quarta-feira, 22 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14918: Álbum fotográfico de Carlos Alberto Cruz , ex-fur mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió e Cachil, 1964/66)



Foto nº 1 > Lisboa, 8/1/1964, a ponte sobre o Rio Tejo, em construção: imagem do pilar norte, tirada do T/T Quanza. Uma foto notável com esta obra, emblemátca do Estado Novo, cuja construção demorou 3 anos e meio (novembro de 1962 a agosto de 1966). No regresso, o BCAÇ 619 já passou sob o tabuleiro da ponte...



Foto nº 2 > Lisboa, 9/1/1964 > O N/M Quanza, no cais da Rocha Conde de Óbidos


 Foto nº 3 >  Lisboa, 8/1/1974 > O Carlos Criz no dia da partida, no cais da Rocha Conde de Óbidos (... e não de Alcântara)... Era daqui que partiam os navios da nossa marinha mercante para as "ilhas adjacentes" e as "províncias ultramarinas"... O cais de Alcântara estava reservado às carreiras internacionais...


Fotop nº 4 > Guiné > Região de Tombali > Catió > c. 1964/66 > Aspeto geral da vila, que foi sede do BCAÇ 619 (1964/66)


Fotop nº 4 A > Guiné > Região de Tombali > Catió > c. 1964/66 > Em prijmeiro plano, instalações ocupadaas pelo  BCAÇ 619 (1964/66) (1): em segundo plano, a igreja de Catió



Fotop nº 4 B > Guiné > Região de Tombali > Catió > c. 1964/66 > Em prijmeiro plano, instalações ocupadas pelo BCAÇ 619 (1964/66) (2)



Fotos do álbum do nosso camarada Carlos Alberto [Rodrigues]   Cruz, ex-fur mil, CCAÇ 617/BCAÇ 619, Catió e Cachil, 1964/66), membro da nossa Tabnca Grande desde 20/1/2014 e frquentador da Magnífica Tabnaca da Linha.

Sobre Catió (vila, quartel, porto interior e porto exterior, e ainda Ganjola), vd. o valiosíssimo e vasto  álbum fotográfico do Victor Condeço (1943-2010) que foi fur mil mec armamento da CCS/BART 1913 (Catió, 1967/69). Pesquisar em Google Imagens = Catió + "Victor Condeço".


Fotos (e legendas): © Carlos Alberto Cruz (2014). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: LG]


1. A CCAÇ 617 comemorou o ano passado o 50º aniversário da sua partida para  Guiné: foi a 8/1/1964, a bordo do T/T Quanza. Estas fotos que publicamos,  com a devida autorização do autor, foram "postadas" no blogue CCAÇ  617 - Guiné, com data de 3 de janeiro de 2014, e também já pubicadas, algumas, no nosso blogue, as da partida de Lisboa. 

Além da CCAÇ 617, embarcaram também no T/T Quanza  as restantes subunidades que pertencaim ao BCAÇ 619; as CCAÇ 616, 618 e 619

Recorde-se, resumidamente, o historial do BCAÇ 619 (Catió, 1964/66)

Carlos Alberto Cruz: Lisboa, Cais da Rocha
Conde de Óbidos, 8/1/1964

(i) Mobilizado pelo Regimento de Infantaria nº 1, Amadora;

(ii) sob o comando do Tenente-coronel de Infantaria Narsélio Fernandes Matias; 2º Comandante o Major de Infantaria Manuel de Jesus Correia; e como Oficial de Informações e Operações/adjunto o Capitão de Infantaria Rogério Jorge Vale de Andrade; comandante da Companhia de Comando e Serviços (CCS)  era o Capitã SGE José Francisco Galaricha;

(iii) dvisa: “Sentinela do Sul”;

(iv) embarca em Lisboa no dia 8 e desembarca em Bissau a 15 de Janeiro de 1964;

(v) em 17 de janeiro de 1964 assume a responsabilidade do Sector F, substituindo o Batalhão de Caçadores nº 356;

(vi) tem a sede em Catió e os subsetores de Catió, Empada, Bedanda e Cabedú;

(vii) integrou a  Operação Tridente (Ilha do Como, de 5 de Janeiro a 24 de Março de 1964);

(viii) passou a integrar na sua zona de acção o subsetor de Cachil;

(ix) entre as operações que coordenou destacam-se as operações “Broca”, “Campo”, “Razia” e “Satan”, tendo apreendido 1 metralhadora pesada, 4 ligeiras, cerca de meia centena de espingardas e   pistolas metralhadoras, 30 minas e 59 granadas de armas pesadas;

(x) no  dia 11 janeiro 1965 o setor passa a ser designado por Setor S 3 e em 17 de janeiro de 1965 passa a incluir o subsetor de Cufar, então criado na sua zona;

(xi) com as populações dispersas, a 17 de março de 1965 iniciou a experiência de reagrupamento de populações, sendo criada a tabanca de Ualala, para o efeito;

(xii) é rendido em 21 de janeiro de 1966, pelo BCAÇ 1858, seguindo para Bissau w ficando a aguardar embarque.


