quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15765: Efemérides (216): O Pepito deixou-nos há 2 anos... Retenho a ideia que tinha dele em vida: um homem de grande coragem física e moral, um cidadão de princípios e de valores, um intelectual de fina inteligência e sensibilidade sociocultural, um engenheiro agrónomo e gestor com uma espantosa capacidade de trabalho, organização, determinação e liderança, um dirigente de arguta visão, um abnegado patriota, um amigo generoso e hospitaleiro, um bom pai e melhor avô, e sobretudo, um bom gigante com um coração de ouro... Enfim, um homem que, perante a adversidade, sabia que "desistir era perder, recomeçar era vencer"... (Luís Graça)



Lisboa > Campus da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Liosbnoa > 6 de setembro de 2007 > A face lumionsa do engº agrº Carlos Schwarz da Silva, 'Pepito'  (Bissau, 1969-Lisboa, 2014)... Tal como a máquina fotográfica a fixou, há mais de 8 anos atrás...


Lisboa > Campus da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade NOVA de Lisboa > 18 de fevereiro de 2016 > A palmeira cresceu, está vigorosa, contrariamente a muitas que na zona foram atacadas pelo escaravelho da palmeira (Rhynchophorus ferrugineus Olivier) e morreram... Sempre que passo por ela,  lembrou-me do Pepito e da sua face luminosa...  Hoje voltei a sentir o vazio da sua ausência...

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados.

1. Faz hoje dois anos que o Pepito, "nickname" de Carlos Schwarz da Silva, nos deixou, aos 64 anos,  Era um lusoguineense, filho de pais portugueses, nascido em Bissau, em 1/12/1949. Morreu, em Lisboa, no Hospital Curry Cabral, em 18/2/2014. 

A sua vida foi um exemplo para todos os que com ele trabalharam, dentro e fora da Guiné-Bissau. Muitas imagens foram usadas para o descrever, a corpo inteiro. Mas continua a faltar um grande biógrafo para um "homem grande" como ele que não foi apenas um "construtor de sonhos" (José Teixeira) como um  "arquiteto de pontes de diálogo" (Luís Graça), e, claro, sempre, um lutador, um sobrevivente,  um resistente,  um cidadão  do mundo.

No dia do seu 63º aniversário, escrevi: "Espero que a Guiné e o seu povo continuem a merecer a vida e a história de vida deste homem que nos honra a todos".

No Natal de 2005, recebi uma prenda do Pepito que muito me sensibilizou. Ele enviou-me, para publicação no blogue, um dos contos, escritos pelo seu pai, já falecido (Artur Augusto Silva) e que os filhos (Henrique, João e Carlos Schwarz da Silva) decidiram reunir em livro. Dois meses depois, em fevereiro de 2006,  conheci pessoalmente o Pepito, que me ofereceu o livro ("O cativeiro dos bichos"). Foi o início de uma bela amizade, que lamentavelmente só iria durar 7 anos.

À medida que foi nasccendo entre nós essa amizade (que foi curta mas grande) e que o fui conhecendo melhor, reforcei a ideia que tinha dele em vida: um homem de grande coragem física e moral, um cidadão de princípios e de valores, um intelectual de fina inteligência e sensibilidade sociocultural,  um engenheiro agrónomo e gestor com uma espantosa capacidade de trabalho, organização, determinação e liderança,  um dirigente de arguta visão, um abnegado patriota, um amigo generoso e hospitaleiro, um bom pai e melhor avô, e sobretudo, de um bom gigante com um coração de ouro... Enfim, um homem que  perante a adversidade,  sabia que "desistir era perder, recomeçar era vencer"...

O José Teixeira, dirigente da Tabanca Pequena ONGD,  também grande amigo e admirador do Pepito, escreveu sobre ele:

"Tive a felicidade de caminhar várias vezes a seu lado pelo interior da Guiné. Impressionava-me vivamente a forma como era acolhido em festa. Como os mais velhos e os mais novos se acercavam dele, em grupo ou isoladamente, para lhe darem conta dos resultados dos projetos em desenvolvimento. (...) Havia sempre razão para um sorriso de esperança. Havia sempre uma mão estendida num cumprimento afetuoso. Havia sempre uma palavra amiga e de estímulo. O Pepito acreditava naquela gente, mais que ninguém porque conhecia pessoa a pessoa e chamava-a pelo nome."

O Pepito teria, com certeza, os seus defeitos, como qualquer ser humano. Os amigos são magnânimos ao engrandecer as virtudes e ao minimizar os defeitos dos grandes homens e, sobretudo, dos amigos.

Quero, porém,  recordá-lo como o descrevi ao meu filho, João Graça, na véspera de partir, em dezembro de 2009, para a Guiné onde foi passar duas semanas, entre 6 a 19 de Dezembro de 2009, numa jornada mix de voluntariado e de férias. Ofereceu os cinco primeiros dias (de 6 a 10 de Dezembro de 2009), para trabalhar como médico no Centro de Saúde Materno-Infantil de Iemberém, no Cantanhez, com apoio (logístico) da AD - Acção para o Desenvolvimento e a hospitalidade do Pepito (e da Isabel Levy Ribeiro). Para além de Bissau e do Cantanhez, o João esteve nos Bijagós, na zona leste (Bambadinca, Bafatá, Tabatô e Gabu) e na região do Cacheu (São Domingos): foi um jornada, também para ele, inesquecível... (Valeu um ano de faculdade... de medicina!).

Devo também ao Pepito a oportunidade de regressar à Guiné, 37 anos depois da guerra colonial... Escrevi sobre isso aqui, no primeiro de 18 postes publicados na série "Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça):

(...) "Regresso à Guiné. 37 anos depois. É duro, é uma provação. Tenho sentimentos ambivalentes. Quero e não quero ir. Há o Graça que quer ir, o fundador e o editor deste blogue; e o Henriques que não quer, o velho tuga, o furriel miliciano, apontador de armas pesadas de infantaria que esteve na CCAÇ 12, em Bambadinca, em 1969/71, e a quem deram uma G3 de atirador de infantaria… Durante muito tempo, todos nós quisemos esquecer a Guiné, ao mesmo que alimentámos o desejo secreto, voyeurista, de lá voltar… Eu decididamente não teria lá voltado se não tivesse surgido a oportunidade que representou, para mim e outros camaradas, a realização do Simpósio Internacional Guiledje na Rota da Independência da Guiné-Bissau, que vai começar amanhã e prolongar-se até 7 de Março de 2008. (...) Mas já houve mais resistências ou defesas, há uns tempos atrás, quando recebi o convite dos organizadores do Simpósio. Agora os dados estão lançados, é tarde demais para hesitações. Vou à Guiné, não em romagem de saudade (acho piroso o termo…), mas pura e simplesmente em trabalho. Quero convencer-me disso. É mais fácil assim. Racionalizo, logo passo o teste. (...).

Essa viagem (com ida ao Cantanhez, num fim de semana prolongado) reforçou a minha convicção de que a Guiné-Bissau é um terra de esperança e de futuro... Pepito escolheu, e não foi por acaso, a escultura do Nhinte-Camatchol como "mascote" do Simpósio Internacional de Guiledje.  Em Bissau escrevi um longo poema que terminava assim:



(...) E que o Nhinte-Camatchol, 

o grande irã dos nalus,
te proteja,
Guiné, Tabanca Grande.
E o Deus dos cristãos,
dos grumetes do Geba e da Amura,
e o Alá dos fulas, mandingas e beafadas,
e os irãs dos balantas, manjacos, papéis, bijagós
e demais povos ribeirinhos, animistas,
que todos eles te inspirem
e te protejam! (...)

