quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17852: Convívios (827): XXII Encontro dos Combatentes, e seus familiares, da Guerra do Ultramar da Vila de Guifões, levado a efeito no passado dia 5 de Outubro, em Baião (Albano Costa)



1. Mensagem do nosso camarada Albano Costa (ex-1.º Cabo da CCAÇ 4150, Bigene e Guidaje, 1973/74), com data de 10 de Outubro de 2017:

Dia 5 de Outubro, é sempre o dia em que os Combatentes da Vila de Guifões - Matosinhos, se reúnem para celebrar o seu convívio anual. Este ano o local escolhido foi a Quinta das Hortas, em Baião.

Logo de manhã foi colocado no monumento aos combatentes do Ultramar da Vila de Guifões, uma coroa de flores, de seguida fomos em dois autocarros com destino à Quinta das Hortas.
Pelo caminho fizemos duas paragens para irmos confraternizando, uma no Marco de Canaveses e outra em Baião.
Finalmente chegámos ao local do convívio onde fomos recebidos pelas concertinas, que nos deram logo ali as boas vindas.

Depois foi o almoço, muito bem servido, aproveito para dar os parabéns ao Sr. César da Quinta das Hortas, pela magnifica recepção que nos fizeram, em todo o tempo que lá permanecemos, não faltando com nada e com abundância e qualidade.
O tempo foi pouco para tanto convívio.
Todos os presentes tiveram direito a uma lembrança e todas as senhoras a uma rosa.
A comissão do evento agradece ao Sr. Presidente da União de Freguesias, na pessoa de Pedro Gonçalves.

Por fim foi o regresso ao ponto de partida, uma viagem feita sem sobressaltos. Chegámos a Guifões pelas 21 horas.
Para o ano será celebrado o XXIII Convívio.

Sem mais de momento, um abraço de amizade,
Albano Costa




Fotos dos Combatentes de Guifões, e seus familiares, que participaram no XXII Convívio



Fotos da cerimónia de deposição de uma coroa de flores no Memorial aos Combatentes da Guerra do Ultramar da Vila de Guifões, momentos antes da partida para Baião






Fotos do Convívio no Restaurante Quinta das Hortas, em Baião
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17847: Convívios (825): Festa de solidariedade com a Guiné-Bissau, em Santo Isidoro, Mafra, domingo, dia 22... Iniciativa da Fundação João XXIII - Casa do Oeste... Mais a notícia da doação de um barco-ambulância, o "Peniche", para Pecixe...

Guiné 61/74 - P17851: In Memoriam (305): José Martinho da Silva (1944-2013), ex-soldado corneteiro, CCAÇ 818, Xitole e Fá Mandinga, 1965/67... Natural de Ereira, vivia em Caixeira, Montemor-o-Velho, morreu em 25/12/2013... Faria hoje anos: homenagem da sua neta, Tânia Pereira


Foto nº 1 > O José Martinho da Silva, sold cornt, CCAÇ 818 (Xitole, 1965/67),  no Saltinho.. Ao fundo, um trecho da ponte sobre o Rio Corubal.



Foto nº 2 >  Xitole (?)... A hora rancho (c. 1965/67)


Foto nº 3 > Xitole (?)... Sentado, em tronco nu, a fumar (c. 1965/67)


Foto nº 4 >  No navio de transporte de tropas com mais camaradas (c. maio de 1965)


Foto nº 5 > Possivelmente no Xitole (c. 1965/67)




Foto nº 6 > Possivelmente, verso da foto anterior:  distinguem-se bem dois tipos de letra: à direita, possivelmente a de um graduado ("Um bajuda é sempre notícia entre os soldados. Até o 28, o Gerês, tocou harmónica"... À esquerda, a do José Martinho da Silva: "Idália, aqui mais uma vez me encontro com uma bajuda preta. Ofereço esta foto à minha futura noiva como prova de amor"... José Martinho da Silva assentou praça em 1964 (nº mecanográfico 1822/64)... O SPM da CCAÇ 818 era o 2778. 



Foto nº 7 > Possivelmente no Xitole, com as bajudas e a criançada (c.  1965/67) 


Foto nº 8 > Postal de Boas Festas, para a namorada e futura esposa Idália... Saltinho, 17/12/1966




Foto nº 9 > Dedicatória. no verso de uma foto,  à namorada e futura esposa. Maria Idália de Sousa Custódio... Xitole 16/9/1965.



Foto nº 10 > Xitole (?) ... Com uma bajuda, na rua principal da povoação... (c. 1965/67)



Foto nº 11 > Xitole (?) (c. 1965/67)




Foto nº 12 > Xitole (?)... Nicho com a imagem de N. Sra. Fátima, construído e inaugurado pela CCAÇ 510,  em 13 de maio de 1965. A CCAÇ 818 terá ido render a CCAÇ 510, justamente em maio de 1965.


