quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15093: Os nossos seres, saberes e lazeres (114): Un viaggio nel sud Italia (5): Em Tivoli, passeio alucinatório em Villa d’Este (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Agosto de 2015:

Queridos amigos,
As pessoas abonadas do século XVIII faziam o Grand Tour, e a Itália era visita obrigatória para quem vinha das Prússias, Polónias ou Inglaterras.
Tivoli era um pólo magnético, foi aqui que o imperador Adriano mandou construir uma vila luxuosa neste local de clima privilegiado e recantos panorâmicos dramáticos. Um cardeal filho de Lucrécia Bórgia mandou construir uma vila imponente, mas o turista vem fundamentalmente atraído pelos jogos de água, água é coisa que aqui não falta e as canalizações fazem o resto, a água jorra das fontes e bicas, é uma melodia orquestral permanente.
E temos a Villa Gregoriana, aqui a natureza transcende-se com o famoso Vale do Inferno e cascatas com uma envolvente romântica, quando por aqui passou Goethe escreveu nos seus apontamentos que ver esta paisagem enriquece-nos o mais profundo da alma. É melhor ver para crer.
Hoje falamos só de Villa d'Este, no seu todo Tivoli precisa de pelo menos dois dias inteiros só para ver o essencial.

Um abraço do
Mário


Un viaggio nel sud Italia (5)

Beja Santos

Em Tivoli, passeio alucinatório em Villa d’Este


Três monumentos espetaculares, reconhecidos pela UNESCO, trazem-me a Tivoli, o Palácio e os jardins de Villa d’Este, Villa Adriana e Villa Gregoriana. Tivoli fica a pouco mais de 30 quilómetros de Roma, nos Montes Tiburtinos, é famosa desde a antiguidade pela sua riqueza em águas e pelos locais idílicos graças ao clima e à posição estratégica. A água corre por toda a parte, atravessa-se uma ponte e apanha-se logo este espetáculo, vou com o estômago a dar horas, qualquer coisa me serve para trincar, desde um esparguete a uma boa salada, mas não resisto a ficar especado e agradecer à mãe natureza o idílio que proporciona.


É a procurar um sítio onde se coma que deparo com mais esta reciclagem, tudo o que veio do império romano se aproveita, e Tivoli subsistiu a várias decadências, teve a sua posição na Idade Média, voltou a impor-se no Renascimento e ressuscitou no século XIX. Já tem nome feito no século IV antes de Cristo e é hoje um sítio arqueológico de primeiríssimo nível graças a uma construção monumental que atrai o turista: a Villa Adriana, em primeiro lugar. Agora vou comer e depois parto para o Renascimento, quero ir até aos jogos de água de Villa d’Este.


Cá estamos, ainda não desembolsei 12 euros (aliás, não pagaram a compensação que por aí vem) e já estou a ver maravilhas, é um espantoso trabalho em pedra no átrio da esplêndida vila que o Cardeal Hipólito II d’Este, filho de Lucrécia Bórgia e de Alfonse d’Este, governador do Tivoli aqui construiu e que irá desencadear um desenvolvimento urbanístico e o aparecimento de palácios patrícios.


Primeiro, a visita à vila, debruçada sobre Tivoli e com os Abruzos ao fundo, peço desculpa pela neblina, mas o inacreditável aconteceu, levo estes dias a suar a cerca de 40 graus, o céu turvou-se, a seguir vai chuviscar e teremos depois uma carga de água aliviadora. Aproveito para ver alguns aspetos que muito me interessam.




Já caem grossas bátegas, mas não me importo. Visito primeiro uma exposição dedicada a esse génio que foi Franco Zeffirelli, fez tudo muito bem como encenador, realizador, decorador, figurinista, aderecista, tocou em todas estas teclas primorosamente, e assim deliciou os seus aficionados e alguns dos maiores cantores de ópera e do cinema de todos os tempos. Captei uma imagem na capela da família d´Este e depois este fresco num dos enormes corredores que atravessam a vila. O cardeal devia ter dinheiro a rodos, construiu a sua vila num antigo bairro medieval e aproveitou um mosteiro beneditino, tudo somado temos um edifício monumental a beijar o mais espantoso jardim que vi em toda a minha vida, tipicamente italiano, só visto, neste resumo não dá para acreditar.


Oh, capricho dos deuses, os céus revoltados vão sendo conquistados pela luz. Não resisti a este feitiço, tivesse aqui o pintor Turner e teríamos um dos seus magníficos quadros. Como é que eu me posso esquecer deste céu magnífico?


Antes de descer para os jardins, não resisto a este plano, todo o verde estabelece um diálogo permanente com a arquitetura, sejam fontes, grutas, bicas a escorrer, água não falta, como se pode ver.




Na receção de Villa d’Este entregam ao turista uma folhinha com rosto e verso, as salas que se vão visitar e identificam-se os lugares do jardim. Obediente procurei as fontes mais importantes, mas cedo consenti em deixar-me confundir quanto a estes nomes que se leem uma vez e só se rememoram a título excecional quando o turista volta a pegar nestes materiais. Estou triste, tirei algumas dezenas de imagens, importa selecionar, alguns destes recantos têm aparecido em filmes, depois da chuva veio imensa luz, eu estava extasiado.




Não digam que eu não falo verdade a propósito da esplêndida encenação que a arquitetura empresta a este jardim inesquecível. Faltam minutos para fechar Villa d’Este, toda a minha fadiga está bem compensada. À saída, não me surpreendeu esta lápide evocativa de Liszt, um dos compositores pianísticos de que mais gosto. Recomendo aliás ao leitor que vá ao Youtube e escreva “Jogos de água em Villa d’Este”, aparecerão nomes reputadíssimos do piano a interpretar esta peça de uma quase execução transcendente, permite pensar quanto Liszt gostou de por aqui deambular nos seus anos de peregrinação em Itália.

(Continua)

Texto e fotos: © Mário Beja Santos
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Nota do editor

Poste anterior da série de 1 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15063: Os nossos seres, saberes e lazeres (113): Un viaggio nel sud Italia (4): Ver Nápoles por um canudo (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15092: FAP (87): a ameaça dos MiG na guerra da Guiné (José Matos, Revista Militar, nº 2559, abril de 2015) - IV (e última) parte




1. Continuação da publicação do artigo do José Matos, "A ameaça dos MiG na guerra da Guiné", Revista Militar, nº 2559, abril de 2015, pp. 327-352 > (*)

por José Matos

[, membro da nossa Tabanca Grande, nº 701; investigador independente em história militar,com particuolar interesse pela guerrano TO da Guiné]


(IV e última parte, com o nosso muito obrigado ao autor e editor por nos disponibilizarem o artigo. Fixação de texto: LG) 


Míssil antiaéreo Crotale que equipa a Força Aérea Francesa...
Cortesia de Wikipedia.

O Crotale

Em 1974, chegam informações ao comando militar em Bissau de voos de aeronaves a mais de 1000 km/h, o que aponta claramente para aviões do tipo caça, provavelmente, os MiG da FAG. Os relatórios periódicos de informação registam 32 voos de origem desconhecida nos primeiros quatro meses do ano, alguns com velocidades demasiado elevadas para serem aviões comerciais [91].

Entretanto, a DGS na Guiné produz vários relatórios, informando que o PAIGC está a construir uma base aérea em Kambera, na Guiné-Conakry. No entanto, um voo de reconhecimento fotográfico levado a cabo por um Fiat G-91, em meados de Fevereiro de 1974, não detecta qualquer base aérea em Kambera [92].

Nessa altura, o governo em Lisboa tinha já em curso a aquisição de dois pelotões de mísseis Crotale R440, um deles para a defesa de Bissau, ficando inicialmente prevista a entrega do primeiro para Maio de 1974 e a do segundo dezoito meses depois [93]. Cada pelotão de Crotale é formado por duas unidades de tiro e uma unidade de aquisição e vigilância, num total de três viaturas.

Em finais de Dezembro de 1973, o 2.º Comandante do Regimento de Artilharia Antiaérea Fixa (RAAF), Tenente-Coronel de Artilharia Luiz Corte Real, juntamente com o Major da FAP, Mário Silva, deslocam-se a Paris, à Thomson CSF, para uma reunião de trabalho, provavelmente para acertar os pormenores do contrato de aquisição [94].

Finalmente, a 24 de Janeiro de 1974, é firmado o contrato para a aquisição do Crotale pelo montante global de 134 milhões de francos franceses [95], um valor a ser coberto pelas verbas do empréstimo sul-africano. Entretanto, o Tenente-Coronel Corte Real cria um grupo de trabalho constituído por cinco oficiais e nove sargentos para frequentar o curso de preparação do Crotale, em França.