O Nhinte-Camatchol não protegeu o Pepito, que sacrificou muito da sua saúde, segurança e "qualidade de vida" (suas e da sua família) pelo seu povo. Esperemos que Deus, Alá e os Grandes Irãs protejam aquela terra que continuamos a amar, e os nossos amigos que lá vivem. Eles merecem. E que o exemplo do Pepito continue a ser inspirador, para eles e para todos nós. (LG)



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém> Simpósio Internacional de Guileje > 1 de Março de 2008 > Grafito com o desenho nalú do irã protetor da tabanca, o Nhinte-Camatchol, e que fez parte do logótipo do Simpósio, organizado pela AD -Acção para o Desenvolvimento, o INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesqusias, e UCB - Universidade Colinas do Boé

O Nhinhe Camatchol é uma escultura dos nalus do Cantanhez usado na festa do fanado. Representa uma cebeça de pássaro com rosto humano, sendo a mensagem aos participantes deste ritual de iniciação à vida adulta a seguinte: que todos eles passam a considerar-se como verdadeiros irmãos, mais verdadeiros que os próprios irmãos biológicos. O que deve ser entendido como a afirmação do interessse colectivo, comunitário, acima do interesse dos indivíduos e das famílias. Orginalmente esta máscara não poderia ser vista pelos não iniciados, sob pena de morte (Campredon, Pierre – Cantanhez, forêts sacrées de Guinée-Bissau. Bissau,Tiguena. 1997, pp. 32-33).

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados.


2. O Pepito, direta e indiretamente, tem no nosso  blogue algumas centenas de referências, desde 2006. É-nos impossível, por falta de tempo,  fazer um recolha sistemática num universo que já vai a caminho dos 16 mil postes (não falando das imagens, algumas centenas das quais são dele ou relacionadas com ele e os seus projetos).

Aqui ficam alguns marcadores e, mais abaixo, uma seleção de postes (incompleta, já que faltam muitos postes entre 2006 e 2008).

Em termos biográficos, é de lembrar que ele descende de uma notável família, portuguesa, de origem polaco-judaica, pelo lado materno (Clara Schwarz) e caboverdiana, pelo lado paterno (Artur Augusto Silva). Clara Schwarz, com 101 anos, honra-nos com a sua presença na Tabanca Grande, sendo a nossa decana. (**)


AD - Acção para o Desenvolvimento (216)

Artur Augusto Silva (26)

Clara Schwarz (39)

João Schwarz da Silva (4)

Núcleo Museológico Memória de Guiledje (21)

Pepito (197)

Samuel Schwarz (3)

Simpósio Internacional de Guiledje (12)

Tabanca de São Martinho do Porto (16)

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 17 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15758: Efemérides (215): Canquelifá, 9 de fevereiro de 1970: o burro, as carraceiras e o tiro ao alvo com uma Mannlicker... Ou quando um burro valia mais do que um Unimog... (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)

(**) Vd. postes de:

8 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15722: Notas de leitura (806): Textos de Carlos Schwarz (Pepito), na Revista Sumara, publicação da responsabilidade da Fundação João Lopes, Cabo Verde (Mário Beja Santos)

31 de outubro de  2014 > Guiné 63/74 - P13828: Notícias dos nossos amigos da AD - Bissau (36): Vídeo de homenagem ao Pepito (1949-2014)


18 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13006: 10º aniversário do nosso blogue (12): Faz hoje 2 meses que o Pepito nos deixou... Em sua memória reproduzimos aqui um vídeo de 2012, em que ele relata, com humor e boa disposição, uma das cenas de violência de que foi vítima, na sua casa do Quelelé, ao tempo de Kumba Ialá (c. 2000)...



21 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12869: Blogpoesia (377): O Dia Mundial da Poesia, 21 de março de 2014, na nossa Tabanca Grande (VIII): Pepito, o construtor de sonhos (José Teixeira, ONGD Tabanca Pequena, Matosinhos)


7 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12804: Manuscrito(s) (Luís Graça) (25): O Pepito que eu conheci... em 16/2/2006 e que, no fim da conversa de 1 hora, me fez um pedido algo insólito: um obus 14 para o Núcleo Museológico Memória de Guiledje...

25 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12772: In Memoriam (184): Carlos Schwarz da Silva (1949-2014)... Pepito ca mori!... E obrigado, homem grande e querido amigo, pelo teu calendário de 2014, com belíssimas fotos do Ernst Schade sobre as gentes da tua terra que tu amavas como poucos (Luís Graça)


15 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11098: In Memoriam (138): Cadi Baldé (c. 1984-2013), mãe da pequena Alicinha do Cantanhez (Luís Graça / Alice Carneiro)

6 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11064: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (5): Em Catesse, com o Pepito... Pela primeira vez tive medo!...Medo de não conseguir corresponder ao tanto que a população espera de todos nós!

2 de novembro de  2012 >  Guiné 63/74 - P10606: Blogpoesia (301): Na ka misti tchora mas, Guiné (Luís Graça)


25 de abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8165: 7º aniversário do nosso blogue: 23 de Abril de 2011 (20): O nosso Blogue serviu para colar partes da vida separadas pela guerra e que através dele se reencontraram (Pepito, AD- Acção para o Desenvolvimento, Bissau)

3 de abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6102: PAIGC - Quem foi quem (9): Abdú Indjai, pai da Cadi, guerrilheiro desde 1963, perdeu uma perna lá para os lados de Quebo, Saltinho e Contabane (Pepito / Luís Graça)

1 de abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6086: Ser solidário (63): Gente feliz... com lágrimas: a Cadi e a sua filha, a Maria Alice do Cantanhez (Pepito / Luís Graça)

26 de agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4863: Agenda cultural (24): A História de Cristina, por Mikael Levin, no CCB, de 31/8 a 8/11 (Carlos Schwarz, 'Pepito' / Luís Graça)

3 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3168: Ser solidário (20): Bissau: O triste caso da Cadi e a ajuda extraordinária do Tino, que trabalha na AD (Nuno Rubim)

3 de setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3167: Ser solidário (19): Morreu o Nuninho, da Cadi. De paludismo. De abandono (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P15764: FAP (94): O acidente com o T6, em Canquelifá, que vitimou o fur mil pil Alberto Soares Moutinho, ocorreu em 4/12/1969 (Portal Ultramar TerraWeb / Valdemar Queiroz / Abílio Duarte / José Manuel Matos Diniz)

 

Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Canquelifá > CART 2479 / CART 11 (1969/70)  > Canquelifá > 1970 >  O Valdemar Queiroz junto à carcaça de um T 6 que se havia despenhado uns tempos antes, em finais de 1969.

Foto: © Valdemar Queiroz (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: L.G.]


1. Comentários ao poste P15758 (*)

(i) Abílio Duarte [, ex-fur mil,CART 11, Nova Lamego, Paunca, 1969/1970]

A carcaça do avião, que aparece na foto, é o resto de um T6.

Aquele avião despenhou-se em Canquelifá, quando pretendia sair daquele destacamento para uma operação, no sector.
Lembro-me muito bem deste acontecimento, porque no dia anterior, o piloto aviador que faleceu, tinha estado connosco na nossa messe em Nova Lamego, penso que era amigo do nosso furriel Pais (mecânico),  lá de Espinho, e jantou com a malta.
Muita tristeza. Foi a nossa sina.

(ii) José Manuel Matos Diniz [,ex-Fur Mil da CCAÇ 2679,Bajocunda, 1970/71]

Estive por duas vezes em Canquelifá por períodos de uma semana cada, talvez a partir de Abril de 1970. 

Sobre o acidente do T-6 ouvi que o piloto teria sido festejado pelo seu aniversário, e que se bebeu alegremente. O avião levantou, mas em vez de tomar o rumo para Bissau, o piloto terá querido fazer uma manobra de agradecimento, um looping que acabou na grande árvore que havia no centro da localidade.

Obviamente não posso jurar que foi assim.

Abraços fraternos
JD

2. Comentário do editor:

Segunda a preciosa informação do portal Ultramar TerraWeb [Militares mortos em serviços > FAP - Pilotos e especialistas > de 12 abr 1959 a 14 nov 1975, lista elaborada por JCAS], o piloto do T 6 G [ # 1795] que se despenhou em Canquelifá, foi o Alberto Soares Moutinho, fur mil pil, da BA 12, Bissalanca, natural de Lourosa, Santa Maria da Feira.   

