sexta-feira, 18 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18649: Notas de leitura (1067): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (35) (Mário Beja Santos)

BNU em Bissau


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Dezembro de 2017:

Queridos amigos,
Admito que esta exposição assume por vezes um caráter fastidioso pela quantidade de pormenores que o gerente carreia nos seus relatórios para Lisboa. Somos forçados a intuir que a economia agrícola guineense suscitava um gradual interesse, como se veio a demonstrar pelas aplicações financeiras que irão ser feitas em diferentes áreas do desenvolvimento agrícola.
Não deixa de surpreender, quando se leem os relatórios concomitantes ao período da guerra, como os relatórios põem acento tónico nas experiências agrícolas, nas presunções de novos mercados, nas potencialidades da terra, a despeito da tremenda desarticulação em que se encontrava território, fruto da guerrilha. Para entender a tendência, é também necessário atender às necessidades prementes da metrópole, carente de oleaginosas.
Tinha chegado a era do Óleo Fula.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (35)

Beja Santos

Estamos em meados da década de 1950, há expansão mas surgem contratempos imprevistos. É o que se lê no relatório a seguir ao descabelado elogio à vinda do General Craveiro Lopes em visita oficial à Guiné:
“No que respeita à Dependência, mantiveram-se os seus resultados em curva ascendente, embora no último trimestre do exercício tivessem sido suspensas as transferências, no que a Filial deixou de receber cerca de 300 contos, por se terem esgotado as disponibilidades do Fundo Cambial, em consequência de terem ficado, durante alguns meses, sem poderem ser exportados, produtos num valor total de 40 mil contos, que excederam os contingentes fixados para a metrópole e para que não foram conseguidos outros mercados externos”. O ministro do Ultramar terá entretanto tomado providências pelo que o gerente mostra regozijo: “Essa circunstância, aliada às boas colheitas do ano agrícola em curso, permitem-nos encarar com maior optimismo o novo exercício e esperar que, no seu termo e pela sexta vez consecutiva, a Dependência volte a apurar os mais elevados resultados desde a sua abertura”. E despede-se impante: “Ao deixarmos esta encantadora e prometedora Guiné, para iniciarmos uma licença que utilizamos pela primeira vez em 30 anos consecutivos de serviço prestado à nossa Instituição, vamos com a certeza de que, pelo menos no corrente ano ainda, a Dependência não interrompe o caminho do progresso que tão marcadamente vem trilhando”.

É simultaneamente risonha e inquietante a situação que faz da evolução da praça:
“O comércio continua a expandir-se, pois, dia a dia, aumenta o número de comerciantes por toda a Província, a que agora está a juntar-se uma nova classe de indivíduos que mediante apenas o pagamento das licenças de importação e camarárias, pois não têm estabelecimento nem empregados, convertem-se em comerciantes ambulantes, vendendo em todos os locais ao comércio retalhista, a preços mais reduzidos e em concorrência com o comércio atacadista grande e pequeno, e estes continuam a não vender o suficiente para que sempre se preparem e esperam, de que resultam permanentes e excessivas existências, com todos os seus inconvenientes e a que, em boa verdade, parece que só restringindo a importação se poderia pôr cobro.
Embora a produção da mancarra, que continua a ser o pilar em que assenta a vida comercial desta Província, tenha sido inferior no ano findo, nem por isso o comércio esteve menos activo, pois dois importantes factores vieram compensar fortemente essa quebra e que foram os preparativos para a recepção de Sua Excelência o Presidente da República, cuja visita, acompanhado do então Ministro do Ultramar, Senhor Comandante Sarmento Rodrigues, que foi dilecto Governador desta Província, encheu de júbilo a sua população, e as muitas e vultosas obras que tiveram início ou continuaram nesse ano, ao abrigo do Plano de Fomento e para as quais o Estado integrou no seu orçamento, do mesmo ano, como despesa extraordinária, verbas que excederam 33 mil contos”.

