segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18312: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 26 (O primeiro castigo no mato) e 27 (O paludismo)


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > O 1º cabo cond autor José Claudino da Silva, ostentando um bigode que não era "regulamentar"...

Foto (e legenda): © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da pré-publicação do próximo livro (na versão manuscrita, "Em Nome da Pátria") do nosso camarada José Claudino Silva [foto atual à esquerda]

Nasceu em Penafiel, em 1950, foi criado pela avó materna, reside hoje na Lixa, Felgueiras. Tem orgulho na sua profissão: bate-chapas, agora reformado. Tem o 12.º ano de escolaridade. 

Foi um "homem que se fez a si próprio", sendo já autor de dois livros, publicados (um de poesia e outro de ficção). Tem página no Facebook: é avô e está a animar o projeto "Bosque dos Avós", na Serra do Marão, em Amarante.  É membro n.º 756 da nossa Tabanca Grande.

Sinopse:

(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972, no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;
(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, da Via Norte à Rua Escura.

(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depois da recruta; promovido a 1.º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3.ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74);

(iv) chegada à Bissalanca, em 26/6/1972, a bordo de um Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares; faz a IAO no quartel do Cumeré;

(v) no dia 2 de julho de 1972, domingo, tem licença para ir visitar Bissau,

(vi) fica mais uns tempos em Bissau para um tirar um curso de especialista em Berliet;

(vii) um mês depois, parte para Bolama onde se junta aos seus camaradas companhia; partida em duas LDM parea Fulacunda; são "praxados" pelos 'velhinhos', os 'Capicuas", da CART 2772;

(viii) faz a primeira coluna auto até à foz do Rio Fulacunda, onde de 15 em 15 dias a companhia era abastecida por LDM ou LDP; escreve e lê as cartas e os aerogramas de muitos dos seus camaradas analfabetos;

(ix) é "promovido" pelo 1.º sargento a cabo dos reabastecimentos, o que lhe dá alguns pequenos privilégio como o de aprender a datilografar... e a "ter jipe";

(x) a 'herança' dos 'velhinhos' da CART 2772, "Os Capicuas", que deixam Fulacunda; o Dino partilha um quarto de 3 x 2 m, com mais 3 camaradas, "Os Mórmones de Fulacunda";

(xi) Dino, o "cabo de reabastecimentos", o "dono da loja", tem que aprender a lidar com as "diferenças de estatuto", resultantes da hierarquia militar: todos eram clientes da "loja", e todos eram iguais, mas uns mais iguais do que outros, por causa das "divisas"... e dos "galões"...

(xii) faz contas à vida e ao "patacão", de modo a poder casar-se logo que passe à peluda;

(xiii) ao fim de três meses, está a escrever 30/40 cartas e aerogram as por mês; inicialmente eram 80/100; e descobre o sentido (e a importância) da camaradagem em tempo de guerra.

(xiv) como "responsável" pelo reabastecimento não quer que falte a cerveja ao pessoal: em outubro de 1972, o consumo (quinzenal) era já de 6 mil garrafas; ouve dizer, pela primeira vez, na rádio clandestina, que éramos todos colonialistas e que o governo português era fascista; sente-se chocado;

(xv) fica revoltado por o seu camarada responsável pela cantina, e como ele 1º cabo condutor auto, ter apanhado 10 dias de detenção por uma questão de "lana caprina": é o primeiro castigo no mato...; por outro lado, apanha o paludismo, perde 7 quilos, tem 41 graus de febre, conhece a solidariedade dos camaradas e está grato à competência e desvelo do pessoal de saúde da companhia.


2. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 26 e 27


[O autor faz questão de não corrigir os excertos que transcreve, das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, quem o criou. ]


26º Capítulo  > O PRIMEIRO CASTIGO NO MATO 

[O capº 25 -  As Mensagens Natalícias - já aqui foi reproduzido em poste de 22 de dezembro último (**)]

No dia 25 de Abril de 2017, para comemorar o dia da liberdade, fui convidado a discursar, perante uma plateia onde até deputados do parlamento europeu marcaram presença, além de outras ilustres figuras da política, da arte e da cultura de Portugal. As minhas primeiras palavras foram: - Olho para vós e tenho a sensação de que estou ao mesmo nível de todos. É isso que nos permite a democracia. Sermos todos iguais.

No dia 25 de Outubro de 1972, o 1º cabo condutor, (éramos dois) encarregado da cantina, soube qual o castigo que apanhou: 10 (DEZ) dias de detenção.

As funções dele eram a de servir os camaradas com os produtos existentes na cantina e também a população civil. Não me perguntem porquê, mas regras ditavam que na cantina não se podia estar com a cabeça tapada. Em contrapartida, fora da cantina não podíamos andar de cabeça destapada.

Querem saber qual foi o crime? O 1º cabo exigiu a um dos senhores Alferes que tirasse a boina da cabeça. Fez isso sem estar em sentido e sem pedir por favor. O senhor Alferes participou o sucedido ao comandante que, muito ao jeito dos militares, ajuizou e condenou o pobre 1º cabo.

Parece-lhes ridículo? Eu já tivera um castigo na Metrópole, embora muito mais leve, por assobiar. Enchera 20 flexões.

O meu colega estava-se nas tintas para os 10 dias de detenção; tínhamos sido todos condenados a um exílio, num presídio penitenciário, por dois anos, só que o castigo impedir-nos-ia, no caso de o pretendermos, passar o mês de férias a que tínhamos direito, ao fim de um ano de comissão, na Metrópole.

Não será necessário afirmar que a disciplina, mesmo naqueles confins do mundo, era duma exigência tal que torturava. Admito que com o decorrer do tempo foi aliviando um pouco mas, nos primeiros meses, até formatura diária era obrigatória, com o uniforme completo e a barba feita. Arrotava-se de náusea.

Como já frisei, tinha deixado crescer bigode, porém, como na foto da caderneta militar tal não constava, fui obrigado a cortá-lo ou teria de fazer um requerimento superior.

Aproveito para lhes contar um caso divertido, precisamente com a caderneta. Não podendo usar bigode, interroguei o capitão se podia ter a altura que tenho, ou se deveria usar a que a caderneta mencionava. É que eu meço um metro e setenta e seis e na caderneta consta que meço um metro e meio. Não me proibiu de usar a minha altura real.

Juro que nos encontros anuais de ex-combatentes, já me apeteceu enfiar um barrete na cabeça do ex-alferes mas ele iria dizer-me que eram outros tempos e só cumpriu ordens. Era assim, por muito estúpidas que as ordens fossem.


27º Capítulo  > O PALUDISMO


Não acreditei minimamente no que tinha escrito quando, após estes anos, li que tinha passado de 63 para 58 quilos em quatro dias e acreditei menos quando também li que tinha atingido 41 graus de febre.

Está ali escarrapachado na carta:

“Apanhei o paludismo, nem tenho forças para escrever! – Não digas à minha avó” - dizia eu.

Dois dias depois, já pesava apenas 56 quilos. Isto estava a ficar complicado.

Acreditem que já vários colegas que tinham estado com essa doença, alguns dos quais, como também já vos disse, por serem analfabetos era eu que escrevia por eles, me proibiam que dissesse aos familiares, principalmente pais, algo que fosse grave e que os pudesse afligir.

Tínhamos consciência de que eles nada poderiam fazer para nos ajudar,  por isso, para quê atormentá-los com os nossos problemas?

Era, pois, natural que até nesse aspecto tenhamos aprendido a contar com a lealdade de uns para com os outros, e, mais uma vez, tive sorte.

O Leal e o Moreira cuidaram de mim, alimentando-me o melhor que puderam. Também o Lopes, enfermeiro, dos poucos alentejanos da companhia, que desviava vitaminas para mim e me obrigava a tomar MILO. No batalhão, tínhamos um excelente médico que vinha de 15 em 15 dias, e enfermeiros que faziam da sua profissão uma missão de coragem, de abnegação e sacrifício, em nome de todos nós. Enfermeiros que participavam nas operações no terreno, que além das armas e munições, para sua defesa, tinham de carregar a pesada mochila de medicamentos e que, em caso de ataque, pura e simplesmente não se podiam abrigar, pois tinham de socorrer os feridos. Eram esses os nossos anjos brancos, embora nos tratassem com o camuflado vestido. 

O paludismo não me venceu nem a nenhum dos soldados da companhia. Recordo que até esta data dois colegas já tinham sido evacuados por contraírem hepatite. Dizia-se que tinham feito de propósito para adoecerem. Não acredito

Agradeço aos meus amigos e à magnífica equipa de saúde da minha companhia que, por vezes, e em circunstâncias extremas, socorreram e trataram, com uma sensibilidade fora do comum, todos, e creio que fomos mesmo todos, que em algum momento daqueles dois anos precisaram dos seus serviços. Ficámos a dever-vos ser mesmo muito amigos.

