sexta-feira, 7 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17215: (De) Caras (62): A lavadeira Miriam e o furriel Mamadu... Comentários: da misogenia ao levirato, da tragédia da infertilidade feminina ao sexo em tempo de guerra...



A Miriam e o furriel Mamadu


Foto (e legenda): © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentários ao último poste do Mário Fitas (*)


[Mário Fitas foi cofundador e é "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô; foto atual, à direita]


(i) Valdemar Queiroz:

Belo texto.
Esquisita aquela passagem 'apesar de ser negra Mariam não era nada de desperdiçar' Não percebo por que é que por ser uma mulher negra tinha que ser desperdiçada?  Mas desperdiçada de quê? (Por cá dizemos o mesmo, mas não é por ser branca)
Ainda bem que naquela pequena tabanca (o Mamudu não sabia se fula ou mandinga ?) a população dominava perfeitamente o crioulo e até o Aqueba tocava kora, mas, estranhamente, nada sabia da infertilidade das mulheres.
Venham mais textos
Valdemar Queiroz

5 de abril de 2017 às 18:46

(ii)  Tabanca Grande:

Mário, é um texto "corajoso", em que te expões, dás a cara... Concordo com o Valdemar, é um pouco "infeliz" a tua observação: "apesar de ser negra, Miriam não era nada de desperdiçar"... Tal como aquela outra, mais à frente: "ao fim de quinze dias na Guiné, as negras começam a ficar brancas”...

Bom, a Miriam é uma grande mulher e se ela foi tua lavadeira e amante, foste um tuga, além de "balente", com sorte na guerra e nos amores... Tiro-lhe o quico, a ela e ao Mamadu!

O teu texto é prosa e da boa. É literatura, é ficção, memso com um fundo autobiográfico. E o romancista, o novelista, o contista, não tem que ser "politicamente correto"!... Hoje temos dificuldade em abordar, com frontalidade, as questões de género...

Muitos de nós, na época, "pensavam" o mesmo... De resto, a misogenia (e o racismo) está ainda bem presente em muitos provérbios e outros lugares comuns da língua portuguesa... Aqui vai uma mão chão deles, selecionados por mim:

"A mulher e a mula o pau as cura";

"A raposa tem sete manhas e a mulher a manha de sete raposas";

"Até aos vinte, evita a mulher; depois dos quarenta, foge dela";

"Com mulher louca, andem as mãos e cale-se a boca";

"Da cintura para baixo não há mulher feia";

"De má mulher te guarda e da boa não fies nada" (Séc. XVI);

"Debaixo da manta tanto faz a preta como a branca";

"Desejo de doente, visita de barbeiro, serviço de mulher";

"Dia de Santo André, quem não tem porcos mata a mulher";

"Foge da mulher que sabe latim e da burra que faz ‘im’…";

"Frade e mulher - duas garras do diabo";

"Frade, freira e mulher rezadeira - três pessoas distintas e nenhuma verdadeira";

"Hábito de frade e saia de mulher chega onde quer";

"Guarda-te do boi pela frente, do burro por detrás e da mulher por todos os lados";

"Guarde-vos Deus de moça adivinha e de mulher latina" (Séc.XVI);

"Mulher beata, mulher velhaca";

"Mulher doente, mulher para sempre";

"Mulher não se enceleira: ou se casa ou vai ser freira";

"Mulher se queixa, mulher se dói, enferma a mulher quando ela quer";

"Não provam bem as senhoras que se metem a doutoras";

"O homem deve cheirar a pólvora e a mulher a incenso";

"Para perder a mulher e um tostão, a maior perda é a do dinheiro";

"Para se encontrar o Diabo não se precisa sair de casa";

"Três coisas mudam o homem: a mulher, o estudo e o vinho";

"Vaca triste e pançuda não presta e não muda".

Fonte: Graça (2000) -

http://www.ensp.unl.pt/luis.graca/textos76.html

Já quanto à Miriam ter sido "herdada" pelo velho sargento de milícias Aqueba Baldé, por morte do marido, temos que ter alguma "cuidado" com a palavra... O nosso Cherno Baldé é capaz de te vir dizer que a lei islâmica proibe que uma mulher seja "herdada"... Mas uma coisa é a lei e outra a prática social dos fulas, há meio século atrás...

Em todo o caso estamos perante um caso de levirato, que remonta ao antigo Testamento: é um tipo de casamento no qual o irmão de um falecido é obrigado a casar com a viúva de seu irmão, e a viúva é obrigada a casar com o irmão do seu falecido marido.

O casamento levirao foi (e continua a ser) praticado por sociedades com uma forte estrutura tribal e clânica em que o casamento fora do clã (exogamia) era proibido. A prática é semelhante à "herança" da viúva, em que os parentes do falecido marido podem decidir com quem a viúva pode casar.

O termo deriva do latim "levir", o "irmão do marido".

5 de abril de 2017 às 20:06
 

(iii) Tabanca Grande: 

"Jarama" ou "djarama" em fula quer dizer obrigado...

O que é que o velho sargento de milícias queria dizer com a frase:
-Jaramááááá… furiel Mamadu qui na bai na mato e cá tem medo, Jaramááááá!...

Mário, levantas outra questão interessante, e aqui pouco abordada, o uso de "mezinhas" contra bala do inimigo... É interessante a tua descrição do ritual a que o furriel Mamadu foi submetido, com o propósito de "fechar o corpo" contra as balas... Era uma prática "animista", corrente na Guiné... Toda a gente usava "amuletos", tanto os cristãos, como os muçulmanos como os animistas, a começar pelo 'Nino' Vieira... E o pobre do Amílcar Cabral, que combatia a prática "irracional" dos amuletos, também devia usá-los... Se calhar as balas da Kalash do "traidor" Inocêncio Kano não lhe teriam entrado no corpo, na noite de 20 de janeiro de 1973...

5 de abril de 2017 às 20:46

(iv)  Tabanca Grande

O que diz a Bíblia, Antigo Testamento, sobre o levirato:

Deuterónimo, 25: 5-10

5. Se alguns irmãos habitarem juntos, e um deles morrer sem deixar filhos, a mulher do defunto não se casará fora com um estranho: seu cunhado a desposará e se aproximará dela, observando o costume do levirato.

6.Ao primeiro filho que ela tiver se porá o nome do irmão morto, a fim de que o seu nome não se extinga em Israel.

7.Porém, se lhe repugnar receber a mulher do seu irmão, essa mulher irá ter com os anciães à porta da cidade e lhes dirá: meu cunhado recusa perpetuar o nome de seu irmão em Israel e não quer observar o costume do levirato, recebendo-me por mulher.

8.Eles o farão logo comparecer e o interrogarão. Se persistir em declarar que não a quer desposar,

9.sua cunhada se aproximará dele em presença dos anciães, tirar-lhe-á a sandália do pé e lhe cuspirá no rosto, dizendo: eis o que se faz ao homem que recusa levantar a casa de seu irmão!

10.E a família desse homem se chamará em Israel a família do descalçado."

Deuteronômio, 25 - Bíblia Católica Online

Leia mais em: http://www.bibliacatolica.com.br/biblia-ave-maria/deuteronomio/25/

5 de abril de 2017 às 20:57

(v)  Tabanca Grande:

Mário, a tua "Miriam" dá... pano para mangas!... Levantas outra questão que é uma tragédia em África, a da infertilidade "feminina"...