A fatídica data foi 4/12/1969. Tratou-se de um acidente: "após a descolagem,  bateu no solo e incendiou-se" (**).


quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15763: Blogoterapia (275): Paisagens que dão tanta beleza à vida, abulia e esquecimento (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 13 de Fevereiro de 2016:


PAISAGENS QUE DÃO TANTA BELEZA À VIDA, ABULIA E ESQUECIMENTO

Para combater o excesso de peso, e a ferrugem dos músculos e articulações, males provocados pela idade e  pelos excessos alimentares, muitas vezes na companhia de amigos e camaradas, faço muitos passeios sozinho, em marcha forçada, no Parque da Cidade que fica perto da minha casa. Habituado desde muito jovem na minha aldeia, às longas caminhadas que me levavam a todos os sítios da sua área agrícola e florestal, ultimamente  comecei a sentir saudades desses espaços mais  amplos e diversificados, com outra lonjura dos caminhos do Parque, que consigo percorrer numa hora.

Pelo prazer das caminhadas, dos espaços amplos e das paisagens que entram pelo olhar e dão tanta beleza à nossa vida, recordo-me também dos anos da Guiné e das caminhadas que fiz por lá, com melhores pernas do que actualmente.

Porto - Vista do Parque da Cidade

Nos primeiros meses em Buba, fiz grandes caminhadas com o pelotão, que já mostrava alguns sinais de cansaço para acompanhar o periquito, que eu era, pois eles já tinham sete meses de mato.
Sem nunca sair para fora da área que estava atribuída à companhia eu achava que devia ter conhecimento do terreno, para maior segurança psicológica, pela utilidade que poderia ter nalguma emergência, por outro lado era também levado pela curiosidade em explorar as paisagens de floresta e bolanha que me rodeavam. Nesses  longos "passeios" tivemos a sorte de nunca nos cruzarmos com o inimigo, e confesso que como amante da vida ao ar livre e da natureza, foi das melhores experiências que tive na Guiné.

Problemas e azares, de que já falei, houve depois, nos últimos meses da comissão, para lá dos ataques mensais ao aquartelamento, que o Nino Vieira parecia fazer para cumprir calendário, que nos assustavam mas  nunca magoavam ninguém. A norte da bolanha dos Passarinhos, que tínhamos que cruzar na estrada de terra batida, que nos ligava a Nhala, para fazer protecção às frequentes colunas de reabastecimento, havia  uma enorme bolanha, que já não recordo se seria a sua continuação ou outra. Nesta grande área de bolanha só estive uma vez, com toda a companhia e terá sido das poucas vezes que o capitão saiu. Gostei muito de conhecer esse enorme descampado pouco arborizado e rodeado de floresta, talvez por alguma nostalgia da parte planáltica da minha aldeia, onde se cultivava o trigo e o centeio.
A nossa imaginação transporta para toda a parte as cópias das gentes e das paisagens onde nascemos e fomos criados e gostamos de as encontrar projectadas noutros ambientes. Fui algumas vezes na direcção de Fulacunda, que sendo bastante distante de Buba, parecia-me que havia entre as duas tabancas, muita terra de ninguém que poderia ser controlada pelo PAIGC. Fulacunda que talvez por ter um nome sonante e quase mágico e pela vizinhança confinante com Buba ainda que um pouco distante, sempre foi para mim um mistério a  despertar a minha curiosidade.

O José Teixeira, que fez tropa em Buba, antes de mim, e é um grande andarilho, que já voltou algumas vezes à Guiné, falou-me duma povoação nessa direcção, não muito longe de Buba, controlada pelo inimigo, segundo testemunho que recolheu junto de habitantes dela. Nunca soube ou não me apercebi da existência dessa tabanca. Saindo de Buba, próximo da pista de aviação, havia um troço de estrada abandonado, onde já crescia algum mato, que segundo parece não levava a parte nenhuma, que eu nunca percorri em toda a sua extensão até por ser um caminho muito exposto. Terá sido uma tentativa frustrada de abrir uma estrada, no tempo de companhias anteriores, na direcção de Aldeia Formosa.
Na direcção de Empada, a sudoeste, só me recordo de ter ido duas vezes com dois pelotões, numa espécie de patrulhamento sem outro objectivo definido, que não fosse observar se haveria vestígios da passagem ou actividade do inimigo, que por vezes nos atacava dessa zona, ainda perto do quartel, do outro lado do Rio Grande Buba.

Paisagem da Guiné - Pôr-do-sol no Pelundo

Depois de Buba, rumei para Mansabá, recomendado, por erro de casting, como bom combatente, como me chegou a dar a entender o Capitão Abreu, Comandante do COP, e para aborrecimento do capitão miliciano da companhia, que chegou uns dias depois de mim, Economista na vida civil e que tinha tanto jeito como eu para a vida militar.  Bom homem esse capitão, pois se ele fosse rigoroso na aplicação do RDM, eu provavelmente teria cumprido mais alguns meses de Guiné.
Mal recordo a actividade operacional. Lembro-me de fazermos uma operação, no sentido contrário à mata do Morés, não recordo qual o objectivo. Sei que andei muito tempo a pé por uma mata bastante densa e não me recordo porque motivo cheguei a andar de helicóptero, talvez para ver a paisagem.
Foi nessa ou noutra operação, que de manhã cedo a companhia estava toda formada na parada à minha espera, e o capitão danado pela minha demora, e eu a chegar  impassível e abstracto a olhar para ele.
Já escrevi algures no blogue que por muita pena minha nunca pude entrar na mata do Morés, por proibição conjunta do PAIGC e das autoridades militares, já que nessas operações somente eram utilizadas tropas especiais. Mas eu gostaria tanto de conhecer essa grande extensão de floresta, de preferência sem tiros nem bombas.

Pelo prazer que sempre tive em conhecer os campos e florestas da Guiné, se revelam as minhas origens camponesas. Se pudesse tinha dado a volta a toda a Guiné a pé.

Por causas várias que talvez não consiga analisar objectivamente, ou porque isso não me agrade agora, reconheço que nos meses passados em Mansabà, já estava um pouco "apanhado pelo clima" e o meu comportamento reflectiu bastante isso, confirmado recentemente pela minha irmã, mais próxima da minha idade, que há dias me falou do meu regresso a casa.

As nossas irmãs, essas jovens que desde cedo desenvolviam em relação a nós, uma mistura de sentimentos fraternais e maternais e alguma admiração e curiosidade pelas  nossas diferenças físicas e psicológicas.
As nossas irmãs, que nesses anos de aflição das famílias, acrescentavam tanto carinho e afectividade à que nos era dedicada pelos pais e que, segundo ela, eu tratei com tanta indiferença quando regressei. Nunca demos muito realce ao amor e sofrimento dessas jovens como se elas fossem obrigadas a isso por dever familiar. Tantos anos passaram e só agora esta irmã me fez esta "queixa", que surgiu somente, por acaso, no decorrer de uma conversa sobre o passado comum.

Outros factos que não sabia e outros que esqueci, por exemplo que a minha mãe chorava muito porque eu não dava notícias, e ela culpava as filhas por me escreverem pouco quando isso até não seria verdade. Note-se que a nossa mãe tinha a quarta classe mas bastante ocupada nas múltiplas tarefas que tinha que fazer no lar, cozinhar, costurar, chulear, tecer e outras, entre as quais ir na burra à horta, uma grande paixão para além dos filhos, encher as alforjes com as diferentes qualidades de hortaliça, atribuía a responsabilidade da escrita dos aerogramas às filhas.

Talvez esse estado de espírito, de que falei, em que se misturava abulia e esquecimento tenha varrido da minha memória muito do que se passou e vivi em Mansabá. Algumas recordações conservo e já aqui falei delas, sobretudo a cordialidade e camaradagem que senti da parte de todos.

Durante muitos anos, como muitos camaradas, voltei as costas à Guiné, quis esquecê-la e riscar da minha vida os dois anos que por lá passei. Há três anos, com a descoberta do blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné" e com a premência causada pelos dias intermináveis dos primeiros meses da reforma e o avançar da idade, comecei a sentir mais a necessidade de fazer um balanço da minha vida pelo que tentei explicar e integrar esses dois anos na corrente e sucessão dos outros de forma a reconciliar-me com a memória dos tempos de brasa da juventude.