[Continua]
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 3 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18280: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 23 e 24: A partir de outubro de 1972, aumentei a requisição (quinzenal) de cervejas: de 5 ml para 6 mil... Por outro lado, fiquei chocado quando pela primeira vez ouvi dizer que éramos colonialistas...

(**) Vd. poste de 22 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18122: O meu Natal no mato (43): as mensagens natalícias de 1972, gravadas pela RTP a 23 de outubro... E se a gente morresse, entretanto ?...Como não tinha pai nem vivia com a minha mãe ou com os meus irmãos, tive de dizer “querida avó” e mais umas balelas obrigatórias... (José Claudino da Silva, ex-1º cabo cond auto, 3ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74)



Guiné 61/74 - P18311: Notas de leitura (1040): “Modelo Político Unificador, Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau”, por Livonildo Francisco Mendes; Chiado Editora, 2015 (4) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Janeiro de 2018:

Queridos amigos,
Chegou o momento de desvelar o modelo político unificador. Estou absolutamente seguro que propostas tão entusiasmantes levarão a um estudo mais aprofundado, tal o entusiasmo que o autor põe nas suas propostas.
Não quero despedir-me desta obra gémea à dissertação de doutoramento do Dr. Livonildo sem dizer, haja a ingenuidade que houver em todo o emaranhado do modelo político unificador, que ele se revela bem intencionado e que não lhe podemos atribuir todas as responsabilidades por erros crassos que o trabalho evidencia. Noutros tempos, havia júris onde os membros estudavam o conteúdo da dissertação e dividiam tarefas entre si. Fica-se com a dúvida de que algum daqueles membros, e mesmo do arguente, soubesse alguma coisa sobre o que é a Guiné-Bissau e a cornucópia dos seus problemas.

Um abraço do
Mário


Uma proposta para novo modelo de governação na Guiné-Bissau (4)

Beja Santos

A obra intitula-se “Modelo Político Unificador, Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau”, por Livonildo Francisco Mendes, Chiado Editora, 2015. O autor concluiu a licenciatura e o mestrado em Sociologia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e em 2014 terminou o doutoramento em Ciência Política, Cidadania e Relações Internacionais pela Universidade Lusófona do Porto. A dissertação e a tese serviram de base a este livro, que é prefaciado por António José Fernandes, professor catedrático de Ciência Política.

Não se escondeu, desde o primeiro texto de recensão aqui publicado, que se põem sérias reservas à organização deste trabalho. Carece totalmente de sentido transplantar para obra literária o conteúdo de uma dissertação de doutoramento. Propõe-se no livro ir falar de um novo paradigma de governação na Guiné-Bissau, apõe-se o subtítulo à obra de “Um manual de ciência política para a Guiné-Bissau e para África” e faz-se percorrer centenas de páginas com uma orgia de citações, desfilam pensadores a falar de ciência política, de filosofia, de direito constitucional, e muitíssimo mais, o resultado é calamitoso, e não se pode contestar que o Dr. Livonildo trabalhou afincadamente, mesmo quando escreve erros crassos, que houve que apontar.

Vamos finalmente ao modelo que ele nos propõe. A razão pelo modelo unificador, observa ele é que desde 1240 até 2015 nenhum modelo político conseguiu estabilizar o povo, território e aparelho do poder do Estado guineense. É de arrepiar o que acaba de se escrever, já que o Estado guineense existe de facto desde 1974, não sei como será possível enfileirar todos estes séculos de História no mesmo tipo de análise. O modelo preconizado destina-se a agregar todos os elementos que constituem o Estado – território, povo e aparelho de poder, a sua finalidade é o preenchimento das lacunas que afetam a política e o pensamento político guineense nas suas múltiplas facetas. O que escreve adiante é inenarrável num qualquer texto de recensão e não sei mesmo qual a natureza de um artigo presumivelmente científico que dê claridade a tais propostas. Um só exemplo começa por o modelo triangular ou o modelo de Duplo Mandato de Governação Alternado com duas fases de 9 ou 6 anos, composto por um Governo de Base Democrática, por uma Área de Estudos que é um Órgão Consultivo Multidisciplinar Imparcial e um Tratado Político de Governação.

Num segundo bloco, irá ser representado pelo modelo de rodas dentadas ou modelo de engrenagem, que será composto pela Nova Etapa Democrática com um mandato de 6 ou 5 anos, e que se desdobrará num bipartidarismo perfeito típico dos EUA ou do Reino Unido, só com dois ou três partidos políticos, articulando com um Governo de Manutenção e Coordenação de um mandato com 3 ou 2 anos, mantendo-se o Órgão Consultivo Multidisciplinar Imparcial e um Tratado Político de Governação. Num terceiro bloco, integrará o Modelo Político Federal com duração de 6 ou 5 anos e com a legitimação do bipartidarismo e bipolarização típicos dos EUA. O leitor deverá atender a todas estas siglas, os seus acrónimos vão ser usados com fluência daqui até ao final do livro. É indispensável, quem o diz é o autor, pôr termo aos desnortes das segundas voltas, é de rejeitar a representação proporcional e de procurar pôr cobro à existência do multipartidarismo de partido dominante, o PAIGC anda por toda a parte, mesmo nos outros partidos, como anteriormente observou o autor. Com ardor, emite as suas opiniões:  
“Vale a pena apostarmos no escrutínio maioritário de uma volta para escolher abertamente os 3 ou 2 partidos políticos e governantes para fazerem parte do arco da governação da Guiné-Bissau. Isto é, se o Estado e os cidadãos guineenses querem baixar drasticamente os 40 partidos políticos para 2 ou 3 partidos políticos, deverão adotar um verdadeiro instrumento para proceder a uma lipoaspiração da sua vida política”.

Segue-se uma longa enumeração em torno dos sistemas políticos do governo. Os anciãos merecem respeito, os chefes tradicionais deverão ser bem acolhidos e ouvidos. Instala-se primeiro o modelo triangular, avança-se para a segunda fase, põe-se em funcionamento o modelo unificador. O autor lembra os efeitos negativos da filosofia colonial, baseada depois na estratégia de mobilização e de adesão à luta armada, está aqui a matriz ideológica que ainda hoje envenena a Guiné-Bissau. E a autor descarrega uma sentença:
“O facto de Amílcar Cabral ter considerado a descolonização como um processo de luta contínua, não apenas política ou até económica, mas também profundamente psicológica, leva-nos a crer que Amílcar Cabral conhecia de antemão o pesado fardo que os guineenses iam carregar por muitas décadas”.
A Guiné tem que mudar de mentalidades, deve universalizar a língua portuguesa e a crioula e respeitar 8 áreas-chave prioritárias para o desenvolvimento do país: educação, saúde, justiça e apoio social; agricultura, ciência/tecnologia/energia; direitos humanos e ambiente; defesa e segurança/cultura, etnia e religião/autarquias locais, património e turismo; cooperação e relações internacionais; sociedade civil, organizações não-governamentais. A seguir, o Estado guineense poderá proceder à descentralização de poderes e à desconcentração dos serviços de defesa e segurança. Dentro da originalidade do pensamento do Dr. Livonildo chegámos a um ponto de uma nova estratégia: a Guiné-Bissau deve ceder uma das suas ilhas para a instalação de uma base militar a uma potência amiga de Portugal – de preferência o Reino Unido – pelo seu passado histórico. Não se assombre o leitor, é que o Reino Unido mete medo à França, quer estar perto da Gâmbia. Dentro deste enquadramento da geoestratégia político-militar da Guiné-Bissau, é preferível, numa primeira fase, apoiar os rebeldes Felupes contra o Senegal e depois convidá-los, integrá-los e transformá-los a partir do terceiro bloco do modelo unificador, quando a Guiné for um Estado federado. Mas há outras hipóteses e valências:  
“Se o Senegal precisar de apoio do Estado guineense para apaziguar os rebeldes Felupes, deve conceder contrapartidas vantajosas ao Estado da Guiné-Bissau, tais como beneficiar da sua energia para resolver o problema crónico da Guiné-Bissau e conceder à Guiné-Bissau mais de 50% do litígio do petróleo que o Senegal ganhou contra a Guiné-Bissau”.

Estamos a chegar à cúpula do modelo, a Guiné-Bissau deverá adotar uma atitude de Estado coordenador. Se até aqui a narrativa pode ser encarada como uma obra capaz de ombrear com a ficção científica, a partir daqui Franz Kafka, todo o sistema norte-americano será apreciado da base ao topo, ponderada a possibilidade de haver duas câmaras e cita-se Cícero:
“Um governante não deve aumentar os impostos – a menos que não haja mesmo alternativa. Os governantes devem perceber de alguns princípios: nunca comecem uma guerra injusta e a corrupção destrói um país. A ganância, o suborno e a fraude minam um país a partir do seu interior, deixando-o fraco e vulnerável”.