Na segunda parte deste relatório de exercício de 1955 debruça-se exaustivamente sobre a situação das colheitas:
“A produção vegetal continua a ser a base da economia guineense, constituindo, mesmo praticamente, toda a sua produção, pois em 1954, último ano de que está feito ao apuramento oficial, traduziu-se por 91% do valor das exportações e acrescentando-lhe a produção florestal, sobra 94%.
Esta produção é obtida quer por meio da lavoura – a mancarra e o arroz – quer por simples colheita – o coconote – tendo essas duas oleaginosas, naquela ano, constituído cerca de 85% do valor da exportação.
Ainda sem qualquer expressão na exportação, vários outros produtos são também cultivados e desempenham importante papel na economia interna, como seja o milho, a cana-sacarina e a mandioca, sobretudo o primeiro, cuja produção anual tem sido avaliada em mais de 7 mil toneladas.
A cultura da mancarra, como toda a agricultura e colheita na província, continua a ser feita inteiramente pelos indígenas, em regime de rotação, sendo as suas maiores áreas de produção a circunscrição civil de Farim e a parte Norte de Bafatá e Gabu, onde os solos são mais ligeiros e a pluviosidade menor, como convém, sendo de notar que a grande área de produção de mancarra tem, nesta parte de África, o seu limite meridional dento da Guiné Portuguesa.
A sua cultura, feita em excesso, constitui, como se sabe, um perigo para os solos e vegetação, motivo porque se considera uma sorte para a Guiné que as áreas cultivadas não tenham atingido a desmedida proporção que se verifica no Senegal, onde já se põem graves problemas de revalorização do meio natural, que estão muito longe de ter a mesma acuidade entre nós.

Todavia, julga-se possível aumentar consideravelmente a produção da mancarra na Guiné, em condições que não ameassem o actual equilíbrio ecológico e para isso aconselha-se um grande esforço de colaboração entre indígenas, comerciantes e Estado; a progressiva melhoria de sementes, na forma da sua distribuição e armazenagem do produto e na procura de técnicas de cultura mais perfeitas. Se tal obra não for levada a efeito, receia-se que a Guiné corra o risco da ‘senegalização’, por motivo do crescimento da população e do aumento da procura e porque sem a progressiva racionalização cultural, assistir-se-á ao incremento da destruição da vegetação e ao encerramento dos pousios.
Felizmente é este o ponto de vista do governador desta Província, como já o demonstrou quando reuniu todos os régulos e ‘grandes’ da Guiné para lhes expor as suas ideias quanto aos problemas da produção, conforme referimos na nossa informação anterior, e posteriormente quando convocou a reunião no seu gabinete os gerentes das principais casas exportadoras para com eles estudar as medidas a tomar sobre a melhoria da semente da mancarra, como também da necessidade de serem construídos celeiros em melhores condições de adaptabilidade e conservação, por se ter atribuído então, ao mau estado das sementes a enorme quebra verificada na última colheita.

Como se sabe, a mancarra produzida é quase totalmente exportada, saindo ou entrando uma parte pelas fronteiras terrestres, por contrabando tanto dos indígenas como de alguns comerciantes, consoante as flutuações da cotação, mas sendo a saída o caos mais frequente.
Só há poucos anos uma fábrica começou a produzir óleo de mancarra mas irregularmente, por razões de ordem financeira e técnica, pois, tendo uma capacidade muito maior, apenas produziu 105 mil litros em 1951, mais de 42 mil em 1953, mais de 331 mil em 1954 e nada produziu em 1955, estando outras em construção que permitirão o total abastecimento interno e exportação do excedente, tendo a Sociedade Comercial Ultramarina iniciado já a elaboração da sua, em regime experimental”.
É minucioso nos detalhes, alarga-se em perspetivas animadoras.

