terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15431: Efemérides (204): 1º de dezembro de 1640: 0 hino da Restauração cantado pelo Coro dos Mineiros de Aljustrel e tocado por 27 bandas de todo o país, em Lisboa. na praça dos Restauradores



Vídeo (1' 12'')  > Alojado em You Tube > Luís Graça


Lisboa, praça dos Restauradores, 29 de novembro de 2015 > Comemoração do 1º de dezembro de 1640. Atuação do coro dos mineiros de Aljustrel,  entoando o hino da Restauração.


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Vídeo (1' 01') Alojado em You Tube > Luís Graça

Lisboa, praça dos Restauradores, 29 de novembro de 2015 >  Comemoração do 1º dezembro 1640. 27 bandas, mais de 1500 músicos, oriundos de todo o país,  tocam o hino da Restauração.


Hino da Restauração (letra)

Portugueses, celebremos
O dia da Redenção,
Em que valentes guerreiros
Nos deram livre a Nação.

A Fé dos Campos de Ourique
Coragem deu e valor
Aos famosos de Quarenta
Que lutaram com ardor.

P'rá frente! P'rá frente!
Repetir saberemos
As proezas portuguesas.

Avante! Avante!
É voz que soará triunfal
Vá avante mocidade de Portugal!

Guiné 63/74 - P15430: Fotos à procura de... uma legenda (66): Expedição Porto-Bissau, organizada por Xico Allen e A. Marques Lopes. 9 de abril de 2006, dia 5, de Roc Chico a Nouakchott, capital da Mauritânia... Um encontro amigável com sarauis e camelos (Hugo Costa)



Foto nº 1



Foto nº 2


Foto nº 3

Foto nº 4


Expedição Porto-Bissau, organizada por Xico Allen e A. Marque Lopes... 9 de abril de 2006...Dia 5, De Roc Chico a  Nouakchott, capital da Mauritânia... Um encontro amigável com sarauis e camelos... Fabulosa a foto nº 2. Grande fotógrafo, o nosso Hugo Costa, filho do Albano Costa que, juntamente com a Inês Allen, integrou esta viagem à Guiné, por terra, pelo deserto do Sara...  No foto nº 3, para além do Xico Allen, do A. Marques Lopes, dos dois sarauis, e da Inês Allen (de costa), aparece o Manuel Costa (se não erro), junto á porta traseira do jipe.

Estive há dias a rever estas fotos... que merecem uma boa legenda!...

Fotos: © Hugo Costa (2006). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]

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Nota do editor:

Último poste da série > 26 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15414: Fotos à procura de... uma legenda (65): Os que deram, não a vida, mas uma parte do seu corpo (um pé, uma perna, uma mão, um braço, ou os olhos) pela Pátria (José Maria Claro / Francisco Baptista)

Guiné 63/74 - P15429: Parabéns a você (993): Ernestino Caniço, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2208 (Guiné, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 26 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15412: Parabéns a você (992): Jorge Teixeira, ex-Fur Mil Art da CART 2412 (Guiné, 1968/70) e Manuel Lima Santos, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3476 (Guiné, 1971/73)

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15428: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (39): 'Colon' e 'retornado'... É difícil de transmitir o que se passou e se sentiu... Os estudiosos metem os pés pelas mãos quando abrem boca.

Antº Rosinha, no nosso II Encontro
Nacional, Pombal, 2007.
Foto de LG


Dois comentários recentes do Antº Rosinha que merecem figurar em poste, na sua série "Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha)" (*)

[Foto à direita, o Antº Rosinha , ex-fur mil em Angola, 1961/62, topógrafo da TECNIL, Guiné-Bissau, em 1979/93, ex-colon e retornado, como ele gosta de dizer com a sabedoria, bonomia e o sentido de humor de quem tem várias vidas para contar ...]:


(i) Talvez se vá falar de coisas interessantes, mas não acredito que pessoas da minha idade ou mais velhas vão visitar e frequentar aquele lugar e seus discursos. (**)

Ainda há gente da minha idade e mais novos que ainda hoje escondem que são (foram) RETORNADOS.

Eu, como tive oportunidade e uma idade de poder reagir e «sobreviver», considero-me privilegiado, por ter passado por essa experiência riquíssima, sobre qualquer perspectiva que se queira olhar.

Há Retornados que passaram muito pouco tempo, nem se querem considerar como Retornados e têm alguma razão.

Mas os que passámos demorada e intensamente aquele ambiente africano, só entre nós é que nos entendemos e é difícil de transmitir o que se passou e sentiu.

Mesmo os estudiosos metem os pés pelas mãos quando abrem boca.

Parece que se vai falar entre outras coisas de uma coisa,  que poucos acertam e só dão uma no cravo outra na ferradura,  que é aquela velha do lusotropicalismo.

Só mesmo eles que passaram por esse fenómeno, é que poderiam falar, mas também como os Retornados, só entre eles é que se entendem.

Mas é bom que se fale ainda durante mais alguns anos, principalmente agora na «época» dos «refugiados», mas que não se misturem as coisas e que o termo RETORNADO faça parte da nossa História.

(ii) Eu fui para Angola com carta de chamada,  paguei 3500 escudos num porão de um navio,  podia considerar-me  emigrante. (***)

Mas como me integrei na Administração colonial, embora como técnico, andei a fazer mapas iguais a esses do blogue, que faziam parte do programa e dos acordos coloniais europeus, mapear todas as colónias, o que era eu? não passaria de um mero colaborador directo do colonialismo.

Em 1961 meteram-me uma farda e uma arma na mão para defender a política colonial, o que era? era um colonialista.

Outros a quem o Estado forneciam meios e passagens para irem cultivar terras e criar animais eram aqueles a quem os Amílcar Cabrais e os Agostinhos Netos chamavam os colonos.

Este pessoal que se integrava, agricultor, pequeno comerciante retalhista era, para os indigenas o verdadeiro colono.

Estive na Guiné na Tecnil e pelo Banco Mundial, chamavam-me Cooperante a mim e a toda a gente das ONG da ONU, Banco Mundial e CEE etc.

Mas os guineenses mal souberam na Tecnil, sabem tudo sobre quem chega, que tinha feito a vida em Angola, espalharam logo que eu era colon.

Aliás, isso era o melhor certificado para me sentir em casa, por incrível que pareça a muita gente.

Assim como aqueles que foram militares na Guiné e fossem reconhecidos, eram logo "assimilados"

Estive 5 anos no Brasil, era emigrante, ou estrangeiro residente.

Luís, fundamentalmente, para os turras, movimentos anti-coloniais, os africanos em geral, a Administração colonial e os militares em geral é que eram considerados os verdadeiros colonialistas.

Quando Amílcar Cabral lançava aquela boca de que a luta não era contra os portugueses, referia-se exactamente aos brancos "colonos".

Originalmente o termo "tuga" era exclusivo para os militares na Guiné. depois nós mesmos é que fomos universalizando, mais propriamente nós aqui.

Amilcar e o PAIGC e o MPLA de que ele é fundador também, quando diziam que a luta não era contra os portugueses, referiam-se aos portugueses colonos, radicados, brancos naturais, enfim os"progenitores" da maioria daqueles dirigentes.

Agora podemos olhar para dois casos africanos antagónicos, UPA e MPLA, Mandela e Mugabe.

Claro que isto dá pano para mangas, pois que tudo acabou tão mal, mas tão mal, que os conceitos hoje precisam já de outros dicionários diferentes daqueles da guerra fria e do tempo de Norton de Matos.

As empresas tipo CUF e outras como a Diamang, substituídas pela China, América e Brasil na Nigéria, e em Angola...e mesmo a GALP, qual Pintosinho, Luís Graça!

Eu até coro!


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Notas do editor:


(*) Último poste da série > 8 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14985: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (38): é possível barrar a emigração a muitos milhões de jovens africanos sem perspectiva de vida? Nem Luís Cabral conseguiu fechar as entradas na Praça de Bissau...

(**) Vd. poste de 29 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15423: Agenda cultural (439): Exposição comemorativa dos 40 anos do retorno de centenas de milhares de portugueses à antiga metrópole, na sequência da descolonização: "Retornar - Traços da Memória", Lisboa, de 4/11/2015 a 14/2/2016

Guiné 63/74 - P15427: Inquérito 'on line' (20): num total (preliminar) de 88 respostas, 58% diz que "ainda gostaria de poder ir à Guiné-Bissau, por terra, pelo Sara"... Final do prazo de resposta: 4ª feira, dia 2, às 13h42

Viagem Porto-Bissau, em abril de 2006, organizada por
Xico Allen e A. Marques Lopes... Um "atascanço" ainda em
Marrocos, a caminho da Mauritânia, ao 4º dia.
A expedição, de um  jipe só, era composta por
7 aventureiros. incluindo 2 jovens, a Inês Allen e
o Hugo Costa.
Foto de Hugo Costa (2006).
A. INQUÉRITO DE OPINIÃO (em curso):

"AINDA GOSTARIA DE PODER IR ATÉ À GUINÉ-BISSAU, POR TERRA, PELO SARA..."