Foto nº 13 > Xitole (?)... (c. 1965/67)


Foto nº 14 >  Louvor do comandante militar do CTIG, briagadeiro Reymão Nogueira, com data de 5 de fevereiro de 1967, dado ao sold nº 1822/64, José M. Silva.


Fotos: © Tânia Pereira (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Da nossa leitora Tânia Paredes, recebemos hoje, às 1h19,  a seguinte mensagem:

Exmo. Sr.

Envio este e-mail, com vista a poder homenagear o meu avó, que faria anos hoje, dia 11 de Outubro, através do Vosso Blog 'Luís Graça & Camaradas da Guiné'. Também ele esteve presente na guerra colonial na Guiné, e gostava. por isso, que fossem publicadas algumas das suas fotografias neste dia, se for possível.

Desde já um muito obrigada pela atenção.

O meu avô deixou-nos a 25 de Dezembro de 2013, e tem por nome José Martinho da Silva, nascido na Ereira, vivia na localidade da Caixeira, pertencente ao concelho de Montemor-o-Velho, Coimbra.

Seguem em anexo, algumas das suas fotografias e registos [, em número de 17,], deixando ao seu critério a escolha e colocação das mesmas.


2.  Resposta do nosso editor:

Tânia, teremos muito gosto em realizar o seu desejo, publicando  hoje mesmo este  poste de homenagem ao seu avô... Vamos aproveitar algumas fotos, a maioria está em mau estado, temos que as recuperar... Mas têm interesse documental, além de sentimental...

Não tem a caderneta militar dele? Ele era soldado corneteiro... A companhia anterior era a Companhia de Caçadores 510, a CCAÇ 510 [, foto nº 12], que esteve em Bissau, Xitole, Saltinho e Bissau, comandada pelo capitão de infantaria João Fernandes da Ressurreição. Data da partida: 14/7/1963, regresso a casa: 7/8/1965...

Ora o seu avó estava  em 16/9/1965 no Xitole e no destacamento do Saltinho (que pertencia ao subsetor do Xitole) em 17/12/1966 [, foto nº 8]... Deve ter regressado a casa em fevereiro de 1967 [, foto nº 14]...

Estes são os elementos que conseguimos recuperar das fotos... Confirme também o ano de nascimento do seu avô [, provavelmente 1944; ele fez a recruta em 1964, com 20 anos]...

Segundo o que apurámos mais, ele deve ter pertencido à CCAÇ 818, mobilizado pelo BCAÇ 10 (Chaves). Esta companhia, independente,  partiu para a Guiné em 21/5/1965  [, foto nº 4] e regressou em 8/2/1967. Esteve no Xitole (e Saltinho) e Fá Mandinga, no leste da Guiné, região de Bafatá... Teve 2 comandantes: cap inf José Manuel Pires Ramalho e cap inf Humberto Amaro Vieira Nascimento.

Veja se confirma estes elementos, ainda esta manhã, a subunidade a que pertenceu o seu avô... Em qualquer altura podemos corrigir o poste que publicamos agora mesmo. Vou pedir também aos nossos colaboradores que confirmem estes dados. Tínhamos, até agora, apenas uma referência a esta companhia no nosso blogue e nenhum representante na Tabanca Grande.

Ficamos sensibilizados pelo seu gesto. Onde quem quer o seu avô esteja, sentir-se-á orgulhoso da sua neta. Com esta publicação, o seu avô não ficará seguramente inumado na "vala comum do esquecimento"... Esta é também a missão do nosso blogue: ajudar a salvar as nossas memórias e as memórias das nossas famílias...

Um beijinho dos editores.
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Nota do editor:

Último poste da série > 3 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17727: In Memoriam (304): Faleceu o Comandante Pombo, José Luís Pombo Rodrigues, uma figura lendária dos céus da Guiné. As cerimónias fúnebres terão lugar segunda e terça-feira, no Carregado e Póvoa de Santa Iria (Manuel Resende / Maria João Alves Pombo Rodrigues)

Guiné 61/74 - P17850: Tabanca Grande (448): Armando Gonçalves, professor no Agrupamento de Escolas Dr. Ramiro Salgado, Torre de Moncorvo, é o nosso grã-tabanqueiro, n.º 733, desde 22/1/2017

1. Mensagem do nosso amigo e grã-tabanqueiro,  Armando M. L.  Gonçalves, com data de 18 de julho p.p. :

[Foto à esquerda: Armando Gonçalves, professor de História, do Agrupamento de Escolas Dr. Ramiro Salgado, em Torre de Moncorvo,  integra nossa Tabanca Grande, desde 22 de janeiro de 2017, sob o  n.º 733; só em 18/7/2017, obtivemos a sua foto e só agora é formalmente apresentado]

Dr. Luís Graça,

Depois de algum tempo apareço para lhe dizer que surge agora a possibilidade para o pequeno trabalho que já conhece, ser publicado. Surge através de pessoa amiga e que se sensibilizou ainda mais pelo facto de ninguém ter considerado a homenagem aos militares mortos do concelho de Torre de Moncorvo (autarquia e escola).