Também se revela bastante documentado quanto ao arroz, como se pode ler:
“Ao completar-se a pacificação, a Guiné importava arroz, e autores como Ernesto de Vasconcelos e Carlos Pereira, nos seus livros, sugeriam a necessidade de ser intensificada a sua cultura para se chegar ao autoabastecimento.
No último quarto de século, porém a produção aumentou consideravelmente e não só se chegou a esse autoabastecimento como foram exportadas razoáveis quantidades para a metrópole, quando ela se não abastecia por si, e sobretudo, digamos mesmo, frequentemente, até há pouco mais de ano, para o Senegal, Guiné Francesa e Gâmbia, mas quase todo clandestinamente, não figurando portanto, nas estatísticas alfandegárias.
Continua esse cereal a ser não só a base da alimentação da população indígena como a principal produção da Guiné. Segundo estudos recentes baseados na fotografia aérea, as principais zonas produtoras de arroz de regadio da Guiné têm uma extensão de 78 mil hectares, os quais não incluem as pequenas bolanhas. O rendimento por hectare tem sido avaliado na Guiné entre 1800 e 3000 quilos (2500 a 5500 nos arrozais novos do Sul) e aplicando à área total indicada acima o rendimento, baixo, de 2000 quilos, obtém-se uma produção da ordem de 150 mil toneladas, número que se considera excessivo. Julga-se que a estimativa oficial que vem sendo apresentada de uma produção arrozeira de 45 a 60 mil toneladas peca por defeituosa e que não se errará avaliando-a à volta de 100 mil toneladas anuais.
Na zona litoral, as áreas de mangal e lalas salgadas com possibilidade de aproveitamento orizícola excedem 100 mil hectares. Com a sua ocupação e melhoria dos métodos agrícolas, creio que a produção poderia triplicar, isto é, atingir um valor da ordem das 300 mil toneladas, como também se considera que uma orientação feita nesse sentido constituiria, sem dúvida, uma das bases de uma sã economia guineense.

Como se informou em devido tempo, a colheita do arroz do ano anterior – 1954/1955 – foi boa e dela ficaram largos excedentes – umas 10 mil toneladas – para que não se conseguiram mercados externos e ainda em princípios do corrente ano o problema da sua colocação não se achava solucionado e a que virá dar-lhe maior acuidade a certeza de uma nova colheita mais abundante, havendo porém, a esperança de que chegarão a bom termo as negociações em curso para o escoamento da razoável parte desse excedente e para o que o governo acaba de dar forte, se não decisiva contribuição, suspendendo até 31 de Dezembro do corrente ano as sobretaxas que recaem sobre a exportação do arroz descascado e em meio preparo, podendo, assim, ser reduzido o seu preço e provocar maior interesse dos mercados consumidores externos”.

O relatório fala ainda do coconote e óleo de palma e não deixa de tecer algumas considerações sobre as obras dos portos, o respetivo movimento e até a vida económica e financeira dos municípios. Da leitura destes relatórios fica-nos a convicção de que o BNU está a fazer uma aposta muito forte na vida agrícola da Guiné, fosse qual fosse a preparação do relator não é entendível que chega a tais minudências do funcionamento do mercado se acaso em Lisboa não houvesse um grande interesse em conhecer em profundidade o que se estava a passar na agricultura guineense.

Clipper em Bolama 

Nota que revela com o BNU também fazia, inicialmente, empréstimos sob penhores

(Continua)
____________

Nota do editor

Poste anterior de 11 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18622: Notas de leitura (1065): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (34) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 14 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18631: Notas de leitura (1066): “Tatuagens da Guerra da Guiné”, pelo Capitão Luís Riquito; Guerra e Paz Editores, 2018 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18648: FAP (105): 28 de julho de 1968, o dia em que o Fiat G-91, nº 5411, pilotado pelo ten cor Francisco Dias Costa Gomes, foi abatido sob os céus de Gandembel, por fogo de AA (Antiaérea)


Guiné > Bissalanca > BA 12 > 1968 > O Fiat G-91 R4, nº 5411, uns dias antes de ser abatido (em 28 de julho de 1968). No cockpit, o cap piloto aviador José Nico

Foto (e legenda): © Mário Santos (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentário de Mário Santos (ex-1.º  cabo especialista MMA da BA 12, 1967/69), membro nº 772 da Tabanca Grande, com data de 13 de maio último,  ao poste P18626 (*):

Caros amigos e camaradas: 

Apenas uma pequena correcção que se impõe: O 1º Fiat G-91 R4 foi o 5411, abatido por fogo de Anti-Aérea no dia 28 de Julho de 1968,  levando no cockpitt o nosso Comandante de Grupo Operacional Ten-Cor Costa Gomes, após ter dido atingido junto a Gandembel. Ejectou-se e fugiu por entre a mata até alcançar o aquartelamento de Gandembel. (**)

Tenho no meu espólio a foto dessa aeronave, pouco antes de ter sido atingida, uma vez que era eu que estava encarregado dela nesse longínquo dia de 1968.