A cultura africana, e nomeadamente subsariana, impõe aos casais uma prole numerosa. Os filhos são a principal riqueza de um homem. E o papel da mulher é a reprodução. A mulher infértil (... não há homens infertéis!) é vítima de discriminação, estigmatizados, marginalização social, rejeição. Sem um filho biológico, a mulher cai facilmente no círculo vicioso da pobreza e da marginalização... Na África subsariana, a proporção dos casais inférteis é muito alta (quase um terço dos indivíduos em idade fértil, segundo estima da OMS - Organização Mundial de Saúde.

Miriam, provavelmente, também sentia culpa e vergonha por não ter filhos... E desejo de os ter, mesmo que fosse um "filho do vento"... Mal sabia ela que os não podia ter...

Mário, é comovente o desfecho da história:

(...) Regresso junto ao pântano, fizeram conversa giro com aquele como fundo. O furriel esquecendo o carregamento e camaradas sentiu-se na obrigação de partilhar alguma coisa com aquela mulher-criança. O corpo de Miriam estremeceu, sentiu algo de novo que nunca tinha conhecido e a lavadeira chorou. As causas ninguém as saberá. No espírito e corpo Miriam nunca mais esqueceria aquele momento em que não houve cor, raça ou fêmea, mas simplesmente foi considerada mulher a corpo inteiro, a quem a sua própria crença e raça tinham castrado, retirando-lhe parte desse estatuto de um ser livre. E acreditou que teria sido o momento do seu sonho. Pelo contrário o militar sentiu-se safado e triste por utilizar os seus instintos brincando com os sentimentos de um ser humano.

Perdoa, mulher negra, mas o teu sonho não será realizado nem por branco safado nem por outro homem qualquer. Serás eternamente uma flor que não transformará a sua polinização em fruto. (...) (**)

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Notas do editor:


Guiné 61/74 - P17214: Parabéns a você (1234): António Rocha Costa, ex-Alf Mil Op Especiais da CCAV 2539 (Guiné, 1969/71); Fernando Manuel Belo, ex-Soldado Condutor Auto do BCAV 8323 (Guiné, 1973/74) e Mário de Azevedo, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 6 (Guiné, 1970/72)



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Nota do editor

Último poste da série de 6 de Abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17211: Parabéns a você (1233): Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Especiais da CART 3492, Pel Caç Nat 52 e CCAÇ 15 (Guiné, 1971/73)

quinta-feira, 6 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17213: Agenda cultural (552): Lançamento do livro de Sérgio Neto, "Do Minho ao Mandovi: um estudo do pensamento colonial de Norton de Matos" (Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016): 10 de abril, 2ª feira, às 17h00, Casa Municipal da Cultura, Coimbra. Apresentação: professores doutores Luís Reis Torgal e Armando Malheiro da Silva


Capa do livro de Sérgio Neto, "Do Minho ao Mandovi: um estudo sobre o pensamento colonial de Norton de Matos. Coimbra". [ Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, 464 p., 23 cm. (História contemporânea, 2183-9840), ISBN 978-989-26-1172].



O autor, Sérgio Neto, historiador


Resumo:

A longa vida do general José Norton de Matos (1867-1955) teve na questão colonial, apesar do “Milagre de Tancos” e da sua candidatura à presidência da República, em 1949, um esteio maior. Com efeito, a sua comissão na Índia, (1898-1908), onde dirigiu os Serviços de Agrimensura, a sua participação na missão encarregue de delimitar os limites de Macau (1909-1910), assim como os cargos de Governador-Geral (1912-1915) e de Alto-Comissário (1921-1924) da província de Angola, assinalaram muitos anos de actividade no Ultramar, a que se seguiu, uma vez concluída a acção no terreno, a redacção de livros de pendor doutrinário e uma vasta colaboração em jornais e revistas, sendo de destacar aquela que desenvolveu n’O Primeiro de Janeiro (1931-1954).

De resto, é possível falar num saber (sobretudo) de experiência feito, em que Norton beneficiou do contacto directo com colonialistas de gerações anteriores, como Mouzinho de Albuquerque, Henrique Paiva Couceiro ou Joaquim José Machado, governador da Índia quando da sua chegada a este território. Seja como for, as leituras dos clássicos ingleses da colonização tiveram o seu lugar no ideário “nortoniano”, expressando o general grande apreço pela aliança com a Grã- Bretanha e admiração pelos seus processos administrativos nos territórios africanos e na Índia. 

O objectivo deste estudo é seguir o percurso colonial de Norton de Matos, de modo a integrá-lo na sua época. Havendo convivido com a questão ultramarina, ao longo de três regimes políticos, ensaiar-se-á avaliar a sua experiência colonial a partir das linhas de força da Monarquia Constitucional, da Primeira República e do Estado Novo. Apreciar os debates e os argumentos trocados. Explicar o impacto da geopolítica mundial do período de entre-guerras no olhar desta importante figura histórica portuguesa do século XX, cotejando-a com a mitologia colonial herdada da Primeira República e aqueloutra desenvolvida pelo Estado Novo. 

Importa, pois, estabelecer os pontos de contacto entre os três regimes e explicitar algumas ideias que permearam as suas visões, nomeadamente, o mito prometeico da “gesta colonizadora”, o Apartheid, a miscigenação e o entendimento colonial que fazia dos imperialismos coloniais, assim como as primeiras independências, na Ásia e em África.

Fonte: NETO, Sérgio Gonçalo Duarte - Do Minho ao Mandovi : um estudo sobre o pensamento colonial de Norton de Matos. Coimbra : [s.n.], 2013. Tese de doutoramento. Disponível na WWW: http://hdl.handle.net/10316/23772
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P17212: Homenagem a Clara Schwarz (1915-2016): gravações precisam-se para passarem na Rádio Voz de Klelé e eventuamente na Rádio Sol Mansi, em programas que deverão ir para o ar depois da Páscoa (Catarina Schwarz)


Uma das últimas fotos de Clara Schwarz (1915- 2016): uma (e)terna imagem de despedida para os seus filhos, netos, bisnetos e demais família e amigos... A foto é da Catarina Schwarz, a neta que nos últimos anos esteve mais próxima da avó paterna, afetiva e efetivamente, tendo-lhe dado inclusive a alegria de mais uma bisneta,

A Clara era carinhosamente conhecida no seio da família e dos amigos mais íntimos pelo "nickname" Calinhas. Para além dos amigos e admiradores, mais recentes, da Tabanca Grande, deixa muitos amigos também entre os antigos alunos e professores do Liceu Honório Barreto, em Bissau, de que foi cofundadora, com o marido, o jurista e escritor Artur Augusto Silva (1912-1983), e onde foi também professora de francês... 

Deixou uma marca indelével nos seus antigos alunos, alguns dos quais são membros da nossa Tabanca Grande (como, por exemplo, os camaradas António Estácio e o embaixador Manuel Amante da Rosa) ou ainda prestigiadas figuras da nossa vida intelectual e cultural como a escritora e investigador Maria Estela Guedes, que foi sua aluna de francês, "do 2º ao 7º ano" (*). Ou ainda de outras figuras como  João Ramiro Caldeira Firmino, o João Câmara, a engª agrónoma Xanda Monteiro, esposa do engº agr. Manuel Monteiro, amigos da Maria Alice Carneiro.  O nosso António Júlio Estácio tem esses contactos dos antigos alunos da professora de francês dra. Clara Schwarz.

Por sua vontade expressa, as suas cinzas vão ser depositadas junto do marido e do filho Pepito (1949-2014), em Bissau. A Catarina está a organizar um programa de homenagem nas rádios locais e pede a nossa colaboração.

