quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16891: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (20): Estudo sobre o bi-grupo de Mário Mendes


1. Em mensagem de hoje, 28 de Dezembro de 2016, o nosso camarada António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª da CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74), enviou-nos a sua opinião a propósito do tema tratado no Poste 16865 - (D)o outro lado do combate - Mário Mendes... da autoria do Jorge Araújo, para integrar a sua série: "A Minha Guerra a Petróleo".



A Minha Guerra Petróleo (20)

Estudo sobre bi-grupo de Mário Mendes

Olá Camaradas

Parece-me de realçar vários aspectos, partindo da mesma hipótese "académica" que o Araújo aceitou como verdadeira[1]

Tenho para mim, sem hipótese de confirmação, que o PAIGC, tinha relativa dificuldade no recompletamento das suas unidades. Assim, acho importante considerar os seguintes aspectos:
A baixíssima preparação literária. Nesse caso poderemos perguntar donde vinha a sua ânsia e convicção para combater? Aqui reside o cerne da questão e a prova de que havia razões que atingiam as camadas muito pobres da população. Creio que o racismo estaria presente. No fundo os portugueses (brancos) eram os detentores do poder que eles combatiam. A difícil Incorporação mais forte entre os nascidos entre 1941 e 1947 e muito reduzida entre os mais velhos (nascidos antes de 1941) e baixa entre os mais novos (nascidos depois de 1947). Acho natural. A "maturidade" (idade, constituição de família, conformismo) afastou-os mais velhos da luta. Os mais jovens, além de não terem o Partido por perto, já tinham "visto e sentido" a guerra e não estavam dispostos aos sacrifícios que a guerrilha impunha e que eles bem conheciam, por terem ouvido falar nas conversas de tabanca e imaginavam. A não incorporação de nascidos em 1948 não tem significado, por ser meramente casual.

A idade de adesão ao PAIGC segue mais ou menos uma tendência parecida. Os miúdos (13 e 14 anos) aderiram pouco. Eram miúdos e não teriam interesse para a "causa". A subida começa aos 15/16 anos e entra em declínio nos mais velhos (22 anos) que não se sentiam "com vida para aquilo".

Todas as outras considerações do Araújo são pertinentes. Por mim atrever-me-ia a considerar este bi-grupo como uma unidade-tipo semelhante a tantas outras e, sendo assim, poderemos questionar o que sucederia com a pouca "incorporação" que o PAIGC estava a ter. Poderia raptar rapazes e usá-los como combatentes, mas os resultados seriam pobres. No entanto, parece-me que o factor "experiência" fazia, cada vez mais a diferença, uma vez que as nossas unidades, na sua rotação constante, nunca atingiriam igual grau de experiência. Desta experiência vinha a capacidade de sobrevivência no campo de batalha de cada combatente que era cada vez maior e as unidades tendiam a manter o seu efectivo, A isto teremos que adicionar o material utilizado, cada vez mais sofisticado e em maiores quantidades e o apoio dos "internacionalistas". A guerrilha tornar-se-ia numa força militarmente muito eficaz, embora, do ponto de vista de enquadramento à população que detinha não se afirmasse senão pela coacção. Disto não temos dúvidas.

A baixa preparação literária, bem confirmada após a independência, impediria um bom enquadramento da população e o empenhamento nas tarefas do desenvolvimento sempre prometido, mas nunca realizado, e facilitaria a instalação da corrupção e do nepotismo. Poderemos afirmar que, à data do fim da guerra, o PAIGC seria uma força militar de bastante valor, mas que, na paz, viria revelar-se uma direcção política muito deficiente, como a História comprova.

PS: - Os cabo-verdianos, literariamente mais evoluídos, estão ausentes da lista nominal. E isto é um aspecto que dirá qualquer coisa. Tive dificuldade em a ler, mas creio que é assim.

António J. P. Costa
____________

Notas do editor

[1] - Vd. poste de 21 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16865: (D)o outro lado do combate (Jorge Araújo) (3): Mário Mendes (1943-1972): o último cmdt do PAIGC a morrer no Xime... Elementos para a sociodemografia do seu bigrupo em 1972: tinha 27.9 anos de idade e 8.9 anos de experiência de conflito...