Não a consigo colocar aqui, uma vez que esta zona apenas permite escritos em texto.


2. Mensagem, por email, do Mário Santos, nesse mesmo dia:

Meu caro Luís Graça:

Longe de mim qualquer idéia de despoletar polémicas no seio do grupo. A minha colaboração e espólio é apenas relativa ao conhecimento do meu tempo na BA12 entre 67/69 [, ou seja, antes do aparecimento do Strela, em 25 de março de 1973].

Tenho a valiosa e insubstituível cooperação do meu amigo contemporâneo e camarada de armas desses conturbados tempos, gen José Nico.

Este é o sumário do que se passou naquela longínqua manhã de 28 de Julho de 1968:

Como habitualmente naquele dia saltei da cama às 05.00 da matina; tocava-me estar na equipa de alerta e a "parelha" de Fiat G-91 deveria estar pronta para descolar às 06.00.

Éramos apenas dois, eu e o Luís Tavares; todos os restantes iniciariam a actividade normal cerca das 08.00 da manhã. Afinal não; a "parelha de alerta" naquele dia não descolou cedinho…

Só cerca das 11.00 chegaram o Ten Cor Costa Gomes, Comandante do Grupo Operacional  [nº 1201] e o Capitão Fernando Vasquez, nosso Comandante de Esquadra, para voarem respectivamente o 5411 e o 5416. 
Uma hora passada, chegou a noticia de que um deles não regressaria à Base. Abatido por fogo de Anti-Aérea. na zona de Gandembel. Naquela manhã, algo tinha corrido mal…

O Ten Cor [Francisco Dias] Costa Gomes, com o seu bigodinho à Clark Gable, era um homem sisudo, vaidoso, de poucas falas,  e que nunca sorria. Não era simpático. Mesmo quando interpelado, respondia sempre com monossílabos. Mas era um bom Piloto. Tinha já passado pela BA9-Luanda onde tinha sido “alcunhado” com um curioso epíteto que nunca entendi muito bem! Não o vou dizer, por respeito à sua memória. 
Já o Capitão Vasquez [, Fernando de Jesus Vasquez,] , era o seu oposto… simples, simpático, sorridente, comunicador e um excelente Piloto. Todos gostávamos dele. Um grande Oficial General felizmente ainda entre nós!

Envio em anexo [foto d]o 5411,  nesse dia  já com o J. Nico sentado no cockpit para mais uma missão de bombardeamento… não sei em que zona, nem penso que isso seja importante. Direi apenas que esta foto foi feita poucos dias do abate deste avião. (***)

Grande abraço,
Mário Santos,
____________

Notas do editor:

(***) Último poste da série > 18 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18647: FAP (104): Breve Historial: Operação Atlas (Mário Santos, 1.º Cabo Especialista MMA)

Guiné 61/74 - P18647: FAP (104): Breve Historial: Operação Atlas (Mário Santos, 1.º Cabo Especialista MMA)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Santos (ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12, 1967/69), com data de 7 de Maio de 2018:

Caros amigos e camaradas.
Este é um documento de inestimável valor, em especial para as gerações mais novas.
São eventos da nossa história, e parte fundamental da nossa memória colectiva que estão acantonados nos Arquivos do Silêncio….
Retratam um acontecimento único e indelével na história da Aviação Militar Portuguesa.
Nela tomaram parte alguns amigos e camaradas de quem fui contemporâneo anos mais tarde na BA12 Bissalanca-Guiné.
Recordo com profunda saudade, já nos longínquos tempos de 67/69 os então Sargentos Pilotos, Pombo Rodrigues e Cartaxo da Silva (68/69) este já a voar o C-47 Dakota, assim como os Sargentos MMA, Mário Caneiro, José Cabeleira, Lino Carneiro e tantos outros que a inexorável passagem dos anos me varreu da memória.