O texto, inicialmente, era apenas para servir de suporte aos painéis individuais de cada militar. Foram feitos alguns ajustes e introduzidos alguns parágrafos, coisa pouca, para ter uma estrutura mais concretizada.

Contacto-o para uma vez mais pedir autorização pela foto de António Graça de Abreu, de Richebourg l’Avoué, editada no blogue como também pelos relatos sobre o Furriel António dos Santos Mano de João Crisóstomo, Henrique Matos e Júlio Martins Pereira e do Alferes Vítor Paulo Vasconcelos Lourenço, de Hélder Valério Sousa, Manuel Augusto Reis e José Casimiro Carvalho.

Considero muito importante que esses relatos estejam com o meu trabalho!

Na altura tive a ajuda do Sr. Carlos Vinhal e todos eles deram esse consentimento mas não se tratava de uma publicação, assim volto a renovar esse pedido na esperança de haver essa autorização. Esses relatos ficariam na parte final do trabalho, na integra, com fotos e mapas. Retirei excertos do texto quando o mesmo se repete em duas mensagens, de resto tudo se mantém.

Envio o trabalho já um pouco diferente, ainda não está concluído pois falta corrigir o índice, a bibliografia e outros pormenores. Apenas para perceber o que realmente eu pretendo (e se é possível).

Um abraço,
Armando Gonçalves.


2. Resposta do nosso editor, na mesma data:

Caro professor:

Muito folgo em ter notícias suas e saber da sua vontade em publicar no nosso blogue o resto do seu trabalho de pesquisa sobre os bravos do concelho de Moncorvo, mortos na I Grande Guerra e na Guerra Colonial (*). Não há muitos exemplos que eu conheça, de gente a fazer as "pequenas histórias de vida" desses portugueses que deram o melhor de si, a sua vida, nessas duas guerras... Conheço o caso dos meus camaradas Mário Leitão, em Ponte de Lima, e Jaime Bonifácio Marques da Silva, em relação à sua terra, Seixal, Lourinhã... Eles e você são pioneiros e merecem o nosso mais alto apreço e gratidão.

Vamos, sim, senhor, publicar o que nos mandou. Recordo, entretanto, o convite que lhe enderecei, e que só obteve meia resposta, há uns atrás:

"Armando: Obrigado por tudo, você merece figurar no nosso blogue pelo que já fez pelos nossos camaradas da Guiné... Estou a convidá-lo para integrar, de pleno direito, a nossa Tabanca Grande, onde há camaradas e há amigos... Cerca de 10% dos nossos membros são familiares, ou guineenses, ou 'amigos da Guiné', ou estudiosos da guerra colonial"...

Na altura tinha-lhe pedido uma foto e uma nota curricular sucinta ... O convite continua de pé.. Tem um lugar à sua espera, à sombra do nosso mágico e fraterno poilão (árvore sagrada e secular em qualquer tabanca da Guiné, à volta da qual se reúnem os vivos e os mortos, e no alto da qual habitam os irãs bons...).

Boas férias.
Luís Graça


3. Resposta do Armando Gonçalves, também nesse dia:

Dr. Luís Graça,

Agradeço as suas palavras, está-se a pensar numa edição em livro e gostaria de saber se posso efetivamente publicar conforme consta no pdf (pdf que lhe enviei mas que ainda não está totalmente concluído) (onde estão incluídos os relatos publicados no blogue), ou seja, se tenho esta nova autorização vossa?

Depois dizer-lhe que aguarde até lhe enviar a versão final igual a que vai sair em livro. (*)

Quanto à Tabanca Grande, é com grande honra e aproveito para um enorme pedido de desculpas pela minha falha.

Um abraço,
Armando Gonçalves


4.  Mensagem do nosso colaborador permanente, Hélder Sousa, reiterando o seu OK à publicação do seu texto

Olá, Luís:

Todo este trabalho é louvável, quase heróico, e merece ser apoiado e acarinhado.
Portanto, por mim, não só reitero o que disse antes, incluindo a aceitação/autorização como aplaudo a iniciativa.

Abraço
Hélder Sousa


5. Nesse mesmo dia, e com conhecimento aos camaradas citados pelo Armando Gonçalves, escrevi-lhe o seguinte:

Armando, tem carta branca, sinal verde... para avançar... No caso de usar algum documento do blogue, basta referir a fonte: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné... Vou apresentá-lo à Tabanca Grande. Se tiver uma foto sua, mais ou menos atual, daria jeito... 
Ab, Luís

O nosso amigo professor de Torre de Moncorvo mandou-me finalmente a sua foto em 18/7/2017... Mas ele já tinha entrado, seis meses antes, para a nossa Tabanca Grande (**)...  sem a apresentação formal habitual... Corrige-se agora essa lamentável falha do editor....