Guiné 63/74 - P14917: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (11): Tatuagem de António Baraçal, alfacinha, que passou pelo CTIG entre janeiro e outubro de 1974, integrado numa companhia de comandos... É frequentador da Praia da Areia Branca.


Foto nº 1


Foto nº 2

Lourinhã > Praia da Areia Branca > 6 de julho de 2015 > Braço tatuado de um veraneante que foi nosso camarada no TO da Guiné > Costuma passar férias na Praia da Areia Branca, já o encontrei pelo menos três vezes. Chama-se António Baraçal, "Tony", é lisboeta de gema, e trabalha ou trabalhou na EPAL.

Diz que pertenceu a uma companhia de comandos, comandada por um tal capitão Branco (se bem percebi, já que a nossa conversa foi à beira-mar, com ruído ambiente)... Ora não existe nenhum capitão comando com este apelido, de acordo com a página da associação de comandos que consultei; a última a chegar ao TO da Guiné foi a CCmds 4041/73, chegou a 16/5/1974 e regressou menos de dois meses depois, a 4/7/1974; esteve em Teixeira Pinto, era comandada  pelo alf mil cmd Albano Manuel Monteiro de Albuquerque e foi render a 38ª CCmds (1972/74).

 Não lhe ocorreu o nº da companhia, Esteve no TO da Guiné entre janeiro e outubro de 1974.  "Fui lá fechar a guerra". Para lá foi nos TAM; para cá veio no T/T Uíge. De janeiro a março de 1974 não houve embarque de tropas para a Guiné. É possível então que o António Baraçal fosse de rendição individual e tivesse ido parar à CCS de algum batalhão,. e que essa companhia de comando e serviços fosse comandada pelo tal capitão Branco... Enfim, problemas da comunicação humana... Se voltar a encontrá-lo na Praia da Areia Branca, tento esclarecer este ponto.

De qualquer modo, registe-se aqui os batalhões, 3 de 1973 e 2 de 1974,  com as últimas tropas que saíram da Guiné, em 14/10/1974:

BART 6521/74 (Ingoré, Bissau)
BCAÇ 4612/74 (Mansoa, Brá)
BCAÇ 4510/73 (Catió)
BCAV 8320/73 (Bissorã, Bissau)
BCAÇ 4610/73 (Bissau, Piche, Bula, Bissau)

O Tony disse-me que estas tatuagens eram feitas a 4 agulhas... Não tive tempo para perceber a técnica (que não era muito apurada, a avaliar pelo traço grosso) e fazer-lhe mais perguntas... Embora simples, o padrão icónico é diferente de alguns que tenho visto: uma morança e um coqueiro erguidos numa ilhota (vd. foto nº 1)... Por baixo tem os dizeres: "Guiné-74  Tony".  Estamos a falar do braço direito. No braço esquerdo, há apenas uma  vulgaríssima tatuagem com os dizeres "Amor de pais" (foto nº 2)... Sobre tatuagens, temos apenas duas ou referências no blogue.

Mostrou-se agradavelmente surpreendido e colaborante quando lhe pedi autorização para tirar uma "chapa" e pôr no blogue... (LG)

Foto (e legenda): © Luís  Graça (2015). Todos os direitos reservados
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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14905: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (10): Não, nunca percebi para que serviam os CTT no CTIG... Notícias de Alhandra, da minha família, por ocasião da tragédia, as grandes inundações, de 25 para 26 de novembro de 1967, que atingiram a Grande Lisboa, recebi-as através de telegrama militar... (Mário Gaspar, ex-fur mil at art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)


Guiné 63/74 - P14916: Memória dos lugares (309): O meu rio próximo, e de estimação, era o Rio Grande de Buba (2) (António Murta)

1. Lembremos a mensagem do nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), com data de 1 de Julho de 2015:

Camaradas Luís Graça e Carlos Vinhal
Sobre a temática dos rios, de tantos encantamentos e infortúnios, comuns a quase todos nós, não sou muito versado, pois só um conheci pela proximidade e, ainda assim, sem grandes intimidades, tendo espreitado outro apenas duas vezes. Contudo, pelas experiências que me proporcionaram, não queria deixar de os referir.

António Murta


RIO GRANDE DE BUBA E RIO CORUBAL (2)

RIO GRANDE DE BUBA* (2)


 Rio de Buba em Buba, 1974 – O meu Grupo depois do banho.

 Rio Buba em Buba, 1974 – Maré baixa. 

 Rio Buba em Buba, 1974 – Maré a encher.

Rio Buba em Buba,1974 – Eu, no leito do rio junto à ponte-cais.

Rio Buba em Buba, 1974 – Eu, no leito do rio noutra ocasião.