Na reflexão final o autor reitera que procurou tratar os principais temas de forma clara e objetiva e orgulha-se de ter apresentado um modelo político e inovador, sem precedentes, baseado em teorias/práticas de modelos já existentes, mas com uma nova configuração e fundamentação. Enfim, o modelo unificador está pronto para ser submetido à análise e ao debate, irá abrir uma frente de combate. Anota grandes dificuldades:
“Os intelectuais guineenses foram educados e socializados no seio do velho paradigma, pelo que terão dificuldade em aceitar este novo modelo político de governação”.

Cá estaremos para acompanhar esse galvanizante debate e procurar vislumbrar as saídas que se abrem para o modelo unificador do Dr. Livonildo.
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Notas do editor:

Poste anterior de 5 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18286: Notas de leitura (1038): “Modelo Político Unificador, Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau”, por Livonildo Francisco Mendes; Chiado Editora, 2015 (3) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 9 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18304: Notas de leitura (1039): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (21) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18310: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XV: Parte pesos, nosso alfero...


Foto nº 4 > Cacheu, 1968 > Monumento


Foto nº  5 > Bissau, julho de 1969 > À espera do Uíge


Foto 6 > São Domingos, 1969> Eu, junto a um piroga e atrás a "ilha maldita" dos felupes


Foto nº 1 > São Domingos, 1968 > Eu com criança ao colo


Foto nº 2 > Nova Lamego, 1967 > Cães, "djubis" e eu de motorizada


Foto nº 3 > São Domingos, 1969 > "Eu e os meus amigos"...


 Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69), e que vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado [, foto atual à direita]. (*)


Mensagem de 25 de janeiro último:

Bom dia Luís,

Obrigado por tantas lições, estou a aprender muita coisa, e aceito tudo de bom grado, não fico a fazer de conta, sei que errei na raça, por isso já fiz um comentário. Quero mesmo falar em etnias, isso é que está certo. E o dicionário diz tudo.

As legendas do P18252 (**) estão mais ou menos certas. Na foto das Felupes [336 A], dizes que uma delas parece um homem, e é capaz de ser, embora pelo traje comparando com as outras pode ser uma Felupe, menos bonita, mais velha, mas não tenho a certeza.

As 3 meninas e menino da Mocidade Portuguesa [335], estive a ver melhor, elas são «mestiças» ( está correcto o termo? ) e, se se comparar com o novo administrador de Posto cujas fotos já foram publicadas, e numa outra em que aparece a mulher dele numa festa do 1º de Janeiro, ela parece também «mulata» e deu filhos e filhas mulatos também, pois ele é mesmo negro da Guiné.

Pelos trajes de cerimónia, o menino tem parecenças com o pai, e posso ter feito esta foto num Domingo qualquer em que poderia ter havido qualquer festa, ou roncos. Os slides não têm data, eles só foram revelados muito mais tarde, quando vim de férias à metrópole e eram mandados para Paris, eu li isso nas caixas. As datas algumas eu sei bem, mas em centenas de slides pode escapar algumas datas. De qualquer forma só apareceram a partir do final do 1º Semestre de 68 e até final da comissão.

Fico satisfeito com as visualizações das fotos do meu álbum, sem fim... Por isso vou mandar mais algumas das infindáveis fotos do tema «fotos 027 - as minhas fotos pessoais ».

[Nas fotos que reproduzes acima], pode-se ver já o meu instinto paternal, e o carinho que proporcionava aos miúdos locais, eles não me largavam, queriam fotos e andar na minha motorizada, e queriam sempre uns «Pesos":
- Nosso Alfero, parte 2 pesos e meio! - era assim sempre...

Eu não ligava ao dinheiro e podia dar algum do que tinha a mais, pois realmente ganhava-se bem, e não tinha pensão na Metrópole, era tudo para gastar em copos, nas melhores marcas de tabaco mundiais, nas fotos, nas compras de câmaras e artigos fotográficos, canetas, relógios, recordações, 2 motorizadas, e em dezenas de garrafas das melhores bebidas brancas que eu tinha à minha disposição... Bons tempos!

Li o que contaste sobre o 'Pepito' casado com a Isabel Levy, quando puderes manda então essa história toda, vou gostar de certeza. Eu logo a seguir enviei um email para a Isabel Levy, aquele que eu tinha em 2014, mas ele veio como não entregue, significa que ela não recebeu ou já mudou de correio electronico. Se me facultares uma forma de voltar a contactá-la era bom, reactivar a nossa conversa. Foi pena a morte do Pepito, mais novo do que eu.

Obrigado e vamos falando,

Um Oscar Bravo ( Não sei se foi a brincar, mas eu sou também Óscar!)

Mais fica na mesma um
Ab

Virgilio
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 5 de fevereiro de 2018 > uiné 61/74 - P18287: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XIV: o dia em que eu queria ir de motorizada, de Bissau a Mansoa... e a Mansabá!

(**) Vd. poste de 25 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18252: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XII: Mulheres e bajudas (4): São Domingos, "chão felupe", 1968: na festa e no trabalho

Guiné 61/74 - P18309: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XXX: 30 de outubro a 8 de novembro de 2016: Austrália Ocidental: Fremantle, Mandurah, Burnbury, Bussleton e Perth, antes de o casal rumar de avião, para Singapura, onde voltou a apanhar o "Costa Luminosa"


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4

Austrália Ocidentaç > 30 de outubro a 8 de novembro de 2016 > Fremantle

Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da publicação das crónicas da "viagem à volta ao mundo em 100 dias", do nosso camarada António Graça de Abreu, escritor, poeta, sinólogo, ex-alf mil SGE, CAOP 1 [Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74], membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com mais de 200 referências.

É casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais.

 2. Sinopse da série "Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias":

(i) neste cruzeiro à volta do mundo, o nosso camarada e a sua esposa partiram do porto de Barcelona em 1 de setembro de 2016; [não sabemos quanto despenderam, mas o "barco do amor" deve-lhes cobrado uma nota preta: c. 40 mil euros, estimanos nós];

(ii) três semanas depois o navio italiano "Costa Luminosa", com quase três centenas de metros de comprimento, sair do Mediterrâneo e atravessar o Atlântico, estava no Pacífico, e mais concretamente no Oceano Pacífico, na Costa Rica (21/9/2016) e na Guatemala (24/9/2017), e depois no México (26/9/2017);

(iii) na II etapa da "viagem de volta ao mundo em 100 dias", com um mês de cruzeiro (a primeira parte terá sido "a menos interessante", diz-nos o escritor), o "Costa Luminosa" chega aos EUA, à costa da Califórnia: San Diego e San Pedro (30/9/2016), Long Beach (1/10/2016), Los Angeles (30/9/2016) e São Francisco (3/4/10/2017); no dia 9, está em Honolulu, Hawai, território norte-americano; navega agora em pleno Oceano Pacífico, a caminho da Polinésia, onde há algumas das mais belas ilhas do mundo;

(iv) um mês e meio do início do cruzeiro, em Barcelona, o "Costa Luminosa" atraca no porto de Pago Pago, capital da Samoa Americana, ilha de Tutuila, Polinésia, em 15/10/2016;

(v) seguem-se depois as ilhas Tonga;

(vi) visita a Auckland, Nova Zelândia, em 20/10/2016:

(vii) visita à Austrália: Sidney, a capital, e as Montanhas Azuis (24-26 de outubro de 2016);

(viii) o "Costa Luminosa" chega, pela manhã de 29710/2016, à cidade de Melbourne, Austrália;

(ix) visita à Austrália Ocidental, enquanto o navio segue depois  para Singapura; o Graça de Abreu e esposa alugam um carro e  percorrem grande parte da costa seguindo  depois em 8 de novembro, de avião para Singapura, e voltando a "apanhar" o seu barco do amor...

3. Fremantle, Mandurah, Burnbury, Busselton, Austrália Ocidental (pp. 36-40, da parte II)

Depois de Melbourne, apanhámos uma valente tempestade, com um Pacífico furioso a fazer dançar o Costa, para desprazer de toda a gente. Era inevitável encontrar mares agitados e ondas de sete metros numa viagem de mais de três meses em redor do mundo. O navio aguenta-se bem, mas posso imaginar os marinheiros portugueses de quinhentos, naquelas caravelas e naus, casquinhas de noz a avançar na crista das ondas, a afundarem-se no desvão dessas mesmas ondas, a descobrirem o mundo, a caminharem para a morte. (Foto nº1).

Com muito melhor mar, desembarcamos no porto de Fremantle que serve Perth – a cidade situada uns 25 quilómetros mais para o interior e capital deste imenso estado da Austrália Ocidental –, e decidimos, Haiyuan e eu, abandonar o Costa [Luminosa], deixá-lo seguir sem a nossa companhia nos mais seis dias de viagem até Singapura.

Em Fremantle comprámos entretanto bilhetes de avião para Singapura, com chegada na mesma altura do navio. Foi uma boa ideia porque trocámos alguns dos já conhecidos e cada vez mais redundantes, e eventualmente tempestuosos, dias de navegação por uma estadia, ao nosso modo, na Austrália Ocidental.