Último poste da série de 4 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16558: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (19): Ainda a definição de literatura da Guerra Colonial ... e a crítica do filme "Cartas da Guerra"

Guiné 63/74 - P16890: Os nossos seres, saberes e lazeres (192): De novo em Bruxelas e a pensar nas Ardenas (5) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 20 de Julho de 2016:

Queridos amigos,
Não era sem tempo que se conhecesse uma instituição de gabarito, o Jardim Botânico de Meise, a umas dezenas de quilómetros de Bruxelas. A sorte não favorece só os audazes, põe-se do lado dos turistas num cálido dia de Verão, por ali se cirandou bisbilhotando escultura, herbários, um palácio de plantas, um castelo onde viveu uma imperatriz do México, estufas e fósseis. A primeira imagem calou fundo o viajante, é uma escultura que data de 1898 e se intitula "O tempo guia a juventude", de Pierre van der Stappen. Aqui se vai falar de mais coisas até partir para Zaventem, não é agradável partir e muito menos num aeroporto em atmosfera parente da guerra. Tudo fruto daquele terrível atentado que vitimou inocentes que partiam ou chegavam.

Um abraço do
Mário


De novo em Bruxelas e a pensar nas Ardenas (5)

Beja Santos

De há muito que se impunha visitar o Jardim Botânico, situado em Meise, qualquer coisa como a 40 km do centro de Bruxelas. É uma atração cultural e científica de alto nível: 18 mil espécies de plantas, dispersas por 92 hectares, um local cheio de história, espécies arbóreas fabulosas, estufas, um empolgante palácio das plantas, uma portentosa estufa em metal e vidro em Arte Nova e lá dentro o castelo de Bouchout, começado e construir no século XIV, renovado no século XIX em estilo neogótico, aqui viveu a imperatriz Carlota do México, mulher de Maximiliano da Áustria, fuzilado pelos republicanos mexicanos em 1867, a viúva viveu neste palácio até 1927. O viandante começou por namoriscar a arte pública, toda ela muito bela.



Com tanto hectare e tanto palácio, tanta árvore monumental, a estufa Arte Nova restaurada, a possibilidade de haver fósseis vivos e plantas pré-históricas, nenúfares e lótus, impunham a prudência. Os nenúfares gigantes atraem a pequenada, são muito resistentes e podem suportar pesos até 40 kg. O nenúfar é uma planta que deve a sua celebridade à floração, têm flores de 40 cm que só abrem à noite, é um branco cintilante e um odor doce. O jardim botânico é de facto uma instituição única na Bélgica e figura entre as dez instituições mais importantes do mundo na sua categoria e pelo preenchimento das suas três missões: investigação científica, conservação das espécies e partilha de conhecimentos.



Já se deambulou pelo palácio das plantas, viram-se catos, flores tropicais e plantas carnívoras, e até mesmo plantas medicinais. O ar livre reserva surpresas magníficas, os jardins estão muito bem tratados, há rosas selvagens e há rododendros de cortar o fôlego. E quem quiser comprovar a investigação científica que se faz no Jardim Botânico de Meise é ver a imensidade de publicações sobre plantas e jardins. O viandante gosta de ver árvores deslumbrantes, como a que fica na imagem.


Findo o passeio a Meise, resta ao viandante umas escassas horas antes de partir para Zavantem, os embarques são agora mais demorados, há muita tropa e muita vigilância, circula-se por tendas gigantescas e no percurso muitos jovens com crachá ao peito vão indicando o itinerário dos passageiros até chegarem ao controlo. Antes disto se passar em Zavantem, o viandante especa-se em frente de edifícios e locais de património, regista as suas recordações, o que está a fotografar conhece há muito, mas, passe o paradoxo, é quase como uma sensação pura, um primeiro confronto com o prazer estético. E antes de partir para um museu, entra na catedral de S. Miguel e procura, sem êxito, captar o esplendor barroco de um púlpito, mas como gosta muito, mesmo do que não cabe na imagem, partilha com os outros.




Um amigo alertou-o para uma exposição bizarra no Museu de Ixelles, que ele tanto aprecia. Trata-se de uma exposição da cineasta Agnès Varda, laureada com a palma de honra do festival de Cannes de 2015, por toda a sua obra cinematográfica. A exposição de Agnès Varda não é pacífica, houve mesmo críticos que a depreciaram. Fala de batatas, revela imagens da terra, do vento e das praias, é um reencontro com paragens e caminhos rurais que ficaram na imaginação da artista. Exposição composta de instalações, fotografias e vídeos, por ali cirandou o viandante confirmando que a velha Agnès Varda continua generosa misturando humoristicamente a infância e produções recentes, como se quisesse comprometer o visitante entre o imaginário e a realidade. Se era esse o seu objetivo, foi atingido. Por ali reina a sobriedade mas que em todas as circunstâncias supera o temível território do banal e do já visto.