Armando, seja bem vindo à nossa Tabanca Grande!... Aguardamos por boas notícias relativamente à publicação do seu trabalho, em livro. Tome boa nota: afinal, está sentado, à sombra do  nosso poilão, no lugar n.º 733, desde 22/1/2017... Peço desculpa por esta confusão... E estamos certos que o seu trabalho  irá ser reconhecido pela sua autarquia e pela sua escola (Agrupamento de Escolas Dr. Ramiro Salgado).



Memorial de Torre de Moncorvo aos seus Combatentes Mortos na Guerra do Ultramar (1961-1974)

Fotos com a devida vénia ao Portal dos Veteranos da Guerra do Ultramar - Angola - Guiné - Moçambique - 1959 a 1975

Construído e inaugurado um pelo município local em 10 de Junho de 2013. Fica situado no Largo da República.  (Vd. Cartaz do evento, reproduzido acima, cortesia do blogue TORRE.Moncorvo, editado por MendoCorvo.)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 28 de fevereiro de  2017 > Guiné 61/74 - P17091: Militares mortos na 1.ª Guerra Mundial e Guerra do Ultramar do concelho de Torre de Moncorvo (Armando Gonçalves) - Parte VII: 30 mortos na guerra colonial: 15 em Angola, 8 em Moçambique, 6 na Guiné e 1 em Cabo Verde

(**) Vd. primeiro poste da série > 22 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16977: Militares mortos na 1.ª Guerra Mundial e Guerra do Ultramar do concelho de Torre de Moncorvo (Armando Gonçalves) - Parte I

(***) Último poste da série >  29 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17809: Tabanca Grande (447): António Delmar Pereira, ex-Soldado Escriturário da 4.ª Repartição/QG/CTIG, Bissau, 1966/68, 755.º tertuliano do nosso Blogue

Guiné 61/74 - P17849: Os nossos seres, saberes e lazeres (233): Passeio por uma grande abadia em ruínas, voyeurismo em Moffat (4) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 5 de Julho de 2017:

Queridos amigos,
Em companha, com tantas vontades à solta, há que negociar o consenso para os itinerários. Há aqueles que se sentem afoitos para grandes passeios pedestres, todos querem dar uma saltada até Glasgow, há lá coisa preciosas para ver, desde a Coleção Bute, uma exposição sobre caricatura francesas do século XIX com destaque para Honoré Daumier e até para ver uma aguarela de Turner recentemente descoberta; imperou uma maioria que tinha sugerido abadias e mosteiros, Glasgow ficaria para mais tarde.
E todos se regalaram, e no regresso a Moffat começou a aventura de entrar nos seus segredos, nessa tarde muito se comprou nas chamadas lojas de beneficência, gravatas, cd's, livros e algo mais.
Ameaçava chover mas não choveu.
Amanhã a companha continuará a peregrinação interior.

Um abraço do
Mário


Passeio por uma grande abadia em ruínas, voyeurismo em Moffat (4)

Beja Santos

Continuamos no Sul da Escócia, daqui só se sairá para ir à região de Manchester e depois tomar o avião, ainda falta tempo. O viandante e companha decidem um passeio para se embrenharem no património histórico da região, a escolha mais importante recai sobre Jedburgh Abbey, uma jóia cisterciense, de dimensões impressionantes. Por diferentes títulos, foi um dia inesquecível. Algures, pediu-se para parar o carro, quis-se homenagear este soldado da I Guerra Mundial. Tem sido dito à saciedade que não há lugarejo em toda a Grã-Bretanha em que não se agradeça o dever cumprido, a morte nas trincheiras ou nos mares e até nos ares, aquela guerra inconcebível cujos generais, de todas as fações, prometiam a vitória em semanas. Enganaram-se, mas o mundo mudou, democratizou-se, houve crises avassaladoras, totalitarismo e autoritarismo ameaçaram as democracias. Mas esta gratidão permanece, um século depois, o viandante impressiona-se em todas as circunstâncias, por ali andou à volta até encontrar um ângulo feliz, de acordo com as suas preferências e do céu baço. Mantém-te firme no teu serviço, nobre soldado.


A Escócia tem esta versatilidade de declives verdejantes, de charnecas e tufos de florestas, quando não mesmo florestas quilométricas a rodear riachos a murmurejar. O céu continuava baço, esperava-se chuva miudinha, felizmente até ao fim do dia houve este pedaço de luz.

Não há viajante que percorra a Grã-Bretanha fora dos grandes circuitos turísticos e que não se interrogue com tanto monumento destruído, derruído, um verdadeiro abandono. Diferentes coisas aconteceram. A mais grave foi no reinado de Henrique VIII, na rutura com Roma porque o Papa não aceitava a anulação do casamento com Catarina de Aragão, deu-se a nacionalização de todo o património conventual e monástico, desapareceram riquezas incalculáveis, algumas foram postas a recato e vendidas no estrangeiro. Temos sinais dessas vendas no Museu Nacional de Arte Antiga, com alabastros preciosíssimos de Nottingham, há mesmo paramentos ingleses no museu da Igreja Matriz de Ponta Delgada. O viandante visitou na região de Leeds Kirkstall Abbey, uma jóia da arquitetura cisterciense, de 1152, nos dias de sol por aqui andam as famílias a desfrutar este belo panorama.