Rio Buba em Buba, 1974 – O meu amigo Manuel de Nhala saltar para a água num dia de recreio.



Rio Buba em Buba, 1974 – Saltos para a água. 

Rio Buba em Buba, 1974 – Ponte-cais e três rapazes de quem já não recordo os nomes porque não eram da minha Companhia: o do meio, com quico, era furriel; o da direita era alferes e tenho um palpite para o seu nome mas não arrisco. Aceito sugestões.

(Continua)

Fotos: © António Murta
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 20 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14903: Memória dos lugares (305): O meu rio próximo, e de estimação, era o Rio Grande de Buba (1) (António Murta)

Último poste da série de 21 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14909: Memória dos lugares (306): Rios ? Subi o Geba até Bambadinca, naveguei no Bichaque e no Cumbijã, fui atacado no Cacheu, andei no Cacine e no Sapo... (António Dâmaso, srgt PQ, BCP 12, BA 12, Bissalanca, 1972/74)... O rio da minha tabanca, o Olossato (Paulo Salgado,ex-alf mil cav, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72)

Guiné 63/74 - P14915: Os nossos seres, saberes e lazeres (107): Tomar à la minuta (9) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 23 de Junho de 2015:

Queridos amigos,
Já deu para perceber que as belezas de Tomar excedem a iconografia e o esplendor do Convento de Cristo, a Janela do Capítulo e a Charola.
A cidade templária guardou outras formosuras que se disseminam pelas margens do Nabão, andamos no seu encalço. Hoje visitamos a Mata dos Sete Montes, um oásis em que uma cerca conventual se converteu numa mata de recreio.
Houve que parar, em dia de canícula, no majestoso café Paraíso, um expoente da Arte Deco e depois visitar o lugar onde nasceu Fernando Lopes Graça, nome cimeiro da música clássica em diferentes variantes.

Um abraço do
Mário


Tomar à la minuta (9)

Beja Santos

Da Mata dos Sete Montes à Casa de Lopes Graça


Em nome da verdade, fique entendido que esta imagem não é minha, extraí-a de uma brochura editada pelo Município de Tomar e pelo Instituto da Conservação da Natureza e Biodiversidade, pois tornava-se necessário pôr em ecrã gigante onde fica a mata, adossada à muralha do castelo, temos aqui o mais rico pulmão da urbe nabantina. Reza a brochura que foi no reinado de D. João III que surgiu a Cerca Conventual, influenciada pelo espírito da Contra-Reforma, que teve consequências no conjunto monástico, criaram-se novos claustros e este vasto domínio rural. Do Aqueduto dos Pegões já falamos, vamos agora ao espaço verde.


Tudo começou por uma exploração agrícola, água não faltava, por ali corre o ribeiro do Vale da Riba Fria, construíram-se tanques, muito provavelmente por aqui se passeavam os frades em comunhão com a natureza. Desta apoteose da engenharia hidráulica, gostaria de vos mostrar duas peças por ora mal tratadas, o tanque pequeno e a Charolinha.


É uma obra típica do Renascimento. Era abastecido pelo tanque grande através de uma caleira a céu aberto, tinha a função de armazenar água para regar as hortas do vale. O que é hoje jardim eram hortas, depois deu-se o flanqueamento pelo olival e pela esplendorosa mata.



A Charolinha é este pequeno templo circular rodeado por um tanque, dói ver este mau estado, o viandante subiu até aqui em dia de alta temperatura, agora refresca-se. Sente-se como no Buçaco ou em Monserrate, é tudo frondoso, há um vozear miúdo que se estende do parque das merendas até à entrada, onde se anicham vários autocarros que aguardam que os seniores que vieram de longe recolham farnéis.


O espaço ajardinado engalanou-se, chegou a Festa dos Tabuleiros, é preciso que a Pomba do Espírito Santo tremule ao vento, o calor abrasa, sigo para a mata que pertenceu ao senhor Marquês de Tomar, António Costa Cabral, comprador de parte dos bens da Ordem de Cristo, com a extinção das ordens religiosas, em 1834. O Marquês esmerou-se, teve enlevo pelo terreno, mandou fazer infraestruturas, aprimorou a vocação agrícola da quinta. Em 1936, a Cerca foi comprada pelo Estado por 560 mil escudos. Em 1938, a Mata dos Sete Montes foi transformada em parque florestal e jardim municipal.


Encontrei canteiros de buxo recentemente cortado, que odor! ajuntar-se aos pinheiros destilando resina, passa-se por fileiras de ulmeiros, freixos, cedros e ciprestes, bem organizados em patamares superiores. Aqui vemos a mata a densar-se, quem zela pela mata deve ter orgulho nesta paleta aberta de arvoredo tão diverso, plantaram-se ciprestes, pinheiros mansos e bravos, loureiros, pistácias, pilriteiros e carrascos.