Um abraço.
Francisco Baptista
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Nota do editor

Último poste da série de 11 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15737: Blogoterapia (274): Portas estreitas da vida onde nem sempre se consegue passar (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto, CART 3493, Mansambo, Fá Mandinga, Bissau, 1972/74)

Guiné 63/74 - P15762: Blogpoesia (437): "Quem Sou Eu?" (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381)

1. Mensagem do dia 15 de Fevereiro de 2016 do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), trazendo até nós um poema da sua autoria intitulado "Quem Sou Eu?"


Quem sou eu? 

Ao olhar para mim, interrogo-me: 
Quem sou eu? 
O que faço aqui? 
O que me fez ser assim, 
Tal como sou, em construção, 
Desde o dia em que nasci? 

Sou um somatório de tudo o que me aconteceu. 
Sou comunhão 
De tudo o que fui. 
Do que a vida me deu. 
De tudo o que vivi. 
De tanta coisa que pensei, 
Do muito que vi e senti, 
De tudo o que dei e recebi. 

Sou fruto do que fiz, 
Ténues marcas no Universo, 
Que ajudei a construir. 

Do que me fizeram, 
Puro amor gratificante, 
Base construtora da vida que vivi. 
Sou mistério envolvente 
Que me abraça e me conduz. 

Sou eu, 
Sou tudo e sou nada… 
À procura da luz. 

Zé Teixeira
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15746: Blogpoesia (436): Tudo passa (Joaquim Luís Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728)

Guiné 63/74 - P15761: Memória dos lugares (334): Fulacunda (Fernando Carolino, ex-alf mil, 3.ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74; natural de Alcobaça, a viver em Valado dos Frades, Nazaré)


Foto nº 2


Foto nº 2 A


Foto nº 1

Foto nº 1 A



Foto nº 3


Foto nº 7 > Mercado


Foto nº 5 > Tabanca


Foto nº 4 > Jorge Pinto (à esquerda) e Fernando Carolino, ambos do concelho de Alcobaça



Foto nº 6 > O Fernando

Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) 


Fotos (e legendas): © Fernando Carolino (2016). Todos os direitos reservados. [Edição:  L.G.]



1. Fotos enviadas em 13 do corrente pelo Juvenal Amado, com a seguinte indicação: 


Fernando Carolino, setembro de 1973.
Cortesia do blogue
Vallado de Frades, Um Século de Fotos
"Carlos e Luís, o meu cunhado Fernando [Lopes] Carolino prestou serviço em Fulacunda como alferes miliciano onde foi colocado em rendição individual entre 72 e 74. [Foto à esquerda, setembro de 1973]

Foi camarada do Jorge Pinto, membro do blogue. Estas são algumas fotos que pedi ao meu cunhado para publicar,"

2. Resposta do editor LG, em 21 do corrente:

Juvenal: obrigado, é o contributo do teu cunhado para o nosso património memorialístico. 

Acho que em troca ele deve passar a figurar doravante na lista alfabética dos membros da 
Tabanca Grande. Não sei se tu ou ele têm qualquer objeção... 
Não sei se ele nos acompanha, e se tem endereço de email.
 Fala com ele. Diz-lhe que a sua entrada nos honraria a todos.. 
Podes ser tu a apresentá-lo ao pessoal... Duas ou três linhas,,, 
Não arranjas uma foto atual ?...

Se ele é do tempo do Jorge Pinto (que é de Alcobaça,), e da mesma companhia, então havia dois alferes da mesma terra (ou vizinhos) em Fulacunda... Verdade ?...  Ab. Luis

3. Resposta do Juvenal Amado:

Ele vive Valado dos Frades que fica entre a Nazaré e Alcobaça , 6 km para cada lado. Valado dos Frades pertence à Nazaré. Mas ele nasceu em Alcobaça, foi novo para o Valado dos Frades. Eu vou falar com ele porque ele tem mais fotos mas em "slides".

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P15760: Os nossos seres, saberes e lazeres (141): O ventre de Tomar (5) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Fevereiro de 2016:

Queridos amigos,
É comum dizer-se que as obras-primas não cansam, cada vez que as revisitamos somos alertados para nova leitura da contemplação. Assim sucede com o Convento de Cristo.
Tive um professor de História de Arte que observava que o turista que visita templos grandiosos, como S. Pedro, não se detém a ver as portas soberbas, do melhor nível escultórico, tem que ser induzido.
E quando se visita o interior e uma casa magnificente como aquela que ajudou a recuperar e viveu tão feliz o embaixador António Pinto da França, o segundo embaixador de Portugal na Guiné-Bissau, e se é guiado pela proprietária que sabe muito bem comunicar, a visita empola, e até apetece voltar, tal e tanta é a riqueza, o cuidado em resguardar os espaços íntimos e em saber expor o que se adquiriu pelas quatro partidas do mundo.
É um lugar que se confunde com os primórdios da história de Portugal, chama-se Quinta da Anunciada Velha.

Um abraço do
Mário


O ventre de Tomar (5)

Beja Santos


O turista desacautelado, após ter recebido uma descarga de alta voltagem na Charola, sai deste espaço de fascínio às arrecuas, para mirar a parede rasgada por determinação do rei Venturoso, ele pretendia um ecrã largo para deslumbrar quem chegava. O mesmo turista pode subir uma escada para o coro e daí captar a grandeza da porta multicolorida, ali só falta o som das trombetas para anunciar o paraíso na terra. E pode dar-se o caso de sair dali sem se aperceber do esplendor deste teto tardo-gótico, o que é uma pena, pode não estar rigorosamente à altura do exterior, onde se dependura a mais linda janela de Portugal, mas tem um fulgor especial, olhem bem para a elevação das paredes, harmoniosamente rasgadas, deixem-se estar uns minutos a namorar este toque gentil do que há de melhor em arquitetura.


Estamos agora no interior de uma casa prenhe de história, aqui houve conservação de memória, recuperação do passado, um bom gosto inexcedível na consagração dos lugares. Atenda-se à lareira, à pedra e aos azulejos, e depois a vista sobe até aos quadros pintados pela zona da casa, quando andou por Angola, ali estão também as armas do Conde de Tomar, a sua família por aqui passou, é narrativa longa que aqui não cabe, convém não esquecer que o Convento de Tomar, aí por 1940, foi posto em hasta pública, consta que Salazar, que por ali passeara no anonimato, compreendeu logo que se tratava de um tesouro nacional, e mandou um representante ao leilão, finda a licitação o Estado teve o direito de preferência. E ainda bem.



Aqui viveu o Embaixador António Pinto da França, delicadeza, afabilidade e cultura foram seu apanágio. Rodeou-se de invulgaridades, como estes ex-votos envolvendo o Santo do seu nome, era uma conjugação tão bela, com tal impacto cénico, foi só questão de procurar o ângulo que evitasse o excesso de luz. Ali perto, dando sinais de organização e método, ergue-se em várias salas uma biblioteca extraordinária, fixou-se esta imagem por se tratar de um recanto íntimo, tudo arrumado e aproveitado, sinal de que o proprietário lia e relia, aliás deixou uma bonita obra, injustamente nas mãos só dos conhecedores, bem merecia ter leitores aos milhões, escrita luminosa, saída de alguém que procurava tirar o partido do melhor que a gente tem.



Por inerência de funções, o Embaixador viajou muito e quando regressava trazia as suas preciosidades de vários continentes. É o caso destas figuras da Indonésia, lembram-me personagens de teatrinho, e esta máscara da vaca veio seguramente de um artista dos Bijagós, é esplendorosa, esse povo do arquipélago guineense é bom dançarino, é um povo animista e reporta a sua arte a tubarões e a vacas. Podemos encontrar máscaras como esta nos melhores museus do mundo, a arte bijagó tem uma genialidade que chama à atenção dos colecionadores mais exigentes.


Ao refazer a casa, os proprietários encontraram cacos de muitas peças, pediram ajuda a peritos em recuperação de património e vale a pena o visitante deleitar-se com este trabalho de amor, são séculos de cerâmica destas e de outras tábuas, aqui nestas prateleiras cruzam-se culturas, o proprietário ainda desejou catalogá-las mas não teve tempo. O importante é que quem visita a casa fica embevecido com este testemunho do tempo e a paixão de preservar.