1. Sim, gostaria muito > 28 
(31%)

2. Sim, gostaria  > 24 
(27%)

3. Não sei / não tenho opinião  > 3 (3%)

4. Não, não gostaria  > 20 
(22%)

5. Não, não gostaria nada  > 13 (14%)

Votos apurados em 29/11/2015, às 8h00: 88 
(100%)
Prazo em que termina a votação: 2/12/2015, 13h42


Viagem Porto_Bissau, abril de 2006. 16º dia, Bissau,
um mão meia vazia de castanha de caju, a cultura "neocolonial"
que põe hoje em risco a segurança alimentar do povo guineense.
Foto de Hugo Costa (2006)
B. Inquérito 'on line' sobre um tema análogo, realizado há quase dois anos atrás:

Terminou em 30/1/2014, às 15h23, a sondagem sobre o eventual desejo de voltar á Guiné. ResponderAm, 285 leitores, o que é uma recorde em termos de resposta a sondagens no nosso blogue.

Recorde-se qual era então a pergunta:

"MUITO SINCERAMENTE, NÃO GOSTARIA DE MORRER, SEM UM DIA AINDA PODER VOLTAR À GUINÉ"...


Eis os resultados finais:


Discordo totalmente =10 (3%)
Discordo em parte = 4 (1%)
Discordo = 6 (2%)

Não discordo nem concordo = 19 (6%) 

Concordo =57 (20%)
Concordo em parte = 18 (6%)
Concordo totalmente = 120 (42%)

Não aplicável, já lá voltei uma vez = 29 (10%) 

Não aplicável, já lá voltei mais do que uma vez = 22 (7%)



Votos apurados= 285 (100%)
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Nota do editor:

Último poste da série > 18 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15383: Inquérito 'on line' (19): Batota em relação às causas das baixas das NT ? Provavelmente não havia... Havia, isso sim, dualidade de critérios e os trâmites normais da burocracia da justiça militar (Abílio Magro / Manuel Amaro / Carlos Vinhal / Luís Graça / José Martins / Jorge Cabral)

Guiné 63/74 - P15426: Agenda cultural (440): Apresentação dos livros Radiografia Militar e os 4 DDDD? e Tempo Africano, de Manuel Barão da Cunha, dia 3 de Dezembro de 2015, pelas 15 horas, na Messe do Porto, Praça da Batalha (Manuel Barão da Cunha)

Mensagem do nosso camarada Manuel Barão da Cunha, Coronel de Cav Ref, que foi CMDT da CCAV 704 / BCAV 705, Guiné, 1964/66, com data de 25 de Novembro:

Caríssimos camaradas e amigos nortenhos, 
Recordamos que no próximo dia 3, 5.ª feira, 15h00, na Messe Militar, na Praça da Batalha, da Invicta, será a nossa 126.ª tertúlia «Fim do Império» (ver anexo). 
Quem puder estar será bem-vindo e pode pensar em adquirir livros para o Natal. O preço de «Radiografia...» é de 20€, o de «Tempo Africano» é 15€, mas quem levar os dois só paga 30€, à semelhança do que aconteceu em Oeiras, onde se venderam 100 exemplares. 
20% ficará no Núcleo do Porto da Liga, o restante é para pagar o próximo livro a editar. 

Votos de saúde e até lá, 
M. Barão da Cunha



14.º CICLO DAS TERTÚLIAS FIM DO IMPÉRIO

126.ª Tertúlia


 Messe Militar do Porto

Dia 3 de Dezembro de 2015

1 - Excepcionalmente no dia 3 de Dezembro (por causa do Natal), às 15h00: Apresentação de 20.º livro Fim do Império, "Radiografia Militar e os Quatro DDDD?", e de 2.º, "Tempo Africano", de M. Barão da Cunha, com General Sousa Pinto e autor.


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Nota do editor

Último poste da série de 29 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15423: Agenda cultural (439): Exposição comemorativa dos 40 anos do retorno de centenas de milhares de portugueses à antiga metrópole, na sequência da descolonização: "Retornar - Traços da Memória", Lisboa, de 4/11/2015 a 14/2/2016

Guiné 63/74 - P15425: Notas de leitura (781): A "Guiné do Cabo Verde" (1578-1684), por José da Silva Horta, Fundação Calouste Gulbenkian, 2011 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Fevereiro de 2015:

Queridos amigos,
Posso avaliar a investigação que subjaz a este tese de doutoramento sobre relatos e documentos de importância inexcedível no tocante aos séculos XVI e XVII e naquela área geográfica tão nebulosa como era a Guiné do Cabo Verde que tantas outras designações teve, depois assentou-se em Senegâmbia, usada até ao século XIX, a Guiné portuguesa foi a terminologia usada depois da Convenção Luso-Francesa de 1886.
O historiador analisou estes discursos, sopesou o que era original ou transcrito de outrem. O que fascinava o leitor, fosse o rei ou um responsável religioso, era o colorido luso-africano que ia permitindo conhecer as gentes, quase sempre ao nível do litoral, só esporadicamente as incursões iam território adentro.
O trabalho de José da Silva Horta é palpitante, abre novas portas as fascínio africano.

Um abraço do
Mário


A “Guiné do Cabo Verde”, vista por contemporâneos dos séculos XVI e XVII 

Beja Santos 

A "Guiné do Cabo Verde" (1578-1684), por José da Silva Horta, Fundação Calouste Gulbenkian, 2011, é uma importante tese de doutoramento onde se analisam textos portugueses que interpretavam o espaço luso-africano da África Atlântica entre o rio Senegal e a chamada Serra Leoa. O termo Guiné do Cabo Verde tinha outras designações, caso da grande Senegâmbia, e não foi o fruto do acaso a designação que Honório Pereira Barreto deu à sua memória escrita no fim da primeira metade do século XIX, falando da Senegâmbia portuguesa. O historiador José da Silva Horta procedeu a um levantamento de documentos de enorme relevância onde cabem, entre outros, António Velho Tinoco, André Álvares de Almada, padre Baltazar Barreira, padre Fernão Guerreiro, padre Manuel Álvares, André Donelha, Frei André de Faro e Francisco Lemos Coelho. O olhar do investigador é ver o texto e o indivíduo, o produto e o discurso de relatos de uma importância insofismável para informação da Corte, das obras de missionação, dos pontos de contactos e de negócios, entre outros.

Esta literatura e estas interpretações de nautas, missionários, exploradores, não podia cuidar do rigor, a aplicação do termo Guiné era de uma enorme elasticidade, o ponto do Cabo Verde era uma referência e daí, como observa o autor falar-se da Guiné do Cabo Verde, rios da Guiné do Cabo Verde, rios do Cabo Verde. É André Álvares de Almada quem fala da Guiné do Cabo Verde e o termo ganhou uso. O rei fala nos seus títulos como “Senhor da Guiné”, ao tempo pensa-se que está muito perto da Etiópia, o padre Manuel Álvares falará mesmo da Guiné como da Etiópia Menor, a influência de Ptolomeu era ainda muito grande. Estes autores tinham a sua própria perceção do espaço africano, estabeleceram as suas coordenadas geográficas e até a sua visão antropológica, regra-geral associada a um olhar de toda a costa e das viagens que se faziam do arquipélago até esse litoral. Estes séculos XVI e XVII irão presenciar outros parceiros comerciais, os franceses, os ingleses e os holandeses, que farão recuar os espaços onde havia controlo português. Temos depois os luso-africanos, os lançados e tangomaus, os reinóis, os comerciantes judeus. E o autor estabelece um quadro sobre as origens familiares no mundo cabo-verdiano-guineense: portugueses vindos de Portugal vivendo legalmente ou lançados; portugueses nascidos em Cabo Verde, luso-africanos nascidos em Cabo Verde, africanos nascidos em Cabo Verde; luso-africanos nascidos em África; africanos nascidos na Guiné em que muitos deles se identificavam a si mesmo como portugueses. E o autor observa que este mundo luso-africano está bem representado nesta discursiva da Guiné do Cabo Verde, caso de Duarte Pacheco Pereira, Valentim Fernandes, João de Barros, André Álvares de Almada e André Donelha.

Um jovem bijagó da Ilha de Caravela, imagem publicada na revista “O Mundo Português”, 1936

E põe-se a questão de quem era esta Guiné, quem dela tinha sentido pertença. José da Silva Horta recorda que os interesses do mundo cabo-verdiano-guineense nem sempre convergiam com os da Coroa, havia omissões nos relatos que tinham sentida conveniência. Alguns dos textos mais importantes saíram do punho de cabo-verdianos, não são muito difíceis de detetar preconceitos sociais dos brancos vindos de fora a diferenciarem-se dos filhos da terra. Outra dimensão deste trabalho tem a ver com os práticos dos rios da Guiné, exploradores e missionários que conheciam o terreno, é uma dimensão que não se pode descurar quando lemos a perceção da geografia e das gentes. Os Jesuítas aparecem em primeiro lugar, é impossível estudar com rigor este período sem conhecer a documentação da missão Jesuíta de Cabo Verde (1604-1646). Os Franciscanos também deixaram relatos importantes. Claro está que o período da monarquia dual (período filipino) foi adverso para a presença portuguesa, mais não fosse pela crescente agressividade dos rivais dos Áustrias, queriam sangrá-los em zonas de importante trato comercial. As conclusões do autor implicam-nos na compreensão do que é complexo na diversidade dos espaços, das identidades que se fazem representar nos textos. Há relatos que se apropriam de textos e discursos anteriores, reformulando-os de acordo com o destinatário. O autor recorda que se escreveu massivamente em português e por portugueses sobre a Guiné mesmo quando muitas vezes o que se escreve sustenta-se em documentação anterior. E havia também a leitura das cartas africanas, mediadoras dos olhares, das expressões corográficas e da própria topografia. E com que impacto global? O autor dá o seu ponto de vista:
“Num período, longo e textualmente fecundo na rescrita da Guiné, em que surgem tratados de grande fôlego, como os de Almada, de Donelha, de Lemos Coelho e, antes dos dois últimos, uma obra e máxima relevância como a Descrição da Etiópia Menor e província da Serra Leoa, do padre Manuel Álvares, o impacto de todo este saber etnográfico é, no conto geral, mínimo na Europa. Os seus autores parecem ter sido desconhecidos, os seus textos, salvo num único caso documentado, não entram para o conhecimento comum que se construía da África e da cosmografia em geral. Menos ainda, circulam relativamente pouco fora do mundo cabo-verdiano guineense e dos seus canais de comunicação com os centros do poder político e eclesiástico da Metrópole e de Roma”.