Subia para a Charolinha quando dei com este banco, fiquei enternecido pela integração dos elementos, a mata é exuberante, alguém pensou a sério no que deve estar numa mata de recreio e nas diferentes encostas e qual a lógica da exposição solar.


Com o tempo, hei de rodar-me a passear na mata e a apreender imagens do Convento ao fundo, hoje não foi mais longe de que este assomo, lá ao fundo, o calor é brutal, parece que aqui do alto tenho a mata por minha conta, caminho lentamente para evitar um tombo, as raízes parecem querer tomar conta dos percursos pedestres. Andei pelo Caminho da Charolinha, passei lesto pelo Caminho da Cadeira D’El Rei. Como a viagem nunca acaba, é suficiente que o viajante venha animado para captar boas imagens da cerca do castelo.


Aqui estão as razões para me precatar de dar um espalhanço de arranjar umas fraturas. Mas também não há senão que não tenha a sua beldade, a obrigação de saber onde se põem os pés dá tempo a olhar dentro deste vale húmido, fértil e exuberante, entalado entre colinas, a mata é hoje património nacional.


O Infante vigia à entrada da mata, olha para lá das brumas da memória. Aconteceu que este sénior aguarda a partida do autocarro, encostou-se ao Infante, parece imitá-lo, como se dissesse: despachem-se lá, temos que partir para o nosso Bojador…


Tenho a língua encortiçada, meti-me pelas sombras do centro histórico e vim, afogueado, até à mansidão deste café que tem um nome ajustado, Paraíso. Um café cheio de história, podia ter estado aqui sentado Winston Churchill, a receber-nos de havano na boca e a fazer o V da vitória. Dessedentado, miro esta graciosidade Arte Deco, naquele nicho ter-se-ão vendido cigarros, cigarrilhas e charutos, publicações de toda a espécie, ainda bem que ninguém se atreveu a remover este ícone do passado, aqui se entrava para ler o jornal, cavaquear e formar tertúlia.


Candeeiros da época, relógio da época, a fotografia que se segue é um pormenor do café, não é muito feliz, há muito brilho nos espelhos, o fundo fica um glauco um tanto enlanguescido, prometo voltar e encontrar soluções que ultrapassem este amadorismo e estas soluções de sapateiro remendão.


É só para verem o design, aqui respira-se contemporaneidade, é lindo chão marmoreado, lindas são as colunas e a combinação das cores com o predomínio do castanho são uma quintessência da harmonia. Venham aqui tomar café, chocolate ou matar a sede e digam-me se não tenho razão.






Estamos agora na rua Dr. Joaquim Jacinto, aqui nasceu Lopes Graça, chama-se Casa Memória. Deambula-se e é quase impossível acreditar que houve uma casa de primeiro andar com cerca de 50 metros, em que uns tabiques separavam dois quartos interiores de uma pequena sala, havia uma improvisada cozinha que dava para as traseiras e o rés-do-chão era uma loja com um pequeno poço. Mostra-se o piano e a mesa de trabalho do compositor, fotografou-se uma caricatura e a fachada. Não sei qual foi o maior compositor do século XX, mas estou plenamente convicto que Lopes Graça, para além de prolífico, terá sido o mais versátil, pela riqueza que nos legou da música regional portuguesa, tocou em muitas teclas: música coral sinfónica, música teatral, música orquestral, música cora, música vocal, música de câmara e de piano. Estive com ele em dois momentos: um, na Mandíbula d’Aço, a última tertúlia do Chiado, que reunia no escritório do compositor Felipe de Sousa, Lopes Graça digeriu um cozido à portuguesa com uma garrafa de uísque à frente; a outra, quando fomos prestar homenagem a um amigo comum, José Gomes Ferreira, estivemos ali largo tempo de olhos postos no chão, curvados respeitosamente perante um grande poeta português.

(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior da série de 15 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14880: Os nossos seres, saberes e lazeres (106): Tomar à la minuta (8) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P14914: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte VIII: População: da Ponta Brandão a Cansamba




Foto nº 9 > Guiné > Zona leste > Galomaro >  Setembro de  1969) >  Foto tirada na tabanca em autodefesa de Cansamba. A  bajuda estava a bordar. Quando  me preparava para lhe tirar a foto,  pediu-me que esperasse um pouco e foi ao interior da morança. Pensava eu que ia tapar os seio mas não, foi pôr o lenço na cabeça.