Bela exposição, deixa saudades. Mas como a viagem nunca acaba há que ter fé noutras agradáveis surpresas, confiando que um dia destes, imprevistamente, se regressa a Bruxelas, impossível esquecê-la, tantas foram e continuam a ser as suas dádivas e oferendas.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 21 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16861: Os nossos seres, saberes e lazeres (191): De novo em Bruxelas e a pensar nas Ardenas (4) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16889: Agenda cultural (533): "Buruntuma: algum dia serás grande", coleção "Fim do Império", livro de fotografia, a lançar oficialmente em janeiro ou fevereiro de 2017... 10 pp de texto, 100 pp. de fotografia. Autor: Jorge Ferreira, ex-alf mil, 3ª CCAÇ (Nova Lamego, 1961/63)


Cartaz de divulgação do livro do nosso camarada Jorge Ferreira, "Buruntuma: um dia serás grande", edição no âmbito do Programa Fim do Império, da Liga dos Combatentes, e que conta com o apoio do nosso blogue, Luís Graça & Camaradas da Guiné, Tabanca Grande


1. Mensagem do nosso camarada Jorge Ferreira, com data de 20 do corrente:


[Foto à esquerda: Jorge Ferreira, ex-alf mil da 3ª CCAÇ, tendo estado em Buruntuma com o seu pelotão (20 metropolitanos e 20 guinenses) entre novembro de 1961 e julho de 1962; a 3ª CCAÇ estava sediada em Nova Lamego, tendo mais tarde dado origem à CCAÇ 5, "Gatos Pretos"] (*)

Caro Luís

Na sequência da nossa conversa telefónica, junto além da Capa,  como sugeriste,  outros elementos que poderão interessar para uma 1ª divulgação do livro no teu /nosso Blogue. (**)

Relativamente à Sinopse  deixo ao teu critério as alterações que entendas por bem fazer.

Reitero os meus Votos de um Santo Natal e de um Novo Ano, pleno de alegrias e muita saúde.

Um Abraço de Amizade e os meus agradecimentos pela confiança  depositada.
Jorge Ferreira



Capa do livro

S I N O P S E 

“BURUNTUMA – algum dia serás GRANDE …” é um Livro de Fotografia, uma Reportagem Fotográfica (Páginas: texto: 10; fotos: 100; dimensões: 22 x 22 cm) sobre um Pelotão misto (20 militares guinéus e igual número de metropolitanos pertencentes ao Esquadrão de Cavalaria 252) que durante 11 meses (1961 / 62) esteve destacado naquela povoação fronteiriça [vd. mapa abaixo da Guiné-Bissau].

Através de imagens “velhinhas” de mais de 50 anos, pretende-se testemunhar a actividade militar desenvolvida naquela Região “Chão Fula” a que chamámos nomadização e traçar um retrato das gentes que o habitavam e que constitui um verdadeiro MOSAICO HUMANO .

Recuperando as nossas MEMÓRIAS, inserimos nesta 2ª PARTE – MH - um pequeno texto “Enquadramento Socio-Cultural do Povo Fula” baseado nas múltiplas conversas estabelecidas com as autoridades gentílicas da Região e com o Régulo Sene Sane, autoridade máxima do Regulado de Canquelifá que abrangia o triângulo Buruntuma – Bajocunda – Piche, área da nossa intervenção.

Relativamente às imagens de Jovens Fulas ostentando os seios descobertos, em MOSAICO HUMANO, manda a Verdade e Realidade Antropológica e Cultural do Povo Fula não lhe atribuir qualquer manifestação de erotismo, pondo de parte os princípios e convenções  da nossa tradição judaico-cristã.

Não se pode ignorar que a Mulher, entre os Fulas, tem como principais actividades o trabalho nos campos e a procriação. O homem terminada a sua higiene matinal recolhe-se sob a sombra de uma árvore frondosa, cavaqueando com os seus patrícios, dedilhando o Masbaha / Misbaha, similar a um Rosário com 39 ou 99 contas, e mascando noz de Cola, e assim vão passando os dias.

Mesmo as actividades relacionadas com a astorícia são os “meninos” que as desempenham.

Assim, não será de estranhar que a Mulher Fula assumindo os trabalhos mais árduos e para fazer face aos ardores do Sol impiedoso desnude o tronco e de quando em quando se refresque recorrendo à água dos poços (poças) disseminados pelos campos de cultivo.