Mancanhas bailarinos, imagem publicada na revista “O Mundo Português”, 1936 

Se André Álvares de Almada foi conhecido foi porque a sua divulgação era conveniente aos Jesuítas. André Álvares de Almada teve um sucesso estrondoso: por estar profundamente enraizada num mundo luso-africano, era um texto que provinha da experiência do real, da visão descritiva sistemática e marcadamente etnográfica, tudo novo relativamente à Guiné, nada havia de comparável nos livros de viagem ou de geografia europeus. E o investigador recorda que ainda há muitos pontos a esclarecer, há leituras mais aprofundadas a fazer. Por exemplo: “Uma leitura que esclareça a natureza do envolvimento dos poderes africanos, parte interessada nesses projetos”. E, mais adiante, em jeito de conclusão: “Sobre a perceção dos espaços africanos e das suas sociedades é necessário cada vez mais estabelecer pontes entre as representações africanas e europeias e avaliar as consequências delas nas práticas políticas, económicas e religiosas”. E cita saborosamente André Álvares de Almada: “… e com isto dou fim a este tratado porque se não pode dizer tudo”.
A História é isso mesmo: o continuar constante, o remexer até à exaustão, o deixar assentar as margens da controvérsia, o partir de novo à descoberta.
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15416: Notas de leitura (780): “Sopros de vida”, por José Lemos Vale, Fonte da Palavra, 2011 (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15424: (In)citações (79): Comer crocodilo que comeu homem, é canibalismo? Felupes de São Domingos dizem que 'crocobife' é bom... (Patrício Ribeiro, Bissau)



Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4

Guiné-Bissau > Região do Cacheu > São Domingos > Novembro de 2015 > Captura de dois crocodilos "assassinos" no rio Cacheu

Fotos (e legenda): © Patrício Ribeiro (2015). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. Mensagem de ontem, às 11h10, do nosso amigo e camarada Patrício Ribeiro, mais conhecido em Bissau como o "pai dos tugas"...

 [Foto à esquerda, em Farim, com o filho, em 16/12/2014: Patrício Ribeiro, português, natural de Águeda, criado e casado em Angola, com família no Huambo, ex-fuzileiro em Angola durante a guerra colonial, a viver na Guiné-Bssau desde 1984, fundador, sócio-gerente e director técnico da firma Impar Lda, que, com um curriculo de mais de quatrocentas instalações fotovoltaícas em território guineense, é lider na sua área.]


Assunto - Bifes em S. Domingos (*):

Boas,  aqui vão noticias de S. Domingos [ , região do Cacheu, chão felupe](**).

Depois destes 2 meninos, um com  3,50 e o outro 5 metros,  terem comido 3 pessoas na última época das chuvas, no rio de S. Domingos,  não é... que também os comeram... nas últimas duas semanas ?!

Disseram-me que "os bifes eram bons"...

Abraço

Patricio Ribeiro

IMPAR Lda
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Parque Natural dos Tarrafes do Rio Cacheu... 

Um belíssimo mas frágil ecossistema seriamente ameaçado pelas alterações climáticas do planeta.

2. Informação sobre os Tarrafes do Rio Cacheu  | Texto e foto de Guiné Bissau Turismo

(...) O maior mangal na África Ocidental, onde se encontra com a vida humana harmoniosamente inserida no ecossistema. Capacidade de ver animais aquáticos e aves migratórias. rio Cacheu encontra-se no norte do país, perto da fronteira com o Senegal. O rio tem 150 km de extensão, em grande parte é navegável e o seu caudal aumenta drasticamente durante a estação chuvosa.
O seu estuário é fascinante. A grande extensão do sistema de mangais fez com que esta área se tenha tornado no Parque Natural dos Tarrafes do Rio Cacheu.
Apesar de ser uma área muito interessante, não é muito frequentada por turistas. No entanto, é um porto seguro para muitos animais como crocodilos, hipopótamos, golfinhos, peixes-boi, gazelas pintadas, macacos verdes e local de acolhimento periódico de aves migratórias.

Aves Migratórias

Há uma infinidade de aves. As aves residentes e migratórias são mais facilmente vistas na parte da manhã e à noite, e em quantidades maiores nos momentos de seu passo durante a migração. Mas, mesmo durante o dia e nas horas mais quentes, você vai sempre ver as aves em voo ou poisadas na água ou sobre as raízes dos mangais.

Outros animais

Ainda mais interessante, mas menos fáceis de identificar porque eles saem com menos frequência e quase exclusivamente quando está escuro, são os animais aquáticos que habitam no rio. Os hipopótamos de água salgada não existem somente na ilha de Orango, mas às vezes também se podem ver aqui. Também se podem ver crocodilos, golfinhos, peixes-boi. Pode-se ainda encontrar gazelas e macacos apesar de estarem mais escondidos no interior da floresta.

Um banho no rio

O rio entra na terra com inúmeros braços rodeados por mangais, que emergem da água na maré alta enquanto na maré baixa emergem do fundo lamacento do rio. No entanto, existem bancos ou ilhotas de areia, que se alcançam a pé, onde se pode tomar um banho agradável. 

Crocodilos e outros animais aquáticos costumam esconder-se quando pressentem a presença de seres humanos, mas é sempre bom ter cuidado. (...).


3. Notícia dada em Conosaba.blogspot.pt:

Terça-feira, 17 de novembro de 2015 > «Ndjabra» Crocodilo "assassino" capaturado em São Domingo


Bissau, 17 Nov 15 (ANG) – O crocodilo que, presumivelmente, matou duas pessoas nos últimos três meses em São Domingos, região de Cacheu, foi morto esta segunda-feira numa operação conjunta realizada entre as autoridades e população local.

A informação foi avançada pela “Rádio Jovem”, que acrescenta que para além das duas vítimas mortais o sáurio teria provocado cerca de uma dezena de feridos que milagrosamente escaparam dos seus ataques.

O réptil, segundo denúncia dos populares, poderia ser ainda o responsável pelos desaparecimentos misteriosos de pessoas registados no últimos anos naquelas localidades próximas de Senegal.

“Esta é uma situação verdadeiramente preocupante. Os crocodilos atacam pessoas nas pirogas de pesca, agricultores que fazem cultivos, pessoas nas margens dos lagos, rios ou mesmo nas praias. Temos medo de aproximar-nos de água ultimamente”, confessou um morador local.

Em São Domingos, contam-se versões contraditórias acerca da presença de crocodilos naquela zona.  Segundo a população local a proliferação descontrolada dos répteis se trata de um fenómeno ligado a feiteiçarias.

ANG/LPG/JAM\\Conosaba

domingo, 29 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15423: Agenda cultural (439): Exposição comemorativa dos 40 anos do retorno de centenas de milhares de portugueses à antiga metrópole, na sequência da descolonização: "Retornar - Traços da Memória", Lisboa, de 4/11/2015 a 14/2/2016


Página da EGEAC que promove esta  ini­ci­a­tiva, assinalando os 40 anos do movi­mento que ficou conhe­cido por retorno das ex-colónias por­tu­gue­sas e teve o seu auge na ponte aérea de 1975. Espantosa foto, carregada de grande simbolismo,  do grande fotojornalista Alfredo Cunha a quem se deve, entre outros grandes trabalhos, as melhores fotos do 25 de abril.




RETORNAR – TRAÇOS DE MEMÓRIA





Retornar – Traços de Memória pro­põe, ao longo de qua­tro meses e em vários espa­ços, 

uma refle­xão sobre os 40 anos da vinda das ex-colónias por­tu­gue­sas de África, 
atra­vés de deba­tes, tea­tro, per­for­man­ces, visi­tas comen­ta­das 
e inter­ven­ção urbana na zona ribeirinha.



Retornar - Traços de Memória é uma ini­ci­a­tiva da EGEAC, 
desen­vol­vida pelas Galerias Municipais de Lisboa, 
que assi­nala os 40 anos do movi­mento 
que ficou conhe­cido por retorno das ex-colónias por­tu­gue­sas 
e teve o seu auge na ponte aérea de 1975.


Com uma pro­gra­ma­ção trans­dis­ci­pli­nar que decorre ao longo de qua­tro meses, a ini­ci­a­tiva apre­senta olha­res da arte, lite­ra­tura, antro­po­lo­gia, his­tó­ria e polí­tica, para pro­mo­ver o diá­logo e o conhe­ci­mento sobre o fim do impé­rio colo­nial por­tu­guês. Num pro­jeto que pro­move o cru­za­mento entre as artes e as ciên­cias huma­nas, a expo­si­ção inau­gura um novo espaço expo­si­tivo: a Galeria Avenida da Índia, em Belém.