Foto nº 1 > Bambadinca, setembro de 1969: as (e)ternas crianças



Foto nº 2 > Tabanca de Bambadinca, setembro de 1969 (1)


Foto nº 3 > Tabanca de Bambadinca, setembro de 1969 (2): a arte de rapar a cabeça



Foto nº 4 > Bambadinca, cais do rio Geba (1): lá como cá, "trabalho do menino é pouco, mas quem não o aproveita é louco", diz o provérbio popular


Foto nº 5 > Bambadinca, cais do rio Geba (2)


Foto nº 6 > Galomaro, setembro de 1969: lavadeiras (1)


Foto nº 6 A > Galomaro, setembro de 1969: lavadeiras (2)



Foto nº 7 > Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Subsetor do Xime > Amedalai, setembro de 1969: o pilão e o trabalho infantil



Foto nº 8 > Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > Ponta Brandão,  fevereiro de 1970: major Cunha Ribeiro (2ª cmdt do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70), na psico. Havia aqui uma destilaria, de cana de acúcar...

Fotos (e legendas): © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG]


1. Continuação da publicação do excelente álbum fotográfico do Jaime Machado, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, maio de 1968/fevereiro de 1970):

[foto atual à direita; o Jaime Machado reside em Senhora da Hora, Matosinhos; mantém com a Guiné-Bissau uma forte relação afetiva e de solidariedade, através do Lions Clube; voltou à Guine-Bissau em 2010]



II  Atividade operacional do Pel Rec Daimler 2046, agora ao serviço do BCAÇ 2852 

Novembro de 1968

Op Hálito

Iniciada em 11, às 5h00,  com a duração de 2 dias e com a finalidade de detectar elementos IN,  e efectuar uma coluna de reabastecimentos à xompanhia aquartelada no Xitole. Tomaram parte na Operação:

Cmdt – Cmdt BCAÇ 2852 [Bambadinca]

Dest A – CART 1746 a 2 Gr Comb  [Xime] + CART 2339 a 3 Gr Comb [Mansambo]

Dest B – CART 2413 a 2 Gr Comb [Xitole] +

PEL CAÇ NAT 53 [Bambadinca]

1 Gr Comb  Ref CMD AGR 1980 [Bafatá]

3 ESQ PEL REC DAIMLER 2046 [Bambadinca]

1 ESQ PEL MORT 1192 [Bambadinca]

1 SEC MIL

Consistiu esta Operação no Reabastecimento do Xitole  utilizando o itinerário Bambadinca / Mansambo / Xitole, fazendo-se a travessia do Rio Pulom,  utilizando uma jangada e 4 barcos de borracha.

Foi necessário desobstruir o itinerário das abatizes, fazendo-se a transposição dos reabastecimentos das 10h30 às 14h00. A esta hora iniciou-se a retirada sendo as NT emboscadas por duas vezes por um grupo de 40/50 elementos, sendo a primeira com accionamento de mina A/C, causando 1 morto 12 feridos às NT e 1 desaparecido além de uma viatura danificada.

Apesar de ser a primeira vez que os militares deste Pelotão tinham contacto com o IN,  demonstraram mesmo assim uma calma, uma presença de espírito e um controle de fogo dignos de assinalar.

As NT chegaram a Mansanbo pelas 19h00, donde recolheram a Bambadinca.

Ainda no mês de novembro de 1968, efectuou vários patrulhamentos em itinerários do regulado do Cossé [, setor de Galomaro,] onde se tinha manifestado uma violenta acção IN contra a tabanca de Mussa Iero a qual fora incendiada.



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Carta de Bambadinca (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Nhabijões, Mero e Santa Helena, três tabancas consideradas, desde o início da guerra, como estando "sob duplo controlo", ou seja, com população (maioritariamente balanta) que tinha parentes no "mato" (zona controlad pelo PAIGC)... Em Finete, Missirá e Fá Mandinga havia destacamentos nossos. Entre Bambadinca e Fá Mandinga ficava Ponta Brandão. Havia aqui uma destilaria, de cana de acúcar...

 Havia uma outra, em Bambadinca (diz a história do BART 2917, mas eu nunca soube onde ficava exatamente). Os balantas adoravam aguardente de cana. Era natural que a guerrilha do PAIGC (ou os seus elementos locais, em Nhabijões, Mero e Santa Helena) viessem aqui, a Ponta Brandão, abastecer-se. O Jorge Cabral conhecia, melhor do que eu, a Ponta Brandão (a escassos 5 quilómetros de Bambadinca, à esquerda da estrada para Bafatá, e a meio caminho de Fá Mandinga; ia-se lá por causa da aguardente de cana e de uma certa bajuda, que devia ser filha ou mais provavelmente neta do velho Brandão).

Uma destas duas destilarias pertencia à família do Inácio Semedo, um histórico nacionalista, proprietário, de quem o Amílcar Cabral foi padrinho de casamento; ao que parece, foi preso, torturado pela PIDE e condenado a dois anos de prisão (,era pai do Inácio Semedo Júnior, que aderiu à guerrilha em 1964, tendo combatido no sul, e mais tarde, a seguir à independência, formou-se em engenharia na Hungria, onde se doutorou em ciências; conheci-o em Lisboa, em 2008, afastado da vida política; é uma pena se não escrever as suas memórias; tem um filho bancário). 