O grupo parte para Paris, em Maio de 1974, onde durante quatro meses toma contacto com este novo sistema de defesa antiaérea [96]. O sistema funciona com base na identificação de aeronaves por interrogação dos seus equipamentos IFF (Identificação Amiga ou Inimiga), em áreas de mínima actividade aérea amiga, o que não era o caso da Guiné, onde o Crotale exigia um dispositivo de defesa aérea mais complexo.

Míssil antiaéreo Crotale NG [Nova Geração], uma
versão mais avançada do originalo R440.
Paris, Air Show, 2007. Fonte: Cortesia de Wikipedia
Em resposta a esta necessidade, o CEMFA, General Correia Mera, informa, em Fevereiro de 1974, o CEMGFA, General Costa Gomes, de que a Força Aérea pretende equipar com IFF, numa primeira fase, “todos os aviões Fiat G-91, NORD, C-47 e B-26, com prioridade para os pertencentes à ZACVG, seguindo-se os das Regiões Aéreas”.

O CEMFA refere ainda que “os aviões T-6 e DO 27 só serão considerados numa segunda fase, pois exigem como condição de montagem do sistema IFF a substituição do gerador e inversor de corrente próprios (…) sendo a mudança demorada” [97].


Os radares de defesa aérea

No início de Fevereiro de 1974, o General Bethencourt Rodrigues escreve ao CEMGFA queixando-se que,“dos 4 radares AN/TPS-1D cedidos pelo Exército, só um poderá vir a ser colocado em funcionamento, mas em condições deficientes. Mesmo admitindo que este radar viesse a trabalhar em boas condições, as suas características técnicas não satisfazem as necessidades de cobertura de radar do T.O., porquanto não fornece dados altimétricos, necessários à Força Aérea, e tem fracas possibilidades de detecção a baixas alturas, característica essencial para a defesa antiaérea”.

Bethencourt Rodrigues refere ainda que teve conhecimento de “haver um estudo para a aquisição de meios electrónicos de detecção no SGDN, para finalidades antiaéreas, conjugado com um trabalho idêntico no EMFA” e pede que “o problema seja encarado com a urgência possível atendendo à situação crítica” que se vive na Guiné [98]. No quartel-general em Bissau existe o receio de uma intervenção aérea apoiada por países africanos, o que tornaria a situação militar no terreno muito complicada.

Nessa altura, o SGDN tinha já constituído um grupo de trabalho com o objectivo de estudar e recomendar um radar móvel para a Guiné. O radar escolhido tinha sido o AN/APR-41 (XE-2), da Dalmo Victor Division, de fabrico norte-americano, um sistema leve e compacto facilmente transportável em aviões e helicópteros, sendo possível adaptá-lo também a veículos e posições fixas [99].

Por seu turno, a Força Aérea tinha estudado o TRS 2200 (Picador), da Thomson-CSF, e o S600 (sistema 2), da Marconi, tendo preferência pelo radar da Marconi [100]. No entanto, quando este estudo comparativo chega ao conhecimento da 1ª Repartição do SGDN, são detectadas várias imprecisões no estudo da FAP, o que leva o SGDN a propor “a criação de uma comissão ao nível da Defesa Nacional a fim de equacionar devidamente o problema” [101].

A referida comissão é criada ainda durante o mês de Abril, mas com a mudança do regime a 25 de Abril e o fim da guerra colonial algum tempo depois, nenhuma destas aquisições se concretiza. Sabemos, no entanto, por uma nota da Direcção dos Assuntos Económicos e Financeiros (DAEF) do Ministério dos Estrangeiros francês, que, a 5 de Abril, Paris tinha autorizado a venda de cinco radares Picador pelo valor de 75 milhões de francos [102].

Mas, nessa altura, Portugal não tinha ainda tomado qualquer decisão sobre o assunto. Na mesma nota da DAEF é também referido que o Primeiro-Ministro francês tinha autorizado a venda a Portugal de 32 Mirage IIIE pelo valor de 750 milhões de francos, mas com a ressalva dos aviões não serem deslocados, nem para a Guiné-Bissau nem para as ilhas de Cabo Verde. O valor indicado ronda 4,2 milhões de contos, o que significa que 70% do empréstimo sul-africano seria para pagar os Mirage.

Apesar do fim da guerra, um pelotão de mísseis Crotale ainda chega a Lisboa, em Setembro de 1974, e segue para as instalações do Centro de Instrução de Artilharia Antiaérea e Costa (CIAAC), em Cascais [103]. Porém, em 1976, é vendido à África do Sul com a mediação da Thomson e as verbas já pagas são devolvidas a Portugal [104].

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O autor agradece aos arquivos do Exército, da Força Aérea e da Defesa Nacional, as facilidades concedidas para esta investigação. Igualmente, a Manuel Couto, Tenente-general José Nico, Coronel Pereira da Costa, Tenente-coronel Luís Barroso e Capitão Alberto Cruz, os comentários e informações transmitidas e ao Casimiro Serra a ajuda na pesquisa de informação cubana.

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 Notas do autor:

[91] Diversos PERINTREP da Guiné, ADN/F2/SSR.002


[92] Nota n.º 324 (folha de circulação) do Secretariado-Geral da Defesa Nacional, 2 de Março de 1974, ADN/SGDN 3556.1.


[93] Cunha, Silva, O Ultramar, a Nação e o 25 de Abril, Atlântida Editora, Coimbra, 1977, p. 318.


[94] Informação nº 36232/GC do Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, Assunto: Mísseis Crotale, Secretariado Geral da Defesa Nacional, Lisboa, 28 de Dezembro de 1973, ADN/F3/4/8/39.


[95] Protocolo para a negociação da devolução à firma Thomson CSF de um sistema de armas “Crotale”, 2 de Julho de 1975, ADN Fundo geral 833/7.


[96] Maurício, Henrique, Testemunho in Boletim da Artilharia Antiaérea Especial “60 anos da Artilharia Antiaérea em Portugal”, nº 3, II Série, Outubro de 2003, pp. 112-113.


[97] Nota n.º 78-P-4.1.5 do Chefe de Estado-Maior da Força Aérea para o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, Assunto: Defesa aérea da Guiné (Bissalanca), 11 de Fevereiro de 1974, SDFA/AH, 1.ª Região Aérea, Cx. 102, Processo 430.201.


[98] Carta do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné para o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, Assunto: Defesa Aérea, Bissau, 4 de Fevereiro de 1974, ADN/F3/17/37/51.


[99] Informação n.º 1/74 do Grupo de Trabalho para Adopção de Radares de Vigilância Próxima, Secretariado-Geral da Defesa Nacional, 9 de Janeiro de 1974, SDFA/AH, 1.ª Região Aérea, Cx. 102, Processo 430.201.


[100] Informação nº 4/74 da Secretaria de Estado da Aeronáutica, Assunto: Estudo comparativo dos radares de Defesa Aérea Picador e Marconi S600, 3 de Abril de 1974, ADN Fundo Geral SGDN 6836/1.


[101] Informação n.º 77/RA da 1ª Repartição do Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Assunto: Estudo comparativo dos radares de Defesa Aérea Picador e Marconi S600, 9 de Abril de 1974, ADN Fundo Geral SGDN 6861/1.


[102] Nota da Direcção dos Assuntos Económicos e Financeiros, Assunto: Venda de armamento a Portugal, 31 de Maio de 1974, Archive du Ministère des Affaires Estrangères (AMAE), Europe 1971-1976 – Portugal – Caixa 3501.


[103] Maurício, op. cit., p. 113.


[104] Memorando sobre o Crotale, 31 de Dezembro de 1975, ADN Fundo Geral Cx. 833/7.

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Nota do editor:

Postes anteriores da série >

6 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15077: FAP (84): a ameaça dos MiG na guerra da Guiné (José Matos, Revista Militar, nº 2559, abril de 2015) - Parte I

Guiné 63/74 - P15091: Parabéns a você (961): Filomena Sampaio, Amiga Grã-Tabanqueira de Guimarães e Raul Azevedo, ex-Cap Mil, CMDT da 2.ª C.ª/BART 6522 (Guiné, 1972/74)


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Nota do editor

Último poste da série de 8 de Setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15083: Parabéns a você (960): Alberto Grácio, ex-Alf Mil Op Esp do BCAÇ 4615/73 (Guiné, 1973/74)

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15090: (Ex)citações (290): Que ele havia, no meu tempo, coisas estranhas no céu, havia... Se eram aeronaves inimigas ou ovnis, não sei... (Henrique Cerqueira, Bissorã, 1972/74; Alcídio Marinho, Xitole e Bafatá, 1963/65)



A metralhadora ligeira Dreyse 7,9 mm m/938, de fabrico alemão...