Comissariada pela antro­pó­loga Elsa Peralta, a ini­ci­a­tiva baseia-se em inves­ti­ga­ção aca­dé­mica no diá­logo com o tra­ba­lho de artis­tas como Manuel Santos Maia. Com um enfo­que na expe­ri­ên­cia humana, a expo­si­ção inclui tes­te­mu­nhos pes­so­ais iné­di­tos, docu­men­tos his­tó­ri­cos, foto­gra­fias de época e de autor e memo­ra­bí­lia pessoal.

Na zona ribei­ri­nha, junto ao Padrão dos Descobrimentos, haverá uma inter­ven­ção urbana com con­ten­to­res que intro­duz o tema da expo­si­ção atra­vés da exi­bi­ção de uma foto­gra­fia de Alfredo Cunha, tirada naquele pre­ciso local, em 1975.

Ao longo dos qua­tro meses em que a expo­si­ção estará patente ao público, o Padrão dos Descobrimentos, local sim­bó­lico da cons­tru­ção da memó­ria impe­rial por­tu­guesa, aco­lherá deba­tes que refle­tem dife­ren­tes olha­res sobre este momento his­tó­rico, atra­vés de per­so­na­li­da­des como Eduardo Lourenço, Adriano Moreira, Dulce Maria Cardoso, entre outros.

Na Galeria Avenida da Índia, um pro­grama de visi­tas comen­ta­das, que pro­move a refle­xão sobre a expe­ri­ên­cia do retor­nar, conta com a par­ti­ci­pa­ção de aca­dé­mi­cos e ensaís­tas como Maria Filomena Molder e António Pinto Ribeiro.

Joana Craveiro, atriz e ence­na­dora com um vasto tra­ba­lho artís­tico sobre ques­tões pós-coloniais, apre­sen­tará duas per­for­man­ces no Padrão dos Descobrimentos, inti­tu­la­das Páginas de um Império Perdido #1 — Alguns que retor­na­ram e outros que não qui­se­ram e Páginas de um Império Perdido #2 — Alguns filhos disto tudo ou Bairro das Ex-Colónias.

Em Janeiro, o Teatro São Luiz aco­lherá o espe­tá­culo Portugal Não é Um País Pequeno, de André Amálio, que relata a expe­ri­ên­cia de anti­gos colo­nos por­tu­gue­ses a par­tir de tes­te­mu­nhos reais.

(Fonte: EGEAC, com a devida vénia...)



Foto do AHU - Arquivo Histórico Ultramarino / Agenda Cultural de Lisboa

RETORNAR - TRAÇOS DE MEMÓRIA



ARTES › EXPOSIÇÕES › OUTRAS

De 5 nov 2001 a 14 fev 2016

Terça a sexta, das 10h às 13h e das 14h às 18h | sábado e domingo, das 14h às 18h

Local > Galeria Avenida da Índia | Av. da Índia, 170 | Lisboa



Elsa Peralta, coordenação científica; Bruno Góis, Cláudia Castelo, Joana Gonçalo Oliveira e Maria José Lobo Antunes, equipa cientifica; Alfredo Cunha, André Amálio, Bruno Simões Castanheira, Joana Craveiro e Manuel Santos Maia, artistas.

A memória do retorno e, consequentemente, a memória do império na sociedade portuguesa contemporânea constitui o tema desta exposição que inaugura o novo espaço municipal da Galeria da Avenida da Índia.

A mostra pretende assinalar os 40 anos do retorno de nacionais à antiga metrópole, na sequência dos processos de descolonização levados a cabo nas colónias portuguesas. Linhas cruzadas de pensamento permitem olhar e refletir sobre este fenómeno, através de diferentes perspetivas disciplinares e olhares críticos.

Retornar - Traços de Memória é constituída por cinco secções:

(i)  Colonizar / Descolonizar;
(ii) Linhas do Tempo;
(iii) No Interior da Memória;
(iv) Depósito; e
(v) Atmosferas,

que, juntas, compõem uma memória fundamentada em fontes históricas, testemunhos pessoais, registos imagéticos e conceitos artísticos. 

Colonizar / Descolonizar

Aqui se contextualiza o fenómeno do retorno, situando-o no seu tempo histórico e acompanhando-o até ao presente. Identifica-se quem volta a partir de quem foi, através de uma caracterização dos fluxos migratórios para as colónias. Faz-se, também, um retrato da população portuguesa retornada.

Linhas do Tempo

Através de fotografias de álbuns pessoais e de fotografias de arquivo, esta secção expõe o tempo das vivências em África durante o período da colonização e da descolonização, cruzando-as com a receção dessas vivências em Portugal.

No Interior da Memória

Através da apresentação de relatos, diretos ou ficcionados, este núcleo pretende ser um movimento imersivo na memória pessoal.

Depósito

Elaborada a partir da obra do artista plástico Manuel Santos Maia, Depósitos ublinha as dimensões materiais da memória e da recordação.

Atmosferas

A quinta e última secção expõe, a partir de algumas correntes que atravessam a sua atmosfera discursiva, o pensamento sobre o evento do retorno e sobre o fim do império colonial português.

[texto de Ana Rita Vaz]

Fonte: Agenda Cultural de Lisboa (com a devida vénia...)

INFORMAÇÕES ÚTEIS

Entrada livre.

Programação paralela:

Visitas comentadas à exposição – Galeria Av. da Índia
Instalação/intervenção urbana – zona ribeirinha contígua ao Padrão dos Descobrimentos
Debates/conversas – Padrão dos Descobrimentos
Performance de Joana Craveiro – Padrão dos Descobrimentos
Espetáculo de André Amálio – São Luiz Teatro Municipal

+ info: T.218 820 090

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Guiné 63/74 - P15422: Libertando-me (Tony Borié) (45): Antes éramos cowboys

Quadragésimo quinto episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 18 de Novembro de 2015.




Antes, éramos Cowboys, agora somos Índios!

Era ainda manhã, a estrada rápida número 75, no sentido norte, nas proximidades da cidade de Atlanta, no estado da Geórgia, era uma azáfama, todos procuravam o seu rumo, a estrada dividia-se, havia seis ou sete pistas para cada lado, mas passavam uns pelos outros, fazendo sinal para esquerda ou para a direita, procurando a saída para o seu destino. O nosso rumo era o norte, lá íamos seguindo, até que o trânsito ficou mais livre, já tínhamos passado a cidade, estávamos quase na fronteira, passando-a, para o estado de Tennessee, continuámos no sentido norte, passando ao lado da cidade de Chattanooga, até nos surgir a placa de sinalização da estrada estadual número 60, depois a 58, tomando em seguida uma estrada rural, que dá pelo nome de Blythe Ferry Lane, que segue entre pequenas povoações, quintas, pequenos lagos e pântanos, acabando em frente ao rio Tennessee, onde está localizado o “Cherokee Removal Memorial Park”, onde parámos.

Companheiros, temos que interromper para vos dizer que hoje, nas nossas viagens por aqui, vamos falar de um local que nos merece muito respeito, onde a história nos diz que uma nação se constrói por períodos bons e outros menos bons, como esta grande Nação que nos recebeu de “mãos abertas”, a nós europeus e nos deu aquilo que o nosso País de nascimento, por quem todos demos a vida numa frente de combate, e agora falando de nós, pessoas simples do povo que éramos, sem educação superior e, essa mãe Pátria, esse nosso querido Portugal, sempre nos colocou numa posição de pessoa inferior, talvez por entre outras coisas, os nossos progenitores sempre dizerem não a certas situações que privilegiavam outros, que nada faziam para contribuir para uma sociedade mais justa.

Perdoem lá, já me estou a desviar com palavras que nada têm a ver com a nossa conversa de hoje, vamos continuar. Este local, cujo nome já mencionámos, que quer dizer mais ou menos, “Parque Memorial da Remoção do Povo Cherokee”, é visitado por quem tem, ou quer ter, algum conhecimento do que foi o destino dos verdadeiros americanos, aqueles a quem ainda chamam “Índios”.


Aqui, neste local, existe alguma informação daquilo que foi um dos capítulos mais sombrios da história americana, que foi o acto desprezível da remoção de alguns povos, entre eles os “Cherokees”, os “Chickasaw”, os “Choctaw”, os “Creeks” e “Seminoles”, na altura chamadas de “As Cinco Tribos Civilizadas”, que por aqui viviam com alguma autonomia política e que deveriam ser considerados americanos do sul. Aqui começou o “Trail of Tears”, que tem muitas traduções, mas para nós quer dizer mais ou menos o Caminho das Lágrimas, mas na linguagem Cherokee é chamado de “Nunna daul Isunyi”, “O caminho onde eles choraram”, que fez correr muitas lágrimas e é uma marca negra na história americana, que nunca poderá ser justificada ou explicada, mas como em tudo na vida, nenhum de nós tem qualquer culpa de actos menos felizes, praticados pelos nossos antepassados, temos é que aprender e fazer com que nunca mais se repitam.

Em 1835, alguns representantes auto-nomeados da nação Cherokee, ao fim de alguns anos de negociações, assinaram o Tratado de “New Echota”, onde diziam que trocavam as suas terras a leste de Mississippi por cinco milhões de dólares, que envolvia assistência para a deslocalização assim como a compensação pela propriedade perdida, deste modo, as tribos indígenas localizadas a leste do rio Mississippi foram forçadas a viajar no “Caminho Cherokee das Lágrimas”.