Naturalmente que a nudez do tronco também funciona como factor de sedução, pois um casamento com um Régulo, Chefe de Tabanca ou proprietário abastado, libertará a “eleita” dos trabalhos mais pesados.

Exactamente, por isso, muitas dessas fotos foram recolhidas a pedido dos próprios familiares das jovens com o propósito de as enviarem para parentes que habitavam não só o “Chão Fula” como também os territórios vizinhos do Senegal e da República da Guiné-Conakry.

Preocupados com o rigor das nossas memórias, não deixámos de as confrontar com o trabalho de investigação “Fulas do Gabu”, 1948, do Secretário de Administração José Mendes Moreira.

Por último, foi nossa intenção manter a autenticidade das imagens inseridas, não recorrendo a qualquer manipulação apesar dos sinais de velhice que ostentam.[Vd. aqui algumas dessas velhas fotos de Buruntuma, no blogue de fotografia do autor, Jorge da Silva Ferreira.]

A todos os que me acompanharam nesta Missão, metropolitanos e guinéus de quase todas as etnias, dedico, em particular, esta reportagem fotográfica.

Jorge Ferreira

INFORMAÇÔES GERAIS

Preço: 12,5€ + Portes (disponíveis a partir de 20 de dezembro de 2016)

Lançamento formal: Jan / Fev 2017

Encomendas: jorgeferr@netcabo.pt

Mapa da Guiné-Bissau: posição de Buruntuma,  região de Gabu
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 19 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16502: Tabanca Grande (495): Jorge Ferreira, ex-alf mil, 3ª CCAÇ (Bolama, Nova Lamego e Buruntuma, 1961/63), nosso grã-tabanqueiro nº 728...

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16888: Camaradas da diáspora (14): Amigos, por aqui, aos trancos e barrancos mas metendo o peito... (Augusto Mota, Brasil)

1. Mensagem de Augusto Mota, com data de 22 do corrente:



[foto à esquerda: ex-1º cabo, Grupo Material e Segurança Cripto (Bissau, QG, CTIG, 1963/66); viveu em Bissau até 1974,  e depois no Brasil, até hoje; natural do Porto, tem a dupla nacionalidade: é o nosso grã-tabanqueiro nº 6«726, desde 6/9/2016] (*)

Amigos, por aqui, aos trancos e barrancos mas metendo o peito.

Quero apenas agradecer a paciência que tiveram comigo ao longo do ano que agora se vai.
FELICIDADES para vocês no ano que se avizinha.
Dos alforges em um velho baú, mando alguns rabiscos...

Um abraço para todos! (**)
Mota

O SERTANEJO

por Augusto Mota

Lá na casa de taipa onde nasceu,
grosseira, velha,
triste,
poeirenta,
parida pelo chão seco,
nativo...

Nada de pilão.
Pau-a-pique nu,
suado
por mãos calejadas,
rudes,
duras,
sofridas,
mãos cansadas...

à porta, dizia,
dessa casa miserável,
isolada,
espraia o olhar pela imensidão
despida,
aguardando a noite

- ASSUSTADORA!

Pavorosa!
Noite de preces,
de murmúrios,
de silêncios que
gritos esfrangalham,
arautos da morte
e sua corte,
clamores desvairados
de impotência,
brados de insanidade,
uivos de agonia...

Naquela condição de
alma perdida,
aborto inesperado,
assustador,
submisso ao cansaço,
à desilusão,
pensa e repensa
em seus pedaços perdidos
por entre duendes,
relíquias,
fantasias,
orgasmos desvairados.

                                         - TUDO EM VÃO!

Ali
sepultou o pai, amargurado,
ali, também,
aquela a quem rasgou o ventre minguado...


- MAS MINHA MÃE, DEUS!
SUBLIME, ABNEGADA...
QUANTOS PECADOS DELA,
SIM!...
SÃO SEUS?...


Mais além,
naquele mato ressequido
de pontas para o céu
vermelho brasa,
jaz o filho famélico,
mirrado,
que o sol inclemente despia,
enlutava os olhos desmedidos,
quebrava a pele,
escravizava,
dominava...
até quedar de mãos abertas,

- SUPLICANTES!

apanágio desta terra madrasta de seus filhos.

A mulher o sepultou,
muda e mecânica,
guardando a dor no olhar
desesperado,
desvairado,
acusador...

Olha as gretas no solo
como veias...
são toalhas rendilhadas no capricho
por bruxas que pululam sorridentes.

- AQUI SATÃ FESTEJA SEUS DELÍRIOS
E DEUS RECOLHE AS PRECES DOS FINADOS!