1. Dois comentários ao poste P15086 (*):

1.1. Henrique Cerqueira [, ex-fur mil,  3.ª CCAÇ/BCAÇ 4610/72, e CCAÇ 13, Biambe e Bissorã, 1972/74; vive no Porto]:

Já em determinada altura eu comentei aqui neste blogue a situação dos MiG na Guiné. Pois que em 1973,  perto do final do ano ( já não consigo precisar...), nós,  as tropas sediadas em Bissorã e na altura estando eu na CCAÇ 13, recebemos uma espécie de panfleto com imagens dos MiG 19 e 21 e junto dessas imagens umas instruções de como reagir ao avistar essas aeronaves...

Claro que o(s)mentor(es) desse papelinho achavam que talvez fossemos super-homens com os poderes de ouvirmos e vermos os aviões antes de passarem, visto que os ditos são supersónicos.

Mas o mais ridículo da informação contida no famigerado panfleto era que devíamos adaptar a mira antiaérea na metralhadora Dreyse [, metralhadora ligeira Dreyse 7.9mm m/938, ] e disparar para os ditos aviões.

Bom, a malta partiu a moca a rir e,  infelizmente,  rasgámos os ditos panfletos e assim hoje não tenho essa prova documental de tanta burrice que havia nas mentes de alguns dos nossos comandos superiores da altura. Poderá ainda haver alguém se lembre desta façanha, alguém que tenha passado por Bissorã nessa altura até 1974.

Já agora acrescento que em 1973/74 tivemos informações que os pilotos eram estrangeiros (cubanos, russos,  checos e afins...) e que pelos vistos os candidatos a pilotos naturais da Guiné em instrução de voo deram cabo de uma data de aeronaves e tiveram que adiar por uns tempos a utilização por pilotos guineenses (o que nunca veio a acontecer,  como se sabe não é?...).

Fui aqui contando do que me lembro da altura em relação a esse tema dos Aviões MiG. Alguma coisa pode ser só histórias de "caserna",  mas o dito panfleto é mesmo real.

Henrique Cerqueira
1.2. Alcídio Marinho [ ex-fur mil inf, CCAÇ 412 
(Bafatá, 1963/65); vive no Porto:

Amigos:

Nessa altura,  julho de 1963,  estava eu destacado no Xitole em reforço do Pelotão Independente, não me recordo o dia, fomos fazer uma incursão na região de Mina, quando ouvimos o troar dum F-16 (Sabre) e o alferes Cardoso Pires ordenou que precisavámos de nos deslocar rapidamente para uma clareira pois podíamos ser confundidos com turras. 

De facto, o piloto viu qualquer coisa em baixo e voltou a passar rente às árvores para verificar e fez a manobra de balouçar as asas, confirmando que nos tinha reconhecido. Passado pouco tempo ouvimos um troar doutro jacto,  vindo de sudeste, da direcção da Aldeia Formosa. Fizemos a manobra anterior, mas qual é o nosso espanto que o aparelho era totalmente diferente, dirigia-se na direcção do Fiofioli, mas de repente fez uma curva rápida e desapareceu para Sul.

Quando chegamos ao Xitole mandamos um rádio informando o sucedido.

Também no fim de maio desse ano,  num patrulhamento, com actividade diurna e nocturna, na região da Ponta do Inglês, eram cerca da 11 da noite e ouvimos o barulho dum heli, que pairava com uma potente luz apontada para baixo... De repente vimos que baixava, comunicámos rápido para Bafatá, informando o facto. Passada cerca de meia hora levantou e seguiu para Sul.

Mais tarde,  já em setembro ou outubro de 1964, estávmos em Catacunda-Norte, perto de Fajonquito, também perto das 11 da noite,  ouvimos um hélio,  vindo de norte (Senegal), vinha em nossa direção, de repente virou em direção oeste para a região de Cambaju Grande e Banjara. Dizíamos Cambaju Grande para distinguir da tabanca Cambaju que ficava na estrada entre Fajonquito e Colina do Norte, junto à fronteira do Senegal.

Claro que estes aparelhos não podiam ser nossos, pois a nossa Força Aérea não circulava de noite. A única vez que vi atividade aérea, foram um Dakota e uma Auster ou Dornier que vieram buscar uns feridos a Bafatá, já perto das 10 da noite, pois tivemos que fazer a segurança à pista e colocar garrafas de cerveja com mechas acesas.

Normal era actuarmos em sintonia com os T-6 em muitas operações.

Alcidio Marinho
ex-fur mil
CCAÇ 412 - 3º Pelotão
9 abr 1963 / 29 abr 1965
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Notas do editor:

(**) Último poste da série > 4 de setembro de  2015 > Guiné 63/74 - P15072: (Ex)citações (289): A propósito de Casamansa: a Guiné-Bissau não devia alimentar orgulhos caducos e tem a obrigação de respeitar as fronteiras coloniais existentes, se quiser continuar a existir como país.

Guiné 63/74 - P15089: Em busca de... (260): José Carlos, taxista em Vila do Conde, ex-Soldado Atirador do 2.º Pelotão da CCAÇ 4152, procura camaradas (Vasco Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Vasco Santos (ex-1º Cabo Op Cripto da CCAÇ 6 (Onças Negras), Bedanda, 1972/73), com data de 1 de Setembro de 2015:

Olá amigo Carlos,

Espero que esteja tudo de bem contigo e com a Família.

Estou a entrar em contacto a fim de te solicitar um favor, ou seja, a possibilidade de publicares uma foto de um conterrâneo nosso que esteve em Gadamael no ano de 1973/1974. Será possível?

Em caso afirmativo o que ele pretende é restabelecer contacto com algum amigo do Pelotão/Companhia dele. Para tal, anexo uma foto (ele é o ultimo na primeira fila à esquerda, com o prato na mão).

José Carlos, de pé, à direita da foto

José Carlos

Dados:
José Carlos (Taxista em Vila do Conde)
Ex-Soldado Atirador do 2.º Pelotão da CCAÇ 4152
Contacto: tlm 966 852 568

Desde já os meus agradecimentos e até uma nova oportunidade.
Abraço
Vasco Santos


2. Comentário do editor:

Caro Vasco, faz chegar ao camarada José Carlos que na nossa tertúlia há 2 camaradas da CCAÇ 4152/73, a saber: o ex-Alf Mil Carlos Milheirão e o ex-Alf Mil José Gonçalves, este radicado no Canadá.

Em tempos um outro camarada da 4152, de nome Manuel Joaquim Gonçalves, de Viana do Castelo, tentou também através do nosso Blogue  encontrar camaradas seus.

Se o José Carlos quiser os contactos destes 3 companheiros de Companhia, fá-los-ei chegar até ele por teu intermédio.

Fico ao dispôr
Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14756: Em busca de... (259): Fotos do cinema de Bafatá, c. 1970 (António Martins, arquiteto, Bigarquitectura, Braga)

Guné 63/74 - P15088: Convívios (705): Encontro do pessoal do Hospital Militar 241 de Bissau (1966 a 1972), dia 3 de Outubro de 2015, na Covilhã (Manuel Freitas)

1. Em mensagem do dia 8 de Setembro de 2015, o nosso camarada Manuel Freitas (ex-1.º Cabo Escriturário do HM 241, Bissau, 1968/70), dá notícia do próximo Encontro Anual do Pessoal daquele Hospital.

Bom dia Luís Graça, 
Pedia-te o favor, a exemplo dos anos anteriores, que publicasses no blogue este anuncio.
Obrigado pela atenção.

Um abraço 
Manuel Freitas





COVILHÃ DIA 03 OUTUBRO DE 2015 

Convívio dos ex-militares do HM 241 dos anos de 1966 a 1972

Local: Hotel Turismo da Covilhã 
Contacto: Manuel Freitas - tlm. 964 498 832 
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de setembro de 2015 > Guné 63/74 - P15069: Convívios (704): Convite da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira e do núcleo local da Liga dos Combatentes para a cerimónia de inauguração do Monumento aos Combatentes do concelho: sábado, 5 de setembro de 2015, pelas 9h30

Guiné 63/74 - P15087: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (19): De 26 de Julho a 4 de Agosto de 1973

1. Em mensagem do dia 5 de Setembro de 2015, o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos a 19.ª página do seu Caderno de Memórias.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74 

19 - De 26 de Julho a 4 de Agosto de 1973


Da História da Unidade do BCAÇ 4513: 

JUL73/26 – Forças da 1.ª CCAÇ durante a acção “ORIENTE”, estenderam os patrulhamentos das NT mais para o interior, aproximando-se do R. BAPO. Na região (XITOLE 1 F 5-13) referenciaram rajadas e rebentamentos de AA. Segundo a direcção de SALANCAUR JATE (GUILEGE 3 G 3-23) aquando da passagem S/N (sul/norte) de um avião não identificado.