Sobre o Inácio Semedo, sénior, ver aqui a sua evocação pelo embaixador Carlos Frota que o foi visitar, à sua ponta, em Bambadinca, já depois da independênca (Carlos Frota: Guiné: turras e tugas. JTM - Jornal Tribuna de Macau, May 2, 2013), de que se cita o seguinte excerto:

" (...) Lembro-me também com respeitosa saudade de Inácio Semedo, sénior, nos seus setenta e muitos anos naquela época que nos recebeu, num domingo, para o almoço, na sua casa de Bambadinca, com a dignidade de um grande senhor que era.

Homem seco, de uma disciplina pessoal e frugalidade extremas, era proprietário agrícola e habituado por isso a exercer autoridade sobre quem estava sobre as suas ordens, fazendo-o de forma quase paternal. E todos lhe retribuíam com afectuoso respeito essa maneira de estar na vida." (...)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014).

PS - O Carlos Frota (, atual embaixador de Portugal na Indonésia,)  ia acompanhado, dos dois filhos do velho Inácio Semedo, o mais velho, Júlio Semedo, na altura ministro dos negócios estrangeiros e um dos dirigentes históricos do PAIGC,  e Inácio Semedo Jr, embaixador em Washington.

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Nota do editor:

Postes anteriores da série:

17 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14890: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte VII: O edifício dos CTT de Bambadinca: c. 1968/70 e 2010 ... (Fotos completadas com as de Humberto Reis, ex-fur mil op esp., CCAÇ 12, 1969/71)

11 de julho 2015 > Guiné 63/74 - P14864: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte VI: Mulheres e bajudas (III)

8 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14851: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte V: Mulheres e bajudas (II): A Rosinha, a lavadeira de Bambadinca, 40 anos depois (em Bissau)

8 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14847: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte IV: Mulheres e bajudas de Bambadinca (I)

29 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14806: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte III: O grave acidente com arma de fogo que vitimou o Uam Sambu, do Pel Caç Nat 52, na manhã de 1/1/1970

24 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14790: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte II: Ao serviço do BART 1904 (de maio a setembro de 1968) e do BCAÇ 2852 (de outubro de 1968 a fevereiro de 1970)



terça-feira, 21 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14913: Blogpoesia (418): J. L. Mendes Gomes, em mês de aniversário natalício: seleção de cinco baladas de Berlim, Roses e Mafra


J. L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728,
Cachil, Catió e Bissau, 1964/66; autor de Baladas
de Berlim
,  Lisboa, Chiado Editora, 2013, 229 pp.]

 
1. O medo…


Vem de nós esta ameaça interna que nos acompanha, 
desde a nascença.

Da solidão,
quando no berço,
que as mãos da mãe
não voltem mais.

De cair no chão,
quando tentamos, sós,
o segundo passo.



Da escuridão da luz,
quando veio a noite
e a candeia não acendeu.

Daquele ruído no escuro,
não se sabe
do que é
nem donde vem.

De me perder pelo caminho,
sem saber como voltar.

De ir à loja, a mando da Mãe
e esquecer o que fui buscar.

Da reguada do professor
pelo erro da cedilha
ou da tabuada.

Dos degraus da escada,
quando a começo a descer sozinho.

E da negativa ao fim do período,
quando vem a hora de avaliar.

E da chuva que vem ao longe,
quando deixei em casa
o guarda-sol…

Tudo se sente,
tudo dói,
bem cá dentro,
antes mesmo de acontecer…

A realidade vem
e é bem melhor!


Mafra, 19 de Julho de 2015
É madrugada
Joaquim Luís Mendes Gomes


2. Peregrinação do silêncio…

Não vou pelas estradas abertas,
onde caminham as multidões.

Prefiro o silêncio dos bosques e das emboscadas,
onde faço minhas
as minhas presas,
e me deixo aprisionar.
Me abalanço aos meus devaneios
em passeios ao luar.

Fertilizo minhas ideias
na penumbra dos silêncios.
Sonhando e meditando
sobre as causas
na viagem enigmática onde seguimos.

Nossas crenças,
umas minhas,
outras dadas.

Com clareiras nas minhas pausas
e a paz fugaz da nossa paz.

De vez em quando, estremecendo de pavores,
mas sempre um seguro
peregrino preso ao chão
e não sabe andar para trás.

Ouvindo Chopin
Mafra, 13 de Julho de 2015, 6h18m
Amanheceu húmido e cinzento
Joaquim Luís Mendes Gomes

3. Lancei-me ao sol...

A partir de Roses,
fiz-me ao sol
por esta Espanha extensa.
unde a terra é um mar de palha seca
que já foi verde.

Toda se colhe em rolos gigantes.
Ó que riqueza!,
serão regalo do gado vacum.

Passei Barcelona na sua maré de encher.
Um fervilhar tão vivo
como se não houvesse crise.