Kirkstall Abbey, na região de Leeds

Sweetheart Abbey, na região de Dumfries e Galloway, não foram só as guerras religiosas que conduziram a estas destruições, estamos numa ampla área em que houve guerras entre ingleses e escoceses, os conventos e mosteiros iam perdendo gente, foram votados ao abandono. Irão reganhar interesse com o romantismo. Mas isso é uma história que precisa de muitos complementos.



Aqui está Jedburgh Abbey, imensa e ainda altaneira, mostrando o românico e o gótico da mais fidelidade. Pois é dentro de uma igreja enorme que um aristocrata do século XIX pediu para lhe porem o túmulo, está protegido por uma cripta. O viandante contempla por todos os ângulos a grandeza e vale a pena dizê-lo o esplendor arquitetónico, dá para imaginar como seriam as portas, os vitrais, o coro, o sumptuoso altar. É o que há, cada um reconstitui esse esplendor de outrora conforme pode, há mesmo o auxílio de um vídeo que ajuda a compreender como vibrou aqui o passado.



Passeou-se demoradamente em todos os sentidos, há vestígios da vida monacal, da sua sala de capítulo, dos quartos, dos refeitórios. E há depois este lindo cemitério, indiferente ao bulício da estrada que passa bem perto. Chegara a hora de amesendar, entrou-se num restaurante e pediu-se empada do pastor, nome campestre para um bom puré de batata recheado de carne picada. Comida apaladada, regressou-se a Moffat de barriga cheia.



O Star Hotel vem no Guiness, é o hotel mais estreito do mundo, o que não tem em largura é dado pelo comprimento, tem muito boa comida, aqui se pode manjar os pratos tradicionais da Escócia. Atenda-se à segunda imagem para ver a extensão que ninguém pode suspeitar quando contempla a fachada. Vamos continuar o passeio.


No velho cemitério de Moffat está sepultado alguém que contribuiu para mudar o curso do mundo, na mobilidade dos transportes, o engenheiro John Loudon Mc Adam inventou a macadamização, com brita e gravilha nas estradas, tudo ficou mais consistente, as viagens mais rápidas e seguras. Como a imaginação anda por onde quer, lembrei-me, tinha eu sete anos, de ver rasgar a quinta do Visconde de Alvalade para abrir a Avenida dos Estados Unidos da América entre a Avenida de Roma e o Campo Grande, usou-se a técnica de Mc Adam, inicialmente, aplainado o solo, jogaram por cima muita gravilha e o caterpillar deu a consistência necessária. Mais tarde veio o alcatrão.

Amanhã prosseguimos à descoberta de Moffat.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17824: Os nossos seres, saberes e lazeres (232): Em Moffat, no coração do Sul da Escócia, a explorar os arredores (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17848: Parabéns a você (1326): Benito Neves, ex-Fur Mil Cav da CCAV 1484 (Guiné, 1965/67) e Eduardo Campos, ex-1.º Cabo TRMS da CCAÇ 4540 (Guiné, 1972/74)


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Nota do editor

Último poste da série de 10 de Outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17842: Parabéns a você (1325): Manuel Resende, ex-Alf Mil Art da CCAÇ 2585 (Guiné, 1969/71)

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17847: Convívios (826): Festa de solidariedade com a Guiné-Bissau, em Santo Isidoro, Mafra, domingo, dia 22... Iniciativa da Fundação João XXIII - Casa do Oeste... Mais a notícia da doação de um barco-ambulância, o "Peniche", para Pecixe...


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3



Cartaz do convívio de solidariedade com a Guiné-Bissau, organizada pela Fundação João XXIII - Casa do Oeste,  a realizar em 22 de outubro de 2017, em Santo Isidoro, Mafra.

Fotos: Cortesia de Fundação João XXIII - Casa do Oeste [Edição do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do padre Batalha, pároco da freguesia de Ribamar, Lourinhã, e dirigente da Fundação João XXIII - Casa do Oeste, com data de hoje:

Amigo

Não te esqueças do nosso Convívio, até porque, nesta hora de tribulação provocada pelos meios da comunicação social (*),  temos necessidade de juntar forças e não desanimar na solidariedade com os irmãos da Guiné.

Tanto mais que o Barco chega lá próxima sexta, dia 13 de Outubro, dia de Nossa Senhora de Fátima.

Contamos contigo e com os teus amigos

Abraço fraterno de Paz e Bem (**)

Pe Batalha


2. Notícias da Guiné-Bissau > Barco - Ambulância, doado pela Fundação João XXIII - Casa do  retira do isolamento população da ilha de Pecixe.