Foto: Cortesia da Catarina Schwarz, Página no Facebook, disponível aqui,


I. Mensagem da nossa amiga Catarina Schwarz, filha do nosso saudoso amigo Pepito (1949-2014) e neta da mulher grande Clara Schwarz (1915-2016), que foi durante anos a "decana" da Tabanca Grande

Data: 31 de março de 2017 às 11:14

Assunto: Clara Schwarz

Olá.  Luís e Maria Alice,

Como estão? Espero que esteja tudo a correr bem convosco!

Nós andamos por Bissau... Um Bissau já bem diferente de há uns anos atrás. Novas caras, outras dinâmicas e outras crises políticas!

Escrevo-vos pelo seguinte: há 3 anos atrás, a minha avó Calinhas, Clara Schwarz, expressou a sua
vontade em ser enterrada na Guiné-Bissau, junto do marido [, Artur Augusto Silva,] e do meu pai.

Assim fizemos e neste momento, estamos a preparar um pequeno programa de rádio em sua homenagem, na Rádio Voz de Klelé e, em princípio,  na Rádio Sol Mansi.

Este programa irá decorrer durante 5 dias e incluirá:


1 - Um apresentação da biografia  da Calinhas;

2 - Pequenas passagens de uns apontamentos  que a Calinhas escreveu em "cadernos dos avós"

3 - Entrevistas presenciais com pessoas  que foram alunas de francês  [, no Liceu Honório Barreto, em Bissau,]  ou conheciam a Calinhas;

4 - Emissão de contributos gravados de amigos  e ex-alunos da Calinhas e que vivem fora da Guiné;

5 - Uma linha aberta para quem esteja interessado em participar com questões ou contributos,


Gostávamos muito que este programa fosse enriquecido com o vosso testemunho, amigos do meu pai, amigos da minha avó, que de uma forma ou de outra, sempre a acompanharam e de quem ela falava com regularidade e muita estima.

A ideia é gravar (via WhatsApp ou Skype) breves palavras sobre a Calinhas, ou uma história que viveram com ela (o vosso contributo seria enquadrado no ponto 4 do programa de rádio).

Caso tudo isto seja possível, teríamos de trocar contactos (WhatsApp ou Skype), para que depois eu possa descarregar as gravações e passá-las na rádio.

Por outro lado, se acharem mais conveniente (do que as gravações) podemos ler o poema que escreveste à minha avó, por ocasião dos seus 100 anos,  e passar a(s) música(s) que o João tocou para a Calinhas, em São Martinho do Porto.

Beijinhos e um bom fim-de-semana.
Catarina

II. Resposta do nosso editor Luís Graça:


Catarina: Que bom receber notícias tuas!... Acabamos, eu e a Alice, de chegar do sul de Marrocos onde fomos passar 12 dias de "férias"... Estive estes dias completamente desligado do blogue e da Net...

Fico feliz pela tua iniciativa de cumprir o desejo da tua avó... A "Tabanca Grande" quer desde já associar-se a homenagem que estás a preparar... Afinal, para além de amiga, ela foi durante anos a "decana" da Tabanca Grande... Pelo que, se mo permites, deixa-me dar a notícia no blogue e da nossa página do Facebook, de modo a que outros contributos de amigos e admiradores da tua avó possam aparecer...

Para já dispõe de todos os materiais (textos, fotos, vídeos...) que publicámos ao longo destes anos de convívio estreito com o teu pai, com a tua avó, contigo, a tua mãe e demais família...

O João está no sul de Itália, deve voltar no próximo fim de semana. Vou-lhe  pedir que grave de novo uma das músicas klezmer de que a tua avó tanto gostava (a começar pelo Bulgar de Odessa, cidade onde os teus avós, Samuel e Agatha, se casaram).

Diz-me qual é o teu "timing"... Posso também gravar um texto poético... E haverá, por certo, outros amigos, como o Zé Teixeira, que vão querer participar...

Vai dando notícias... Beijinhos para ti, para a tua menina e para a tua mãe.

Luís.
Xicoração da Alice.

PS - A Clara Schwarz entrou para a Tabanca Grande em 14/2/2010, no dia em que fez 95 anos (*). Foi a nossa "decana" até à data da sua morte, em 11 de dezembro de 2016. (**)

Na altura, escrevemos-lhe o seguinte: "A nossa singela prenda de aniversário, é pô-la aqui, debaixo do poilão da nossa Tabanca Grande, a falar com todos os amigos e camaradas da Guiné, a partilhar connosco as histórias de uma vida... A Clara, que atravessou o Séc. XX e continua a sorrir-nos e a surpreender-nos no Séc. XXI, passa ser a Mulher Grande da nossa Tabanca Grande, o novo membro, o 397º, da nossa tertúlia. (O seu nome figura, desde hoje, na nossa lista alfabética, na letra C)... E daqui a cinco anos, em 2015, vamos apagar-lhe a vela do centenário!... Combinado ?"...

E a verdade é que ela e nós cumprimos o prometido. Ela chegou, não aos 100, mas aos 101. Não quis festejar os 100 anos por estar ainda a fazer o luto da morte recente do seu filho Carlos Schwarz da Silva, o nosso Pepito. Mas não demos-lhe, como sempre, os parabéns (***). Tem 44 referências no nosso blogue. O seu nome continuará  a figurar, na Tabanca Grande, na coluna do lado esquerdo do nosso blogue, na lista dos 53  amigos e camaradas da Guiné que "da lei da morte já se foram libertando".

III. Nova mensagem da Catarina Schwarz, com data de anteontem: 

Olá, Luís, Maria Alice e João

Obrigada desde já pela vossa atenção!

Marrocos e Itália, parece-me muito bem! Será que as catástrofes naturais de Itália já acabaram? A nossa catástrofe chama-se José Mário Vaz, o presidente da república da Guiné... que diz que quer ser o melhor PR do país e só faz disparates!

Entretanto, estamos a apontar para depois da Páscoa, o início do programa de rádio.

Vou aproveitar então o poema e a música tocada pelo João que também está no blogue. A história da Joana também é engraçada! A minha avó ficou maravilhada e lembrava-se sempre desse episódio.

Os contributos da Tabanca Grande serão mais do que bem-vindos!

Temos de encontrar uma forma eficaz de fazer as gravações (o WhatsApp parece ser a forma mais simples).

Beijinhos a todos!
Catarina

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 14 de fevereiro de 2010 >  Guiné 63/74 - P5813: Parabéns a você (79): Clara Schwarz da Silva, 95 anos, uma grande senhora, viúva de Artur Augusto da Silva, mãe do nosso amigo Pepito, leitora do nosso blogue, novo membro da Tabanca Grande (Luís Graça)

(**) Vd. poste de:

11 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16825: In Memoriam (272): dra. Clara Schwarz da Silva (1915-2016), mãe dos nossos amigos Henrique, João e Pepito (1949-2014), cofundadora e professora do Liceu Honório Barreto, em Bissau, decana da Tabanca Grande. Dia 14, 4ª feira, haverá uma pequena cerimónia de despedida, no crematório de Barcarena, Oeiras 20 de dezembro de 2016 



(***) Vd. postes de:


14 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15744: Parabéns a você (1033): Senhora D. Clara Schwarz, Centenária Amiga Grã-Tabanqueira, Mãe do nosso falecido amigo Carlos Schwarz (Pepito), e decana da Tabanca Grande... Faz hoje 101 anos!