A história diz que, pelo resultado deste tratado, documento com base numa lei de 1830 (Indian Removal Act), assinado pelo Partido Ridge nunca foi aceite pelos líderes ou pela maioria da tribo Cherokee, representada no Partido Ross, mas esse pormenor pouca influência iria ter, pois as tensões entre os representantes do estado da Georgia e do povo Cherokee ficaram tensas com a descoberta de ouro nas proximidades de Dahlonega, no estado da Georgia, em 1829, onde alguns historiadores dizem que esta foi a primeira “corrida ao ouro” na história dos EUA.

Quando o povo Cherokee assinou o tratado, foi-lhe prometida a tal quantia em dinheiro, que devia ser paga em ouro, todavia não sabemos se foi paga em ouro ou em papel impresso, cedendo as suas terras ao governo federal, começando assim a sua migração forçada por mais de 1200 milhas para o chamado Território Indígena, que é hoje o actual estado de Oklahoma. Os nativos sofreram muito com esta migração, e vários morreram durante as viagens e nos acampamentos forçados, que se formavam durante esta migração, estimando-se que, da tribo Cherokee, de uma população de 15.000, vieram a falecer cerca de 4000.

Centenas de escravos e afro-americanos libertos, que viviam com os índios, acompanharam-nos nesta migração, por este Caminho das Lágrimas, muitos foram transportados em grandes carroças, mas a neve e o frio de inverno dificultavam este procedimento e, com a diminuição da comida, havia racionamento, alguns moradores das aldeias por onde passavam iam ajudando, viajando em barcos ou jangadas, quando era possível pelos rios ou pântanos, mas quando a temperatura baixava, os rios congelavam, forçando a pararem e formarem acampamentos onde iam morrendo, principalmente por serem mal alimentados, onde a maioria das mortes ocorria por coqueluche, tifo, disenteria, cólera, infecções ou gripes, assim como a fome, foram essas as epidemias que ao longo do caminho assolavam esses acampamentos.


O Presidente Martin Van Buren enviou o General Winfield Scott 7000 soldados para organizar o processo de remoção. Scott e as suas tropas forçaram o povo Cherokee para fora das suas casas, na ponta das suas baionetas, enquanto outros saqueavam casas e pertences. Um dos soldados da operação, sob as ordens do general Winfield Scott, escreveu: “Eu lutei nas guerras entre países e disparei contra muitos homens, mas a remoção Cherokee foi o trabalho mais cruel que eu conheci”.

Um filósofo francês, no ano de 1831, testemunhou esta migração forçada, escrevendo na altura: “Pairava no ar um sentimento de ruína e destruição, era o fim destes atraiçoados, era o seu adeus, ninguém poderia aqui assistir sem sentir um aperto no coração. Os Índios estavam quietos, sombrios e tactiturnos, perguntei a um deles por que deixavam as suas terras, responderam-me, “para serem livres”. Assistimos à expulsão de um dos mais famosos e antigos povos americanos”.

Aqueles que resistiram, querendo ficar nas suas terras, foram objecto de intimidação legal e perseguição, tendo as suas casas sido derrubadas e queimadas, assim como o seu gado.

O governo federal prometeu ao povo Cherokee, que a sua nova terra, ou seja o tal “Indian Territory”, que é hoje o estado de Oklahoma, iria permanecer sua para sempre, sem serem molestados, mas a força da colonização branca empurrou-o para o oeste e foi encolhendo, encolhendo, o espaço do “Indian Territory” e, claro, quando em 1907, Oklahoma se tornou num estado, o “Indian Territory”, tinha ido embora para sempre. Muitos anos passaram, hoje a população Cherokee, que mantém o seu próprio alfabeto, portanto fala a sua língua, teve alguma recuperação e são esses índios o maior grupo nativo americano.

Depois de algum tempo de meditação, deixámos este parque, localizado no meio de alguns pântanos, em silêncio, também sombrios e taciturnos, passados quase dois séculos, em respeito por este povo.

Tony Borie, Novembro de 2015
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15394: Libertando-me (Tony Borié) (44): Simplesmente Fernando

Guiné 63/74 - P15421: Blogpoesia (425): Eminente e inesgotável (Joaquim Luís Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf)

1. Em mensagem de hoje, dia 22 de Novembro, o nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66), enviou-nos este poema com o título Eminente e inesgotável:


Eminente e inesgotável...

Como uma garça elegante e leve,
avança para o piano,
de cauda longa e aberta,
sob uma chuva de palmas quentes
da assembleia sôfrega de a ouvir.

Faz-lhe uma vénia reverente.
Ajeita a si o banco.
Se concentra.

E seus dedos poisam suaves
sobre as teclas ainda dormentes.
Faz-se silêncio.

Surgem sons trinados.
Se evolam pelo ar em labareda.
Dum piano e uma orquestra.

E nossas almas, de tão sedentas,
de paz e harmonia,
se inebriam
e voam com eles,
num bailado de cores e luzes,
como quando se apaga a dor,
dum eterno sofrimento.

Tudo ali é o nosso mundo.
Não há mais nada,
senão nós e elas.
Em graciosa cavalgada.
Encosta acima.
Cabelos ao vento.
Sem descanso, até ao cimo.

Ó magnífico deslumbramento
da vitória
que é só nosso
e do firmamento azul,
em fulgurosa majestade!...

Abençoadas horas.
Estas em que não há tempo.
Arde o nosso peito.
Já não somos nós.
Só temos alma
e não o corpo.

Bendito Brahms que concebeu para a gente
este concerto belo!...
E aquelas mãos de artistas sábios
que o interpretam assim bem
como mais ninguém...


Ouvindo concerto n.º1 de Brahms para piano e orquestra

Berlim, 29 de Novembro de 2015 
5h47m 
ainda reina a madrugada fria 
Jlmg 
Joaquim Luís Mendes Gomes
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15399: Blogpoesia (425): Primeira neve... (Joaquim Luís Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf)

Guiné 63/74 - P15420: Manuscrito(s) (Luís Graça) (71): o país onde os nossos pais nasceram, cresceram, amaram, casaram, viveram, trabalharam e morreram... e que nós herdámos

Notas de leitura:

FERRÃO, João (Geógrafo, ICS/UL) – População. In: Dicionário de História de Portugal, suplemento, vol IX (Suplemento P/Z). (Coord. António Barreto e Filomena Mónica). Lisboa: Figueirinhas, 2000, pp. 127-133.


Portugal (1926-1974) – Dinâmicas sociais e populacionais 



O Portugal onde nasceram, cresceram, amaram, casaram, viveram  trabalharam e morreram os meus pais (Luís Henriques, 1920-2012, e Maria da Graça, 1922-2014) conheceu profundas mudanças, nomeadamente de natureza demográfica, epidemiológica, social,  económica, política e cultural...  

Foi a pensar neles, e  na sua geração, que eu, nascido em 1947, publico agora estas notas de leitura do artigo de João Ferrão sobre Portugal, 1926-1974... O país que eu herdei... O país que herdámos...


Crescimento natural (fecundidade, natalidade, mortalidade…);

Movimentos migratórios (internos e externos);

Factores endógenos e exógenos;

Mudanças conjunturais e estruturais;

Três fases, um período longo: 1926/74: consolidação dos padrões demográficos modernos: processo de transição demográfica > de longo ciclo de taxas de natalidade e mortalidade elevadas (> 30 por mil e 20 por mil, respetivamente) para um outro (c. 10 por mil);

Passagem de uma sociedade rural, pré-moderna, de economia fechada, fracamente monetarizada, para uma sociedade industrializada, de economia aberta (adesão à EFTA, 1959) e desenvolvimento urbano;

A transição demográfica coincide também com o fim do ciclo da emigração transcontinental (“Novo Mundo”: Brasil, EUA) e substituição por um outro, o da emigração europeia (França, Alemanha)


1ª fase – 1926-40:

Início da quebra das taxas de natalidade e mortalidade, fim de ciclo emigratório (“Novo Mundo”), contexto adverso à emigração (crise internacional de 1929, guerra civil de Espanha, início da II Guerra Mundial, em 1939)

2ª fase – 1941-50:

Recuperação das taxas de natalidade, crescente papel polarizador de Lisboa em relação ao êxodo rural, suburbanização, economia nacional fechada e corporativa;

3ª fase – 1951-74:

Consolidação das tendências demográficas modernas, irreversível processo de transição demográfico, no contexto de novo ciclo emigratório (continental), abertura da economia ao exterior, industrialização (plano de eletrificação do país, barragem de Castelo de Bode, 1950; EFTA, 1951); guerra colonial; crise do petróleo de 1973; 25 de abril de 1974; duplo retorno (emigrantes europeus e população das colónias africanas).


1926-1940



Alvarina de Sousa, mãe de Luís Henriques, morreu em 1922,
de tuberculose, quando ele tinha dois anos, provavelmente grávida.
Teve dois filhos. O pai de Luís Henriques, Domingos Henriques,
casou três vezes.  Do primeiro não teve filhos. Do terceiro casamento teve 

mais 11 filhos. A mãe de Alvarina de Sousa, Maria Augusta Maçarico
(Ribamar, 1864-Lourinhã, 1932)  teve 7 filhos nados-vivos.
Foto de LG.