Depois Lérida ao longe,
no sopé da serra.
Tem uma linda história
que vale a pena ler.

A seguir o Mar de Aragão,
onde corre o Ebro.
Todo ele é areia
manchada de verde
que lhe vem do Rio.

Passei sob o Greenwitch
que divide em dois
nosso planeta Terra.
Ali está assinalado num arco,
atravessando a estrada.
Uma feliz ideia
que nos faz sorrir...

Depois Saragoça, imponente e extensa,
com sua Catedral ao centro.
onde o moderno e o antigo se juntou harmónico.

A partir daí,
foi sempre a correr,
sem abrir os vidros,
para fugir ao sol...

Valladolid, 10 de Julho de 2015, 18h2m
Joaquim Luís Mendes Gomes


4. Afinação das cordas...


É básico. 
Fundamental. 
Trabalho prévio.
Afinar as cordas a toda orquestra,
inclusive o piano, esse de véspera.

Encontrar a melhor posição no assento.
Concentrar atentos os ouvidos
e olhos abertos.

Encher de ar o peito.
E de emoção a alma.

Enxergar os sons
e ouvir os tons,
a fluirem harmónicos.

Pegar-lhe o fogo do entusiasmo.
clarões no ar.
raios de sol.
cascatas caindo,
fragrâncias abrindo.
um vulcão de lava,
a escorrer sem fim.

Chovem acordes.
ressoam tambores.
fúria dos mares.
estertores da morte.
aves cantando.
na voz dos violinos,
suas cordas tensas
e endiabradas,
despertando as madrugadas,
cavalgadas de tubas
arremessando golfadas,
ira dos deuses.

Retinem os pratos.
fazem silêncios.
toldam os ares.
raios de luzes.

E o maestro,
ora sereno, ora fogoso,
rédeas nas mãos,
agitando os braços,
ao ritmo certinho,
atiçando o fogo,
inunda a sala
dum mar de sons.


Vibram as almas.
êxtase supremo.
mundo terreno,
quase divino.
parou o tempo.
Como será nos céus...

ora em brandura,
ora ira empolgante.
Roses, hotel Risech, 7 de Julho de 2015
aquele dia inesquecível em que eu vim ao mundo,
uns anos lá atrás...
Joaquim Luís Mendes Gomes

5. Remexer...as mentes


Impõe-se revolver a terra, 
limpá-la das pedras e ervas daninhas,
restos de raízes
e deixá-las em ondas e regos,
para a expor ao sol,
para matar os vermes
e carregá-la de energia.

Depois alisá-la e semeá-la de boa semente,
guardada religiosamente no celeiro.

Aspergir-lhe água na conta certa, sem empoçar
e deixar o resto nas mãos da Natureza...

E , de novo, brotará da Terra, 

a vida verde, em pujança e força...
crescerá arbórea,
com flor e fruto.

Um jardim, um prado,
um mar de pão...

Berlin, 26 de Junho de 2015, 5h41m
está cinzento...ameaçando chuva
Joaquim Luís Mendes Gomes

[Seleção / revisão / fixação de texto: LG]

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Guiné 63/74 - P14912: Recortes de imprensa (73): Duas guerras na fronteira dos felupes, artigo de Pedro Rosa Mendes no jornal Público de 19 de Fevereiro de 1999 (António Martins de Matos)

1. Mensagem do nosso camarada António Martins de Matos, TenGen Pilav Ref (ex-Tenente Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74), com data de 19 de Julho de 2015:

Caros amigos
Ao passarinhar pela internete encontrei este texto de 19-02-1999 e da autoria de Pedro Rosa Mendes.
Assunto tabu ou no mínimo reservado, tem muito a ver com a posição do Senegal no "nosso" conflito.

Abraços
AMM

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Duas guerras na fronteira dos felupes

Pedro Rosa Mendes, em Suzana 
19/02/1999

Na fronteira com Casamansa, vê-se melhor que há duas guerras que são a mesma. O Senegal bombardeia do lado guineense, os guerrilheiros descem a Bissau para enfrentar o exército de Dacar e refugiados encontram-se fugindo em direcções opostas. "Quando acabar aqui, vai ser ainda pior do lado de lá."

Às sete da manhã, quando o sol está prestes a entrar na igreja, o padre José Fumagalli toca o primeiro hino no pequeno órgão electrónico que pôs ao canto do altar. Na mochila trouxe também o missal em língua felupe, as hóstias, o cálice e a caixinha de cinzas para verter sobre a cabeça dos fiéis. Ainda antes de a missa começar, o missionário acompanha já com o corpo - calça tamancos brancos - o ritmo dos tambores que dois rapazes aqueceram numa fogueira, para lhes tirar a humidade da noite.
A fronteira do Senegal fica perto e, sobre ela, ouviu-se horas antes o estrondo de uma outra guerra - que é a mesma que se combate lá longe em Bissau.
Na região noroeste da Guiné, ao longo da fronteira com o Sul do Senegal, é mais difícil do que em Bissau distinguir o conflito guineense de um outro, mais antigo, iniciado há década e meia pelos guerrilheiros independentistas do Movimento Democrático de Libertação de Casamansa (MDLC).