14 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14256: Homenagem da Tabanca Grande à nossa decana: a "mindjer grande" faz hoje 100 anos... Clara Schwarz da Silva, mãe do Pepito (8): Mensagens da Tertúlia

14 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12715: Parabéns a você (691): Senhora Dona Clara Schwarz, Grã-Tabanqueira, mãe do nosso amigo Pepito, que a partir de hoje fica a um pequeno passo do seu centenário

14 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11094: Memória dos lugares (212): Ilha da Brava, Sotavento, Cabo Verde... Em homenagem a Clara Schwarz (n. 1915, Lisboa) e ao seu saudoso cretcheu Artur Augusto Silva (1912, Brava -1983, Bissau) (João Graça / Luís Graça)

14 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11093: Parabéns a você (535): Senhora Dona Clara Schwarz faz 98 anos!

14 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9484: Parabéns a você (216): 97° Aniversário de Clara Schwarz da Silva, mãe do nosso amigo Pepito, a nossa matriarca, a decana da nossa Tabanca Grande, a anfitriã da Tabanca de São Martinho do Porto

14 de fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7780: Parabéns a você (216): 96° Aniversário de Clara Schwarz da Silva, nascida a 14/2/1915, uma cidadã do mundo, co-fundadora e professora do Liceu Honório Barreto, em Bissau, cuja presença na Tabanca Grande muito nos honra... (Luís Graça, co-editores, amigos e antigos alunos)


Guiné 61/74 - P17211: Parabéns a você (1233): Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Especiais da CART 3492, Pel Caç Nat 52 e CCAÇ 15 (Guiné, 1971/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 5 de Abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17204: Parabéns a você (1232): António Dias, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2406 (Guiné, 1968/70); Agostinho Gaspar, ex-1.º Cabo Mecânico Auto do BCAÇ 4612/72 (Guiné 1972/74); Hernâni Acácio Figueiredo, ex-Alf Mil TRMS do BCAÇ 2851 (Guiné, 1968/70) e José Eduardo R Oliveira (JERO), ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 675 (Guiné, 1963/65)

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17210: Os nossos seres, saberes e lazeres (206): Uma biblioteca de pedra na estação do Metro de Entre Campos (Mário Beja Santos)

Estação do Metro de Entre Campos


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 29 de Dezembro de 2016:

Queridos amigos,
Gostos não se discutem, é a minha estação preferida, em termos artísticos. Teria 18 anos quando me fiz sócio da Gravura, uma cooperativa de gravadores, recebia regularmente belíssimas gravuras de Alice Jorge, António Areal, Júlio Pomar, João Hogan e as daquele que para mim foi o maior dos gravadores portugueses, Bartolomeu Cid dos Santos.
Aquando da inauguração do painel para a estação do metro de Nihonbashi, em Tóquio, escreveu Margarida Botelho algo que eu perfilho: "Há em Bartolomeu uma vontade contida e obstinada de dar corpo aos grandes sonhos e de cobrir as obras de conceções que se poderiam apelidar, com alguma verdade, de românticas. Bartolomeu pertence tanto à poesia como à gravura. Os seus temas intemporais e os seus motivos, magistral e totalmente dominados, não são o resultado de uma escolha, mas uma forma de evidência que o mobiliza. Daí decorre a unidade e também a mensagem da sua obra".

Um abraço do
Mário


Uma biblioteca de pedra na estação do Metro de Entre Campos

Beja Santos

A estação Entre Campos abriu ao público em 1959, quando da inauguração da rede, seguiu, em termos arquitetónicos e artísticos, o programa adotado para todas as estações desta primeira fase da sua vida, o projeto arquitetónico foi de Keil do Amaral e o revestimento de azulejos pertenceu a Maria Keil. Esta adotou um padrão que tem como fundo uma harmonia de cores quentes que vão do amarelo ao vermelho, marcados aqui e além por pequenos grupos de azulejos de fundo verde e claro.


Em 1993, Entre Campos foi a primeira estação a beneficiar de obras de remodelação, Bartolomeu Cid dos Santos foi o artista convidado para a animação plástica e o escultor José Santa Bárbara para o tratamento da zona de ligação com o interface com a CP.



O interface entre o Metro e a CP tem 150 metros de comprimento, o escultor José Santa Bárbara idealizou, em pedra e aço inox, uma espécie de fonte estilizada. O escultor declarou a tal propósito:
“Não cedo à tentações de facilidade e rejeito o àvontade de um computador que faz tudo menos conseguir transmitir qualquer tipo de sentimento". O interface tem passadeiras e um corredor por onde se espalham lojas. Ali estive o tempo suficiente para me aperceber que a multidão leva destino, não se debruça sobre a peça estética de Santa Bárbara, há gente a ler nas passadeiras rolantes ou a congeminar a elaboração do jantar, mas há gente que se passeia com propósito de compra ou beber um café ou mordiscar um salgado ou ver as montras com roupa e artigos de papelaria.




Enfim, já estamos no átrio Sul, é território de Bartolomeu Cid dos Santos, está aqui a sua decoração mural em pedra gravada, é um painel dedicado a uma biblioteca. Bartolomeu deu a seguinte explicação: “Tentei organizar os livros, não só cronologicamente mas também por associações de autores ou movimento literários”. Para quebrar a monotonia deste trabalho, Bartolomeu repensou as lombadas de modo a assegurar referências gráficas do conteúdo dos livros ou dos seus autores. No centro da composição, um número significativo de escritores autografaram o painel, num grafiti representativo da literatura atual (da época).


Frente à biblioteca, mesmo por cima das linhas do metro, está um painel transversal, com 40 metros de comprimento. Bartolomeu deu o seguinte esclarecimento: “Eu e os meus colaboradores decidimos dedicar este espaço ao grande pintor norte-americano Robert Motherwell, admirado por todos nós e que havia falecido recentemente. Criou-se um trabalho discreto, em branco sobre branco, ou seja, em que o branco da pedra polida e não gravada contrasta com a área baça, corroída pelo ácido”. No painel pode ler-se: “Importa saber que não se pode falar numa arte nacional; ser simplesmente um artista americano ou francês não significa coisa nenhuma. Não ser capaz de sair do seu primeiro meio artístico, é meio caminho para nunca atingir o Humano”, Motherwell define assim o conceito de universidade de arte, que Bartolomeu subscreve.



A plataforma poente tem por tema Luís de Camões, é uma sequência de 10 imagens, cada uma referente a um dos Cantos dos Lusíadas, todos interpretados muito livremente.


Os painéis que prolongam pelas escadas os outros dois painéis correspondentes aos de Camões e Fernando Pessoa levantaram problemas a Bartolomeu. Ele explicou: “Enquanto os painéis até aqui descritos foram desenhados no verniz e depois gravados, os restantes foram pintados com verniz na horizontal antes de serem tratados com ácido. Quem subir qualquer das escadas encontrará em sequência aos painéis dos poetas duas enormes cabeças de mulher, memórias de pinturas romanas que numa recente visita a Roma havia conhecido. Se assim o desejarmos, poderemos também considera-las como as musas dos respetivos poetas”.




A plataforma nascente é dedicada a Fernando Pessoa, a sua obra foi descoberta por Bartolomeu em 1952. Ele não esconde a admiração por ele: “A obra do heterónimo Álvaro de Campos e especialmente a Ode Marítima, com o seu sentido de espaço, de distância, bem como de nostalgia de terras nunca visitadas, influenciou grande parte do meu trabalho desde então. Nada mais natural que dedicar 30 metros de parede a um dos meus poetas preferidos, usando uma forma de decoração afim do grafiti em que as palavras e as imagens se confundem”.
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17187: Os nossos seres, saberes e lazeres (205): De Pedrógão Pequeno a Tomar, com mala-posta e azémolas (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17209: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XIX Parte: Cap X - Miriam quer fazer cumbersa giro com furiel Mamadu


A bela mas estéril Miriam

Foto (e legenda): © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados
 [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [Fitas Ralhete], mais conhecido por Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67. Do mesmo autor já aqui publicámos, em 2008, em dez postes, o seu fascinante livro "Pami N Dondo, a guerrilheira", ed. de autor, Estoril, 2005, 112 pp.