Situação anterior (início do sec. XX): das mais elevadas taxas de natalidade, mortalidade e emigração na Europa; Rio de Janeiro,  a "segunda cidade portuguesa"; centralidade do setor primário e da ruralidade;

Portugal, 1930: 6,8 milhões de habitantes; 1940: 7,7 milhões (a taxa acréscimo anual de 12,8 por mil, na década de 1930) > quebra acentuada da taxa de mortalidade, entraves à emigração (Brasil, EUA), êxodo rural para os centros urbanos – Lisboa e Porto); 

a partir de 1927, inflexão das taxas brutas de natalidade ( < 30 por mil), embora regionalmente desigual; reflexos na fecundidade: o nº de filhos por mulher fértil passa de 3,8 em 1930/31, para 3,1 em 1940/41;

o declínio da taxa de mortalidade inicia-se em meados da década de 1920 (dos 20 por mil para os 12-13 por mil ao longo dos anos 40); aumento da esperança de vida (que em Portugal rondava os 50 anos); melhorias sanitárias e ambientais no combate à 1ª causa de morte (doenças infecciosas e parasitárias):

mantem-se a mortalidade infantil acima dos 100 por mil;

transição epidemiológica, historicamente associada à transição demográfica (vd. 3ª fase);

redução da emigração, devida à crise internacional e às restrições dos EUA (anos 20) e Brasil (anos 30); durante 20 anos (décadas de 1930 e 1940) emigram apenas 200 mil pessoas, 4 vezes menos do que no período anterior… 80% para o Brasil: reunificação familiar, origem norte e centro; fim do ciclo emigratório transcontinental;

acentua-se o processo de êxodo rural/atração interna; deslocamentos temporários ou sazonais (‘ranchos’, 100 mil trabalhadores sazonais em 1957), e deslocamentos definitivos (, mecanização da agriculturaarroteamento de charnecas no sul, “colonização interna”: foi criada, em 1936,  a Junta de Colonização Interna: (...) "era um organismo com personalidade jurídica, de funcionamento e administração autónomos; (...) incumbia-lhe a execução dos planos de colonização interna; (...) pelo Decreto-Lei nº 27:207, de 16 de novembro de 1936, (...)  tinha, nomeadamente, as seguintes competências: (i) tomar conta dos terrenos que lhe foram entregues pela Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola, instalando nesses casais agrícolas; (ii) promover a constituição de associações e regantes e a instalação de Postos Agrários; (iii) efectuar o reconhecimento e estabelecer a reserva dos terrenos baldios do Estado; (iv) proceder à aquisição de terrenos para colonização; (v) estudar o regime jurídico a que devia obedecer a concessão de glebas.")

Lisboa polariza 60% dos movimentos internos (Porto, 17%): orientação para a cidade e para atividades não agrícolas (indústria, serviços); início do processo de suburbanização (sobretudo Grande Lisboa, margem norte do Rio Tejo):

1941/1950

Luís Henriques, expedicionário em Cabo Verde (1941/43). 
Foto de LG

Aprofundamento das tendências anteriores;

Aproximação tendencial aos padrões demográficos dos países europeus mais desenvolvidos;

Portugal, 1950: 8,7 milhões (desaceleração do crescimento demográfico);

Disparidades regionais, norte/sul, litoral (Lisboa/Porto) / interior;

Lisboa e Porto: taxas de natalidade ainda relativamente elevadas e taxas de fecundidade mais baixos do que no resto: comportamentos demográficos mais modernos, urbanização, abertura ao exterior, feminização da mão de obra… Lisboa: 1,79 filhos por mulher em idade fértil (valor que só ocorrerá em 1982 para o conjunto do país…);

Desaceleração da taxa bruta de mortalidade, a partir de 1943; 12-13 por mil ao longo da década;

Declínio da mortalidade infantil (< 100 por mil, na maioria dos distritos), por razões endógenas e exógenas; transição epidemiológica ainda tímida nesta década;

Esperança média de vida aproxima-se agora dos 60 anos;

Aumento da clivagem norte/sul (por ex., aumento da população no norte; diminuição no sul; taxas de fecundidade, mortalidade infantil e mortalidade elevadas no norte, baixas no sul…); recessão demográfica no Alentejo depois dos arroteamentos das charnecas e da campanha do trigo (anos 30); norte e centro litoral beneficiam de fatores conjunturais: (i) retorno do Brasil e dos EUA; (ii) “boom” do volfrâmio e do têxtil e calçado com a II Guerra Mundial; 

Contenção da quebra da taxa de natalidade (c. 25 por mil) entre 1940 e 1960, nos distritos do norte e ilhas, deve-se à contenção da emigração;

 Lisboa polariza 75% dos movimentos internos (12%, o Porto); movimentos internos particularmente significativos no sul;… mas Lisboa capta apenas c. 48% do êxodo rural;

Crescente litoralização do país;


1951-1974


Lourinhã, 1947 > Luís Henriques e
Maria da Graça,   com o seu primeiro filho,
de quatro filhos. O primogénito tem, 2 filhos.
Foto: LG

Confirma-se definitivamente o declínio das taxas de natalidade e mortalidade;

Em 1950 e 1974 Portugal tem a mesma população: c. 8,5 milhões. 9 milhões em 1960; perde pela primeira vez população desde que existem contagens de âmbito nacional (ou seja, de há 3 séculos): crescimento médio anual de 12,8% na década de 1930, 9,3% na década de 1940, vai desacelerar: 4,4% na década de 1950, e – 3,3% entre 1960 e 1970… 

Novo ciclo de emigração (para a Europa, mas também colónias de África…) leva à queda da natalidade (menos de 20 por mil no final desta fase) e da fecundidade… menos 250 mil residentes entre 1960 (8,9 milhões) e 1970 (8,6 milhões);

Tendências para o “envelhimento” (ainda não é a “revolução grisalha”, que começa a preocupar, nos anos 70, alguns países europeus): (i) envelhecimento na base (peso decrescente dos com 14 anos ou menos no conjunto da população); (ii) redução da população ativa (15-64); e (iii) mesmo envelhecimento no topo da pirâmide (aumento dos idosos com 65 ou mais, a partir do início da década de 1970);

Transição da família alargada tradicional para a família nuclear moderna;

Esperança média de vida: 65 anos;

Consolidação definitiva do processo de transição epidemiológico: as doenças cérebro-vasculares ocupam agora o 1º lugar nas causas de morte; a mortalidade infantil detém agora um peso menor no conjunto da mortalidade;

Transição facilitada pelo êxodo rural (migrações externas e internas), melhoria da alimentação, da assistência médica e hospitalar, das condições de vida e de trabalho;


Luís M. Graça Henriques (n. 1947). Psssou pelo TO da Guiné
(1969/71). Casado, tem 2 filhos. Foto de LG

População portuguesa em África, em 1940, muito baixa: 44 mil (Angola); 27500 (Moçambique); no final dos anos 40, fluxo anual médio, para o Ultramar, é já de 12 mil; atinge os 25 mil no período de 1965/63… Em 1960: c. 173 mil pessoas de origem europeia em Angola; 97 mil em Moçambique… Política de povoamento a partir de 1961 (início da guerra colonial em Angola)…

A França, a partir de 1957, é o principal destino da emigração… Em 15 anos (1960/74) parte 1 milhão, legal ou ilegalmente, para a França, Alemanha e outros países da Europa. Paris é "a segunda cidade portuguesa";

A clivagem norte/sul é agora substituída pela oposição litoral/interior; a Grande Lisboa polariza agora 85% dos movimentos internos… Mas só c. 16% do êxodo rural se encaminha para a área de Lisboa.. Um em cada cinco portugueses habita na Grande Lisboa, no início dos anos 70… 

Litoralização (70%), urbanização (27%), metropolitanização (Lisboa: 22,8%; Porto: 11,5%)… Causa e consequência dos processos de transição demográfica, familiar e epidemiológica, a par dos movimentos migratórios (internos e externos)…

Evolução das taxas de população ativa empregue na agricultura: 50%/45% (entre 1930 e 1960); 41,2% (em 1960), 29,8% (em 1970)… 

(LG)

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Vd. também Graça, L. (1999) - Evolução Histórica da Legislação Portuguesa sobre a Saúde e o Trabalho, no Contexto do Processo de Modernização do País: 3. O período de 1926-1974: A modernização bloqueada. [Em Linha]. Página pessoal, Saúde e Trabalho. [Consult em 17 de junho de 2015]. Disponível em  http://www.ensp.unl.pt/luis.graca/historia1_legis1926_1974.html

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Nota do editor:

Último poste da série > 25 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15408: Manuscrito(s) (Luís Graça) (70): O Alzheimer da história

sábado, 28 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15419: (Ex)citações (302): Apaixonei-me por uma canção que o Conjunto João Paulo interpretava e incluí-a no meu reportório para a cantar numa festa no Entroncamento (José Vargues)

1. Mensagem do nosso camarada José Vargues (ex-1.º Cabo Escriturário da CCS do BART 733, Bissau e Farim, 1964/66), com data de 26 de Novembro de 2015:

Camarada Carlos Vinhal
Eu não podia passar sem falar sobre o brioso conjunto musical, e como tal adquirir o álbum de 45 rotações, gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, que na altura foi representante exclusivo, em Portugal, da etiqueta Colúmbia.
Eu sempre me interessei pela música e apaixonei-me por uma canção que eles também interpretaram, que a incluí no meu reportório para cantar numa festa no Entroncamento.
Foi uma experiência curta, porque estava a tirar o Curso Geral do Comércio, que achei mais importante.