O barco- ambulância [, "Peniche", foto nº 1], projeto a que a Fundação João XXIII-Casa do Oeste deitou mãos em 2011, seguiu finalmente +ara a Guiné no dia 1 de Outubro no navio Hidrográfico da Marinha Portuguesa [, A522, fotos nº 2 e 3].

Parte deste sonho, quase impossível, torna-se agora realidade. O barco destina-se a tirar do isolamento a população duma ilha que tem 6.000 habitantes e que, sobretudo a nível da saúde, precisava muito dum meio de transporte seguro que pudesse acudir os doentes, as grávidas e as crianças.

Este projeto  foi posto de pé, gradualmente, por um grupo dinâmico e persistente de voluntários da Fundação que trataram de angariar fundos, gerir ofertas de trabalho de recuperação da embarcação, tratar da documentação e das questões legais e, finalmente, conseguir o seu transporte para a Guiné.

Assegurar uma boa gestão (uso e manutenção) deste equipamento na Guiné é a tarefa árdua que agora se põe, e que já tem vindo a ser preparada pela  Equipa Coordenadora da Solidariedade com o Povo da Guiné e pelos delegados da Fundação em Bissau.

Fonte: adapt de Fundação João XXIII - Casa do Oeste. Ler mais em http://casadooeste.blogspot.pt

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Guiné 61/74 - P17846: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XXVI Parte: Cap XVI - O Adeus às Armas


Foi há 52 que a guerra acabou para os "Lassas"...com o regresso a casa, no T/T Niassa, em 26/11/1965.

Texto e fotos: © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [Fitas Ralhete], mais conhecido por Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67. Do mesmo autor já aqui publicámos, em 2008, em dez postes, o seu fascinante livro "Pami N Dondo, a guerrilheira", ed. de autor, Estoril, 2005, 112 pp.

Mário Fitas foi cofundador e é "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô. [Foto em baixo, à direita, Tabanca da Linha, Oitavos, Guincho, Cascais, março de 2016]


Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > XXVI Parte > Cap XV (pp. 94-97)

por Mário Vicente


Sinopse:

(i) faz a instrução militar em Tavira (CISMI) e Elvas (BC 8),

(ii) tira o curso de "ranger" em Lamego;

(iii) é mobilizado para a Guiné;

(iv) unidade mobilizadora: RI 1, Amadora, Oeiras. Companhia: CCÇ 763 ("Nobres na Paz e na
Guerra");

(v) parte para Bissau no T/T Timor, em 11 de fevereiro de 1965, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa.;

(vi) chegada a Bissau a 17:

(vii) partida para Cufar, no sul, na região de Tombali, em 2 de março de 1965;

(viii) experiência, inédita, com cães de guerra;

(ix) início da atividade, o primeiro prisioneiro;

(x) primeira grande operação: 15 de maio de 1965: conquista de Cufar Nalu (Op Razia):

(xi) a malta da CCAÇ 763 passa a ser conhecida por "Lassas", alcunha pejorativa dada pelo IN;

(xii) aos quatro meses a CCAÇ 763 é louvada pelo brigadeiro, comandante militar, pelo "ronco" da Op Saturno;

(xiii) chega a Cufar o "periquito" fur mil Reis, que é devidamente praxado;

(xiv) as primeiras minas, as operações Satan, Trovão e Vindima; recordações do avô materno;

(xv) "Vagabundo" passa a ser conhecido por "Mamadu"; primeira baixa mortal dos Lassas, o sold at inf Marinho: um T6 é atingido por fogo IN, na op Retormo, em setembro de 1965;

(xvi) a lavadeira Miriam, fula, uma das mulheres do srgt de milícias, quer fazer "conversa giro" com o "Vagabundo" e ter um filho dele;

(xvii) depois de umas férias (... em Bissau), Mamadu regressa a Cufar e á atividade operacional: tem em Catió, um inesperado encontro com o carismático capelão Monteiro Gama...

(xviii) Op Tesoura: dezembro de 1965, tomada de assalto a tabanca de Cadique, cujas moranças são depois destruídas com granadas incendiárias.

(xix) Cecília Supico Pinto e outras senhoras do MNF visitam Cufar no início do ano de 1966 e Mamadu é internado no HM 241 (Bissau).

(xx) um mês depois, regresso a Cufar, regresso à guerra. Põe o correio em dia. Lê e relê a carta de Maria de Deus [MiMê], uma paixão escaldante dos tempos de "ranger" em Lamego e por quem estava quase para desertar, antes da data de embarque para a Guiné; a jovem morrerá prematuarmente, em França, aos 24 anos.

(xxi) revolta e dor pela morte do seu camarada e amigo, o fur mil Humberto Gonçalves Vaz (Op Teste, na região de Cabolol];

(xxii) o cap Costa Campos deixa a companhia; a comissão está a chegar ao fim: a Op Suspiro é a última operação realizada, a 5/11/1966.