JUL73/27 – Forças da 3.ª CCAÇ durante a acção “ORDENAR” percorreram a antiga picada MAMPATÁ-BOLOLA fazendo C/PEN (contra penetração) na região do R. BAPO. Sem contacto.

JUL73/28 – (...)

JUL73/30 – GR IN não estimado flagelou durante dez minutos o Destacamento de Cumbijã com 20 granadas de canhão S/R 82, sem consequências. As NT reagiram com artilharia.

JUL73/31 – Inicia-se com forças da 1.ª, 2.ª e 3.ª CCAÇ e CCAV 8351 a acção “OUSADIA”, orientada para a região do UNAL. Neste dia é deslocada para a região do pontão destruído do R. HABI, a CCAV 8351 com a missão de o proteger na sua reconstrução. É reforçada com o PEL SAP, o PEL REC da CCS, encarregadas da sua reconstrução. 

[Vai começar a “festa”, digo eu. E sublinho o anúncio a negrito].

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[Ainda que possa interessar apenas a uns quantos e a mim próprio, a História da Unidade do BCAÇ 4513 e o Resumo dos Factos e Feitos, são documentos valiosos pelo registo conciso e sistemático de acontecimentos em que participámos e que marcaram as nossas vidas, mas dos quais a nossa memória apenas guardou o mais relevante, deixando que se esfumassem os detalhes. Há mesmo informações e situações datadas de que só agora tomo conhecimento. 
Por tudo isso transcrevo na íntegra a descrição da SITUAÇÃO GERAL referente ao mês de Agosto/73, período conturbado e de grandes alterações no sector (S 2), e a seguir transcreverei apenas as actividades mais relevantes que, no mês de Agosto é quase tudo. Continuarei a acrescentar as minhas notas, memórias e histórias, à frieza militar dos registos da H. da Unidade].


Da História da Unidade do BCAÇ 4513 – Período de 01AGO a 31AGO73: 

SITUAÇÃO GERAL 

Este período foi particularmente movimentado no que diz respeito às NT, pois que além da apresentação do novo Comandante do Batalhão, se processou a saída do Sector S-2 do BCAÇ 3852, que seguiu para BISSAU para regressar à Metrópole, sendo substituído na quadrícula desde 10AGO73 pelo BCAÇ 4513, e ainda a entrada no Sector do BCAÇ 4516 que substituiu na intervenção o BCAÇ 4513.

Operacionalmente, o período iniciou-se com a acção “OUSADIA” que, tendo como objectivo o UNAL, a 1.ª fase consistiu em reconstruir um pontão sobre o R. HABI, próximo de LENGUEL, recentemente destruído pelo IN, não se tendo atingido o objectivo por terem sido detectados os trabalhos no pontão havendo consequentemente do outro lado do rio uma forte resistência, sendo o pontão novamente destruído, durante o contacto.

Nesta acção o IN sofreu 3 mortos confirmados e mais baixas prováveis e as NT 5 feridos ligeiros. Insistindo numa acção sobre o UNAL foi montada a Op. “OUSADIA SATÂNICA”, segundo a direcção N/S a partir de BUBA, que não resultou por não haver guias para aquela região e por o terreno nesta época de chuvas intensas e contantes afectar extraordinariamente a possibilidade de progredir e mesmo de orientação.

Não obstante a quantidade enorme de colunas auto que houve que fazer a BUBA para levar o BCAÇ 3852 e trazer o BCAÇ 4516 com todos os seus materiais, e não obstante ainda o treino operacional do BCAÇ 4516 hipotecar efectivos apreciáveis deste BCAÇ, procurou-se estender os nossos patrulhamentos a quase todas as regiões do Sector e montar emboscadas nos locais propícios tendo no dia 12AGO, a 1.ª CCAÇ interceptado uma coluna de reabastecimentos e provocado baixas não estimadas, capturando 3 elementos da população.

Referem-se como actividades mais importantes:

AGO73/02 – Em 0208AGO73 GR IN estimado em 100 / 120 elementos flagelou as NT quando durante a acção “OUSADIA” pretendíamos atravessar um pontão sobre o R. HABI próximo de LENGUEL. Do contacto resultou que o IN sofreu 3 mortos confirmados e outros mortos e feridos prováveis, tendo as NT sofrido 5 feridos ligeiros. O pontão referido foi destruído pelo IN, impossibilitando a passagem do R. HABI.

[Sobre os nossos “feridos ligeiros” cabe dizer que, alguns, não eram assim tão ligeiros: houve um alferes – já não recordo de que Companhia -, que ficou bastante ferido num olho com a terra projectada pelas rajadas no chão e, um dos muitos adolescentes civis que fazia de carregador, mesmo ao meu lado, ficou com uma mão furada de um lado ao outro].

Mapa da região de Cumbijã com referências ligadas à operação “Ousadia”

Das minhas memórias:

2 de Agosto de 1973 - (quinta-feira) – Ousadia insana a caminho do Unal; O meu 5.º confronto.

Estava em marcha a operação de maior envergadura em que participei. O destino era o Unal, considerado por muitos como um “santuário” do PAIGC. Mas esta operação também era considerada por alguns como uma aventura condenada ao fracasso, desde logo pelo modo de deslocação das tropas para o Unal, apeada e em fila indiana pelo interior da mata, e pela época do ano em que se realizou. Todavia, estávamos ali homens e armamento, por certo, capazes de assaltar com sucesso aquela base, ainda que, certamente, à custa de muitas baixas.

Assim, mal passámos a ombreira da porta, e eis que nos fazem uma espera do outro lado rio barrando-nos o avanço. É certo que, para chegar ali, tínhamos andado metade do caminho para o Unal mas, em termos de dificuldades, ainda estávamos a sair de casa.

O início do confronto foi bastante desigual, pendendo para eles a vantagem de estarem à nossa espera do outro lado do Rio Habi, com todo o dispositivo apto a atacar, e tendo à sua frente o campo aberto da bolanha. E fizeram-no quando os nossos da frente atravessavam essa bolanha em direcção ao rio, após terem saído da mata, por onde se prolongava um cordão humano desmesurado mas sem condições para reagir. Até que conseguíssemos trazer para a orla da mata os morteiros e bazucas dos primeiros grupos, eles iam alvejando a frente da coluna e dispersando pela mata as suas granadas, que rebentavam um pouco por todo o lado de mistura com rajadas de armas automáticas. Quando abrandou o ataque e eles começaram a debandar, concentrámos na orla a maioria dos morteiros de 60 e 81 mm e as bazucas das nossas forças, batendo a retirada deles quase até ao esgotamento das munições.

Pela primeira vez senti que, por um triz, me vazavam o crânio, obrigando-me a assistir ao resto do confronto lá de cima, junto dos anjinhos... Estava de pé, espalmado numa árvore a cerca de uma dezena de metros da orla da mata, tentando descortinar movimentos e posições do outro lado do rio. A folhagem dessa árvore roçava-me a cabeça e quase me ocultava a cara. Num instante, o zunir de uma rajada cortou essa folhagem e fê-la cair por mim abaixo, e eu atirei-me instintivamente para o chão com a garganta numa secura. Outros tiveram menos sorte e saíram feridos, principalmente na bolanha.

A meio da manhã e quase sem munições para os morteiros e com feridos, é feito um contacto para o Comando dando conta das dificuldades. Mandaram-nos aguardar para avaliarem a situação. A demora na chegada de ordens pareceu-me um acto punitivo, mas talvez fosse só o tempo de conferenciarem com o Comando-Chefe... Finalmente mandaram-nos regressar mas, à chegada a Cumbijã, como um balde de água fria, recebemos a informação de que sairíamos cedo no dia seguinte para Buba em viaturas, a fim de relançar a operação a partir daí com o mesmo objectivo mas com o nome melhorado. No estado físico em que me encontrava, tal como a maioria -, perante essa perspectiva, senti-me desfalecer.

“Ousadia Satânica”: estava muito bem posto o nome da operação seguinte. Mas já não era para mim.


Da História da Unidade do BCAÇ 4513: 

AGO73/04 – Em 041710AGO73, forças da CCAV 8351, encontraram na região (GUILEGE 3 I 6-64) o seguinte material:
7 GR/RPG-7; 10 GR/RPG-2; 3 GR/LGF; 2 tambores/armas autom.; 7 cargas/RPG; 4 minas A/Pess; 5 disparadores MUV; 6 cargas de trotil para minas A/pess; 2 cartuchos/GR MORT; 1 espoleta M6 BIU 17-68.