Acaba a visita numa torre muito antiga, no interior há uma capela, uma singela cruz feita de pregos e esta imagem da Virgem que parece zelar no espaço austero, como se tivesse a deixar uma mensagem de que aqui viveram Frades Capuchos que rezavam a desoras, por isso se compreende a solicitude da Mãe de Deus para quem chega e se encomenda num espaço que há quem diga que é território mágico, o que é possível já que é comum comentar-se que é há uma atmosfera mística em Tomar e nos vários espaços onde evola o sentimento templário. Verdade ou patranha, para o caso não interessa, neste espaço, asseguro-vos, há uma atmosfera consagrada.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15732: Os nossos seres, saberes e lazeres (140): O ventre de Tomar (4) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15759: (In)citações (84): Opinião sobre os Governadores e Comandantes-Chefes das Forças Armadas da Guiné - 1 (Coutinho e Lima, Cor Art Ref)

1. Em mensagem do dia 5 de Fevereiro de 2016, o nosso camarada Alexandre Coutinho e Lima, Coronel de Art.ª Reformado (ex-Cap Art.ª, CMDT da CART 494, Gadamael, 1963/65; Adjunto da Repartição de Operações do COM-CHEFE das FA da Guiné entre 1968 e 1970 e ex-Major Art.ª, CMDT do COP 5, Guileje, 1972/73), enviou-nos um trabalho com a sua opinião sobre os Governadores e Comandantes-Chefes da Guiné, durante a sua permanência naquela Província: Arnaldo Schulz, António de Spínola e Bettencourt Rodrigues.

Aceitando o repto do Tabanqueiro-mor Luís Graça, entendi apresentar algumas considerações sobre o tema.
Por ter cumprido 3 Comissões, por imposição, na Guiné (tenho a convicção que não haverá muitos militares nestas condições), eis a minha opinião resultante, fundamentalmente, das funções que desempenhei em cada um dessas comissões.

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Opinião sobre os Governadores e Comandantes-Chefes das Forças Armadas da Guiné - 1

Sr. General Arnaldo Schulz / (964/68) 

O Senhor Brigadeiro Arnaldo Schulz (foi promovido a General em 1965), iniciou as suas funções de Governador e Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné (o primeiro a acumular as duas tarefas), em 20MAI64. Estava eu na minha 1.ª Comissão (63/65), comandando a CART 494, em Gadamael, com um destacamento em Ganturé.

O Sr. Brigadeiro Schulz substituiu o Sr. Brigadeiro Louro de Sousa, como novo Comandante-Chefe e o Sr. Comandante Vasco Rodrigues como novo Governador, porque até à sua nomeação, as duas funções eram desempenhadas por entidades distintas.

Quando o novo Comandante-Chefe assumiu as suas funções, estava em curso a ocupação da fronteira Sul (com a República da Guiné Conakry), iniciada pelo seu antecessor, a cargo do BCAÇ 513 (Batalhão, com sede em Buba, no qual foi incorporada a CART 494, que eu comandava). Já estavam guarnecidas as seguintes localidades:

. Cacine – CART 496, desde 04AGO63
. Gadamael – CART 494, desde 17DEZ63
. Guileje – Grupo de Combate da CART 495 (sede em Aldeia Formosa), desde 04FEV64
. Ganturé – destacamento da CART 494 (sede em Gadamael), desde 21FEV64

Já com o novo Comandante-Chefe, continuou o programa em curso e foram ocupadas as seguintes localidades:

. Sangonhá – CART 640, desde 21MAI64
. Cacoca – destacamento da CART 640, desde 24JUN64
. Cameconde – destacamento da CART 496 (sede em Cacine), desde 01DEZ64.

Estava assim reestabelecido o itinerário Aldeia Formosa/Cacine, com tropa em Guileje, Gadamael/Ganturé, Sangonhá/Cacoca e Cameconde/Cacine.

Em 17NOV64, o destacamento de Guileje (Grupo de Combate da CART 495), foi substituído pela CCAÇ 726.

Durante o mandato do Sr. General Schulz, em 65, verificou-se o alastramento da guerra ao Leste da Guiné (Pirada, Canquelifá e Beli) e o desenvolvimento de acções no “chão” Manjaco (Jolmete e Pelundo). Também naquele ano, o PAIGC realizou as primeiras acções militares na fronteira Norte, (região de São Domingos), onde até então apenas actuava a FLING (Frente de Libertação e Independência da Guiné), que então já passava por grandes dificuldades, porque a OUA (Organização de Unidade Africana) ter decidido canalizar o seu apoio para o PAIGC.

Em 30MAR65, foi ocupada a localidade de Mejo, com um destacamento da Companhia de Guileje. Com a ocupação de Mejo, criaram-se as condições necessárias para atingir Salancaur Fula e efectuar a ligação com Cumbijã, através de Nhacobá e Samenau, completando-se portanto praticamente a reinstalação dos povos fulas das tabancas cujas populações tinham sido forçadas a abandonar as suas tabancas (conforme consta na História do BCAÇ 513 – Buba).

Em ABR68, o Sr. Comandante-Chefe, Sr. General Arnaldo Schulz, ordenou a Ocupação de Gandembel – Operação “Bola de Fogo”.

A Operação, que teve início em 8 ABR 68, foi comandada pelo 2º. Comandante do BART 1896 e tinha como objectivo implantar um aquartelamento permanente na região de Gandembel. Tomaram parte na operação, as seguintes forças:

. 3.ª Companhia de Comandos
. 5.ª Companhia de Comandos
. CART 1612, CART 1613 e CART 1689
. CCAÇ 2316 e CCAÇ 2317 (esta ficaria no novo quartel)
. Pel Caç Nativos 51
. Pel Milícias 138 e 139
. Pel Sapadores / BART 1689
. Elementos do Batalhão de Engenharia 447
. 27 carregadores de apoio

Partiram forças de Guileje e outras de Aldeia Formosa, encontrando-se no local do futuro quartel. Este tinha sido escolhido, na fase de planeamento, na carta militar.

Devido ao adiantado da hora, as tropas pernoitaram nesse local, tendo sido flageladas, durante a noite, com metralhadoras ligeiras, morteiro 82 e RPG, sem consequências. No dia seguinte, porque no local não havia água, avançaram cerca de 3 Km para Norte, próximo do rio Balana, onde foi decidido começar a construir o quartel. Dias depois, verificou-se a necessidade de garantir a ponte sobre o rio Balana, bastante alta, indispensável para a ligação a Aldeia Formosa, tendo sido ali estabelecido um destacamento da Companhia – Ponte Balana.

No período de 08/14ABR, as NT sofreram 2 Mortos, 13 graves e 34 feridos ligeiros. Em 14ABR, de noite, começaram as flagelações, que se mantiveram praticamente todos os dias.

Em 17ABR, as NT sofreram 1 Morto (Furriel), em consequência do rebentamento de uma armadilha nossa, da qual também resultou mais 1 Ferido – Capitão Moreira Maia, Comandante de Companhia, que foi evacuado.

Em 19ABR, de noite, o IN flagelou as NT, com tiro intenso, 4 vezes, na última das quais e, pela primeira vez, disparou mais de 100 granadas de morteiro 82. As NT tiveram 1 Morto e 4 Feridos graves, do Pelotão de Caçadores Nativos 51.

Na noite de 26ABR, o IN desencadeou o primeiro ataque próximo, com armas ligeiras e lança roquetes.

Em 30ABR, de noite, verificaram-se 6 flagelações.

Na noite de 09MAI, houve 2 fortes flagelações, que causaram às NT 3 Feridos graves.

Em 15MAI, a CART 1689 regressou a Aldeia Formosa, deixando nos que ficavam em Gandembel/Ponte Balana muita saudade, pelo companheirismo, solidariedade e actuação denodada, esforçada e altamente meritória, durante a sua permanência, desde o início – 8 ABR.

No período de 15/26MAI, foi efectuada a Operação “ Pôr Termo”, com o objectivo de manter a segurança das colunas de reabastecimento de e para Aldeia Formosa e procurar dificultar a actividade inimiga na zona, nela participando 3 Companhias (1 de Comandos).

As baixas provocadas ao PAIGC foram diminutas e as NT sofreram 6 Mortos, 3 Feridos graves e 6 Feridos ligeiros.