(xxiii) regresso a casa, no T/T Niassa. a 26 de novembro de 1965.



Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XXVI Parte: Cap XV: Adeus à guerra  [3] [pp. 95-97]

XV Adeus à Guerra




A 10 de Novembro de 1966, completamente rota, a CCAÇ 763, começa a ser rendida para regressar a casa. Os primeiros dois grupos de combate partem para Catió, no dia em que é inaugu­rada oficialmente pelo Rev Capelão do Batalhão, a Capela construída exclusivamente por elementos da CCAÇ 763. Assiste à ceri­mónia a maioria da Companhia. O restante pessoal seguirá dois dias depois.

Não sabemos quando embarcaremos, mas já estamos desarmados. Resta saber se ainda vamos para Bissau, ou como será.

Finalmente sabemos que as lanchas nos vêm buscar no dia 18 e que faremos a viagem directa para o barco. Só mais tarde viemos a saber que seria o Niassa. Sim, senhor, bem nos foderam, nem uma lembrança nos deixam levar. Tiraram-­nos tudo e para não recordarmos, nem um boneco de madeira, ou outra bugiganga qualquer de missanga podemos adquirir. Temos de nos cingir ao mercado de Catió, cujos preços sobem em flecha imediatamente. Compram-se alguns tapetes pelo dobro e triplo do preço, e ficam os militares parvos sem saberem o que levar para pais, esposas, familiares e amigos. Vão eles. Que melhor recordação se pode levar?

Foi a prenda que António e Francisca receberam: o regresso de seu filho.

O voltar para casa é um drama que nos traz sempre problemas. Os soldados, uns festejando o regresso à sua terra, outros para gastarem o dinheiro que não lhes servirá para nada, encharcam-se em cerveja e whisky. É cada bebedeira! Começamos a tentar controlar, não vá haver problemas. Os soldados não largam a casa da libanesa, e vai haver bronca de certeza. Felizmente as coisas não correram muito mal. Uma dezena de blenorragias, e os Lassas embarcam em Catió, directamente para o Niassa.


Nas lanchas que transportam o pessoal, há um misto de alegria e tristeza, reflexo do estado de espírito que antecede os grandes momentos. Os soldados olham-se incrédulos, num so­nho de abandono, ou de retomo à guerra. Vagabundo, vai olhando para as margens da floresta e do tarrafo, entrando rio dentro em maré-cheia. A Natureza pode agora ser admirada na sua pleni­tude, e volta a verificar como é linda esta terra. África! Mistério, que prende e faz o homem branco, sentir-se a ela ligado por um feiticismo indefinível, e que lhe faz sentir uma atracção especial pela Guiné! O sol esconde-se, e podemos continuar a apre­ciar ao luar, como se dia fosse, todas as suas estranhas e selva­gens belezas. Embalado pelo ronronar do barco, o furriel Vaga­bundo puxou por um cigarro, deixou-se escorregar suavemente, e o seu cérebro começou deambulando no sonho ou realidade!?

Vagueando, a sua mente navegou a seu belo sabor.

A amizade é, sem dúvida, uma perene transportadora da paz. Pode-se entender como um êmbolo corrector das tensões. Entre homem e mulher, ela pode até mesmo ensinar o homem a dominar a sua brutalidade e o seu orgulho machista e levar à doação total da mulher sem sacrifício e sem baixeza. Amizade, escolha entre pessoas. Restitui-lhes o seu lugar afectivo, consubstanciando a unidade de dois seres insubstituí­veis entre si, subtraindo-se às ligações efémeras de dois egoís­mos. Se a carne aproxima a mulher e o homem, só a amizade pode abri-los um ao outro. Nesta terra em Guerra se semeou a amizade. Minha boa Miriam!...Obrigado, não és mulher grande, mas foste uma grande mulher.

Vagabundo está encarcerado nas pa­redes da sua prisão, com falsas janelas e portas, símbolos de ilusões e indefinidas perspectivas. Está encarcerado nos seus limites, sendo um homem completamente livre. A sua alma está tão ligada à de Tânia que não necessita dela só para se abrir, mas mais para existir. Mas vê-se caminhar só, numa turbulência de sobe e desce. O vazio escurece-lhe a alma e desce mais do que sobe.

No amolecimento do deslizar da lancha, encostado ao saco de lona verde, sente-se livre da guerra, mas olha para as suas mãos, e estas apresentam-se sujas de sangue e vazias completamente. Estes últimos anos tudo tentou, mas nada en­controu. Apenas dor e guerra. Quem o ajudará a encontrar a tão necessária estabilidade de que tanto carece? Puxa novamente outro cigarro instintivamente, sem o pensamento se lhe ir. Se ao menos uma companheira, amante e amiga, lhe estendesse a mão e apenas pronunciasse:

- Vem!... O tempo é agora todo nosso, repousa no meu ombro, e varre da mente toda a lama da guer­ra!...