 - Op. “OUSADIA SATÂNICA”

Depois de se concentrarem em BUBA as três CCAÇ/BCAÇ 4513 durante o dia 3AGO, no dia 4 deu-se início à operação que visou atingir o UNAL, progredindo na direcção N/S. Foi ainda empenhada nesta operação um agrupamento do BCAÇ 3852 constituído por 2 GR COMB/CCAÇ 3398 mais 1 GR/COMB/CCAÇ 3400, [estas tropas do BCAÇ 3852 com a comissão mais do que terminada, relembro eu], destinado a fazer base temporária em BOLOLA, para colaborar nas evacuações e nos reabastecimentos das nossas companhias.


Das minhas memórias:

4 de Agosto de 1973 – (sábado) – Estadia forçada em Buba; O caso do 1.º Cabo Artilheiro.

Excluindo o curto período em que estive em Nhala a comandar a Companhia, pela primeira vez não acompanhei o meu grupo numa saída para o mato, neste caso na famigerada operação Satânica. Não que tivesse paludismo, micoses ou matacanha, mas porque estava no limite das forças: astenia, somente... Aquilo não era para meninos, repito, e a meu favor só tinha a idade. Como eu ficaram muitos em Buba, com as maleitas mais diversas. E o meu grupo saiu muito desfalcado para a operação, comandado pelos meus dois furriéis, valorosos e sempre prontos, e a quem devo enorme gratidão para além do apreço e reconhecimento que sempre tive.

Chegados de véspera a Buba, deve ter sido enorme o reboliço para acomodamento de todas as companhias, para o rastreio dos inoperacionais, para os detalhes da logística, enfim..., não recordo nada disso, tão pouco a saída das tropas para a operação mas, estranhamente, a ansiedade pelo que poderia acontecer lá longe, a sensação de vazio após a saída das tropas e o sentimento desconfortável, a roçar o remorso de ter ficado, nunca mais esqueci. Um ou outro episódio menor, também ficou para sempre, como aquele incidente com o Major D. M., mais um, quando me cruzei com ele junto das camaratas dos graduados. Cruzámo-nos, cumprimentámo-nos, ainda demos uns passos mas depois ele parou e chamou-me para implicar com a minha barba de vários dias. Incrédulo, ainda me tentei justificar com a operação de anteontem, o ter vindo para Buba para nova operação, obviamente sem apetrechos de barba porque não vinha em lazer, enfim, já muito zangado rematei com uma exclamação agressiva e pouco ortodoxa que me coíbo de reproduzir aqui. Áspero, interrompeu-me o fluxo de atoardas:
- Faça a barba imediatamente e apresente-se no meu gabinete!

E eu não tive outro remédio, senão ainda me iam pôr lá onde decorria a operação... A verdade é que sempre fui avesso aos exageros dos regulamentos militares, embora me esmerasse no aprumo quando nada justificasse o contrário, assim como no zelo e no empenho da minha actividade. Mas fora da tropa nunca aceitaria uma ordem daquelas nem a maior parte do que vem expresso no RDM, onde existe matéria a rodos que é ofensiva da dignidade, sobretudo para quem integra as Forças Armadas por ser obrigado. Ainda assim, pela minha falta de correcção, renovo publicamente o meu pedido de desculpas ao Sr. Major.

Um outro episódio que nunca mais esqueci, passou-se em Bissau em Agosto de 1974, um ano depois destas operações, mas que sempre relacionei com Buba e com o fracasso destas e de outras operações. Então, começando por Buba: enquanto decorria a operação “Ousadia Satânica”, eu almoçava na messe com outros militares quando vieram interromper o almoço ao Major D. M. para que ele fosse ao posto de rádio com urgência. Se não me trai a memória, neste e noutros detalhes, tenho ideia que entrou em acção o obus 14 ainda no decorrer do almoço e todos perceberam a urgência do apelo e que algo estaria a correr mal lá para os lados da operação. Possivelmente pediram para ser batidos com obus pontos concretos da região.

Em Bissau, na data referida acima, eu encontrava-me a aguardar avião para as derradeiras férias na Metrópole. Quase noite, deambulava sozinho nos limites da cidade, na estrada que ia para o aeroporto, quando entrei num bar – ou café? -, para comprar tabaco ou beber uma cerveja, já não recordo. Só depois de ter entrado me apercebi do ambiente penumbroso e pouco acolhedor. Já um pouco incomodado encostei-me ao balcão para pedir qualquer coisa com a intenção de não demorar ali. A algazarra nos fundos escuros do estabelecimento fez-me virar o olhar e perceber que os clientes eram todos guineenses ainda jovens. Depois de os olhar fiquei com a sensação de que começaram a sussurrar e, de facto, logo a seguir, um levantou-se e disse de lá:
- Alferes Murta!

Olhei de novo mas meio perplexo, pois estava à civil e porque não reconheci ninguém naquela obscuridade. Então o indivíduo dirigiu-se para mim e, com ar de quem reencontra um amigo amnésico, perguntou:
- Então não me reconhece de Buba? Eu conhecia-o bem de Buba. Eu era 1.º Cabo do obus de lá, não se lembra de mim?

Claro que não lembrava. Disse-lhe que não era de Buba embora por lá passasse às vezes, mas aquela intimidade começou a deixar-me mal disposto. Mesmo assim, ainda encetámos uma conversa que eu queria que fosse breve, não lhe dando grande saída. Falou do aquartelamento, dos nomes de militares que ele referia como se fossem todos íntimos, lugares comuns sobre a tropa e, de súbito, orgulhoso e como se fizesse uma declaração que ia agradar aos dois, diz-me que era e que sempre fora membro do PAIGC. Tive um sobressalto e pus-me em guarda, ainda na dúvida de que fosse tudo bazófia. E se não fosse? Que acções teria executado em obediência ao PAIGC e em prejuízo das nossas tropas? Não cheguei a saber porque a conversa descambou: começou-se a falar das tropas especiais e dos pelotões de milícia que tinham combatido ao nosso lado e eu, conhecedor de que muitos destes se recusavam a entregar as armas, vergonhosamente abandonados pelas autoridades portuguesas, - militares e políticas -, quis saber o que pensava sobre a resolução deste problema que iria afectar milhares de combatentes guineenses. (Quando embarquei para Portugal o assunto estava longe de estar resolvido). Respondeu-me que os chefes dessas revoltas seriam todos fuzilados, mas que não iriam fazer mal a mais ninguém. Já fora de mim disse-lhe que a sorte desses combatentes era que a opinião dele não contaria para nada, era nula, revanchista e primária. Julgo que ainda lhe perguntei se o que acabara de dizer fazia parte da ética e dos princípios, dos lemas e das palavras de ordem do PAIGC, mas eu já só queria era virar-lhe as costas e sair dali. E foi isso que fiz.

Mas todos sabemos o que aconteceu. Este incidente, não tendo abalado em nada as minhas convicções, até por ter envolvido um actor insignificante, foi como que uma premonição. Mantenho as convicções, mas ficou definitivamente abalada a minha confiança nas causas aparentemente nobres, passando a considerar ao mesmo nível os responsáveis dessas causas e o indivíduo que se dizia 1.º Cabo de Buba.

Segue-se uma série de fotografias de Buba (reproduções de slides) provavelmente todas de 1974, e que podem agradar aos muitos camaradas que antes de mim por ali passaram.

Foto 1: Entardecer em Buba vendo-se o rio ao fundo. 

Foto 2: Entardecer em Buba: Vista do aquartelamento a partir do rio. 

Foto3: Passeantes ao fim da tarde. 

Foto 4: Idem. 

Foto 5: Menino de Buba e tabanca. 

Foto 6: Um aspecto da tabanca. 

Foto 7: Monumento do Pelotão de Morteiros 2138 – BC 10 / Jullho69 – Junho71. 

Foto 8: Instalações que me parecem ser o refeitório de oficiais e abrigo. 

Foto 9: Bar de oficiais e camaratas. 

Foto 10: O meu grupo de combate frente à capela numa desfocagem posterior ao 25 de Abril/74.

(continua)

Texto e fotos: © António Murta
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Nota do editor

Último poste da série de 1 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15062: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (18): De 8 a 21 de Julho de 1973

Guiné 63/74 - P15086: Inquérito online: "No meu tempo já se falava da existência de aviões inimigos sob os céus da Guiné"... Primeiro comentário: "Quando estive no Depósito de Adidos, em Brá, na secção de justiça, em finais de novembro de 1973, lembro-me de chegarmos a receber informação para estarmos preparados para a eventualidade de um ataque aéreo"... (Augusto Silva Santos, ex-fur mil, CCAÇ 3306 / BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73)

A. Mensagem enviada ontem pelo correio interno da Tabanca Grande:

Camaradas:

Bom regresso ao blogue, para quem foi a "banhos" e andou por aí, pelo mundo pequeno, sem sequer mandar um bate-estradas ao pessoal da Tabanca Grande... Alguém teve que ficar a tomar conta do poilão e das moranças...