Vimos o Costa partir e depois de um “adeus, até ao meu regresso”, procurámos instalação em Fremantle, uma interessante cidadezinha com 30 mil habitantes onde começou a colonização de toda esta vasta região [Foto nº 2]. Foi difícil encontrar alojamento porque não havíamos marcado nada e estava tudo quase cheio. Fremantle, ou Freo como o pessoal da terra lhe chama, é um destino turístico para muitos jovens australianos. Acabámos por ir parar aos Pirates, um hostel backpackers de nenhuma qualidade, 65 dólares australianos, cerca de 50 euros, um pobre quarto para dois, sem banho.

O problema foi a música em altos berros, no jardim, logo por baixo do nosso quarto, que durou até às três e meia da manhã. Estes presumivelmente bem educados rapazes e moçoilas australianas esqueceram os bons costumes e a boa educação. Às duas da manhã a minha Haiyuan ainda me pediu para eu ir, com um sorriso nos lábios, solicitar àquele pessoal barulhento para cessarem a música. Eles seriam aí uns dez, quase todos bêbados, e eu pensei que se lhes aparecesse um feio sexagenário à frente, àquela hora, a pedir para eles se calarem, habilitar-me-ia, com largas probabilidades, a levar com uma garrafa de cerveja na cabeça.

Na manhã seguinte mudámos de instalação e fomos direitinhos para a prisão [Foto nº 3]. Eu explico. Fremantle orgulha-se de possuir os mais antigos edifícios construídos na Austrália Ocidental como uma pequena prisão redonda que data de 1830, e uma outra cadeia, ampla, arejada, desconfortável, inaugurada em 1851 e que funcionou em pleno até 1995. São hoje ambas Património Mundial pela Unesco e por esta última passaram 350 mil prisioneiros, tendo aqui sido enforcados, até 1964, 43 homens e uma mulher.

A grande prisão, tipo baluarte em pedra, estende-se por seis hectares e é hoje uma das atracções turísticas de Fremantle. O município local resolveu fazer obras e transformar a cadeia em museu. Parte da ala feminina foi adaptada a YHA, ou seja, um originalíssimo Youth Hostel. É barato, 45 dólares australianos, e lá dormimos na pequena cela 201, pintada de branco onde, para além das duas camas em beliche, tínhamos apenas uma mesa e, em cima, uma janela minúscula, com grossas grades, para vermos o sol aos quadradinhos. Os quartos de banho, unissexo, eram lá fora, mas não havia carcereiro para nos levar até lá.

Tudo espartano, de sobriedade total, as celas sucedendo-se umas às outras em corredores cruzados, os muros à volta com cinco metros de altura, as guaritas de vigilância levantadas nos ângulos das grossas paredes de pedra. Jamais, em dias da minha vida, me senti tão seguro. Como “prisioneiros de luxo”, porque metidos na prisão por livre vontade, éramos contemplados com uma série de regalias como, por exemplo, uma grande cozinha bem equipada -- até grelhadores tinha --, arcas frigoríficas, lavandaria, uma sala de jantar e outra de convívio, com biblioteca, televisão, excelentes sofás. No recreio dos presos havia também um pequeno campo de jogos e um relvado para despir e apanhar sol. Uma maravilha estar na prisão!

Claro que o objectivo nestes dias de Austrália não era propriamente viver num presídio. Alugámos um automóvel, um Toyota Corolla novinho em folha e foi tempo de deixar a prisão e rumar a sul. Passámos, no entanto, mais um dia em Fremantle, uma cidadezinha por demais bonita que conserva um clássico património construído que me dizem ser o mais valioso de toda a Austrália. Tem ruas inteiras com edifícios centenários em estilo vitoriano, impecavelmente restaurados, onde funcionam hotéis, restaurantes, pubs, lojas, galerias de arte, um mercado, museus e teatros. Tem praias logo ali ao lado do porto, um Fishing Boat Harbour, uma espécie de doca dos pescadores com restaurantes de peixe e marisco em plataformas sobre a água, todas as noites com música ao vivo.

Fremantle até tem um cônsul honorário de Portugal, vi a placa num edifício na saída sul da cidade, sinal evidente de que haverá portugueses emigrantes por perto, gente de bom gosto ou a quem calhou em sorte viver num deleitoso lugar.

A Austrália Ocidental conta com 4,5milhões de habitantes num território com 2,6 milhões de quilómetros quadrados, um terço de todo o continente australiano. A orla marítima estende-se por 12,5 mil quilómetros, repletos de praias selvagens onde apetece a estranha, mas sublime diluição na natureza. [Foto nº 4].

Estamos no fim da Primavera, o tempo começa a aquecer, tenho um automóvel para conduzir, não sei o que irei encontrar, mas aí vamos, conduzindo o carro pela esquerda, ou seja, pelo lado errado da estrada, centenas e centenas de quilómetros, quase sempre ao lado do mar. Passamos Rockingham, aterramos em Mandurah. Estão 24 graus, precisamos de praia e ela aí está, chama-se Sands Beach, com água mais quente do a que costumamos ter em Portugal. Grande banho de mar, agora no Oceano Índico porque a parte ocidental da Austrália já está voltada para o Índico. Mandurah tem um parque para ver pinguins, barcos para observar golfinhos e gente bonita, não muita na praia. Quedo-me a aquecer ao sol, mas o lugar não é perfeito, aparecem umas irritantes moscas pequeninas que nos pousam na cara, entram nos ouvidos, zumbem e temos de estar permanentemente a enxotar.

De tarde, mais quilómetros, muitos, atravessando o Yalgorup National Park, com milhares de eucaliptos, mais baixos e redondos do que os de Portugal, uns tantos lagos e uma sucessão de praias selvagens. Na berma da estrada vi um canguru morto, atropelado. Dormida num hotelzinho em Australind, um apartamento grande e confortável, diante de mais um lago. Foram 100 dólares australianos

Outra cidadezinha, Bunbury tem milhas e milhas de praias, mas é sobretudo conhecida por ser o maior centro de compras de todo este sudoeste australiano. Um enormíssimo shopping foi a primeira paragem no dia seguinte. Comprei o que necessitava, uma caixa de clips para agrafar as folhas soltas onde vou rabiscando as notas dos lugares de passagem, nesta volta ao mundo. Bunbury deu para constatar como vive bem esta gente endinheirada da Austrália!

Depois quedámo-nos por Busselton, uns 40 quilómetros mais para sul na Geographe Bay, quase só praias de areia branca, o mar com uma pequena ondulação, um lugar acolhedor, quase vazio de gente. Uma longa caminhada ao longo da baía e em Busselton acabamos por dormir mais uma noite, no descanso dos deuses. A vila tem uma curiosidade, um molhe ou pontão assente numa estrutura em troncos de madeira sobre a qual avança uma plataforma suspensa sobre o mar, com caminho pedonal e uma linha férrea para o trânsito de um pequeno comboio. Construído em 1865, o pontão estende-se sobre as águas do mar ao longo de 1.841 metros, o que faz dele o mais extenso de todo o hemisfério sul.

Ficou por fazer a ida a Margaret River, outros 40 quilómetros mais para sul. A região é famosa porque aqui, dizem-me, se produzem alguns dos melhores vinhos da Austrália. Falaram-me num tinto de excelência, tipo Bordéus, tão bom, tão bom, de que até os golfinhos, mamíferos inteligentes, gostam. Lembrei-me da penicilina e das palavras sábias do seu inventor, o inglês Alexander Fleming: “A penicilina cura os homens, mas é o vinho que os faz felizes.”



Foto nº 5



Foto nº 6


Austrália Ocidental > 30 de outubro a 8 de novembro de 2016 > De Fremantle a Perth

Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


4. Perth, Austrália Ocidental (pp. 40-42, da Parte II

Com 2,1 milhões de habitantes, situada a 3.869 quilómetros de Sidney – uma viagem de comboio entre as duas cidades demora três dias –, a 3.352 quilómetros de Melbourne, a mais de 5.000 de Singapura, Perth parece perdida nos extremos austrais do mundo. Porém, perfeitamente integrada no que de melhor a Austrália e o mundo têm, Perth será uma das cidades mais organizada, moderna e civilizada do globo.

Chego a Perth exausto, após mais de 500 quilómetros de estrada num só dia, desde Busselton, no sul, a conduzir no lado incerto da estrada, com o volante no lado errado do carro, e não sei quantos desvios por atalhos para idas a não sei quantas praias, algo semelhantes às nossas da Torreira ou de Vagos, vastos areais onde até dava para os jipes dos jovens australianos irem molhar os pés na água do mar e fazerem corridas na areia dura, na maré vazia.

Cansado, após três dias a conduzir (foram 837 quilómetros!) com extrema atenção e cuidado porque não estou habituado a pôr o carro na outra faixa de rodagem, a entrar ao contrário nas rotundas, desejava apenas um hotel e uma cama limpa para me deitar. Fomos dormir a um razoável paradouro, o City Waters Hotel, em frente ao jardim e ao rio Swan que atravessa Perth. Foram 115 dólares australianos, cerca de 90 euros. Na Austrália, nada é verdadeiramente barato.