Maria de Deus? Tânia? Não, a realidade é outra! Há questões sem solução.

Pois não, não será assim! Apenas sua paciente mãe Francis­ca, o ajudará e sofrerá a sua recuperação de homem, esquecendo a máquina de guerra em que se transformou.

Se a morte existisse, neste momento, a união seria perfei­ta. Há duas coisas que merecem ser desejadas: o impossível e a realidade, mas sente-se, por puro desconhecimento, desejo do impossível.

A fama da guerra na Guiné alastrou cedo entre os militares, e não só. Ao próprio povo incógnito, também chegou essa informação, como ao tio Chico da Camioneta. Só quem não queira, se faz ignorante de que, a simples mobilização para a Guiné, é condenação pura a próximo de vinte e dois, ou vinte e três meses de apodrecimento, enraizados na lama das bola­nhas, dos pântanos, e dos rios de maré, piores que quatro anos de meio barril às costas, subindo a ladeira da fonte do Marechal ao Forte da Graça, em Elvas!... Resta, após a partida, o desejo que a chegada não seja entre tábuas, de muletas ou carrinho de rodas.

Só quando se chega à Guiné, se conhecem os nomes as­sombrados das matas do Cantanhez no sul e do Oio-Morés no norte. Recordando, o furriel faz a comparação, mais uma vez, das matas com a solidão.

Solidão! Degradação de existência não compartilhada!... Dementação de espírito, que  se destrama no escorregadio carrei­ro da mata, inspirando o seu nauseabundo odor a morte. Neste estádio, apenas as figuras sombras dos companheiros da frente, e a pressentida presença dos que nos precedem, momentos cruéis de stress, sentindo olhares de seres invisíveis, trespassando-nos em minuciosa tomografia computorizada, esperando a altura ideal para clicarem o botão gatilho que nos queimará a car­ne.

São estes os momentos em que a mente, em louco des­prendimento, se desapega do corpo e vagueia, em sonhos de rea­lidade distante. Mortificando, são estes os momentos que nos trazem os mais excêntricos pensamentos da vivência existida, e daquela que é o túnel escuro, do amanhã que se espera ...

Cansado o guerreiro, esgotado o cérebro, o homem duro adormeceu.

Vinte e quatro anos! Quanto pesarão estes últimos dois na sua vida?!...

Chegada a Bissau, ao princípio da tarde do dia seguinte.

Há que embarcar e distribuir o pessoal pelas camaratas, colchões colocados nos porões. Os oficiais e sargentos irão para os cama­rotes. O Niassa largará na maré cheia que acontecerá pelas duas da madrugada. Os oficiais e sargentos, que não estejam de servi­ço, são autorizados a saírem até à meia noite, impreterivelmente.

Chico Zé, Vagabundo, Jata e António Pedro saem juntos e abancam no Tropical. Camarão de Quinhamel, ostras e cerveja, até encharcarem. Fartos como brutos, bêbedos que nem cachos, cada um sonha com a chegada a Lisboa. Próximo da meia-noite, António Pedro, já amparado por Chico Zé e Jata, sobe as escadas do Niassa, mas o peso de António Pedro é cada vez maior. Vagabundo, a meio das escadas manda sentar o pessoal e diz para Chico Zé:
- Porra! Não cantamos um fado à despedida desta linda terra?

Silêncio! Os camaradas não respondem.

-É cambada, ninguém diz nada, cabrões? Se não falam, então ouçam a minha Florbela!

E parecendo que o álcool lhe tomava a voz suave e pro­funda, começou:

“Almas de Vagabundos
Onde há charcos e lagos,
Pântanos e lamas ...
Onde se erguem chamas,
Onde se agitam mundos,
E coisas a morrer. ..
E sonhos... e afagos...


Almas sem Pátria,
Almas sem rei,
Sem fé nem lei!
Almas de anjos caídos, 

Almas que se escondem para gemer
Como leões feridos!”


- Merda, já acabou tudo! Amen!...

Jata pede a Calças de Palanco que dê uma ajuda. Este estende o braço mas escorrega e cai para dentro do portaló. Dois vultos indefinidos rolam no escuro pelas escadas do Niassa. Um mer­gulha nas águas do rio Geba, o outro dilui-se.

Silêncio absoluto.  Nenhum marinheiro gritou: Homem à água!

Na sua voz pastosa alcoolizada, António Pedro perguntou:
-O que ... foi?

Calças de Palanco, agora já em pé, respondeu:
-Foi o Mamadu que não quis abandonar a sua terra e preferiu ficar nas águas e lama do Geba!
-Que fique em paz na lama a sua sombra!

Saiu em uníssono da boca dos quatro militares.
-E o Vagabundo?
-Voltou para Cabolol, para recomeçar a Guerra.


 (FIM)

[O próximo poste será o último desta série: índice, glossário, contracapa e listagem de todos os postes publicados]
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