E falando em regresso, que tal falarmos sobre MiG[ues] e outras coisas esquisitas que, dizem, já no nosso tempo cruzavam o céu da Guiné ?... Quem diz  é o José Matos (*), que é o nosso grã-tabanqueiro nº 701 [, foto à direita,], e é "expert" em história da aviação militar e da nossa guerra...  Ou melhor: dizem as fontes que ele consultou nos arquivos...

De qualquer modo, ele já não é o último grã-tabanqueiro, estamos já no nº 702...

Pois, convidamo-os, a vocês todos, camaradas,  a dar uam vista de olhos ao primeiro dos seus quatro artigos sobre a "ameaça dos MiG"... E depois respondam à sondagem (no canto superior esquerdo do blogue)... Aguardamos respostas até 14 do corrente...  A respostas é sim ou não:
  
SONDAGEM: "NO MEU TEMPO,  JÁ SE FALAVA DA EXISTÊNCIA DE AVIÕES INIMIGOS NOS CÉUS DA GUINÉ"

1. Sim, já se falava

2.  Não sei / não me lembro
 
3. Não, não se falava

B. Uma primeira resposta (ou melhor, comentártio) que nos chegou, é do Augusto Silva Santos (ex-fur mil,  CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73):


Data: 7 de setembro de 2015, 23h17


Olá Luís, Boa Noite!


Espero que esteja tudo bem contigo.

Relativamente a este assunto, aproveito para recordar que, aquando da minha apresentação ao blogue em Setembro de 2010, na parte final da mesma fiz o seguinte comentário:

"Lembro-me que nos finais de 1973 era já grande a tensão entre as NT. O facto de o PAIGC já possuir os mísseis terra-ar que passaram a ser o terror da FAP  (começámos a não ter um efectivo apoio aéreo nas diversas missões) estava a ser determinante. 

"Também me recordo de Bissau começar então a ser cercada de arame farpado e da colocação de minas nalgumas zonas da sua periferia, e de nos ter sido comunicada a possibilidade de podermos vir a sofrer em qualquer altura um ataque aéreo, por constar que o IN já possuía os famosos MiG. O fim estava próximo."

Algumas pessoas na altura não concordaram com estas minhas afirmações, mas posso afiançar que, estando eu na altura colocado no Depósito de Adidos,  em Brá [, mais extamente, na Secção de Justiça,] , já na parte final da minha comissão,  em finais  de Novembro de 1973, chegámos a receber informação para estarmos preparados para a eventualidade de um ataque aéreo por estarmos relativamente perto da Base Aérea de Bissalanca. 

Não se tratou de qualquer boato. Houve até uma pequena reunião para oficiais e sargentos, onde se falou que iríamos receber instruções para o efeito. 

Até ao dia 22 de Dezembro, altura em que terminei a comissão e regressei à Metrópole, tal não se verificou. Desconheço se posteriormente essas mesmas instruções vieram ou não a acontecer. Importa ainda salientar que na altura alguns camaradas do COMBIS, que ficava ali mesmo ao lado, também confirmaram que haviam sido alertados para a hipótese de um ataque aéreo.

Não tendo sido uma comunicação oficial no sentido correcto da palavra (não nos foi passado nada escrito), pelo menos tratou-se de uma comunicação oficiosa, como se costuma dizer. Ou se quisermos, de um alerta.

Um Abraço
Augusto Silva Santos

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Nota do editor:


(...) No dia 26 de Julho de 1963, um caça português F-86F Sabre destacado na Guiné fazia um voo de teste na região do rio Corubal. A bordo do aparelho, o piloto esperava um voo calmo e sem incidentes, contudo, tem um encontro imprevisto. Enquanto testa o Sabre, avista à distância um jacto desconhecido e, quando muda de rota para tentar verificar a identidade do avião, este foge rapidamente, não permitindo a sua identificação. A única coisa que consegue perceber é que se trata, provavelmente, de um MiG ao serviço da Força Aérea Guineana (FAG) (...).

Guiné 63/74 - P15085: FAP (86): a ameaça dos MiG na guerra da Guiné (José Matos, Revista Militar, nº 2559, abril de 2015) - Parte III




1. Continuação da publicação do artigo do José Matos, "A ameaça dos MIG na guerra da Guiné", Revista Militar, nº 2559, abril de 2015, pp. 327-352 > (*)

por José Matos

[, membro da nossa Tabanca Grande, nº 701; investigador independente em história militar,com particuolar interesse pela guerrano TO da Guiné]

(Continuação) 

Pilotos guerrilheiros

No dia 2 de Agosto de 1973, o jornal inglês Daily Telegraph dá conta de que o PAIGC está a treinar pilotos na União Soviética para usar aviões MiG, a partir da Guiné-Conakry, em possíveis ataques contra a colónia portuguesa. Num artigo assinado pelo correspondente em Lisboa, o jornalista Bruce Loudon, é referido que o PAIGC “está apenas a seis meses de atingir uma capacidade de ataque aéreo com caças MiG russos”. O jornalista refere também que cerca de 40 guerrilheiros estão a frequentar cursos de pilotagem na Rússia, baseando toda a notícia em fontes portuguesas [59].

A própria Direcção Geral de Segurança (DGS) na Guiné recolhe informações no mesmo sentido, dando conta que a guerrilha tem intenção, durante o Natal e o Ano Novo, de usar os MiG em bombardeamentos contra alguns aquartelamentos portugueses, no sul da Guiné. No entanto, a DGS revela, na mesma informação, que a fonte da notícia acredita que o PAIGC não vai usar meios aéreos e “que se vão servir dos aviões apenas para encorajar os terroristas” [60].

O comandante da ZACVG, agora sob o comando do Coronel Lemos Ferreira, revela também preocupações a este nível e, em finais de Novembro de 1973, escreve ao CEMFA referindo a possível existência de voos de reconhecimento senegaleses na fronteira norte e de eventuais patrulhamentos de aviões MiG-15 eMiG-17 da Guiné-Conakry, na fronteira sul e leste, embora nunca se consiga confirmar qualquer destes voos visualmente. Este oficial reporta também a possibilidade da guerrilha tentar eliminar duas guarnições de fronteira, uma no leste (provavelmente Buruntuma) e outra no sul, talvez Gadamael, dada a posição dominante que ocupava na chamada península de Cacine.

Lemos Ferreira salienta ainda que estas acções podem ser apoiadas por aviões MiG vindos de Conakry, o que leva o comandante da ZACVG a pedir urgência no equipamento dos Fiat com mísseis Sidewinder [61]. Apesar da insistência neste tipo de arma, a verdade é que já, em 1970, tinham sido testados nas OGMA mísseis Sidewinder no G-91 e os resultados tinham sido insatisfatórios. O Fiat não era um avião adequado para combater um MiG, embora os pilotos portugueses tivessem mais treino e mais experiência em combate do que os guineanos ou os cubanos, o que era uma vantagem em caso de confronto.

Incursões de MiG na Guiné


Em Setembro de 1973, o comandante da FAG, Capitão Adduramán Kamara, decide fazer um voo de reconhecimento dentro do território da Guiné. A intenção é comunicada aos pilotos cubanos, que começam a preparar a incursão com grande cuidado, pois não pretendem encontrar aviões portugueses no caminho [62].

 Em meados de Setembro, dois caças MiG-17F partem de Conakry, rumo à fronteira com a Guiné, tendo aos comandos um piloto guineano e um cubano. Os aviões voam sem oxigénio para o piloto, o que não permite subir a grande altitude para poupar combustível. O voo é seguido de perto pelo radarP-12 instalado em Kamsar e operado por especialistas cubanos. Os aviões seguem em direcção a Bafatá, no sul da Guiné, onde fazem um reconhecimento visual a baixa altitude. No regresso a Conakry são alertados pelo pessoal do radar que uma parelha de Fiat G-91 levantou voo de Bissalanca, mas os caças portugueses não conseguem alcançar os MiG, que aceleram até aos 1000 km/h voltando em segurança à base de partida, onde chegam já sem combustível para grande susto dos pilotos [63].

Pouco tempo depois, em Novembro, surgem novas informações da DGS da Guiné sobre uma possível ameaça aérea vinda do próprio PAIGC. A 9 de Novembro, a DGS divulga a informação de que, no aeroporto da capital guineana, estão ao serviço da guerrilha “12 aviões de guerra, 12 helicópteros (…) e 80 bombas de avião, sendo 4 de tamanho maior, com um raio de acção de cerca de 500 metros, destinadas a serem lançadas sobre Bissau”. 