[Mário Fitas foi cofundador e é "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô. Foto em baixo, à direita, Tabanca da Linha, Oitavos, Guincho, Cascais, março de 2016]

Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > XVIII Parte > Cap IX - Guerra 2 (pp. 62-66)

por Mário Vicente

Sinopse:

(i) faz a instrução militar em Tavira (CISMI) e Elvas (BC 8),

(ii) tira o curso de "ranger" em Lamego;

(iii) é mobilizado para a Guiné;

(iv) unidade mobilizadora: RI 1, Amadora, Oeiras. Companhia: CCÇ 763 ("Nobres na Paz e na Guerra");

(v) parte para Bissau no T/T Timor, em 11 de fevereiro de 1965, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa.;

(vi) chegada a Bissau a 17:

(vii) partida para Cufar, no sul, na região de Tombali, em 2 de março de 1965;

(viii) experiência, inédita, com cães de guerra;

(ix) início da atividade, o primeiro prisioneiro;

(x) primeira grande operação: 15 de maio de 1965: conquista de Cufar Nalu (Op Razia):

(xi) a malta da CCAÇ 763 passa a ser conhecida por "Lassas", alcunha pejorativa dada pelo IN;

(xii) aos quatro meses a CCAÇ 763 é louvada pelo brigadeiro, comandante militar, pelo "ronco" da Op Saturno;

(xiii) chega a Cufar o "periquito" fur mil Reis, que é devidamente praxado;

(xiv) as primeiras minas, as operações Satan, Trovão e Vindima; recordações do avô materno;

(xv) "Vagabundo" passa a ser conhecido por "Mamadu"; primeira baixa mortal dos Lassas, o sold at inf Marinho: um T6 é atingido por fogo IN, na op Retormo, em setembro de 1965;

(xvi) a lavadeira Miriam, fula, uma das mulheres do srgt de milícias, quer fazer "conversa giro" com o "Vagabundo" e ter um filho dele.

Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XIX Parte: Cap X: Miriam (pp. 61-66)


X Miriam

Cada Povo tem os seus rituais para exorcizar o medo da morte. Mas é a morte que está sempre presente na guerra.

Miriam, sendo fula, apresenta como é natural as características gerais desta etnia. Feições perfeitas cor de ébano, alimenta-se de arroz, fruta, carne,  exceptuando porco, e abusa um pouco da cola. De origem nómada,  convertida ao islamismo, tem regressões ao feiticismo e foi herdada pelo sargento de milícia Aqueba Baldé, homem já de uma certa idade, por morte de seu irmão, conforme a lei e tradição fula. Relativamente nova, sem definição de idade, andará pelos vinte, vinte e um anos. Seios pequenos mas levantados, apesar do uso do pano para os quebrar, é demonstrativo que ainda não teve filhos.

Caracterizando por alto, eis a lavadeira que o chefe dos Vagabundos conseguiu, tendo talvez aqui começado em parte também a alcunha daquele, para furriel Mamadu não desvalorizando também o gosto deste em saber usos e costumes, o seu convívio e relacionamento com o pessoal nativo. Era habitual ver o furriel falando e convivendo com os soldados da milícia.

Tantas vezes o cântaro vai à fonte até que… ou antes, tantas vezes a roupa foi lavada, que Vagabundo começou a estranhar o extremo esmero com que sua roupa era tratada sem reclamação ou exigências de melhor remuneração. A lavadeira um dia mais afoita e atrevida, atacou directamente Vagabundo:


Furiel!... tu é Mamadu, home balente, bó na bai na mato e cá tem medo, Miriam gosta de furiel. Eu sabo tu é branco, a mim preto! Miriam quer fazer cumbersa giro com furiel Mamadu!

Vagabundo poderia esperar tudo menos isto! Grande morteirada! Havia normas e conceitos que,  como graduado responsável,  tinha de respeitar. Além do mais, Miriam,  para todos os efeitos,  era mulher do sargento da milícia e tudo traria problemas que teriam reflexos em toda a CCAÇ 763.

Sejamos claros! Não seria coisa que desgostasse ao furriel, porque apesar de ser negra, Miriam não era nada de desperdiçar, com a agravante da inexistência de formas dos militares,  naquela situação no mato, resolverem carências de sexo em termos normais. E como se dizia: "ao fim de quinze dias na Guiné, as negras começam a ficar brancas”!

Vagabundo, a princípio,  não ligou e mandou a lavadeira ter cabeça, criar juízo. Mas Miriam continuou insistindo. O furriel, para evitar problemas,  foi falar com o sargento da milícia e informou-o que prescindia dos serviços da mulher e que ela não tinha juízo. Aqueba ouviu, olhou de uma forma resignada para Mamadu e disse:


- Furiel!... a mim sabe desse cumbersa todo! Miriam cá tem cabeça, Miriam fala a mim desse coisa todo! Mim recebe esse mulher de irmon meu. Eu, home belho, furiel, não pode dar a ela filho, ela quer filho de home branco e quer ser de furiel minino qué Mamadu! Qui na bai na mato, cá tem medo, home balente. 


O furriel viu de imediato o filme todo!... Apesar de ter o conhecimento de, na etnia, a mulher conceder favores sexuais facilmente, em que grande complicação se meteria ainda por cima com aquela ideia louca do filho.

Mas o velho milícia insistiu:


-Cá tem porblema! Furiel cá fala desse cumbersa, a mim cá fala tabem! Si Aqueba firma na Catió, Miriam firma ali no Cufar; si Aqueba firma na Cufar, Miriam firma na Catió. Furiel Mamadu faz como tu sabe!

Sim senhora!... Desta simples forma se viu Vagabundo usufrutuário do corpo de Miriam.

Nessa tarde, ao passar pelas moranças onde estavam instaladas as duas secções de milícia, Vagabundo viu Miriam aproximar-se de Aqueba que, sentado, dedilhava um corá, instrumento rústico de cordas. Qualquer coisa segredou que o sargento da milícia começou cantando uma lenga lenga em linguagem fula misturada de crioulo onde as únicas palavras que o furriel entendeu foram:


-Jaramááááá… furiel Mamadu qui na bai na mato e cá tem medo, Jaramááááá!...

O chefe dos Vagabundos falou com o médico e Miriam foi vista pelo tenente obstetra, natural das terras do Mondego.

O tenente médico miliciano entrou na messe de sargentos e pediu ao Lopez um whisky,  o qual mandou pôr na conta de Mamadu. Ao sair encontrou-se com este e disse-lhe:
- Já cobrei a consulta!
- Então!?
- Em perfeita saúde! Entre aspas é claro, tens mais sorte que o Diogo Alves! Há ali uma disfunção hormonal qualquer, pelo que ela não tem ovulação, sofre de amenorreia crónica!
- Palavra?
- Pela conversa que tive e para teu bem, e mal dela, coitada, pois ela disse-me o que queria! Aliás o que quereria! Dado não ser possível, convém não lhe falares nisso. É melhor a ignorância e ilusão por vezes, que uma grande vida. Deixa-a viver na esperança, que assim vive feliz. Não vale a pena criar problemas psíquicos que geralmente nestes casos resultam em grandes complicações. Entendido? Vamos beber mais um para afastar o mosquito?
- OK! Mas volto a pagar eu!
- ripostou Vagabundo.