Um abraço a todos
José Vargues
ex-1.º Cabo Escriturário n.º 609/64


Para ouvirem o tema "Ma Vie", incluído neste EP, cliquem aqui
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15397: (Ex)citações (301): O álcool na génese de não poucas baixas mortais no CTIG: relato de um quase acidente que se passou comigo, e que podia ter resultado em tragédia (Abílio Magro, ex-fur mil amanuense, CSJD/QG/CTIG, Bissau, 1973/74)

Guiné 63/74 - P15418: Os manuais escolares que nos forma(ta)ram (2): Geografia, Portugal e Colónias, 3ª e 4ª classes, de A. de Vasconcelos, c. 1940 - Parte II: Angola, com uma superfície 14,5 vezes maior que a de Portugal Continental, teria uma população que "regula(va) por uns 6 milhões de habitantes, a maior parte pretos (sic)"... Esta estimativa parece-nos grosseira... Oz densos aponmtavam para 3,7 (em 1940), 4,1 (em 1950), 4,8 (em 1960) e 5,7 milhões (e em 1970)...


VASCONCELOS. A[ugusto Pinto Duarte] de - Geografia Portugal e Colónias, 3ª e 4ª classes, nova edição. Porto: Editorial Domingos Barreira, [1940], 118 + 1 pp., ilustrado, 18 cm.





Geografia... op. cit. p. 103: vejam-se as fronteiras de Angola, de antes da II Guerra Mundial: Congo Francês, Congo Belga, Rodésia Inglesa e África do Sudoeste (Inglaterra) ou Botelândia (antiga África Ocidental alemã, perdida para os ingleses na sequência da I Grande Guerra, e hoje Namíbia)...




Geografia..., op cit., pp. 103-106


2. Comentário do editor:


Não sabemos onde o autor foi buscar um valor de 6 milhões de habitantes para a época [, 1940,] em Angola...

"A notícia da primeira tentativa para a contagem da população angolana data do último quartel do séc. XVIII, mais precisamente do tempo em que foi governador de Angola D. António de Lencastre (1777-1778), com a execução da ordem de 21 de maio de 1770, da autoria do então,ministro Martinho de Melo Castro. Foram contados, nessa altura, 1.581 brancos, 1.013 mestiços e168.493 pretos avassalados."

Por Carta de Lei de 17 de agosto de 1899, foi mandado proceder-se  ao recenseamento da da população no Ultramar de dez em dez anos

O primeiro censo, na realidade, só foi realizado em 1940.  A população total de Angola era então de 3.738.010 indivíduos.  

O censo de 1950 apontava para um total de  4.145.266  indivíduos e o de 1960 apurava um crescimento de 700 mil (Total; 4.840.719 pessoas).

Em 1970,  a população estimada de Angola era  de 5.673.064 habitantes.  [E já aaora acrescente-se que a população de origem europeia continuava a ser diminuta: cerca de 44 mil em 1940; 172.529 em 1960...].


sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15417: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXIII Parte): Lifna Cumba, o "Joaquim"; Um longo Dezembro e Os Últimos Dias

1. Parte XXIII de "Guiné, Ir e Voltar", série do nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489, Cuntima e Alf Mil Comando, CMDT do Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67.


GUINÉ, IR E VOLTAR - XXIII

1 - Lifna Cumba, o “Joaquim” 

Parou no Taufik Saad, manequim na montra, mexeu-se no meio daquelas novidades, umas calças finas, antracite, uma camisa branca made in Macau, meias pretas nos sapatos pretos, parecia outro quando saiu, pela rua fora.

Em Brá, a 3.ª Companhia de Comandos estava a caminho dos quatro meses de comissão. Já tinham medido forças várias vezes com a guerrilha. Um dos alferes na primeira saída foi atingido por um estilhaço. Apesar do ferimento não parecer muito grave teve que ser evacuado para o Hospital Militar de Bissau. Recuperado, duas ou três semanas depois, voltou a sair e voltou a ser atingido. Evacuado, foi novamente internado no Hospital. Dias depois teve alta e após uns dias em repouso em Brá foi a vez do grupo que chefiava voltar a alinhar.

Não há duas sem três, deve ter sentenciado um filósofo há centenas de anos e passou a ser corrente na voz do povo. Pois o nosso alferes voltou a ser atingido, desta vez com mais gravidade. Três saídas para o mato, três ferimentos em combate, não era nada animador, de facto. Só havia uma saída, abandonar o palco.

Ainda estavam os Diabólicos nos últimos dias de actividade operacional, foi uma tarde contactado em Mansoa pelo Capitão Alves Cardoso, o comandante da 3.ª Companhia de Comandos.
Dê-me os nomes de dois guineenses do seu grupo, que possam vir a fazer parte da minha companhia.

E deu, não dois mas três. Foi assim que o Joaquim passou a integrar a 3.ª CCmds. Teve conhecimento, mais tarde, pelo próprio capitão, de que teria entrado em duas ou três operações e tinha inspirado confiança aos jovens candidatos a Comandos.

Em Outubro, talvez no final da primeira semana ou início da segunda, soube que o grupo de que o Joaquim fazia parte andava algures para os lados de Mansoa. Num daqueles dias encontrou o Furriel Valente de Sousa na esplanada do Bento. Então que tal têm corrido as coisas aos novos, perguntou a certa altura ao Valente de Sousa, que mantinha uma relação de maior proximidade com alguns camaradas da 3.ª CCmds.

Têm corrido bem, o Joaquim, ontem, é que teve azar. Um azar que, aliás, podia acontecer a qualquer um de nós. Que azar?

“Joaquim”, o Lifna Cumba, de pé, em segundo plano, de frente para a máquina. Regresso da Operação "Atraca". Julho de 1966. 

E o furriel, continuando como se estivesse a falar só, que o comandante do grupo tinha mandado o Joaquim internar-se na mata, que alguém do grupo terá visto um vulto a movimentar-se entre as palmeiras, e precipitou-se, disparou e depois foi uma fuzilaria para a mata. Olhe meu alferes, ficou como um crivo.

Levantou-se, enfiou-se no Fiat, directo ao Hospital Militar.

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2 - Um longo Dezembro

Uma eternidade, aquele mês de Dezembro nunca mais acabava.

Olhou para as tralhas acumuladas nestes dois anos. Não é que fosse muita, livros, papelada e fotos sim. Andava a aproveitar as noites de subalterno de dia no QG para lhes pôr alguma ordem, cópias de relatórios das operações e centenas de fotos. Estas são para rasgar, isto onde foi, como é que se chamava este tipo, apontamentos ao lado, nomes dos camaradas atrás, e depois disto, para onde fui? Anotava o que se lembrava, folhas e folhas, dois anos quase, ali à sua frente.

Correspondência! O aroma dela nas cartas, falta pouco, um mês só, não vou a Lisboa esperar-te, mas quando puseres os pés em terra, lembra-te, estou contigo. Está tudo dito, já não há mais para dizer. À frente dele, uma folha toda em branco, enorme, com tanto espaço para responder, sem ideias, nem sabia como começar. Quero estar contigo, sem mais ninguém por perto. Uma frase só numa carta. Não tenho mais para dizer, não sei o que escrever.

Vinte e quatro meses de cartas para lá e para cá. Palavras para encher papel, que de guerra não havia que dizer. Tinha cumprido, sem um desvio, que se lembrasse, o que tinha prometido a si próprio, falar de tudo menos de guerra, que era assunto que não lhes interessava. Que havia de dizer aos Pais e à namorada? De bazucas, de morteiros, de PPSHs1, de feridos, de estropiados, de evacuações? De uma guerra que se discutia? Não, não à namorada nem aos Pais.

Quando lhes falava da Guiné, era das paisagens, dos rios, dos enormes poilões, da gente boa que conhecia, e do tempo que fazia. Um calor e uma humidade que nunca sentira, vê lá tu, às vezes acabo de tomar banho e só de me limpar com a toalha fico outra vez a suar. Por vezes volto ao chuveiro e deito-me sem me secar. Escrevia-lhe do tempo que faltava para ir de férias, ainda nem quatro meses tinha de Guiné! Umas férias que nunca vieram, por culpa dele. Quem havia de se meter em sarilhos na Associação Comercial de Bissau? Quem havia de fazer frente a um tenente-coronel, na ordem de batalha, dizer-lhe nas trombas, com oficiais presentes, que ele, senhor tenente-coronel, estava pouco informado? Um garoto com 21 anos, quem é que ele se julgava? Não posso ir de férias, fui castigado, na tropa diz-se punido, por falta de respeito a um oficial superior. Já passou um ano, só falta o outro. Estou bem, em descanso, tenho muito pouco para fazer, espero o dia em que te vou ver. Não é preciso testemunhas, só quero estar contigo, os dois sós.

O sono leve, intermitente, e as malas, o que vou levar? Tem que caber tudo numa mala, não levo mais. Já pensaste no que vais levar, o que é que vai contigo? Os livros, todos, uma muda de roupa civil, as coisas do quarto de banho. Os sapatos civis, as botas, o camuflado, tudo no saco da tropa. Levaria vestida a farda amarela, a que envergara aquele tempo todo, as botas de cabedal e a boina. O resto ficava, podia servir a alguém.

O despertar súbito, outra vez muito acordado, uma sensação estranha a aparecer, a tomar conta dele, uma vontade irreprimível de fugir, os pés fora da cama, o que vou fazer, para onde, a tremer como se estivesse com febre. No quarto de banho, frente ao espelho, este sou eu com as mãos na cara, isto vai passar, nem um mês falta.