Pelas picadas da região de Suzana e Varela, guerrilheiros senegaleses pedem boleia para Bissalanca - na linha da frente dos revoltosos guineenses -, circulando por tabancas que servem de retaguarda ao MDLC e que o exército de Dacar fustigou várias vezes desde Junho passado.
A linha de fronteira guineense é, para Dacar, mais uma frente de combate contra a Junta Militar, e esta semana foi possível ouvir em Suzana o som da artilharia pesada do lado senegalês. Já não se ouve "aquele maldito avião senegalês que bombardeava as tabancas do lado guineense, de Bijene a Varela", explica o padre Fumagalli, "porque a Junta montou uma rede de mísseis Strella".
A guerra de Casamansa, porém, continua a marcar o quotidiano do Norte da Guiné. "A situação humanitária não parece grave. Não parece. Mas isso é um engano", diz o missionário italiano, que chegou à Guiné há mais de 40 anos e conhece por dentro a sociedade felupe. "A desnutrição das crianças neste meio não se vê por uma questão cultural dos felupes, que garantem que os mais novos comem mesmo que mais ninguém coma. Mas há muita escassez de alimentos. O padre Fumagalli recorda que "os refugiados de Bissau", um terço da população do país que se espalhou pelas tabancas do interior, "não ficaram em campos: alojaram-se em casa de parentes e há residências que quadruplicaram o número de bocas. As reservas de comida foram partilhadas com quem chegou."

Desde o início do conflito, houve apenas duas distribuições de alimentos no Noroeste, uma em Agosto, da Cooperação Portuguesa, e outra do Programa Alimentar Mundial, através da Cruz Vermelha, em Outubro - quatro meses depois do eclodir da crise. "O pouco arroz que os habitantes daqui tinham não é suficiente para ter uma reserva e a chuva, que foi abundante noutras zonas da Guiné, não deu em Suzana-Varela."  O padre Fumagalli prevê que em Maio ou Junho próximos as populações não terão já alimentos, ainda por cima a mais de meio ano da próxima colheita e na altura mais intensa de preparação dos campos. "Estarão a trabalhar sem comer", avisa o missionário, contrariando a ideia de relativo desafogo que as agências humanitárias têm do que se passa em Suzana. "Dentro de três meses, a situação será muito mais dramática do que até agora. "Os bombardeamentos senegaleses provocaram também o abandono de muitos terrenos férteis ao longo da fronteiras, o que explica que, apesar de haver mais braços com a vaga de deslocados, o ano agrícola tenha sido pobre.

A vida em Suzana-Varela é actualmente perturbada por uma dupla crise: há uma vaga de refugiados na Baixa Casamansa - cerca de 30 mil, segundo várias organizações humanitárias - e parte deles atravessou para tabancas guineenses, "porque as pessoas estão fartas de guerra e porque, como se diz, Guiné e Casamansa são peixes que nadam na mesma água", explica José Fumagalli. O padre considera que do lado senegalês "a situação está cada vez mais pesada. O Alto Comissariado da ONU para os Refugiados nunca mais apareceu desde o início da guerra".
"Nós ajudámos gente de Casamansa" nos últimos meses, conta um felupe que combateu no exército colonial português, António Sitanhebé. "Houve gente que se refugiou directamente nas nossas casas. Demos-lhes arroz mas depois preferimos dar-lhes terras e palmeiras para furar." António Sitanhebé vive na tabanca de Cassalol, na estrada de Suzana para Varela. Um bombardeamento aéreo senegalês matou uma mulher e feriu gravemente outra, no Verão passado.

Acontece, por causa de incidentes como esse, que tabancas fronteiriças do lado guineense sofrem uma sangria de população, que foge para norte. Foi isso que fez a mulher de Ricardo Ampaboine, um felupe de Suzana que, no início da revolta de Ansumane Mané, decidiu alistar-se nas forças da Junta. A mulher de Ricardo está ou em Ziguinchor, principal cidade de Casamansa, ou algures na Gâmbia, porque Ricardo tem família em três países. Para ele, a descida a Bissau para combater as forças lealistas e o exército senegalês foi apenas natural. "Nós e os de Casamansa somos irmãos", justifica Ricardo. "Quando a guerra da Guiné acabar", assegura António Sitanhebé, "a do lado senegalês será ainda mais forte, até Casamansa conseguir a independência."

Com a devida vénia ao jornal Público
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14231: Recortes de imprensa (72): Portugual e Espanha: parecenças e diferenças... Esterótipos: (i) "Portugueses, pocos, pero locos"; (ii) "De Espanha nem bom vento nem bom casamento...