Nada de anormal no reino de Cufar. Esta parelha era vista muitas vezes de volta do copo de bambu, sempre com a desculpa do mosquito. O que é certo é que não constava que tivessem tido paludismo, talvez porque o remédio faria efeito.

Numa das ocasiões em que Miriam estava em Catió, o 2º Grupo de Combate foi fazer o abastecimento. Mamadu solicitou a Almeida para ficar um tempinho em Priame,  só para um “converse”, pois o Chico Zé e o Tambinha não se importavam e desenrascavam a secção com o cabo Cigarra, enquanto ele não chegava.
-Está bem! Mas qualquer dia tens de me deixar dar uma volta na bicicleta! 
- gozou o alferes com o seu furriel.

-É pá, quando quiseres, não sou eu o dono!

Mal soube da passagem da coluna,  Miriam correu, como de costume para ver quem vinha: ou era o dono da roupa e haveria festa, ou teria tristemente mandar por alguém. Mal reconheceu o grupo de combate, naquele dia desapareceu. O furriel Mamadu desceu da viatura e cumprimenta o pessoal conhecido e não, com o tradicional “Corpo di bó tá bom?” Contornou as primeiras moranças de Proame e dirigiu-se para a casa de Aqueba Baldé. 


Entrou na casa e o cheiro de plantas perfumadas habitualmente queimadas quando da sua visita, encheu-lhe as narinas. Chamou por Miriam mas esta não respondeu, pelo que foi entrando. Quando estava ao centro da morança, apareceu-lhe Miriam completamente vestida, com vestimenta de ronco azul às ramagens, de saia e corpete tapando unicamente os seios. Pelo odor e luzir da pele como ébano polido notava-se que se tinha preparado com óleo de flores.

-Bó cá fala com furriel Miriam? - inquiriu Mamadu.


-Fala, sim, furiel Mamadu, mas dia de hoje tu na bai cum Miriam no Homem Grande a mim quer corpo di bó fechado!


O furriel viu o filme. Temos bruxaria de certeza, pensou. Mas,  curioso como era,  e delirando conhecer os usos e costumes desta misteriosa África , achou que seria o momento oportuno para enriquecer os seus conhecimentos e respondeu:
-Certo, vamos então estar com o Homem Grande!

Miriam pediu ao furriel para a seguir. Atravessaram a estrada Priame-Catió para o lado direito, passando por um campo de mancarra e contornando uma plantação de abacaxis, internaram-se num bananal até atingirem a orla da mata. Aí chegados, Miriam derivou para a esquerda e passados uns dez metros já dentro da mata, disse para Mamadu:
-Jube!

Mamadu,  estupefacto, ficou petrificado. Os seus olhos nunca tinham visto algo assim. Que maravilhosa é a natureza! Indescritível!... Perante o olhar extasiado do furriel, uma das visões mais lindas até aí apreciadas. Entre um círculo de palmeiras e outras plantas arbustivas próprias do clima tropical, aparece um lago de água estagnada, um pântano. A sua superfície está coberta de um rendilhado de nenúfares gigantes, desde o alvo branco ao rosa forte misturados com outras plantas e flores aquático-tropicais. Que paisagem linda este pântano! Nas suas manifestações de actividade, a natureza revela tal imaginação que qualquer hipótese de relato não traduz na plenitude os seus surpreendentes efeitos.

Miriam acordou Vagabundo daquele sonho e continuou a conduzi-lo pelo estreito carreiro, agora transformado pela vegetação, em túnel, obrigando Mamadu a caminhar um pouco vergado. Preocupado o furriel, pegou no braço da lavadeira e informou-a de que se estariam a afastar demasiado da povoação, o que se tornava perigoso. Ela olhou para ele e disse:


-Tu cá tem medo, tu bai fica fechado p´ra bala!
-Merda para isto,  fico fechado para a bala e aberto para o morteiro e RPG! Meto-me em cada uma!



Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART 1913 (Catió 1967/69)> Álbum fotográfico de Vitor Condeço (1943-2010) > Catió - Vila > Foto 50 > "Lagoa com nenúfares à esquerda na estrada de Catió-Priame".

Foto (e legenda) : © Vítor Condeço (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


Andaram mais ou menos cinquenta metros, e numa curva do carreiro, apareceu inesperadamente uma pequena clareira, cercada de enormes poilões em cujo centro existia uma palhota onde fumegava uma pequena fogueira, com panelas de ferro de variado tamanho ao redor.

Batendo as palmas, a lavadeira falou em fula ou mandinga qualquer coisa que Vagabundo não entendeu. Passado uns momentos de silêncio naquele arbóreo claustro, por entre a porta da palhota, apareceu uma figura muito seca de carnes, mesmo magríssima, apenas com meio corpo coberto por um pano branco alabastro. Pequeno, cabelo e uma rala barbicha brancos, eis o Homem Grande, pensou o furriel. E era verdade!... Embora parecendo mais uma palhinha ao vento do que gente. Ali estava o milagreiro que fecharia o corpo de Mamadu à bala.

Miriam encetou uma conversa com o velhote, e Vagabundo completamente off, não petiscava nada do que se estava passando. Não entendia nada e aquela porra já o estava a deixar descontrolado. É que não tinha trazido arma nenhuma, nem ao menos uma granada de mão como era seu costume. Embora a confiança na lavadeira fosse total, o filme de ser apanhado à mão começou a exibir-se na sua mente.

Passados aqueles primeiros momentos, o velhote olhou o furriel de forma profunda, como se o seu olhar fosse raio X que trespassasse o corpo do homem. Sorriu, descontraindo um pouco o militar e mandou-o entrar. A lavadeira pediu ao furriel para fazer tudo o que o Homem Grande quisesse, porque ela teria de ficar cá fora. Vagabundo animou e pensou: já que ali estava, os dados estavam lançados, valeria a pena arriscar para ver. Deve ser giro entrar numa sessão de feiticismo e, com a curiosidade espicaçada, Mamadu entrou na palhota.

O velho, por gestos mandou o furriel despir-se e deitar-se sobre uma esteira de fibra vegetal. Começou a falar e a pôr as mãos sobre o corpo do militar. Saía e entrava, seu corpo palhinha estremecia, os braços movimentavam-se para cima e para baixo, sempre falando como que implorando algo a um deus qualquer. Derramou um líquido indefinido sobre o peito do furriel, cobrindo-lhe o corpo com um pano branco colocou-lhe as mãos sobre o peito, o que fez sentir palpitações no coração de Mamadu que regressou ao nevrótico estado inicial.

A palhinha negra deve ter chamado a lavadeira, pois esta entrou e, após uma troca de palavras, o velho saiu e Miriam pediu ao furriel para beber o que o Homem Grande lhe apresentasse. Este entrou com uma meia tigela de coco cujo indecifrável conteúdo, beberragem que o militar teria de tomar,  seria a finalização daquele acto.

O furriel fez negação com a cabeça, mas Miriam insistiu. Querendo livrar-se daquela porra toda, e relembrando os camaradas foçando, carregando as viaturas e com certeza mandando bocas sobre o furriel comendo a lavadeira e eles no duro, resolveu beber a mistela e sair dali o mais rápido possível. Bebeu, vestiu-se, tirou uma nota de cem pesos e meteu-a na mão do velhote palhinha que delirou, ao ver-se com a dádiva de uma nota daquelas na mão.