A informação refere ainda que os bombardeamentos estão previstos para 20 de Janeiro de 1974 (data do primeiro aniversário da morte de Amílcar Cabral), e que, em Conakry, estão também “8 pilotos de aeronaves, sendo 2 russos, 2 alemães, 2 chineses e 2 ingleses, a fim de ministrarem instrução de pilotagem a elementos do PAIGC que, para o efeito, foram seleccionados entre os que possuíam melhores aptidões físicas e literárias”[64]. 

A 16 de Novembro, a DGS informa que o regime guineano recebeu, recentemente, 41 aviões MiG-19 e alguns carros blindados que pôs à disposição do PAIGC. Os aviões foram colocados em Sarebódio, na Guiné-Conakry, e os carros blindados em Sembali, no Senegal [65]. Sabe-se hoje que a informação era exagerada, pois a FAG não dispunha do MiG-19, nem de um número tão elevado de caças.

No início de Dezembro, é a vez do quartel de Buruntuma, perto da fronteira leste da Guiné, receber a visita dos MiG da FAG. Dois caças sobrevoam e picam sobre o quartel, retirando depois em direcção ao país vizinho. O comando da ZACVG transmite esta informação à Secretaria de Estado da Aeronáutica (SEA) e manda a Buruntuma o Tenente-Coronel Vasquez para esclarecer a situação[66]. 
As averiguações feitas no local por este oficial sugerem a possibilidade de serem aviões MiG-19 e o comando da ZACVG pede à SEA que seja realizado um esforço de pesquisa no sentido de confirmar ou não a existência doMiG-19 na República da Guiné, bem como origem do mesmo, tripulações respectivas, número de aviões e pilotos [67].

Em meados de Dezembro, são aduzidas pela ZACVG novas informações sobre os meios aéreos do país vizinho. Um informador guineense relata a existência de seis a doze MiG-21 na base de Conakry, com pilotos russos e guineenses, levantando também a possibilidade de estar a decorrer um curso de adaptação a este avião para os pilotos da República da Guiné. O informador refere ainda que a base possui abrigos enterrados para a protecção de aviões e que Luís Cabral tem insistido junto da Rússia para que sejam “acelerados os cursos de formação de 10 a 12 pilotos do PAIGC previstos terminarem no início de 1974”. Mais uma vez, a ZACVG pede à SEA que seja efectuado um esforço de pesquisa, no sentido de determinar o grau de veracidade destas informações [68]. Mais uma vez, a informação era exagerada, pois, nem o MiG-21 nem o MiG-19, faziam parte do inventário da FAG.

Este fluxo de informação vai chegando ao Governo, em Lisboa, e Marcelo Caetano percebe que o uso de aviões de combate pela guerrilha pode tornar a Guiné indefensável. Preocupado com a situação na colónia, Caetano dá indicações para “fazer-se o impossível por dotar a Guiné de eficaz defesa antiaérea”, o que leva o Ministério da Defesa a acelerar os planos de aquisição de mísseis e radares e a procurar junto do Ministério das Finanças um financiamento extra para tais aquisições [69]. 

Bandeira da África do Sul, de 1928 a 1994...
Cortesia de Wikipedia
Aproveitando as óptimas relações que tem com o regime sul-africano, é junto de Pretória que Portugal obtém o dinheiro necessário para reforçar o seu poder militar.

O apoio sul-africano

Ao longo da guerra, Portugal estabelece com o regime branco de Pretória uma cooperação política e militar muito estreita. A permanência portuguesa na África Austral é extremamente importante para os sul-africanos, pois sabem que, se Portugal deixar Angola e Moçambique, a África do Sul ficará cercada de inimigos hostis ao apartheid e à presença sul-africana na Namíbia. Por seu turno, Portugal vê na África do Sul um aliado poderoso, capaz de fornecer apoio militar, político e financeiro à luta que as forças portuguesas travam em África.

É neste ambiente de cooperação que o Ministério da Defesa português discute com o seu congénere sul-africano a possibilidade de um empréstimo considerável da ordem dos 150-160 milhões de rands para a compra de material militar destinado ao Exército e à Força Aérea [70].

 Em Janeiro de 1973, o ministro Viana Rebelo envia ao ministro sul-africano da Defesa, P.W. Botha, duas listas de material de guerra: a lista I, respeitante a equipamentos a serem cedidos pela África do Sul para satisfazerem as necessidades mais urgentes das tropas portuguesas em Angola e Moçambique, e a lista II, respeitante a materiais a adquirir mediante um empréstimo sul-africano [71]. Na lista do material a ceder são incluídos dois pelotões de mísseis Crotale, enquanto na lista do material a financiar aparece uma esquadrilha de vinte aviões Mirage V por 1,6 milhões de contos (49,6 milhões de rands). O valor total do financiamento ascende a 5,147 milhões de contos (159,6 milhões de rands).

A 30 de Maio de 1973, P.W. Botha encontra-se em Lisboa com Viana Rebelo e o assunto dos Crotale é discutido entre os dois ministros. Durante as conversações, Botha reconhece que o míssil ainda está numa fase experimental e que o preço doCrotale ainda é demasiado elevado, devido ao facto da África do Sul ser até aquela data o único comprador do míssil e que “se Portugal deseja adquirir directamente em França podê-lo-á fazer contactando com a empresa Thomson” e sendo “Portugal um membro da NATO poderá ajudar promovendo compras que contribuirão para o embaratecimento do sistema” [72]. Desta forma, o Crotalepassa para a lista II de material a financiar e Lisboa contacta directamente os franceses para a compra do sistema.

No entanto, as negociações para o empréstimo só começam no final de Agosto de 73, em Pretória, sendo concluídas no final do ano. Finalmente, em Março de 1974, é assinado um acordo de empréstimo de 150 milhões de rands (6 milhões de contos) entre Portugal e a África do Sul, para a compra de material de guerra, em prestações mensais de 5 milhões de rands [73]. É o dinheiro de Pretória que permite a Lisboa obter os novos meios de defesa para a Guiné, nomeadamente os mísseis Crotale e o Mirage, embora este último nunca chegue a ser adquirido [74].

Entretanto, a 29 de Setembro, o General Bethencourt Rodrigues, assume na Guiné as funções de governador e comandante-chefe, em substituição do General Spínola. Bethencourt Rodrigues reconhece de imediato que a mais perigosa ameaça que as forças portuguesas poderão ter de enfrentar na Guiné será o aparecimento de uma Força Aérea do PAIGC, capaz de actuar “contra a FAP para obter a sua total anulação, contra forças ou guarnições militares ou contra povoações com especial incidência sobre Bissau e o seu porto”. Desta forma, considera que é indispensável dotar o mais rapidamente possível aquela colónia de “uma defesa AA eficaz com base em mísseis modernos”, além de “dispor de uma força aérea de ataque e retaliaçãoeficiente, possivelmente com base na ilha do Sal” e “ter uma aviação de transporte (helis e aviões ligeiros) que confira às suas unidades grande mobilidade” [75].

As negociações com os americanos

Aproveitando as negociações em curso com Washington para a renovação do acordo das Lajes e as facilidades concedidas durante a guerra de Yom Kippur, em que a base dos Açores teve uma importância fundamental no apoio militar a Israel, o governo português tenta obter junto dos americanos mísseis terra-ar para a defesa da Guiné [76]. A intenção é comprar mísseis portáteis FIM-43A Redeye e também mísseis Hawk [77]. Mas, devido ao embargo de armas que existe contra Portugal, a diplomacia americana tenta fornecer os mísseis através de um terceiro país, Israel. O próprio Henry Kissinger envolve-se na questão e, a 9 de Dezembro de 1973, encontra-se com o Ministro dos Negócios Estrangeiros português, Rui Patrício, em Bruxelas, à margem de uma reunião da OTAN, e promete-lhe que os mísseis vão ser fornecidos usando Israel como intermediário, pois o Congresso americano jamais aprovaria uma venda directa [78].
FIM-43 Redeye: um lançador portátil 
de mísseis terra-ar ...
Cortesia de Wikipedia... [Edição: LG]
A 11 de Dezembro, o embaixador português nos EUA, João Hall Themido, encontra-se com o seu colega israelita em Washington, seguindo uma indicação dada alguns dias antes, por William Porter, Subsecretário de Estado para Assuntos Políticos [79]. Simcha Dinitz agradece a ajuda portuguesa durante a guerra de Yom Kippur, mas, na conversa que tem com Themido, afirma que não é “técnico militar”, e que lhe parece que os únicos mísseis que Israel dispõe são os Hawk e que não sabe se o seu governo pode vender a Portugal material militar de origem americana, mas que vai procurar saber [80].

Dois dias depois, Themido fala com o encarregado de negócios da embaixada israelita, que lhe assegura que, embora Israel tenha mísseis Redeye e Hawk, os mesmos não podem ser fornecidos sem o consentimento americano e que a única coisa que Telavive pode fazer é vender material de origem israelita, caso isso seja considerado útil [81]. A resposta israelita deixa Themido insatisfeito e de Lisboa recebe instruções para esclarecer o assunto junto de William Porter [82].

