Portugal e foi bolseiro da fundação Gulbenkian. Fez o Curso de Formação de Actores na Escola Superior de Teatro do Conservatório Nacional de Lisboa. Frequentou ainda cursos de cinema e de interpretação dramática das canções de Brecht. Remete-se os interessados para os elementos constantes no Google onde Carlos Vaz é referido como ator, argumentista, realizador e produtor.

Trata-se de um livro da juventude, carregado de jargão revolucionário, cheio de propostas generosas para a profissionalização na área teatral na jovem Guiné-Bissau. Em traços grossos, recorda-nos que as primeiras manifestações de caráter teatral em África têm a sua origem no animismo e na magia, e numa estreita associação com ritos, cerimónias e cultos. Não surpreende que a expressão teatral envolva a dança, a narrativa oral e a música instrumentada. Não esquecer também que os artistas tradicionais, os djidius, e os narradores-atores ou griots, são cantadores de histórias, autênticos menestréis, daí ser possível a música (de corda ou percussão), o bailado e narrativa gerarem uma atmosfera canalizada para a criação artística de pendor teatral.

Carlos Vaz resume o teatro da época colonial francesa e centra-se depois na Guiné. Observa que em meados de 1930 se instalou o teatro à maneira italiana sob a direção de Henrique de Oliveira (este teatro teve lugar em Bissau no barracão da Casa Gouveia). Mais tarde, veio a aparecer outro grupo sob o impulso de António José Flamengo, subgerente da Casa Guedes, e que trabalhara já em Portugal como ator na área da revista. Era um teatro ao agrado da elite urbana, como se pode ver da canção utilizada na revista “Chega-lhes qu’inda mexem!...”

E a Guiné progride, 
Torna-se mimosa, 
É entre as colónias, 
Um botão de rosa.

Pequenina e fértil, 
Linda sem igual, 
É título de orgulho 
Para Portugal.

Os temas dos espetáculos eram extraídos do quotidiano: crítica social dos que iam buscar mercadorias aos comerciantes e ficavam a dever, sátiras alusivas à falta de arroz, do “flit” (produto para combater os mosquitos), à falta das careiras aéreas, etc. O autor refere mesmo denúncias a missões de estudos que não cumpriam as tarefas que lhe eram confiadas, limitando-se apenas a gastar o dinheiro da Guiné portuguesa. O ator encenador Flamengo classificou este teatro de “revista africana de fantasia e crítica social”. Para além do teatro-revista houve ainda a realização de teatro infantil com temas baseados nos contos tradicionais da Guiné. Havia igualmente saraus de arte, representação de comédias como D. Ramon de Capichuela, de Júlio Dantas. Eram representações no museu da Guiné que depois transitaram para o salão de festas do Sport Lisboa e Bissau. Há ainda uma referência a um grupo de teatro de Bolama que ganhou notoriedade entre 1959 a 1961, tinha a direção de Porfírio Costa, mais conhecido por Alansó. Faz-se igualmente menção ao bailado dos Bijagós, apresentado em terreiros em que os bailarinos ao som dos tambores se apresentam caraterizados com as faces pintalgadas de alvaiade e de zarcão, vestidos com saiotes de ráfia, ostentando na cabeça caraças de boi ou capacetes multicolores.


Carlos Vaz descreve o magnífico teatro de S. Tomé que os seus textos de autores clássicos como o “Auto da Floripes” e a “Tragédia do Marquês de Mântua e o Imperador Carloto Mangano”, notabilizados pelo reputadíssimo “Tchilôni”. Depois de uma breve incursão pelo teatro angolano, dá-nos uma visão sumária do teatro contemporâneo nos países africanos de língua francesa. Por fim, com algum detalhe, esmiuça a sua proposta para um teatro didático africano ao serviço da revolução. Contraia a noção de que o teatro popular seja vulgar enquanto o teatro puro é sempre elitista, justificando que cabe aos artistas restaurar a verdadeira personalidade africana numa perspetiva revolucionária. Sugere o seguinte: organizar os grupos dispersos, ainda sem técnica do teatro moderno, mas com técnica tradicional herdada dos antepassados, num grupo devidamente especializada em técnica de teatro, que permita aproveitar as formas tradicionais desenvolvendo-as de uma forma nova e científica. Para Carlos Vaz, este teatro revolucionário seria um instrumento poderoso para as massas populares, uma frente de combate contra o obscurantismo. Haveria assim uma oficina de teatro orientado para a cultural popular, aglutinando todas as artes, seria imperioso condicionar o funcionamento do Teatro Nacional Popular a Centro Cultural da Guiné-Bissau. Graças a esta interligação, o ator estaria apto a fazer a escolha do seu estilo e dos objetivos que pretende atingir através do teatro. Apresenta mesmo um organograma pormenorizado para um teatro popular da Guiné-Bissau, com centro cultural de investigação e pesquisa, programa pedagógico, listas de colóquios ou seminários, uma direção teatral comportando atividades artísticas e atividades administrativas. Espraia-se, repete-se obcessivamente, sob o que deve ser um estilo revolucionário e popular, sob o teatro de esclarecimento como embrião de ampla cultura patriótica, científica e de massas, e postula mesmo: “Todos os artistas da Guiné-Bissau devem ir ao seio das massas, ir à fonte única, riquíssima, a fim de observar, estudar e analisar todos os tipos de indivíduos, todas as classes de massas. Atualmente o nosso povo encontra-se a baixo nível cultural, em consequência dos longos anos de dominação colonialista e por isso exige-se que a frente cultural seja um instrumento que lhes satisfaça as necessidades urgentes”. Tem também curiosidade ler os documentos em apêndice, uma análise do texto de Aimé Césaire e a descrição de uma experiência de teatro africano em Lisboa com o grupo 12 de Setembro, grupo de atores cabo-verdianos, trata-se de uma dramaturgia à volta da história da fome de 1947 em Cabo Verde.

Este livro de Carlos Vaz deve ser obviamente encarado como um momento de entusiasmo de alguém com então 24 anos que apostava na criação de uma escola de teatro para desfrute didático das massas, isto quando a República da Guiné-Bissau balbuciar as primeiras letras.
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13716: Notas de leitura (640): “Guiné, a cobardia ali não tinha lugar”, por José Silveira da Rosa, edição de autor, 2003 (Mário Beja Santos)