Saindo da palhota,  Miriam começou a saltitar alegremente na frente do militar e segredou-lhe:
-Agora bala cá entra no corpo de Mamadu!
 

Regresso junto ao pântano, fizeram conversa giro com aquele como fundo. O furriel esquecendo o carregamento e camaradas sentiu-se na obrigação de partilhar alguma coisa com aquela mulher-criança. O corpo de Miriam estremeceu, sentiu algo de novo que nunca tinha conhecido e a lavadeira chorou. As causas ninguém as saberá. No espírito e corpo Miriam nunca mais esqueceria aquele momento em que não houve cor, raça ou fêmea, mas simplesmente foi considerada mulher a corpo inteiro, a quem a sua própria crença e raça tinham castrado, retirando-lhe parte desse estatuto de um ser livre. E acreditou que teria sido o momento do seu sonho.

Pelo contrário o militar sentiu-se safado e triste por utilizar os seus instintos brincando com os sentimentos de um ser humano.

Perdoa, mulher negra, mas o teu sonho não será realizado nem por branco safado nem por outro homem qualquer. Serás eternamente uma flor que não transformará a sua polinização em fruto.

Vagabundo ainda chegou a tempo ao batalhão. O abastecimento estava a meio e nada de anormal tinha acontecido. Abastecimento feito, regresso a Cufar normal. Viagem sem problemas. Se sempre assim fosse, que óptimas férias em África. Não! Não será assim!

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Guiné 61/74 - P17208: XII Encontro Nacional da Tabanca Grande, Palace Hotel de Monte Real, 29 de Abril de 2017 (4): Temos até hoje de manhã 93 inscrições... Ainda faltam 107 para fazermos o pleno... Vamos festejar os 13 anos de existência do blogue!

Infogravura:  © Miguel Pessoa (2017)

I. LISTA DOS 93 INSCRITOS,  ATÉ HOJE DE MANHÃ, PARA O XII ENCONTRO NACIONAL DA TABANCA GRANDE, MONTE REAL, PALACE HOTEL MONTE REAL,  SÁBADO, 29 DE ABRIL DE 2017

Abel Santos - Leça da Palmeira / Matosinhos
Agnelo Macedo e Delfina - Lisboa
Albano Costa e Maria Eduarda - Guifões / Matosinhos
Almiro Gonçalves e Amélia - Vieira de Leiria / Marinha Grande
António Dias Pereira e Teresa Maria - Tomar
António Fernando Marques e Gina - Cascais
António José P. da Costa e Maria Isabel - Lisboa
António Maria Silva e Maria de Lurdes - Sintra
António Martins de Matos - Lisboa
António Vieira - Vagos
Arménio Santos - Lisboa


Carlos Alberto Cruz, Irene e Paulo - Paço de Arcos / Ooeiras
Carlos Cabral e Judite - Pampilhosa
Carlos Vinhal e Dina - Leça da Palmeira / Matosinhos

David Guimarães e Lígia - Espinho
Diamantino Ferreira e Emília -Leiria

Eduardo Campos - Maia
Eduardo Jorge Ferreira - Vimeiro / Lourinhã
Eduardo Magalhães Ribeiro e Carlos Eduardo - Porto
Ernestino Caniço - Tomar

Fernando Jesus Sousa e Emília Sérgio - Lisboa
Francisco José F. Oliveira - Lisboa
Francisco Palma - Cascais
Francisco Silva e Maria Elisabete - Porto Salvo / Oeiras

Idálio Reis - Sete-Fontes / Cantanhede
Isolino Gomes e Júlia - Porto

Joaquim Carlos Peixoto e Margarida - Penafiel
Joaquim Gomes Soares, Maria Laura e Aurora Brito - Porto
Joaquim Mexia Alves, Catarina e André - Monte Real / Leiria
Jorge Cabral - Lisboa
Jorge Canhão e Maria de Lurdes - Oeiras
Jorge Ferreira - Lisboa
Jorge Picado - Ílhavo
Jorge Pinto e Ana Maria - Sintra
Jorge Rosales - Monte Estoril
José Almeida e Antónia - Viana do Castelo
José Barros Rocha - Penafiel
José Casimiro Carvalho - Maia
José Eduardo Reis Oliveira - Alcobaça
José Ferreira da Silva e Maria Vergilde - Crestuma / V. N. Gaia
José Francisco Macedo Neves e Rosa Maria - Guifões / Matosinhos
José Macedo e Goreti - Estados Unidos da América
José Manuel Cancela e Carminda - Penafiel
José Manuel Lopes e Maria Luísa - Régua
José Miguel Louro e Maria do Carmo - Lisboa

Luís Graça - Alfragide / Amadora
Luís Moreira e Irene - Sintra
Luís Paulino e Maria da Cruz - Algés / Oeiras

Manuel Augusto Reis - Aveiro
Manuel José Ribeiro Agostinho e Elisabete - Leça da Palmeira / Matosinhos
Manuel Lima Santos e Fátima - Viseu
Manuel Lopes e Hortense - Monte Real
Mario Vitorino Gaspar - Lisboa
Miguel Pessoa e Giselda - Lisboa

Ricardo Figueiredo - Porto
Rogé Guerreiro - Cascais


II. Camaradas e amigos:

As letras do alfabeto vão de A a Z... A nossa lista (provisória) de inscritos só vai de A (Abel Santos) a R (Rogé Guerreiro)...

Recorde-se que as inscrições fecharão no dia 23 de abril, domingo, ou quando se atingir o número máximo de lugares da sala (200). Enfim, ainda estamos a meio gás, ou seja, a 45% da lotação da sala Dom Diniz do Palace Hotel Monte Real...

Mas, por favor, não deixem as inscrições para o fim... Sabemos que este ano há vários camaradas (e amigos/as), que muito estimamos, e que não poderão vir, por "conflito de agendas" (outros encontros e convívios, casamentos, batizados, férias, etc.).  Mas isso acontece todos os anos... Fazemos, em todo o caso, questão de ter a sala cheia...

Recorde-se que, com a realização do XII Encontro Nacional da Tabanca Grande, em Monte Real, Leiria, no sábado, dia 29 de abril de 2017 (*), comemoramos o nosso 13.º aniversário!...

Treze anos a blogar são seis comissões na Guiné!... Por outro lado, o "slogan" do Encontro Nacional da Tabanca Grande, é "orar, comer.. e amar em Monte Real" (**)... Entenda-se: continuar a partilhar memórias e afectos, honrar os mortos e os vivos, celebrar a vida, a amizade e a camaradagem, reforçar o que nos une sem ignorar o que nos pode separar...

Camarada e amigo: independentemente de seres membro da Tabanca Grande, se já te inscreveste ou tens intenção de te inscrever no nosso XII Encontro Nacional, traz outro camarada ou amigo contigo!... Serás recebido de braços abertos!...