A 15 de Dezembro, o embaixador português encontra-se com Porter no Departamento de Estado e este diz-lhe que tinha apenas sugerido ao embaixador israelita que, em contacto com Themido, averiguasse da disponibilidade de material de guerra e da possibilidade de fornecimento, mas nada mais do que isso. Mais tarde, num telefonema para a embaixada portuguesa, chega mesmo a dizer que, nos contactos que tinha tido com Dinitz, apenas lhe tinha dito que Portugal estava interessado em adquirir mísseis terra-ar, não admitindo que tivesse sugerido a entrega a Portugal de mísseis americanos [83].

O assunto vai-se, assim, arrastando até que, em 8 de Fevereiro de 1974, o secretário de Estado Adjunto, Kenneth Rush, chama o embaixador português para lhe comunicar que os EUA não podiam fornecer os mísseis Redeye, pois, por um lado, eram contra a proliferação desse tipo de armamento, estando em conversações com Moscovo para limitar a difusão de armas MANPADS (“Man-Portable Air Defense Systems”) e, por outro, os mísseis “seriam usados no plano interno na luta contra as guerrilhas, o que era inaceitável”. Em relação aos Hawk teriam de consultar o Congresso, caso Portugal concordasse com essa consulta [84].

Esta tomada de posição americana leva o governo português a considerar seriamente o fim da utilização da base das Lajes por parte dos EUA, uma intenção que é comunicada por Themido a Rush, a 18 de Março. Rush fica obviamente surpreendido com tal intento e considera extemporânea tal decisão e promete ajudar Portugal fora do campo militar, pois se, “na parte militar, os auxílios dos Estados Unidos eram necessariamente limitados, na parte económica e técnica certamente haveria possibilidades ainda não exploradas” [85].

A intenção portuguesa chega ao conhecimento do próprio Kissinger que, a 11 de Abril, escreve a Rui Patrício reforçando as palavras de Rush quanto a uma cooperação em áreas não militares, pedindo ao ministro português sugestões a esse nível, e mantendo o interesse americano em continuar a usar as Lajes [86]. Embora não faça qualquer referência na carta à questão dos mísseis Redeye, a verdade é que o secretário de Estado americano acelera o processo de venda dos mísseis por canais tortuosos e, duas semanas mais tarde, os mesmos são colocados na Alemanha à disposição de Portugal [87]. A oferta é de 500 mísseis a serem fornecidos por Israel através de um intermediário alemão com a anuência americana [88]. O número de mísseis encomendado mostra que o Redeye não se destinava apenas à Guiné, onde as forças portuguesas necessitavam de cerca de 200 mísseis, mas também às restantes colónias. Os mísseis custam 209 mil contos, mas não há qualquer informação de que este valor seja coberto pelo empréstimo sul-africano [89].
Os mísseis já estavam na Alemanha Ocidental quando ocorreu a revolução de 25 de Abril. Nessa altura, o então Secretário-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, embaixador Calvet de Magalhães, que continuou em funções após a queda do regime, informou o general Costa Gomes, novo CEMGFA, do negócio dos mísseis, tendo Costa Gomes ordenado o cancelamento da operação [90].

(Continua)

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Notas do autor:

[59] Bruce Loudon, “Portuguese rebels to get Russian MiGs”, Daily Telegraph, 2 de Agosto de 1973, ADN/SGDN Cx. 3500.

[60] Relatório nº 2919/73 da DGS Guiné, 26 de Dezembro de 1973, Arquivo da PIDE/DGS processo 641/61, PAIGC, pasta 10, fls 41 e 82.

[61] Carta do Comandante da ZACVG para o CEMFA, Bissau, 27 de Novembro de 1973, ADN/F3/17/35/15.

[62] Hernández, op. cit., pp. 138-139.

[63] Hernández, op. cit., pp. 145-151.

[64] Informação nº 1.245-2ª. D.I. da DGS Guiné, Assunto: Meios Aéreos do PAIGC, 9 de Novembro de 1973, Arquivo da PIDE/DGS, Processo 641/61, PAIGC, pasta 9, fls 102-104.

[65] Relatório imediato nº 2540/73-DSInf-2 da DGS Guiné, Assunto: Apoio ao PAIGC, 16 de Novembro de 1973, Arquivo da PIDE/DGS, Processo 641/61, PAIGC, pasta 9, fls 123-124.

[66] Telegrama n.º BE164DEC73 da ZACVG, 7 de Dezembro de 1973, ADN/F3/17/34/9 e PERINTREP n.º 49/73 do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné (CCFAG), 2-9 de Dezembro de 1973, ADN/F2/2/14.

[67] Telegrama n.º BE168DEC73 da ZACVG, 10 de Dezembro de 1973, ADN/F3/17/34/9.

[68] Telegrama n.º BE176DEC73 da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné (ZACVG), 14 de Dezembro de 1973, ADN/F3/17/34/9.

[69] Caetano, Marcello, Depoimento, Rio de Janeiro, Record, 1974, p. 180.

[70] Informação nº 305/72 do Secretariado Geral da Defesa Nacional, Assunto: Lista de materiais a apresentar à República da África do Sul (RAS), 19 de Agosto de 1972, ADN F3/25/58/21.

[71] Carta do Ministro da Defesa Nacional para o Ministro da Defesa da RAS, com duas listas anexas, Janeiro de 1973, Arquivo Histórico Diplomático (AHD), PAA 1140.

[72] Informação nº 68/AU do Secretariado-Geral da Defesa Nacional/CCAU, Assunto: Lista I de Pedidos de Material apresentada à RAS – Artilharia Antiaérea – Mísseis Crotale, 6 de Setembro de 1973, ADN, Fundo Geral Cx.7623.

[73] Memorial sobre o acordo do empréstimo de 150 milhões de rands firmados com a RAS, Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA), 18 de Setembro de 1975, ADN F3/20/48/64.

[74] Matos, José “A história secreta dos Mirage portugueses”, 2ª parte, Revista Mais Alto n.º 401, 2013, pp. 25-29.

[75] Estudo do CCFAG sobre a área do Boé, Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Processo n.º 2202, Pasta A, ADN F3/17/34/4.

[76] Themido, João Hall, “Dez anos em Washington 1971-1981”, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1995, pp. 100-102.

[77] Telegrama do Ministério dos Negócios Estrangeiros para Embaixada de Portugal em Washington, Secção de Cifra, 13 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

[78] Apontamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros sobre a conversa do Ministro com o Secretário de Estado Americano, Dr. Kissinger, em 9 de Dezembro de 1973, Lisboa, 10 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

[79] Telegrama da Embaixada de Portugal em Washington para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Secção de Cifra do MNE, 4 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

[80] Telegrama da Embaixada de Portugal em Washington para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Secção de Cifra do MNE, 11 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

[81] Telegrama da Embaixada de Portugal em Washington para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Secção de Cifra do MNE, 13 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

[82] Telegrama do Ministério dos Negócios Estrangeiros para Embaixada de Portugal em Washington, Secção de Cifra do MNE, 14 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

[83] Telegrama da Embaixada de Portugal em Washington para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Secção de Cifra do MNE, 15 de Dezembro de 1973, ADN/F3/14/29/4.

[84] Telegrama nº 95 da Embaixada de Portugal em Washington para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Secção de Cifra do MNE, 8 de Fevereiro de 1974, ADN/F3/14/29/4.

[85] Nota secreta da Embaixada de Portugal em Washington sobre as negociações para a renovação do Acordo dos Açores, Sessão de 18 de Março de 1974, ADN/F3/14/29/4.

[86] Carta de Henry Kissinger para o Ministro dos Negócios Estrangeiros português, 11 de Abril de 1974, ADN/F3/14/29/4.

[87] Themido, op. cit., p. 164.

[88] Themido, op. cit., p. 146.

[89] Nota nº 1229/AF/74 do Estado-Maior General das Forças Armadas para o Director-Geral da Contabilidade Pública, Assunto: Aquisição de conjuntos míssil-lançador “REDEYE”, 31 de Julho de 1974, ADN, Fundo Geral Cx. 833/9.

[90] José Calvet Magalhães, o 25 de Abril e as Necessidades, http://ebookbrowse.com/ca/calvet-de-magalhaes-pt.
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Nota do editor:

Postes anteriores da série > 

7  de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15079: FAP (85): a ameaça dos MiG na guerra da Guiné (José Matos, Revista Militar, nº 2559, abril de 2015) - Parte II

6 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15077: FAP (84): a ameaça dos MiG na guerra da Guiné (José Matos, Revista Militar, nº 2559, abril de 2015) - Parte I