Em 21MAI, o rebentamento de uma mina anti-carro, com emboscada, na estrada Mampatá/Uane, provocou 4 Mortos da CART 1612, bem como foram capturados pelo PAIGC, 3 elementos da CART 1612 e 1 da CCS do Batalhão. Estes 4 militares viriam a ser libertados em NOV70, na Operação “Mar Verde”, descrita adiante.
 
Comentário

A ocupação de Gandembel, em pleno “Corredor de Guileje”, foi, em minha opinião, uma decisão acertada do Sr. General Schulz; foi pena não ter sido efectuada no início do seu Comando, aproveitando a embalagem da ocupação da fronteira Sul, completada em 01DEZ64, já o Sr. General era o Comandante-Chefe. Se tal tivesse acontecido, o IN, provavelmente, não teria oferecido tanta resistência, desde que fossem tomadas as devidas precauções; seguramente, não possuía ainda os Morteiros 120.

Quero no entanto referir que, no meu entendimento, houve algumas falhas, a começar no planeamento. Desde logo, a escolha do local do novo quartel devia ter merecido a melhor atenção do Quartel-General do Comando Chefe, o que não aconteceu, pois foi feita na carta militar da região; teria sido perfeitamente justificado, para esse efeito, um reconhecimento ofensivo no terreno, o que podia ser efectuado por tropa especial helitransportada. Também não foi assegurado, desde início (e devia tê-lo sido), o Apoio de Armas Pesadas (Artilharia, Metralhadoras Pesadas e Morteiros Pesados), porque era quase uma certeza que o IN iria reagir violentamente à ocupação, porquanto o seu reabastecimento através do “Corredor de Guileje” (por onde fazia entrar cerca de 70 a 80% dos reabastecimentos), era vital para a sua actividade de guerrilha. O aquartelamento Gandembel/Ponte Balana deveria constituir uma base de apoio para a actuação de tropa especial (Paraquedistas ou Comandos), em constante actividade, não só para impedir que o IN atacasse as NT, da forma violenta e persistente como o fez, mas também desorganizar e desmantelar os diversos bigrupos que o PAIGC deslocara para a região. Tal não se verificou e teria sido adequado, por exemplo, que uma das Companhias de Comandos, que participou na operação desde o dia 8 ABR, tivesse permanecido em apoio da CCAÇ 2317, a Companhia residente.

O Sr. Governador e Comandante-Chefe, Sr. General Arnaldo Schulz, foi substituído pelo Sr. General António de Spínola.

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Sr. General António de Spínola (68/73) 

O novo Governador e Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, iniciou as suas funções em 20MAI68.

Tinha experiência de guerra, pois comandara um Batalhão de Cavalaria em Angola, na sequência de se ter voluntariado para esse efeito.

O novo Comandante-Chefe alterou significativamente a estratégia dos seus antecessores. Remodelou o dispositivo militar, de forma a tentar reganhar a iniciativa, criando as Zonas de Intervenção (ZI) do Comando Chefe, áreas de domínio preponderante do PAIGC, onde actuavam unidades especiais com o apoio de Artilharia e Força Aérea. A par das operações militares, põe em prática um projecto de conquista dos “corações e mentes” da população, consubstanciado no slogan “Uma Guiné Melhor”.

Seguramente também para marcar, desde início, uma forma diferente de comandar, totalmente diversa da do seu antecessor, visitou pela primeira vez o aquartelamento de Gandembel em 26 MAI 68, isto é, apenas 6 dias depois do início do seu mandato. Foi uma prática que manteve durante toda a sua permanência na Guiné, aparecendo muitas vezes inopinadamente nos locais em que se verificavam situações anormais, como por exemplo, deslocando-se a Gadamael em 2JUN73, quando esse aquartelamento estava a ser objecto de um ataque em força, por parte do PAIGC.

O Sr. General Spínola fez-se rodear de Oficiais da sua inteira confiança, como era natural, não só no seu Quartel-General e respectivo Estado Maior, como também para determinados Comandos, por si criados, como foram os Comandos de Agrupamento Operacionais (CAOP) e Comandos Operacionais (COP).

No Quartel-General do Comando Chefe introduziu algumas alterações, para suportar a sua estratégia de contra-subversão; assim, foi criada uma nova Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica (REP ACAP) e, também o Comando Geral das Milícias, quando a criação de várias Companhias e Pelotões destas forças assim aconselhava.

Relativamente à actividade operacional, difundiu directivas gerais para a sua dinamização; semanalmente, à quarta-feira, era feita uma análise da actividade operacional, seguida de um relatório, enviado a todas as Companhias, traduzindo o resultado dessa análise. Foi esta mais uma inovação, pois na minha 1.ª Comissão, sendo Comandante de Companhia, em operações, tal não acontecia.

Lidava mal com o que considerava comportamentos que indiciassem, na sua análise, incompetência; por este facto, tomou algumas decisões que conduziram à retirada de Oficiais de funções de Comando, o que se verificou em relação, especialmente, a Oficiais Superiores (Major, Tenente Coronel e Coronel). Tinha uma condescendência especial para com os Oficiais de Cavalaria e oriundos do Colégio Militar.


1. Remodelação do dispositivo 

Relativamente à remodelação do dispositivo militar, decidiu retirar tropas das seguintes localidades:
. Gandembel/Ponte Balana . Ganturé (destacamento da Companhia com sede em Gadamael)
. Sangonhá/Cacoca
. Mejo
. Madina do Boé e Beli (únicas tropas na região do Boé)

A retirada de efectivos militares das 4 primeiras localidades, significava um desinvestimento na ocupação da fronteira Sul, com a República da Guiné Conakry, determinada pelos seus antecessores (Sr. Brigadeiro Louro de Sousa e Sr. General Arnaldo Schulz) e concretizada pelo BCAÇ 513, com as suas subunidades; regressava-se à situação encontrada por este Batalhão, quando assumiu o Comando do Sector S2, em Buba (tropas apenas em Aldeia Formosa e Cacine, este agora com um destacamento em Cameconde), com a excepção da presença de tropas em Guileje e Gadamael, que o Sr. General Spínola manteve.

No que concerne a Gandembel/Ponte Balana, o Sr. General Spínola, na sua primeira visita, já referida atrás (26MAI73), tomou conhecimento das condições de defesa do aquartelamento. Passados 3 dias, chegavam a Gandembel:
. Pelotão de Artilharia – 2 Obuses de 10,5 cm
. 2 Metralhadoras Pesadas Browning

Seguramente, este reforço de Armamento Pesado (a pergunta que se faz é, porque não se tinha verificado desde início – 08ABR68), foi consequência imediata da sua visita, em 26MAI68.

Importa referir que, desde a chegada da CCAÇ 2317, Gandembel esteve sujeito a ataques constantes, normalmente com grande intensidade e violência. Em 15MAI, o PAIGC iniciou uma série de flagelações, que se mantiveram, diariamente até ao dia 26MAI.

No dia 15JUL, cerca das 02H00, o In desencadeia um intenso ataque ao aquartelamento, mesmo junto ao arame farpado. Vinha fortemente apostado em tomar de assalto o quartel. O efectivo era poderoso, atendendo aos quantitativos de armamento ligeiro, com grande utilização de metralhadoras e lança granadas RPG; destaca-se a presença de 11 canhões sem recuo e 9 morteiros 82. Foram deixados 236 invólucros de granadas de canhão sem recuo 82 e milhares de munições de metralhadora, junto ao arame farpado; a bateria inimiga de morteiros 82 disparou mais de 300 granadas.

A reacção das NT foi enérgica, imediata e adequada, principalmente através do morteiro 81, Artilharia em tiro directo e as Metralhadoras Browning. As NT sofreram 1 Morto (Alferes Miliciano, que chegara há dias) e 6 Feridos graves, dois dos quais tiveram que de ser evacuados.