A comissão organizadora:

Joaquim Mexia Alves
Luís Graça
Miguel Pessoa
Carlos Vinhal
_________________

Notas do editor:

(*) Vd. postes anteriores da série:

16 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16959: XII Encontro Nacional da Tabanca Grande, Palace Hotel de Monte Real, 29 de Abril de 2017 (1): Primeiras informações

7 de março de  2017 > Guiné 61/74 - P17112: XII Encontro Nacional da Tabanca Grande, Palace Hotel de Monte Real, 29 de Abril de 2017 (2): Abertura das inscrições que terminam: (i) a 23 de abril; ou (ii) ou quando se atingir a lotação da sala (200 lugares)

25 de março de 2017 >  Actualização das informações e publicação da primeira listagem dos inscritos

(**) Vd. poste de 4 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17207: O nosso livro de estilo (10): proverbíário da Tabanca Grande, edição revista e aumentada

terça-feira, 4 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17207: O nosso livro de estilo (10): proverbíário da Tabanca Grande, edição revista e aumentada


Guiné > Região de Cacheu > Bula > Pel Rec Panhard 1106, "Os Cavaleiros Blindados" (1966/68) > "Os bravos não se medem aos palmos", parece querer dizer o fur mil cav António Barbosa (na foto à direita)... Natural de Gondomar, hoje reformado da Polícia Judiciária ("Judite"), é um dos nossos 739 grã-tabanqueiros que sabe  cultivar o sentido de humor... Pertence também à Tabanca Pequena de Matosinhos.

Foto: © António Barbosa  (Gondomar) (2010). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



A escassas semanas do  13º aniversário do nosso blogue (23/4/2017) e da realização do XII Encontro Nacional da Tabanca Grande (29/4/2017), está na altura de reeditar os nossos provérbios (e outros lugares comuns do nosso humor de caserna), agora em lista revista e aumentada... Esta lista, aberta,  é património de toda a Tabanca Grande.

A última edição era de 9/7/2015 (*). E muitos dos nossos "periquitos" ainda não a conheciam... Na altura eramos 693 grã-tabanqueiros, hoje somos já 739, entre vivos (686) e mortos (53).



O NOSSO PROVERBIÁRIO

A blogar é a que a gente se entende.

A 'roupa suja' lava-se na caserna, não na parada.

Ainda pior do que o inferno da guerra, é o inverno do esquecimento dos combatentes.

Amigo do seu amigo, camarada do seu camarada. 

Amigo traz amigo e amigo fica.

As nossas queridas enfermeiras paraquedistas: os anjos que desciam do céu.

Até aos cem, ainda se aguenta, depois dos cem, só com água benta. 

Até aos cem é sempre em frente!... E depois dos cem, é só para quem for resistente e resiliente...




'Bazuca': o que fazia mal ao fígado, fazia bem à alma.

Beber a água do Geba.

Boa continuação da viagem pela picada da vida!... Cuidado com as minas e armadilhas!


Cabral só há um, o de Missirá e mais nenhum.

Camarada e amigo... é camarigo!

Camarada não tem que ser amigo: é o que dorme no mesmo buraco, na mesma cama, no mesmo abrigo.

Camarada, que a terra da tua Pátria te seja leve!

Combatente um vez, combatente para sempre!

Dão-se lições de artilharia para infantes.

Desaparecidos: aqueles que nem no caixão regressaram.

Desarmados, jubilados, reformados, aposentados mas não... arrumados.

É proibido fazer juízos de valor sobre o comportamento de um camarada (do ponto de vista operacional, disciplinar, ético, moral, social).

E quem não bebeu a água do Geba, nunca poderá entender a vida, o conteúdo e o continente das estórias cabralianas.

E também lá vamos facebook...ando e andando.

Encontro Nacional da Tabanca Grande: orar, comer.. e amar em Monte Real!

Entra e senta-te à sombra do nosso poilão. 

Estás com o bioxene. [Estás com os copos.]

Estás porreiro ou vais p'ró carreiro !?...

Estorninhos e pardais, aqui somos todos iguais.

Exorcizar os nossos fantasmas.

'For the Portugese Armed Forces from Scotland with love'... [Da Escócia com amor, para as Forças Armadas Portuguesas.]

Guerra do Ultramar, guerra de África, guerra colonial (, como se queira).

Guerra ganha, guerra perdida ? Camarada, não percas tempo com a discussão do sexo dos anjos...

Guiné, de floresta verde e de chão vermelho.

Guiné ? ... Não era pior nem melhor, era diferente. 

Há comentadores e comentadores: alguns são como o peixe e o hóspede, ao fim de três dias fedem...

Havia os desertores, os refratários, os faltosos... e nós.

Humor com humor se (a)paga.

In Memoriam: para que não fiques, pobre camarada, na vala comum do esquecimento.

Lá vamos blogando, recordando, (sor)rindo, e às vezes cantando, gemendo e chorando!

Lá vamos contando (e cantando) os quilómetros pela picada da vida fora!

Lembra-te, ó português: bandeira dos cinco pagodes, é na loja... do chinês!

Luso-lapão só há um, o Zé Belo, e mais nenhum.

Mais morto de alma do que vivo de corpo.

Mais vale andar neste mundo em muletas, do que no outro em carretas.

Mais vale um camarada vivo do que um herói...morto!

Melhor que as bajudas, era a 'água de Lisboa' que nos fazia esquecer as bajudas.

Meu pai, meu velho, meu camarada. 

Miguel & Giselda, o casal mais 'strelado' do mundo.

Muita saúde e longa vida, porque tu, camarada, mereces tudo.

Não deixes que o teu espólio de memórias vá parar à Feira da Ladra.

Não deixes que sejam os outros a contar a tua história por ti.

Não é o Panteão Nacional, é melhor, é... a Tabanca Grande. 

Não fazemos a História com H grande, mas a História não se fará sem a nossa... pequena história.

Nem medalhas ao peito nem cicatrizes nas costas.

Ninguém leva a mal: em cima o camarada, em baixo o general.

O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande!

O nosso maior inimigo: o Alzheimer (de que Deus nos livre!)...

O seu a seu dono: respeita os direitos de autor.

Ó Sitafá, deixa lá, cabeças e rabos de sardinha não são bem a mesma coisa.

O último a morrer, que feche a tampa... do caixão.

Olhe que não, sr. ministro!, olhe que não.

Os bravos não se medem aos palmos.

Os camaradas tratam-se por tu.

Os camaradas da Guiné dão a cara, não se escondem por detrás do bagabaga.

Os filhos dos nossos camaradas, nossos filhos são.

Os nossos queridos 'nharros'...

Para que os teus filhos e netos não digam, desprezando o teu sacrifício: "Guiné ? Guerra do Ultramar ? Guerra Colonial ? Não, nunca ouvi falar!"...

Partilhamos memórias e afetos.

Patrício Ribeiro, o "pai dos tugas" em Bissau.

'Periquito' salta pró blogue, que a 'velhice' já cá está!

P'rós insultos, não há contemplações nem indultos.

Que Deus, Alá e os bons irãs te protejam! 

Quem não faz 69, não chega... aos 100!

Rapa o fundo ao teu baú da memória.

Recorda os sítios por onde passaste, viveste, combateste, amaste, sofreste, viste morrer e matar, mataste, e perdeste, eventualmente, um parte do teu corpo e da tua alma...

Saber resolver os nossos diferendos, os nossos conflitos... sem puxar da G3!

Sempre presentes, aqueles que da lei da morte já se foram libertando.

Siga a Marinha!

Só há três coisas de que aqui não falamos: futebol, política e religião.

Somos uma espécie em vias de extinção.

Soubemos fazer a guerra e a paz.

Tabanca Grande: a mãe de todas as tabancas.

Tabanca Grande: onde todos cabemos com tudo o que nos une e até com aquilo que nos separa.

Tabanca Grande: onde não há portas nem janelas nem arame farpado nem cavalos de frisa

Treze anos a blogar, pois é!, são seis comissões na Guiné! 

Tuga, que Deus te livre da doença do... alemão.


'Um blogue de veteranos, nostálgicos da sua juventude' (René Pélissier dixit).

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Nota do editor: