1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua fabulosa série.
As minhas memórias de Gabu
Viaturas “bélicas” que percorriam os trilhos na Guiné
Unimog, uma máquina imparável
Com uma certa renitência, porque nunca fui mecânico nem destro em opinar em causas que me julgo completamente alheio, ousa a teimosia de um antigo combatente conduzir-me a uma temática operacional que me leva a trazer à estampa uma viatura militar que muito bem conhecemos no território da Guiné: o Unimog.
Reza a história que o Unimog terá surgido na Alemanha após a Segunda Guerra Mundial. Veículo assumido decididamente como polivalente, o protótipo foi fabricado, inicialmente, pela Boehringer, sendo que os Aliados no pós guerra cederam à Mercedes Benz a sua produção.
O modelo, equipado com motor diesel, arrancou em 1947 e afirmou-se em 1951 como exemplar bélico para as hostes militarizadas. Constata-se que o Unimog foi distribuído, nos seus princípios, somente para as forças alemãs, sendo que as suas vendas galgaram, à posteriori, fronteiras e outros países vieram a adquirir essa preciosidade.
Dada a sua versatilidade e capacidade de circulação em todos os tipos de terreno, Portugal, a contas com a Guerra Colonial – Angola, Moçambique e Guiné –, elegeu o Unimog como uma viatura crucial para circular pelos trilhos apertados das antigas províncias ultramarinas.
Na minha conceção, o Unimog foi, de facto, uma viatura imprescindível para o exército da Pátria de Camões. Era um veículo volúvel, é certo, e debitava uma cilindrada que ultrapassava facilmente os obstáculos, originando, por isso, um catálogo de aventuras consideradas permanentemente imprevisíveis.
Da minha comissão militar na Guiné, conservo, ainda hoje, imagens que projetam emoções aquando “viajava” a bordo de um dos Unimog distribuídos à minha companhia. Neste contexto, segue-se um pequeno texto retirado da minha obra GUINÉ-BISSAU AS MINHAS MEMÓRIAS DE GABU:
“Recordo uma tarde a caminho de Piche a viatura que seguia atrás embater na traseira daquela que rolava à sua frente e a malta a atirar-se para o chão embrenhado entre as granadas da bazuca, do morteiro 60 e as G3 que transportávamos nas mãos. Um arrepio entrou-me no corpo dado que os arranhões provocados nas minhas pernas e braços deixaram marcas. Um “acidente” que, no fundo, não causou vítimas a bordo. Tudo correu bem. Mas… ficou o aviso.”
Lembro, também, uma outra situação em que o Unimog se despistou numa picada e entrou pelo mato fora, resultando, logicamente, um valente susto e mais umas arranhadelas aos camaradas que seguiam na viatura. Regressávamos de mais um patrulhamento às tabancas de Gabu numa missão destinada à chamada psicó. Um outro susto que ficou inventariado com a nossa estadia naquele recanto guineense que deixou, literalmente, “picos” de alguma apreensão.
Permitam-se, numa outra perspetiva, evocar a inexperiência de jovens condutores num terreno que lhes era francamente agreste. A sua coragem e dedicação à causa que lhes fora outorgada, sempre se assumiu como uma valentia desmedida. Para esses camaradas, combatentes sem nome, vão os meus aplausos e o meu fraterno abraço.
Conheci a realidade de rapazes em que a aprendizagem à condução se terá verificado na hora da sua convocação para as fileiras do exército. Outros, creio, eram mecânicos na vida real e que foram aproveitados para o cumprimento dessa missão.
Dúvidas não existem, falo por mim, quando se reparava, nalguns casos, na sua aparente dificuldade na exímia arte de conduzir. Em princípio era ambígua, sendo que com o evoluir do tempo as suas capacidades desempenhavam com avidez num cenário de guerra que lhes fora inequivocamente madrasto.
Reconhecesse-se que a sua missão não foi fácil, principalmente para jovens condutores destinados a cenários conflituosos e de extremos riscos. Muitos morreram agarrados ao volante do Unimog que conduziam quando uma desditosa mina anticarro deflagrou numa picada que lhes era já familiar.
O Unimog, tido como “burro de carga”, era hábil nas suas diversificadas ações. Maneirinho, e de condução fácil, o banco traseiro levava, regularmente, uma secção de homens armados, quando a viagem era feita para além do arame farpado. Em chão firme, isto é, no interior da tabanca essa metodologia era alterada, dado que a sua utilização se destinava a adquirir eventuais falhas verificadas no aquartelamento.
A talho de foice, recordo que em cada banco onde iam os operacionais, costas com costas, acomodava uma secção de combatentes. Dois homens faziam a proteção da ala direita, outros dois da ala esquerda e um quinto visionava a retaguarda. À frente, ao lado do condutor, ia o graduado preocupado com possíveis “investidas” do IN vindas da linha da frente. Os ângulos de visão eram, assim, totalmente abrangentes.
E a certeza diz-me que foram muitas as ocasiões em que assumi a versão de copiloto num Unimog que jamais se vergou perante as adversidades impostas por um terreno impróprio para uma viagem que se pretendia suave.
Nos arquivos do exército português sobre a guerra colonial, se porventura ainda existirem, há relatos fatais de perdas humanas ocorridas a bordo de Unimog nos conflitos de além-mar.
Vivências de máquinas imparáveis do tempo de guerra em África!...
Um abraço camaradas,
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
12 DE DEZEMBRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P14019: Memórias de Gabú (José Saúde) (48): Natal de 1973, em Gabu