Na manhã seguinte subi ao Kings Park, sobranceiro à cidade, com um jardim botânico e um sentido monumento em homenagem aos soldados australianos mortos em combate na I e na II Guerra Mundial. Depois fui devolver o Toyota ao rent-a-car de Fremantle e regressei a Perth de comboio, uns 20 minutos de confortável viagem para 25 quilómetros. Agora, sem rodas próprias, tenho a cidade por minha conta, dois dias a pé ou em transportes públicos. Passeio por Murray Street, por Hay Street, ruas pedonais no centro do burgo, com lojas e shoppings de estarrecer, tudo ordenado, funcional, de qualidade, à moda da Austrália.

Não há muitas compras a fazer, mas o demorado passeio pelo centro histórico de Perth, não desiludirá ninguém. Temos os velhos edifícios coloniais com mais de cem anos de idade, a casa do governador, a câmara municipal, o His Majesty’s Theatre harmoniosamente inseridos na sofisticada malha de arranha-céus recentes, há uma torre de vidro em frente ao rio Swan – que em Perth se assemelha a um lago –, exibindo um conjunto de velhos sinos provenientes da igreja de St. Martin in the Fields, em Londres, oferecidos pelo governo inglês em 1988. Encontro uma surpreendente manifestação de curdos, famílias inteiras com bandeiras e tambores que pretendem mostrar aos australianos que desejam a independência do seu Curdistão e o fim das perseguições e matanças. [Foto nº 5]

Na Austrália creio que os únicos engarrafamentos que existem, a sério e em quantidade, são os de garrafas de vinho, não de automóveis, e em Perth apercebi-me de alguns dos porquês. Além de uma excelente rede de transportes públicos, nesta cidade funcionam cinco carreiras de autocarros, verde, azul, vermelha, amarela e laranja, os chamados CATS (Central Area Transit Service) que transportam quem quer que seja desde os diferentes arredores para o centro da cidade, tudo gratuito. É só vir de longe, estacionar o carro, esperar um autocarro – passam de oito em oito minutos --, entrar, e rapidamente o cidadão chega ao centro de Perth. [Foto nº6]

A comida australiana não me convenceu até porque haverá por lá uma mistura de burguers e batatas fritas, à americana, com pizzas à italiana e fish and chips, à inglesa.

Qual é a verdadeira cozinha australiana? Não deu para ver e provar. A salvação foi a comida chinesa. Como país multi-étnico, a Austrália prima pelos variegados restaurantes que oferecem banquetes ou simples petiscos de tudo quanto é país para cima, ou para baixo do Equador. Até existe uma grande cadeia de restaurantes chamada Oporto, especializada em frangos assados à moda portuguesa.

Na volta pelo autocarro nº. 3, gratuito, atravessámos não propriamente a chinatown, que em Perth parece não existir, mas um bairro com muita loja chinesa, coreana e indiana. E restaurantes, claro. Aí abanquei, ao almoço, nos dois dias de Perth, em espaços diferentes para atestar o estômago e carregar baterias, alimentando gordurinhas que espero derreter na muita viagem pelo mundo que ainda falta cumprir.
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Nota do editor:

Último poste da série > 23 de janeiro de 2018 >  Guiné 61/74 - P18243: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XIX: 29 de outubro de 2016, Melbourne, Austrália

domingo, 11 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18308: Blogues da nossa blogosfera (91): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (10): "O meu gesto das coisas simples"


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.

O MEU GESTO DAS COISAS SIMPLES

ADÃO CRUZ

© ADÃO CRUZ


Fui à caixa dos gestos e baralhei-os todos, cheio de raiva por não encontrar o meu gesto das coisas simples.

Há muitos anos que o perdi e nunca mais consegui encontrá-lo.

Esperemos mais um par de noites, pois os sonhos, às vezes, trazem-nos aquilo que julgamos perdido para sempre.

Os sonhos adormecem, muitas vezes, no regaço da realidade, e outras vezes a realidade esconde-se no meio dos sonhos.

Onde estará o meu gesto das coisas simples?

Ora bem, talvez o gesto das coisas simples ande por aí perdido nalgum sonho.


Foi numa noite de tempestade.

Um refulgente relâmpago estralejou lá fora e faíscas de luz incendiaram as frinchas da janela.

Um ribombante trovão abanou o quarto e o sonho foi-se.

Os sonhos não gostam de tempestades nem do abuso das realidades.

Acendi a luz e vi no tapete o meu gesto das coisas simples.

Peguei-lhe com toda a ternura e pareceu-me que ele queria aninhar-se entre os meus dedos.

Confesso, dei-lhe um beijinho.


Fui ao monte das recordações.

O meu gesto das coisas simples espremeu uma lágrima quando lhe mostrei as coisas esquecidas, abandonadas, desde os tempos em que nós os dois éramos apenas simples.

O entrosamento das palavras e das imagens das coisas simples teciam uma espécie de fábula que deliciava a nossa inocência.

Às curvas do tempo não é fácil reter as coisas simples, e, como o amor, as coisas simples vão perdendo os seus lugares nas curvas do tempo.

O meu gesto das coisas simples parecia tremer de desânimo e fadiga, confundindo ingénuos impulsos com efemérides de granito e rumores de árvores dos dias felizes.

O meu gesto das coisas simples estava com medo.

Mas a nossa grande afeição há-de ser a aliança renascida entre a poesia e o gesto das coisas simples.
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18263: Blogues da nossa blogosfera (90): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (9): "Impossibilidade" e "Monte das Oliveiras"

Guiné 61/74 - P18307: Blogpoesia (552): "Ao alcance da mão...", "Brandenburg", e "Saiu um vedor...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Portas de Brandenburg
Com a devia vénia: World Atlas


1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Ao alcance da mão…

Numa cadeia de actos, a vida decorre.
Umas vezes, sonâmbula,
Outras desperta e atenta.
Até que a solução
Fique à vista e ao alcance da mão.
Não é gratuita.
Dá luta viver.
Sacrifício e esforço é o caminho e a arte.
O mal e o erro escondem o bom e o certo.
Desembaraçar o caminho,
Subindo e descendo,
Com esforço,
Se avança e alcança.
Só vendo, sobre ou não sobre,
Se o preço compensa.
Garanto.
Gosto que gostem.

Berlim, 7 de Novembro de 2018
11h18m
Jlmg

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Brandenburg

Cidade discreta,
Nos arredores de Berlim.
Ninguém fala dela e ela se cala.
Mas, tão bela.
Raiada de canais
Onde deslizam suaves,
Barcos e cisnes.
Tem jardins majestosos.
Abundam igrejas.
Cicatrizes da guerra,
Memórias em registo,
Em lápides gravadas,
Paredes e pontes.
Em 1945, bombardeada feroz,
Tanta gente morreu.
Agora,
Deambulam seniores,
Testemunhas do passado.
Saboreando a paz
Que ali assentou arraial,
E saúda quem vem.
Hoje, coube-nos a nós.
Com a Sandra e o João.
Soube tão bem…

Berlim, 9 de Fevereiro de 2018
17h49m
Jlmg

********************

Saiu um vedor…

Homem, mulher,
Saíu, de vara na mão.
Buscando a água bem funda
Que corre no chão.
Avança pelo campo,
Em passadas bem firmes,
A vara num V.
Os olhos à frente.
Agarra-lhe as pontas.
Como os cornos dum boi.
Tremem-lhe as pernas.
Arrepia-lhe a pele.
Os cabelos hirsutos,
Como estacas de vimes,
Se erguem ao ar.
Ruboresce-lhe o rosto.
Os olhos reluzem.
Os ouvidos internos ressoam em brados.
- passa aqui uma veia.
De água fresquinha.
A vara retorce.
Ninguém a segura.
Com o pé faz uma cruz,
No ponto exacto.
É hora agora de lhe abrir o caminho…

Ouvindo My silent cry
Berlim, 9 de Fevereiro de 2018
20h13m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18284: Blogpoesia (551): "Ter quem pense em nós...", "Sabor da melancolia", e "É branda e suave...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

sábado, 10 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18306: Os nossos seres, saberes e lazeres (252): Em Bruxelas, para comemorar 40 anos de uma amizade (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 22 de Novembro de 2017:

Queridos amigos,
Conheço muita boa gente que tem uma imagem desconsoladora de Bruxelas. São sobretudo os funcionários que desembarcam na cidade ao fim da tarde e que no dia seguinte se encerram numa sala a conferenciar ou a ouvir outros a palestrar, regressando ao centro quando a luz se foi. E então dizem que se come bem mas não há nada praticamente para ver naquela cidade escura e que não dá sinais de ser muito acolhedora.
Tive a sorte de ser iniciado a conhecer lagos e jardins, museus extraordinários, artérias cheias de vida, com gente de 184 países. Bruxelas tem eventos culturais a um ritmo impressionante.
Vinha desta vez com o objetivo de rever e comparar a evolução da capital nos últimos 40 anos e exaltar uma nobre amizade. O que aqui se mostra é que tais objetivos foram alcançados.