Tudo quanto é vivo se apressa neste
satânico terreiro
onde mirabolantes vultos dançam,
pulam, festejam um
momento derradeiro...

Morreu a plantação
já faz tempo.
tinha um bode que vendeu,
chorou o jumento...
a léguas a caveira da vaquinha...

Xiquexique não tem mais.
Macambira,
Mandacaru,
Palma,
qualquer raiz...
a seca matou rato e urubu,
calango,
porco espinho e tatu...
restou sua loucura para alimentar
a teimosia
e a boca de palavras entupida.
Dizem velhos vizinhos de infortúnio:


- DEUS ASSIM O QUER.
                                          É NOSSO DESTINO.

                                          - QUE JUSTIÇA GRANDIOSA SERÁ ESSA
                                          QUE DÁ VIDA,
                                          QUE MATA,
                                          FAZ SOFRER?!...

QUE PAI É ESSE DE UM FILHO INOCENTE
QUE AFINAL NEM PEDIU PARA
NASCER?!...
QUE SÁDICO IMPRESTÁVEL
SE SATISFAZ
SOBRE A BRUTA NATUREZA?!...

Ao despertar,
sol matinal,
cenário de Dali.
Tela grotesca,
mágoa ,

- HUMILHAÇÃO.

Segue arquejando
pelo caminho imenso
tal braseiro inclemente,
tenebroso.
Sobraçando a enxada,
ossudo,esquálido,
esfarrapado,
sujo, 
débil,
pálido,
busca um local onde cavar.
Não a última morada de seus ossos
mas uma cova de onde brote
a vida.
Um barreiro milagroso
em que gente e bicho
comunguem na terra.

Pertinho dum juazeiro paladino,
senhoril,
seco mas imponente,
majestoso,
que ninguém sabe como ali nasceu...
vovô dizia:
- aqui corria um rio...

lança o ferro ao solo.
Cava, esburaca,
fura sem parar.
Ao lado,
de olhar mortiço,
lazarento,
o cachorro.
Um amigo da infância,
fiel até nas desventuras.
Alimenta-se com a própria fome...

enquanto o sol
hercúleo, vil, gigante,
aquele mesmo que mata e consola,
que nos alegra,
humilha,

- VIOLA...


brutal e fero cobre suas costas...


- NERO RESSUSCITOU NESTE SERTÃO!


desfere golpes, golpeia a terra
seca.
Há labaredas no aço da enxada...

Esta terra que tanto tem de valioso,
petróleo,
ouro,
turmalina,
água-marinha,
feldspato,
lítio e diamante ,
não tem, afinal, nada.
Não tem da vida o mais

- IM – POR – TAN – TE!!!...

E quando o desalento
o toma de loucura,
desnorteia
a mente conturbada,
surge então uma gotinha
que a terra sorve,
pingo de suor,
sangue,
até de lágrimas...
num frenesim de raiva,

- DESVARIO,

Cava mais forte,
cava mais profundo,
teimoso
sem parelha neste mundo,
quando então, o barreiro

- NASCE,
CHORA!

Por entre aquela terra
calcinada,
aparece uma sombra de umidade
que lentamente veste a cor do barro.

Cai de joelhos
e, molhando a boca
sôfrega, gretada,
aquele herói
surrado do sertão
apenas balbucia:

- Á G U A ! ! !


augusto mota
Vertentes do Lério

11/1990 
_______________

Nota do editor:

(*) Vd. postes de:

6 de setembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16452: Tabanca Grande (493): Augusto Mota, grã-tabanqueiro nº 726... Especialista em material de segurança cripto (Quartel General, CTIG, Bissau, 1963/66), gerente comercial da Casa Campião em Bissau, agente do Totobola (SCML), agente e correspondente do "Expresso" e de outros jornais e revistas, livreiro, animador cultural, português da diáspora a viver no Brasil há mais de 40 anos...

8 de setembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16465: Tabanca Grande (493): Augusto Mota, nascido no Porto, a viver no Brasil há mais de 40 anos, grã-tabanqueiro nº 726: "Não fui Cabo Cripto, fui sim do Grupo de Material e Segurança Cripto: éramos cinco a trabalhar num 'cofre' [bunker], no Quartel General, em Bissau (1963/66)... Já não me lembro do nome desses camaradas"... (E, depois como civil, até 1974, foi o homem dos sete ofícios!)