Talhão militar do cemitério de Bissau. 
Foto do autor. 

Tinha que ser, tinha que lá ir. Numa daquelas tardes entrou no cemitério, directo às campas dos camaradas. Parou em frente ao túmulo do Silva, a olhar para a relva. As diligências que fizeram, até o dinheiro que receberam pelas armas que apanharam, reverteu todo para as urnas de chumbo, para as trasladações dos corpos dos camaradas mortos. E o que resta do Silva ainda aqui está, aqui mesmo à frente. Soldado António Maria Alves da Silva. Nasceu em 17 de Janeiro de 1942. Faleceu em 6 de Março de 1966.
Sem uma flor, sem nada.

A guerra via-a de muito longe, como se fosse um assunto que já não lhe dizia respeito. Mas mesmo assim, às vezes não podia esquivar-se aos relatos dos recém-chegados do mato. A 3.ª CCmds andava por Tite. Raramente saía com efectivos inferiores a dois grupos.


Entretanto chegara outra Companhia de Comandos, a 5.ª, comandada por um jovem capitão, um tipo simpático. Então como é isto aqui, fresco, não? As zonas da guerrilha são todas iguais ou há diferenças? Antes que me esqueça, cumprimentos do Capitão Saraiva. Quando chegar a Lisboa contacte-o.

Visto como inexpugnável, no sul as NT estavam praticamente confinadas aos aquartelamentos. Madina do Boé, um inferno, o Diem-Biem-Phu dos portugueses, o capitão de lá a dizer que a única coisa que podiam fazer era viver de dia e de noite dentro dos abrigos cavados no solo, suportados por troncos e enchidos com cimento em barda. Passavam os dias e as noites a verem a vida em frente por entre os buracos. Abastecidos do ar, dizia para quem o queria ouvir, que os aviões faziam malabarismos para não serem atingidos. Madina vai ser o primeiro aquartelamento a ser tomado pelo PAIGC, ouvia-se em muitas bocas que era um assunto arrumado.


Os Fiats G-91 já estavam operacionais, a esperança da manutenção da superioridade via-se em algumas caras, confirmavam-se notícias de acções sobre antiaéreas do PAIGC. E os lobos maus, os Alouettes III armados com canhão e metralhadora, passadas as experiências, também já apoiavam as forças terrestres.

Alouette III armado. 
Foto da net. 

E os ataques dos guerrilheiros com foguetes a vários aquartelamentos também começavam a ser frequentes. O norte em brasa, Barro, Bigene, Guidage, o Oio nem se fala, o sul quase fora do controlo, o leste ainda assim-assim.
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Nota:
1 - Pistola metralhadora utilizada pelas tropas da URSS durante a 2.ª Grande Guerra. Nos anos a seguir a PPSH foi utilizada por numerosos movimentos guerrilheiros apoiados pela URSS. Encravava com alguma facilidade, especialmente com o carregador em forma de tambor, e a alta cadência de tiro (cerca de 900 por minuto) aliada à facilidade de disparo faziam com que rapidamente se gastassem munições disponíveis, o que acarretava alguns problemas logísticos à guerrilha. A elevada cadência de tiro levou a que as NT lhe pusessem o nome de costureirinha.

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3- Os últimos dias 

Natal à porta, as montras de Bissau mudaram a cara, muitos militares nas ruas a entrarem e a saírem das lojas. Há um ano andava por Barro e Bigene, foi um fim de ano diferente.
No QG organizaram uma Ceia de Natal como devia ser, bacalhau e os doces todos. Estava lá toda a oficialada superior, Comandante Militar incluído, e familiares, mulheres e filhos, alguns vindos de Lisboa para passar o Natal com os papás.

Bebeu-se muito bem, alguns demasiado, como acontece sempre. Depois, ao ar livre, viram um filme italiano, com o Gianni Morandi, um cantor italiano que estava na moda, a fazer o papel principal dentro da farda de um soldado, estavam à espera de quê, que fosse de um capitão? Um apaixonado, aquele Morandi, tirava canções atrás de canções. Tantas que a maralha lá de trás, entusiasmada, começou a acompanhar a música, primeiro um, muito baixo, depois já se sabe como é, outros entusiastas também, até o Morandi se virou para eles, a cantar de lágrimas nos olhos. Falta de respeito! Uns alferes de merda, uns comunistóides, que é para isso que agora servem as universidades, sussurrava um major voltado lá para trás!

Entrou Janeiro, a primeira semana nunca mais acabava, minuto a minuto, até de noite! A confirmação da data de chegada do Uíge também chegou naqueles dias. A 17 deste mês, disse-lhe o Manaças, a par de tudo o que fosse transportes. Estou a dizer-te, pá, já saíram de Lisboa, estão neste momento a caminho daqui!

E o navio chegou mesmo. As tropas, verdinhas de novas, demoraram uma eternidade a desembarcarem, uma vontade enorme de não mexerem as pernas.

Navio “Uíge” em Bissau. Foto de Torcato Mendonça. Com a devida vénia. 

Estava a vê-los ao longe, na marginal, encostado a uma palmeira. É aquele o navio que te vai levar, amanhã por estas horas estás com a mala na mão, prontinho a entrar. Ficou-se a olhar para eles a saírem devagar, um a um até às lanchas, depois já no cais, perdidos, para um lado e para outro, pareciam formigas. Alguns daqueles não voltam a ver Lisboa.
Bom, vamos lá embora, até ao Bento, mais uma cerveja para veres melhor, o Manaças sempre ao lado, não o largava nem um segundo. Veio-lhe à memória a despedida do Godinho dos “Camaleões” naquele mesmo cais. E o gesto dele, de um jovem virado ao contrário. Tira do bolso uma pequena caixa de plástico e da boca sai-lhe uma frase: aqui a ganhei, aqui fica! E manda a caixa pelo ar até ao Geba.

Sabias que na noite de consoada, um soldado em Tite descarregou a G-3 no capitão?
Não quero saber de mais nada, Manaças, quero é ir-me embora. Da Guiné, agora só quero ostras no Fonseca.

Nem no Fonseca se podia estar, tanta gente nas mesas. O Augusto, um guineense que a sua companhia de Cuntima recolhera no mato e que depois aprendera com eles a ler, recebeu-o com um abraço, até se esqueceu que estava de serviço às mesas. Arranja mesa, pois claro, alferes, tem que arranjar! A sala cheia de fumo, aromas de álcoois, de muita gente também.

As cores da pele desta gente, das roupas, são quase todas iguais. As cores daqui são diferentes das que estamos habituados a ver na metrópole, um periquito da mesa do lado.

A Guiné não tem cor, tem cores, as que eu vejo andam todas à volta de tons de verde do claro ao escuro, o Manaças sonhador. A cor de fundo, a que vai comigo, é a cor do uísque e da cerveja, Manaças.

Tanta pressa que chegasse a manhã e ela nunca mais vinha. Deitou-se e levantou-se a noite toda. Mal a luz entrou pela janela atacou a mala. Afinal estava cheia, um peso para burro, o saco ao lado. Os camuflados, as botas de lona que trilharam quilómetros sem conta, as meias esverdeadas, lenços, os restos todos arrumados ao canto do quarto. Antes de sair volto a despedir-me destes camuflados que me chuparam o suor e a água das chuvas, desta tralha que me acompanhou estes tempos todos.

Depois o andar das horas acelerou, nem deu tempo para se despedir de ninguém, tudo para trás. Ficara sem olhos, não via nada. Mal deu pelo Major Pereira da Silva, só reparou quando ele o interpelou, sorridente. Isso é que é pressa, alferes! Não se esqueça, a sua vida vai agora recomeçar, as guerras vão ser outras! E pense naquela escola de que falámos, a de Lausanne.

Leva a Guiné aqui dentro, não? Mala nas mãos do motorista do Manaças, saco nas costas dele, o quarto numa desarrumação, deixa estar, a malta arruma tudo. Parou, olhou para trás, para os restos que deixava, dois anos ali no chão. Ainda pegou no lenço negro, do pescoço, que sempre o acompanhou por aquelas terras. Siga a marinha, para o cais antes que a piroga se pisgue. Ainda falta muito, pá, só embarcas depois das 5 da tarde. Ainda tens duas ou três horas à tua frente, vamos até ao Bento, sentamo-nos lá um bocado.

Uma emoção no cais. Rostos magros, amarelos, sorriso tristes, ausentes, ar de cansaço, sentados em cima das malas alinhadas, etiquetas coladas. Outros, mais exuberantes a dançar o malhão, o vira e o corridinho. Tudo pronto à espera da ordem de embarque para as lanchas. A primeira a partir, a segunda meia hora depois. Qual meia hora, cinco minutos para aí, ainda ali vai, pá! Outra, outra, nunca mais chegava a vez dele. Mas chegou, foi das últimas, mas foi. Manaças amigo!

Pá, vai direitinho, olha o chão, cuidado com as escadas. 
As luzes de Bissau ali e só tinha olhos para o Uíge, ainda tão longe, mas desta vez deve ser, devo mesmo ir-me embora.

Mal subiu a escada, o camarote onde é? Meteu-se lá para dentro e fechou a porta. Acabou-se a Guiné. Porta fechada? Julguei que não abria, um camarada com a mala. Está a ouvir estes rebentamentos? Deve ser em Jabadá, não?

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(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15385: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXII Parte): Outros horários; Contas com os fornecedores; Um mês e meio para o fim; Um Folgado no QG e VAT 69