Um abraço do
Mário


Em Bruxelas, para comemorar 40 anos de uma amizade (2) 

Beja Santos 

O viandante programou um dia azafamado, sai de Watermael-Boisfort em direção a Ixelles, vai a uma venda solidária de um empreendimento original e que goza de grande reputação por toda a Bélgica, dele se falará adiante. Faz todo o sentido, seguidamente, vadiar por Ixelles, uma comuna de larga superfície e que goza de um património imobiliário notável, e depois de matar a fome é imperativo visitar os locais que o deslumbraram, exatamente 40 anos atrás. Logo à saída de casa, este belo espetáculo das cerejeiras do Japão como incendiadas pelo Outono, todos os dias, enquanto o viandante aqui estiver, haverá um olhar de fascínio e ternura.



Só por pudor é que não se tiraram dezenas de imagens no interior desta venda solidária organizada pelos Compagnons Depanneurs, dedicam-se a prestar serviços a pessoas no limiar da pobreza. O viandante não sabia, mas um quinto da população belga vive em habitações com grandes problemas que vão da humidade à deterioração passando pelo excesso de pessoas vivendo em condições precárias. Trezentos companheiros prestam serviços de pintura, de arranjo do chão das casas, tratando de avarias em canalizações e eletricidade, facultando móveis utilitários, a sua consigna é de assegurar uma habitação decente e agradável a todos os que têm fracos rendimentos.
Os companheiros precisam de solidariedade, que não lhes é regateada, por todo o país. Naquele dia abriam as portas a uma venda solidária na Rue de la Glacière, ali se chegou para ver um edifício inteiro transformado numa caverna de Ali Babá: divisões com móveis e utensílios domésticos, divisões com eletrodomésticos, tapetes de todas as formas, tamanhos e feitios, quadros e mais adornos de paredes, divisões de bijuterias, roupas para todas as idades, material informático, cd’s, dvd’s, livros… O viandante tem limites severos de carga, ainda se assombrou com um espelho de parede, mas foi afeição de pouca dura, não resistiu a vários livros e alguns cd’s. Passeou-se por todos aqueles espaços, feliz por ver viçoso um projeto que visa a dignidade humana. Combateu o frio com uma boa sopa e uma saborosa sandes. E atirou-se ao trabalho, havia que calcorrear Ixelles, uma comuna cheia de história, um misto de Bairro Latino, Montparnasse e área residencial das classes médias, por ali pululam cafés com estudantada, uma livraria pejada de obras revolucionárias de todo o século XX, pequenos restaurantes, marcas concretas de que a comuna tem população vibrante.


O viandante gosta de fruir uma habitação cuidada ou renovada, contemplou esta que terá sido uma residência familiar, hoje deverá ter vários apartamentos, mas é um gosto ver tudo retocado, com as muitas bicicletas à porta. A cidade é plana e os ciclistas não desfalecem mesmo quando são confrontados com oceanos de carros que atravessam a cidade, há bicicletas com estranhíssimos atrelados onde vai a garotada. Bruxelas é outra coisa com o frémito deste tráfego a duas rodas.



Este é o edifício comunal, o Hotel de Ville, respira prosperidade, sempre teve, a comuna tem este privilégio de uma intensa vida intelectual, Bruxelas não dispõe de uma cidade universitária, os seus equipamentos estão dispersos, mas é aqui que os estudantes gostam de viver, misturados com as gentes de todas as categorias. O viandante delicia-se com esta arquitetura, faz uma pausa, toma um café e apanha um transporte para o centro da cidade.


Convenhamos que a imagem em si nada tem de fulgurante, merece uma explicação. Quando o viandante aqui arribou há 40 anos, em frente à Gare Central era como que um deserto, pontuava a um canto uma igreja, de nome Santa Maria Madalena, deu depois para aprender que é uma das mais antigas da cidade, que conheceu como todas acrescentos e reconstruções. Duranta a última fase de restauros, em meados de 1950, meteram-lhes estes vitrais, nalguma profusão. Foi um movimento artístico que as novas gerações hoje passam ao lado. Finda a II Guerra Mundial, ignorou-se o classicismo e o academismo, emergiu uma arquitetura de vanguarda que ocupou os espaços destruídos pela guerra, a pintura encontrou outros motivos, e o vitral também. Passadas estas décadas, aquilo que era modernidade para o viandante, ainda por cima um arrojo de inserir num edifício estruturalmente talhado nos séculos XV, XVI e XVII, é hoje um dado assente, já foi modernidade. E ainda bem que assim é.


Estamos num espaço icónico, daqui avista-se o Hotel de Ville de Bruxelas e a sua agulha majestosa, quem entra na Grand Place não resiste a contemplá-la demoradamente. Preferiu-se naquele dia registá-la de outro modo, de uma rua lateral, havia pressa em bater à porta do teatro La Monnaie, a mais bela casa de ópera e de música da cidade.


O viandante chegara aguado, esperançado em poder ver a ópera Lucio Silla, do jovem Mozart. Tem um certo historial afortunado de entradas nesta casa, e a preços altamente abordáveis. Recorda-se sempre que desembarcara na cidade aí pelas 17h, no dia seguinte estaria em reunião até ao fim da tarde, regressando a Lisboa no último avião. Arrumada a trouxa no hotel, rumou sem propósito definido até La Monnaie, eram 17h50 quando chegou à bilheteira para farejar se havia algum espetáculo. Sim, dentro de minutos começaria uma récita de Tristão e Isolda. Lamentavelmente, só havia um bilhete de 10 euros lá para o último andar, quase a tocar o teto. Não hesitou, saiu dali pela meia-noite, consolado com uma das obras-primas de Wagner, o pior foi encontrar um sítio para matar a fome, e não foi fácil. Vinha com esperança de mais um golpe de sorte, os bilhetes que restavam orçavam os 100 euros, foi pronta a desistência. Lucio Silla nem de longe nem de perto tem a genialidade de Don Giovanni, os estudiosos já anotaram as pequenas falhas do jovem Mozart, mas também não deixam de se surpreender como aquela criança pôs em música a profundidade das emoções humanas e como precisou psicologicamente bem a personalidade narcísica do Lucio Silla, o homem mais poderoso do seu tempo, mas a quem faltava o amor. Paciência, fica para a próxima, o viandante confia que não lhe faltem oportunidades de regressar a Bruxelas.


Serve de consolo à despedida registar o teto da grande entrada de La Monnaie, é um festival de cor e garridice naquele átrio que exibe majestade e convencionalismo. Chega de deambulação pelos lugares matriciais que o viandante tanto aprecia. É fim de tarde, vai embrenhar-se numa livraria de obras em segunda mão. Será afortunado, imagine-se que encontrou um livro de história de arte… escrito por Jorge Pais da Silva, que foi seu professor de História de Arte. Contente e feliz, regressa a penates, amanhã também será um dia grande – num dia curto de Outono.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18281: Os nossos seres, saberes e lazeres (251): Em Bruxelas, para comemorar 40 anos de uma amizade (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18305: Parabéns a você (1389): José Brás, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1622 (Guiné, 1966/68)

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Nota do editor

Último poste da série de 8 de Fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18298: Parabéns a você (1388): Constantino Neves, ex-1.º Cabo Escriturário do BCAÇ 2893 (Guiné, 1969/71)

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18304: Notas de leitura (1039): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (21) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Outubro de 2017:

Queridos amigos,
Não conheço documento mais demolidor do que este. Li os trabalhos de Carvalho Viegas, vários estudiosos apontam-no como figura exemplar, na sequência de Velez Caroço. O que aqui se lê não é só pouco abonatório para Carvalho Viegas, o que o gerente do BNU de Bissau informa a aquele que virá a ser ministro das colónias é que a administração da Guiné é o maior lamaçal do mundo, lavra a maior das corrupções é como se o governador tivesse agradavelmente cercado por uma alcateia de ladrões.
Na verdade, nada é definitivo na História, pensamos num homem íntegro, dotado de ousadia e bravura, com os olhos virados para o desenvolvimento, e sai-nos um cafajeste.
Cuidado com a História...

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (21)

Beja Santos

Estamos em 1938 e o gerente Virgolino Teixeira envia com o caráter de absolutamente confidencial um documento verdadeiramente explosivo ao Presidente do Conselho Administrativo do BNU, nada de mais demolidor se podia escrever sobre o Governador Luiz de Carvalho Viegas. Documento extenso, com um ponto de vista tão representativo, só se corta aquilo que não é verdadeiramente essencial. Trata-se de uma carta prometida onde o gerente envia informações que lhe parecem interessantes “para identificar os tristíssimos aspetos morais, os económicos, administrativos e políticos que a Guiné vem atravessando” e começa por apresentar o governador, mais brutal não podia ser:
“A imoralidade do seu viver particular é, positivamente, afrontosa para a vida moral da colónia, pelo reflexo que tem na sua vida pública que é também imoralíssima porque nela campeia a mentira e o embuste político, próprio de indivíduo que serve por mero interesse uma situação política mas espera ficar bem com outra que supõe poderá vir, pelo pior que seja, com tanto que ele a sirva e se sirva a si próprio”. E mais adiante diz que o governador está rodeado da pior escumalha que há na colónia e que dela se serve para todos os fins. “E ela serve-se dele para conseguir os seus fins também. Assim é o que vai por esta pobre Guiné e se conhece bem, mas contra o que não pode haver reação porque o honrado que a denunciara é esmagado pela matilha insaciável”.

Vejamos os aspetos morais denunciados por Virgolino Teixeira.

Logo o Chefe de Gabinete, Neves Ferreira, cujo estado normal é de permanente embriaguez. “Vivendo publicamente com uma meretriz, em casa do Estado, fazia falcatruas por onde podia. Dias depois de ele assumir a gerência desta agência queria um crédito de dez contos alegando que pagaria com dinheiro que o Estado lhe devia, o que era falso. É claro que não foi atendido".

Agora, o mais inconcebível atentando à moral. “No hospital de Bolama, entra a amante do senhor governador para o Dr. Eurico d’Almeida lhe fazer um aborto, conforme ordem superior que recebeu. Sai-se mal. A mulher fica em perigo. Chama-se o médico Pimentel que, com desassombro e para não ficar amarrado ao que de mal se passara grita alto e bom som que vai ali porque uma vida está em perigo e não porque tenha nada a ver com o aborto. Até à data não deixou de ser perseguido pelo Governador Viegas. Mais tarde, uma desavença entre o médico abortador e o padre de Bolama, um pobre homem de fraquíssima figura; aquele queixa-se ao senhor governador que este lhe atira à cara o aborto. O senhor governador mandou o médico esbofetear o padre e este cumpriu. O padre pediu justiça mas não a houve de parte nenhuma”.

Para o gerente, o governador é um dos homens mais vingativos do mundo, além de lúbrico. O próximo atentado à moral vem do Gabu e diz o gerente que a região dos Fulas, “raça esta que tem, segundo os entendidos, as mulheres mais esbeltas da Guiné. Passava muito por lá o senhor Governador Viegas e o administrador parece que não era esquivo a forçar indígenas a prestar vassalagem total ao seu senhor. Apareceu uma Fula, tipo estátua, e sua excelência mandou-a seguir para o palácio do governo. Pouco depois, a Fula retirava-se fazendo agravos sérios ao senhor governador e transmitindo-os ao administrador que fez deles eco. Resultado, o administrativo foi perseguido como se fosse cão danado, esteve meses e meses sem pão para a família e continua perseguido”.

A próxima história passa-se em Bolama em que há um administrador crónico que é sabedor e esperto. Obriga os indígenas da região a darem-lhe dinheiro. “É público que no tempo da campanha do arroz persegue os indígenas obrigando-os a irem vender o produto a comerciantes de quem recebe dinheiro. Ao homem que vendia pólvora aos Canhabaques e que hoje é o herói da pacificação que nunca existiu se não em informações ao senhor ministro – falsas como judas – exigiu o administrador de Bolama, só de uma vez, 13 a 14 contos para tapar um furto que tinha no cofre a seu cargo. Depois, não lhe pagou e exigiu-lhe mais dinheiro, que ele foi obrigado a passar, declarando que não lhe deve nada”.

Vem agora à baila uma figura bastante conhecida na época, Landerset Simões:
“Para os Bijagós é enviado o Chefe de Posto Landerset Simões, com ordem de mandar relatos em cima de relatos garantindo a pacificação dos Canhabaques. O homem chega lá e quase não os vê. Não tem sequer quem lhe vá buscar uma bilha de água. Não encontra respeito nem subordinação da parte dos indígenas. Castiga severamente um, mais insubmisso e atrevido. Escreve claro, a dizer que, na verdade, era mentira os Canhabaques estarem submissos. Processo feito, com andamento rápido. Conselho disciplinar formando por gentes submissas a ordens que, antes do julgamento, marcavam sentença. Reúne tal tribunal e porque um membro se insurge a sentença não podia ser a que se ordenara. Lavra-se a sentença esperada pelo ajudante do senhor governador que a leva urgentemente a Bolama e volta com ordens terminantes para que os doutos juízes lavrem imediatamente outra sentença à vontade do governador. Assim se fez”.

O rol de imoralidades continua:
“Nomeia-se chefe de posto interino um imoral de nome Ruy Moutinho Teixeira que não merecera confiança numa interinidade que fizera na alfândega. Chegado ao posto, veste-se de farda e sapato de polimento e vai participar aos sobas o seu casamento, exigindo 500 escudos a cada um, sob ameaças. Pouco depois, alia-se a um cadastrado mulato – Mário Lopes – e fazem contrabando de pólvora, do chão francês para o nosso, obrigando os indígenas a carregá-la e a distribuí-la. Um alfandegário descobre o crime – bem grave – e denuncia-o. Querem calar a denúncia mas o funcionário não retira a queixa. O criminoso é julgado por um tribunal especial – especialíssimo, cujo presidente me disse horas antes da sessão principiar: ‘Venho salvar este coitadinho, por ordem do senhor governador’. Devido a uma atitude de um dos componentes do tribunal. O homem não pode ser absolvido e foi condenado numa pena leve e ficou… preso a fingir até à extinção da pena. O registo criminal não acusa este crime porque o senhor governador intimou o tribunal a não fazer o respetivo boletim para o criminoso sair logo da colónia com um boletim limpo”.

Em tudo quanto à corrupção, Carvalho Viegas está presente, é o que diz o gerente do BNU. E vem mais uma história:
“O senhor governador é íntimo de um inspetor administrativo que veio fiscalizar os serviços da Guiné. Chama-se Capitão Salvação Barreto e eu conheço-o do tempo em que, sendo ele administrador do concelho de S. Tomé, se locupletou antecipadamente com as percentagens do imposto indígena e queria depois que eu, como gerente do banco, lhe emprestasse esse dinheiro sem garantia e sem ninguém saber (sic), por uns dias (?) a fim de se safar às malhas de um processo-crime. Este homem é uma nulidade insanável. A sua incapacidade é notória. A sua moralidade é duvidosa. Como inspetor, alojou-se na casa particular dos que vinham inspecionar, bebendo e comendo à custa deles, para que eles lhe ensinassem a fazer o serviço de inspeção. É espantoso mas é assim mesmo. Caiu num ridículo tremendo. Íntimo do senhor Governador Viegas, era-lhe tão leal que me chegou a vir avisar de propósito que aquele me andava abrir o meu correio particular desde que eu tinha chegado à colónia, porque se supunha que eu fosse um espião do Sr. Dr. Francisco Machado”.

Seguem-se mais denúncias que envolvem o Secretário da Administração de Bolama que se apropria de dinheiro à farta, ninguém se queixa, têm medo das perseguições. No dizer do gerente de Bissau até o Capitão Velez Caroço, familiar do antigo governador, Secretário dos Negócios Indígenas, vende munições e carabinas, tal como aconteceu na revolta dos Felupes. A podridão chega às obras públicas, oiçamos Virgolino Teixeira:
“Nas obras públicas é engenheiro diretor interino um celebérrimo Alambre. Rouba-se por todos os lados. O Secretário Leite de Magalhães denuncia o roubo, o ladrão é preso. Era dos mais íntimos do senhor Governador Viegas. Procede-se com todo o vigor, para dar brado. Passa o tempo, o ladrão é solto, o processo não anda. O gatuno volta à intimidade do senhor Governador Viegas. Pronunciado ainda, entregam-se-lhe as obras do Estado. As roubalheiras crescem então às culminâncias. O ladrão ganha (?) centenas de contos fazendo as maiores porcarias que pode. Na abundância de dinheiro, nasce a abundância de cerveja e uísque – é tudo para o pessoal das obras públicas. Ao denunciante Magalhães, o ladrão empresta alguns contos. Tudo se sabe mas nada se coíbe”.

É um rol extensíssimo, vamos continuar. Quem estuda Carvalho Viegas e todos os trabalhos que nos legou fica convencido que houve por ali um governador íntegro. Virgolino Teixeira tinha o cargo em jogo, caso se lhe soltasse injúria ou calúnia. É por isso que se deve atribuir muita atenção a este documento carregado de vitríolo e trotil.