12 de setembro de 2016 >Guiné 63/74 - P16477: História de vida (11): Augusto Mota: nasceu no Porto, começou a trabalhar aos 10 anos, foi 1º cabo do Grupo Material e Segurança Cripto (Bissau, 1963/66), foi homem dos 7 ofícios em Bissau, como civil, foi para o Brasil em 1974, tem hoje dupla nacionalidade, tendo-se formado em ciências económicas... Trabalhou como gerente de empresas, foi empresário, entrou por concurso para a função pública, está reformado...

7 de outubro de  2016 > Guiné 63/74 - P16570: Blogpoesia (473): Peregrinação (Augusto Mota, camarada da diáspora no Brasil; ex-1º cabo, Grupo Material e Segurança Cripo , Bissau, QG, CTIG, 1963/66)

(**) Último psote da série > 23 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16874: Camaradas da diáspora (13): O ativista João Crisóstomo (EUA) visitou a nossa Tabanca Grande... e já tem causas para o ano de 2017... Um delas é a continuação das celebrações dos 225 anos do Consulado Geral de Portugal em Nova Iorque... Para ele e a Vilma, desejamos "Merry Christmas and Happy New Year".. Mas também para o Eduardo Jorge e a São que desta vez foram consoar para Londres...(O que os pais fazem pelos filhos, camaradas!)

Guiné 63/74 - P16887: O nosso querido mês de Natal de 2016 e Ano Novo de 2017 (22): Anabela Pires, amiga grã-tabanqueira e "globetrotter"


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Catesse > 22 de Janeiro de 2012 > A Anabela Pires, bendita entre as mulheres...

Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento / Pepito (2012). Todos os direitos reservados [ Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem natalícia da nossa amigfa grã-tabanqueira Anabela Pires [nascida em Moçambique, técnica superior de serviço social no Ministério da Agricultura, reformada, amiga dos nossos grã-tabanqueiros Jero (Alcobaça) e Alice Carneiro (Alfragide/Amadora), "globetrotter", esteve três meses, entre janeiro e março de 2012,  integrada, como voluntária, no projeto do Ecoturismo, da AD - Acção para o Desenvolvimento, e a viver em Iemberém; foi o golpe de Estado de 2012 que a obrigou a sair da Guiné-Bissau]


Assunto - O Amor no Natal e no Ano Novo


Queridos familiares, amig@s, ex-coleg@s, vizinhos,

O Natal está a chegar! Para mim o Natal é, ou deve ser, uma época especial dedicada ao AMOR pelos outros. Por isso nestes dias há temas que não me saem do pensamento:

(i) Aleppo, atentados, refugiados, guerras ....

(ii) corrupção, ganância, falta de vergonha, a grande desigualdade social atribuída às diferentes profissões, discussão do salário mínimo nacional comparado com os salários usufruídos por outros, a pobreza mesmo de muitos que trabalham todo o ano ....

(iii) depreciação constante de valores fundamentais tais como a Honestidade, a Educação (não a escolaridade, mas sim a correção com que tratamos os outros), a Sinceridade, a Humildade, a Gratidão, a Bondade, a Generosidade, a Igualdade, a Paz ....

(iv) o tão imperfeito apoio dado pelos nossos governantes às pessoas portadoras de deficiência ..... onde encontramos tant@s heróis e heroínas.

Porque os meus pensamentos andam por estes temas e porque penso que é disto que o nosso país e o mundo precisa, os meus votos de Natal e para o Ano Novo são para que cada um de nós se esforce por ser mais honesto, mais humilde, mais grato, mais generoso, mais pacífico e mais defensor da igualdade social.

Votos pessoais de um Natal e Ano Novo harmoniosos, para vós e vossas famílias, onde não falte a Coragem aos que estão a viver momentos difíceis.

Abraço cada um de vós em particular, com muita força, e quero expressar a minha gratidão a todos aquel@s que me manisfestaram o seu carinho no ano que agora termina.

Anabela Pires

__________________

Nota do editor:

Último poste da série > 26 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16884: O nosso querido mês de Natal de 2016 e Ano Novo de 2017 (21): José Carlos Mussá Biai, José da Câmara, Aires Ferreira e José Lino Oliveira

Guiné 63/74 - P16886: Parabéns a você (1184): José Pedro Neves, ex-Fur Mil Op Especiais da CCAÇ 4745/73 (Guiné, 1973/74)

____________

Nota do editor

Último poste da série de 25 de Dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16879: Parabéns a você (1183): Ismael Augusto, ex-Alf Mil Manut do BCAÇ 2852 (Guiné, 1968/70)