Como seria de esperar, o Sr. General Spínola, passados 4 dias (19JUL) marcava a sua presença em Gandembel, para tomar conhecimento do que se tinha passado. O grupo que o acompanhava, a que se juntou o Comandante da Companhia, subiu para a cobertura da caserna abrigo que tinha sido mais atingida, para lhe serem referenciadas as posições ocupadas pelo IN durante o ataque; de repente, rebentam algumas granadas de morteiro 82, bem fora do arame farpado. De imediato, todos saltam para o chão (a 2,5 metros), excepto um, que com o seu monóculo e pingalim (sua imagem de marca), manteve-se impávido e sereno; de seguida, o Sr. General desce, calmamente, pela escada de acesso. Era uma prova evidente de uma qualidade que todos lhe reconheciam – a sua grande CORAGEM.

Ciente das condições em que se encontrava a guarnição de Gandembel (com um destacamento em Ponte Balana), face ao numeroso e aguerrido efectivo do PAIGC, sob o comando de Nino Vieira, o Sr. Comandante Chefe faz publicar, em 28JUL, a Directiva n.º 20/68, determinando:
“Transferir, em fase ulterior, os estacionamentos das NT de Guileje e Gandembel, para Salancaur e Nhacobá, devendo proceder-se, desde já, ao estudo da localização e das vias de comunicação”.

Dessa directiva, inferia-se que se pretendia transferir a missão de impedir ou, no mínimo, criar grandes dificuldades ao reabastecimento IN, um pouco mais para o interior (15 Km a Oeste de Gandembel), com um dispositivo de três aquartelamentos bem próximos uns dos outros, possibilitando uma defesa conjunta: Mejo, Salancaur (6 Km a Norte) e Nhacobá (4 Km a Norte de Salancaur).

Em 28JUL, verificou-se um acontecimento imprevisto: o Sr Ten. Cor. Piloto Aviador Costa Gomes, Comandante do Grupo Operacional da Base Aérea 12 (Bissau), pilotando um Avião FIAT G 91 na região, foi abatido pelo fogo de metralhadoras quadruplas inimigas; conseguiu ejectar-se, tendo aterrado, com o seu pára-quedas, a poucos centenas de metros do quartel, onde foi recolhido.

No dia 04AGO, a Companhia, numa coluna vinda de Aldeia Formosa, sofreu 4 Mortos; pouco dias depois, no rebentamento de uma mina, implantada pelo IN, foi morto um Alferes.

Em 05AGO, aterrou em Gandembel, o Sr. Comandante do Batalhão de Paraquedistas, para se inteirar das condições que poderiam encontrar os seus homens, que brevemente viriam reforçar a guarnição, o que se verificou em 20AGO, com a chegada de 2 Grupos de Combate (GC) de Paraquedistas. Não obstante o acompanhamento que o Sr. General Spínola fez, desde o início do seu mandato, à situação das NT em Gandembel, o que é de realçar, levou cerca de três meses a determinar o seu reforço com os paraquedistas.

A presença desta tropa especial, que se manteve cerca de 3 meses, foi fundamental para moralizar e estabilizar emocionalmente todo o pessoal, devido à reconhecida competência e capacidade operacional dos paraquedistas. A partir dessa data, o PAIGC iria enfrentar uma tropa que lhe provocaria muitas preocupações e grande insegurança. O primeiro grande êxito teve lugar em 30 AGO, quando os paraquedistas detectaram, junto à fronteira, um bigrupo inimigo, totalmente desprevenido, que foi cercado e dizimado, tendo sido recolhido quase todo o armamento. Outros guerrilheiros, vindos do outro lado da fronteira, montaram algumas emboscadas, causando à tropa paraquedista 2 Mortos. Face a um efectivo de apenas 2 GC, o PAIGC sofre, seguramente, uma humilhante derrota.

Não obstante tão importante como oportuno reforço, o aquartelamento de Gandembel sofre, durante o mês de Setembro, 2 fortes ataques. Em 07SET68 o IN aparece, pela primeira vez, com o Morteiro 120.

Na noite de 07/08NOV, Gandembel/Ponte Balana foram objecto do último grande ataque, com o emprego massivo de Morteiros 120 e de canhões sem recuo, sobre o fortim de Ponte Balana.

Passadas duas semanas, devido aos dias de mais acalmia, os Paraquedistas regressam a Bissau, não deixando de aparecer, de vez em quando, o que era sempre muito moralizador e tranquilizante.

A actuação dos paraquedistas foi notável, proporcionando, com a sua presença, uma vida muito menos atribulada, em Gandembel/Ponte Balana.

O Sr. General Spínola, em 28JAN69, determinou a retirada dos aquartelamentos de Gandembel/Ponte Balanta. Passados 9 meses e 20 dias, terminava assim o verdadeiro ”inferno na terra”, para aqueles bravos e heróicos militares que, durante a sua estadia no corredor de Guileje, sofreram 372 ataques do IN.

Tendo eu, com as tropas que comandei, passado por situações também muito difíceis (sem fazer qualquer comparação, por inadequada), aqui fica a minha enorme admiração e singela homenagem aos bravos defensores de “Gandembel das morteiradas”.
 
Comentário

O Sr. General Spínola, ao mandar retirar as NT de Gandembel/Ponte Balana (o que se adivinhava desde a sua primeira visita), não concretizou o que determinara, na sua Directiva 20/68 de 28JUL, (tropas de Guileje e Gandembel para Salancaur e Nhacobá), ficando a interdição do “corredor de Guileje”, a cargo da tropa de Guileje, o que era tarefa muito além das suas possibilidades. O abandono também do aquartelamento de Mejo, por ordem igualmente do Sr. General Spínola, teve como consequência o isolamento a que foi remetido o aquartelamento de Guileje, totalmente dependente, sob o ponto de vista logístico, à ligação terrestre a Gadamael. Parece não ser descabido afirmar que esta situação permitiu que, mais tarde, o PAIGC tenha preparado, com muita antecedência (sabe-se agora) e sem grandes sobressaltos, a acção em força sobre Guileje, desencadeada em 18MAI73.

Não pode ser questionada a legitimidade das determinações do Sr. Comandante-Chefe, relativamente ao “corredor” de Guileje. Em minha opinião, descartada a ocupação permanente pelas NT, deveria ter sido assegurada a actuação de tropas especiais sobre o referido corredor tão frequente quanto possível, pois quanto mais obstáculos fossem criados ao PAIGC, na zona, menos reabastecimentos chegariam às regiões em que a guerrilha actuava, nas diversas bases de apoio do IN. Assim não foi o entendimento do Sr. General Spínola.

Com o abandono das localidades indicadas atrás, foram recuperadas 3 Companhias, utilizadas para reforçar outras zonas.


2. Chão Manjaco

O Sr. General Spínola dedicou especial atenção ao Chão Manjaco.

Criou, em Teixeira Pinto, o CAOP 1 (Comando de Agrupamento Operacional n.º 1), sendo o seu primeiro Comandante o Sr. Coronel Pára (Paraquedista) Alcino. Colocou em Teixeira Pinto a sua elite de Oficiais:

. Major do Estado-Maior (EM) Passos Ramos – Oficial de Operações
Era o cérebro do Comando Militar, o pensador de toda a estratégia e o que fazia as sínteses do cumprimento da missão para toda a zona.

. Major de Artª Pereira da Silva – Oficial de Informações
Em colaboração com a Pide, dirigia o grupo de informadores e foi o principal negociador com os “dissidentes” do PAIGC, dispostos a entregarem-se.

. Major de Inf. Magalhães Osório - Era o operacional, o homem do combate.

Fruto de várias acções de acção psicológica e depois de diversas reuniões, toda a guerrilha do Chão Manjaco e outras zonas do Norte, tinha decidido render-se e passar para o lado do exército colonial. Estava tudo tratado até ao pormenor. Havia fardas portuguesas já prontas para os guerrilheiros e estava tudo decidido sobre patentes e instalação das famílias. Cada um teria casa e comida e o soldo correspondente à sua patente, em igualdade com os militares europeus. Aquela seria a grande vitória política e militar do Sr. General Spínola.

Enquanto decorriam as conversações no Chão Manjaco, o Sr. Comandante-Chefe promoveu no seu Quartel General, em Bissau, uma reunião, para a qual foram convocados todos os Comandantes de tropas em operações, desde o posto de Capitão. Nessa reunião, o Sr. General Spínola determinou que, a partir dessa data, as NT deixariam de efectuar acções ofensivas, limitando-se à sua defesa e das populações.

Os guerrilheiros colocaram uma única condição. Fariam a sua rendição em pleno mato, junto ao Pelundo, mas os Oficiais Portugueses teriam de comparecer desarmados como prova de confiança. A delegação para aceitar a rendição das forças do PAIGC, foi constituída pelos 3 Majores do Estado-Maior do CAOP, referidos atrás, o Sr. Alferes Mil Cav Joaquim Mosca e os guias nativos Mamadu Lamine Djaure, Patrão da Costa e Aliu Sissé. O Sr. General Spínola foi dissuadido, à última hora, de também fazer parte da delegação. Foram, ao encontro dos guerrilheiros ultraconfiantes, sem arma, em dois Jeep e sem qualquer escolta. Felizes pelo sucesso eminente.

Chegados ao local do encontro, os 3 Majores e os outros acompanhantes foram recebidos com tiros de Kalashnikov e acabados de matar à catanada, sem dignidade e com requintes de malvadez.

O assassínio da delegação portuguesa só se explica por uma ordem vinda da direcção do PAIGC, na altura instalada em Dakar (Rep. do Senegal), quando soube da traição em marcha e, temendo o risco de a rendição vir a ser seguida por outros chefes de guerrilha, agiu com brutalidade.

Dirigentes intermédios do partido, foram enviados ao Chão Manjaco e confrontaram os comandantes locais, que acabaram por colaborar na chacina dos negociadores portugueses e dos seus guias, para se “limparem” da traição. André Gomes, o interlocutor privilegiado dos Majores, continuou a comandar a guerrilha no Chão Manjaco. Após o massacre, a guerrilha continuou adormecida e demorou um ano a intensificar os combates.

Há alguns anos, o dirigente Luís Cabral (foi o primeiro Presidente da Rep. da Guiné Bissau, depois da independência, que ocorreu em 07SET74), referindo-se, na RTP a este triste e dramático acontecimento, disse que o PAIGC não podia aceitar o que estava a decorrer e resolveu “cortar o mal pela raiz” e que não podiam ter feito outra coisa, podendo a sua afirmação ser interpretada, inequivocamente, como sancionando o procedimento adoptado. Permito-me discordar, pois podiam ter aprisionando a delegação portuguesa, evitando-se assim a perda de vidas humanas. A captura teria tido também grande impacto e seria, com toda a certeza, largamente explorada pela máquina de propaganda do PAIGC.

A barbárie que aconteceu não foi nada abonatória, pelo contrário, da aura de humanista que era atribuída a Amílcar Cabral, o primeiro responsável do Partido.

A morte trágica dos 3 Majores e seus acompanhantes, em 20ABR70, na região Pelundo/Jolmete, foi um rude golpe para a estratégia da condução da guerra, definida pelo Sr. General António de Spínola, Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné.


3 . Operação “ MAR VERDE” – 22NOV70

Esta Operação foi concebida e executada, pelo Sr. Comandante Fuzileiro Alpoim Calvão, com a autorização do Sr. General Spínola, Comandante-Chefe (como não podia deixar de ser).

Extremamente audaciosa e altamente secreta, porque envolvia o ataque, com um pequeno número de homens, à capital – Conakry, de um país soberano – Rep. da Guiné, que servia de “santuário” aos rebeldes do PAIGC.

Uma das condições para o sucesso da operação era que não houvesse vestígios da participação de forças portuguesas no golpe; por isso, foram tomadas medidas especiais, como o uso de uniforme indistinto e armamento de uso corrente em África, especialmente adquirido para o efeito no mercado paralelo (basicamente AK-47 e RPG).

Até os 6 navios que iriam transportar os executantes não continham nenhuma informação exterior que os pudesse identificar e os poucos combatentes brancos teriam o rosto pintado de preto e usavam perucas de carapinha. Todos os militares tiveram posteriormente que assinar um documento onde se comprometeram a nunca falar desta operação, que ainda hoje esta não é reconhecida pelo Estado Português.

Objectivos 

Ataque anfíbio a Conakry, com as seguintes tarefas:
- destruir, neste porto, as lanchas rápidas (6/7 unidades), fornecidas pela União Soviética ao PAIGC – Missão Cumprida.
- libertar os 26 prisioneiros de guerra portugueses, entre os quais o Sr. Ten. Pil. Av. António Lobato – Missão Cumprida.
- atacar e destruir o QG do PAIGC, havendo a hipótese de aprisionar Amílcar Cabral (AC) – Missão Cumprida (excepto captura de AC).
- destruir os Aviões MIG-15 e MIG-17 da Rep. da Guiné, para não serem atacados por eles – Missão Não Cumprida.
- proporcionar o desembarque de opositores guineenses da FLNG (Frente de Libertação Nacional Guineense), treinados na Ilha de Soga (Arquipélago dos Bijagós); a finalidade era auxiliá-los no golpe de mão ao Governo da Rep. Guiné, com a captura ou eliminação física de Sekou Touré; ia a bordo um Governo Provisório - Missão Não Cumprida.

Para o sucesso da operação era necessário um grande número de raides de Comandos, simultâneos, com um objectivo específico para cada um, como por exemplo ir à central eléctrica e pôr a cidade às escuras (conseguido), tomar a estação de Rádio (não conseguido), eliminar ou capturar Sekou Touré na sua residência (não conseguido) e destruição de edifícios relevantes. No total, foram identificado 26 alvos; estes raides não tinham apoio aéreo e tudo teria que ser feito em lanchas, barcos pneumáticos e utilizando armamento ligeiro.

As forças portuguesas que participaram na operação foram, na sua maioria, militares africanos:

- Destacamento de Fuzileiros Especiais Africano 21 (61 homens)
- Companhia de Comandos Africanos (150 homens)
- um pequeno número de paraquedistas
- contingente da FLNG (200 homens)

O efectivo total foi cerca de 400 homens.

Resultados

A Operação foi considerada, por alguns, como tendo sido um fracasso, porque não foi realizado o desejado golpe de estado; a ausência dos MIG fez com que o Comandante tivesse dado ordem para reembarcar, com receio do ataque desses aviões. Ironicamente, soube-se depois que os Pilotos dos MIG ainda não estavam aptos para entrar em combate, nem se encontravam em Conakry.

Os elementos da FLNG quiseram avançar, mas foram incapazes de derrubar o regime, devido à falta de apoio da população, com o que contavam, mas também em resultado do contra-ataque das forças fieis a Sekou Touré, apoiadas por um contingente de tropas cubanas. Os combates duraram vários dias, sofrendo os militares da FLNG muitos mortos; 100 dos seus membros foram capturados, torturados e posteriormente executados, assim como um grupo de 20 militares portugueses que desertaram; estes ainda foram à rádio, manifestar apoio ao PAIGC, mas nada os salvou.

Obviamente que os prisioneiros relataram pormenores da Operação e revelaram os nomes dos seus mentores, a que se seguiu o escândalo internacional, habilmente explorado pela Rep. Guiné, que apresentou queixa no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Sekou Touré aproveitou a oportunidade para liquidar milhares de adversários políticos.

Esta “extravagante” Operação, para muitos, foi um sucesso, porque as forças portuguesas sofreram relativamente poucas baixas: 3 Mortos e 3 Feridos graves, além de 20 desertores; foi destruída grande parte de material bélico do PAIGC e da Rep. Guiné; o IN teve cerca de 500 Mortos; foram libertados os 26 prisioneiros portugueses, o que é de realçar, a todos os títulos.

O Sr. Prof. Marcelo Caetano, Primeiro-Ministro de Portugal comunicara, quando lhe foi dado conhecimento prévio da Operação, que só a libertação dos prisioneiros justificava o ataque.

Para finalizar, sou de opinião que, caso o golpe de estado tivesse tido êxito, nomeadamente a captura ou eliminação física do Sr. Presidente da Rep. da Guiné Conakry, Portugal teria ficado, no seio da Comunidade Internacional, em muito maus lençóis.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de Fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15703: (In)citações (83): Depoimento de um antigo combatente na diáspora (José Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56) (2): Reintegração na vida civil e saída para a diáspora