(Continua)
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Notas do editor:

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Último poste da série de 5 DE FEVEREIRO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18286: Notas de leitura (1038): “Modelo Político Unificador, Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau”, por Livonildo Francisco Mendes; Chiado Editora, 2015 (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18303: Da Suécia com saudade (58): No dia nacional Sápmi [Lapónia], 6 de fevereiro... Recordando o(s) colonialismo(s) escandinavo(s) e russo (José Belo)





 Suécia > Sápmi [Lapónia] e samer [lapões]... O seu dia nacional é a 6 de fevereiro

Fotos do arquivo do José Belo / Tabanca da Lapónia (2018). Cortesia do autor.[Edição e legendagem complementar : Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do José Belo, o português mais "assuecado" (ou o sueco mais "aportuguesado"...) da Tabanca da Lapónia e da Tabanca Grande

[Fotos à esquerda e direita: José Belo, ex-alf mil inf da CCAÇ 2381,Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70; cap inf ref, é jurista, vive na Suécia há 4 décadas, e onde formou família: reparte o seu tempo entre a Suécia, a Lapónia Sueca e os EUA, onde família tem negócios; tem 125 referências no nosso blogue]




Data - 2 fev 2018
Assunto - "Santos da casa näo fazem milagres"...ou...talvez pior...


Nos anos sessenta a Suécia estava na vanguarda de todas as votacöes anticolonialistas nas Nações Unidas.

O Reino Sueco contribuía com generosidades de largos milhares de Koroas anuais para tudo o que eram auxílios em material sanitário, hospitais, escolas, alimentos, viaturas, motores para barcos, etc, etc, etc.

Ao mesmo tempo que um povo autóctone habitava, desde há  mais de 2.500 anos,o extremo norte do Reino Sueco, bem dentro do Círculo Polar Árctico. Um povo cujos direitos, liberdades e outras condições sociais eram."limitadas" pelo governo central. ( Uso o termo "limitadas", para ser diplomático).

A língua local era proibida de ser usada fora do círculo familiar, querendo isto dizer em termos concretos....unicamente dentro da própria casa. Nem em documentos administrativos ou declaracões oficiais;nem nas escolas, igrejas, ou mesmo nas trocas comerciais em mercados.
O modo típico de cantar,assim como os instrumentos de música locais e cânticos radicionais, estavam proibídos.

Todas as formas artesanais representativas da ancestral religião local, fossem elas em madeira, pedra, tecidos ou peles,eram regularmente recolhidas entre as poucas aldeias locais e queimadas, normalmente junto das igrejas, em típicos "autos de fé" locais.

A mesma igreja (, considerada até há bem poucos anos parte integrante do Estado sueco), que, ao aperceber-se das oportunidades comerciais,em impostos sobre a vasta fauna, negócios de peles, carne, pesca, assim como das infindáveis riquezas  minerais, obteve do governo, (entäo empenhado em iniciativas missionárias de ocupação), a garantia de lhe ser concedida uma área circular de 10 quilómetros em volta de cada uma das igrejas por ela construídas.

À primeira vista,e tendo em conta a vastidão infindável da Lapónia, 10 quilómetros poderá fazer sorrir. Posso dar como exemplo o facto de o vizinho mais próximo(!) da minha casa estar a uma distância de 274 quilómetros  [, o equivalente ao percurso Lisboa-Faro]...

Mas, e inteligentemente, os locais escolhidos para as construções das igrejas foram sempre os mais ricos em fauna, pesca,ou minérios. E não só, pois também tinham em conta os locais de convergëncia das caravanas de renas, e de todas as feiras comerciais resultantes.

Para mais,e como todos os outros povos considerados primitivos pelo civilizador branco, os locais (näo sabendo nem ler nem escrever) näo dispunham de documentos comprovativos de posse de qualquer palmo de terra, mesmo nos terrenos tradicionalmente habitados por um povo entäo maioritariamente nómada ,acompanhando as manadas de renas em deslocaçöes contínuas de pastagens em pastagens de acordo com as estações do ano.

Assim,o tal círculo de 10 quilómetros à volta das igrejas construídas tornou-se mais "espiritual" do que material, passando a crescer (digamos milagrosamente) de ano para ano.

Desde Estocolmo o governo procurou estabelecer uma administração local com quadros de funcionários, centros judiciários, polícia,  escolas e professores, assim como alguns quarteis militares.
Obviamente que os locais, totalmente analfabetos, não tinham condições de ocupar tais cargos.
Tornou-se necessário criar condições "convidativas" para fazer deslocarem-se para a zona os quadros minimamente necessários.

Não só em termos salariais, como também em prerrogativas das mais variadas, estas eram sempre em prejuízo dos habitantes locais. Tendo em conta que a Lapónia se encontra 1.500 quilómetros ao norte de Estocolmo,e que tradicionalmente a maioria da populacão  vive ao sul da capital, não foi fácil o recrutamento para os cargos.

Numa época em que as poucas estradas existentes não eram transitáveis na maioria do ano, e o caminho de ferro ainda não tinha sido inventado, 1.500 quilómetros somados
as condiçõees extremas do Círculo Polar, fizeram com que a maioria dos que vieram a estabelecer-se não seria a "nata" da sociedade sueca de então.

Muitos ambiciosos e aventureiros na busca de fortuna rápida que acabaram por comprar por precos mais do que "simbólicos" imensidões de florestas, áreas ricas em minérios de primeira qualidade,e lucrativos entrepostos comerciais.

A maior mina europeia de ferro de primeiríssima qualidade cá está em Kíruna, a indústria de madeiras que veio a criar a gigantesca indústria de papel sueca, as companhias hidroelécticas, fornecendo energia para toda a Escandinávia e continente, só para citar algumas.

Numa outra página negra nas relacöes do governo central com a população local,(agora nos tão
próximos anos de 1940 a 1956),foi estabelecido todo um programa de estudos rácicos, enquadrado por docentes do mais alto nível universitário, médico e antropológico, centrado na famosa universidade de Uppsala, com o fim de estudar e examinar detalhadamente milhares de lapões,de ambos os sexos e de todas as idades.

Os indivíduos, completamente nus, eram fotografados em várias posições, e entre outras observações ,os crânios eram medidos meticulosamente com aparelho especial, numa busca de estabelecer "científicamente" as diferençaas entre os escandinavos e estes...inferiores.

Tudo se encontra criteriosamente arquivado em vastos volumes,acompanhados dos álbum fotográficos e de esqueletos retirados dos cemitérios tradicionais, contra a vontade dos familiares.
Toda esta documentação, obtida no mesmo período em que a Alemanha nazi efectuava estudos semelhantes, está hoje aberta aos que a queiram consultar na Universidade.

No aspecto educacional, enquanto em toda a Suécia os programas escolares eram centralizados (e iguais) quanto ás disciplinas normais europeias, na Lapónia até 1966 (!!!) o ensino liceal era todo orientado para a criação de renas e para as técnicas florestais e cinegéticas.

Aparentemente muito lógico tendo em conta as realidades locais (apesar de hoje em dia só 14% dos lapöes se dedicarem á criacäo de renas). Mas,em verdade, não dando aos locais por falta das habilitações escolares necessárias, qualquer possibilidade de acederem ás universidades ou a outro ensino técnico superior, tão necessários para empregos na Escandinávia.

E,repetindo-me...isto até ao ano de 1966! A tal década em que a Suécia tanto votava nas Nações Unidas pelos direitos dos povos...colonizados.

Hoje, 6 de Fevereiro,  é oficialmente o dia nacional Sápmi. De uma Sápmi que tem já universidades locais; um Parlamento próprio que cria as leis regionais feitas em colaboração com os Samer da Noruega e Finlândia, e com um estatuto especial reconhecido pelos governos destes países; a língua local é ensinada de novo nas escolas e usada nas cerimónias oficiais.

Dispöe de televisão e estações de rádio também locais, com programas transmitidos para toda a Escandinávia. Com bandeira a ser hasteada ao lado da sueca em todos os edifícios oficiais,ou isolada, aquando dos feriados locais reconhecidos pelo governo central.

O "ambiente de fundo" já näo é hoje o mesmo do anterior. Apesar de ainda surgirem ,de vez em quando cenas de pugilato entre jovens de famílias locais e outros de famílias "escandinavas", tanto em discotecas como infelizmente em liceus ,(näo menos... na zona norueguesa).

Como curiosidade histórica,o método usado na zona da lapónia Russa quanto á "integração" durante os tempos soviéticos foi o de retirarem as crianlças em idade escolar do seio das famílias,enviando-as para receberem educapção primária ,liceal e universitária, em zonas muito afastadas culturalmente das tradicionais.

Os mesmos só podiam regressar ás famílias depois de terminada a educacäo escola. O sistema funcionava melhor que o escandinavo no respeitante à educação escolar dos indivíduos. Mas a falta total de contacto com as famílias e tradições em todo um longo período de formação, levava a que muitos já não se sentiam "em casa" ao regressar, acabando por afastar-se de novo para outros locais, não utilizando assim, dentro das zonas tradicionaisos, os conhecimentos adquiridos.

Por este motivo é hoje difícil saber-se o número total de indivíduos deste grupo étnico  existente na Rússia, sendo todas as estatísticas "aproximadas".

Um abraço.
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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18301: Da Suécia com saudade (57): Algumas coisas que um tuga tem que saber quando vier à Tabanca da Lapónia (José Belo)