____________

Nota do editor

Último poste da série de 30 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18585: FAP (103): Pedaços das nossas vidas (3): Madina do Boé "O Algarve na Guiné", por TGeneral PilAv José Nico (José Nico / Mário Santos)

Guiné 61/74 - P18646 Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXXII: As minhas estadias por Bissau (v): março de 1968


Foto nº 49 A >  Bissau > Brá >Quartel dos Adidos > Frente à messe de oficiais, o Virgílio Teixeira, de motorizada Peugeot


Foto nº 49 >  Bissau > Brá >Quartel dos Adidos > Março de 1968 > Frente à messe de oficiais, o Virgílio Teixeira, de motorizada Peugeot


Foto nº 51 > Bissau > 11 de março de 1968 > Na estrada do aeroporto a caminho de Safim num domingo...


Foto nº 41 > Bissau > Março de 1968 > No bar "A Meta":  da esquerda para a direita: o soldado condutor Espadana, que servia à mesa na messe de oficiais do nosso batalhão;  outra pessoa que não me lembro quem é;  a seguir o alferes Policarpo (, Artolas, era o nome de guerra dele);  depois juntando, o Verde, o Cachadinha e eu, formávamos aquilo a que passou a denominar-se ‘o pelotão dos artolas’...


Foto nº 41A > Março de 1968 > No bar "A Meta" [...ou não seria antes o "Nazareno" onde havia fados e guitarradas ? No cartaz. acima das cabeças, pode ler-se: [fados] acompanhados à guitarra, Jorge Neto, e viola, Manuel Castro]


Foto nº 60 > Bissau, março de 1968 > Junto com os meus dois ajudantes do CA [Conselho Administrativo], Furriel Pinto e Furriel Riquito, junto a uma bolanha, no período de março de 1968 quando o BCAÇ 1933 estava de serviço nos Adidos em Brá.


Foto nº 69


Foto nº 69A > Bissau, março de 1968 > Um grupo de camaradas, numas matas, sem perigo, nos arredores de Bissau, no mês em que o BC1933 estava nos Adidos em Brá. Bissau.


Foto nº 68 A > Bissau, março de 1968 > Um grupo de camaradas, num domingo de passeio, na sombra de um frondoso e grande Poilão.

Guiné > Bissau > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69); natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado; tem já mais de meia centena de referências no nosso blogue.

Recorde-se que o Virgílio Teixeira, de acordo com o seu CV militar (corrigido e atualizado...):

(i) assentou praça, em Mafra, na Escola Prática de Infantaria (EPI), em 3 de janeiro de 1967, ainda antes de completar os 24 anos de idade;  jurou bandeira em finais de março;

(ii) como habilitações literárias, tinha já os dois primeiros anos da Faculdade de Economia do Porto (, licenciatura que completou depois da tropa);

(iii) foi enviado para a EPAM  [Escola Prática de Administração Militar], em Lisboa, no Lumiar; acabou em junho a especialidade de SAM ], Serviço de Administração Militar]; promovido a aspirante, tinha uns dias de estágio, que acabou por não fazer por ter ido para o HMP,  na Estrela,  fazer Fisioterapia por cauda de acidente em fevereiro desse ano;

(iv) é mandado para o BC 10 em Chaves, onde deveria também fazer um estágio no CA, em julho, ("mas não fiz, pois não havia lá ninguém para me orientar; desenfio-me então porque não estava lá a fazer nada");

(v)  "sou mobilizado para a Guiné em 10Ago67 - curiosamente dois anos depois em 10Ago69 chego a Lisboa a bordo do UIGE -, mas ninguém sabe de mim; encontraram-me, fui a Chaves levei uma piçada do comandante, e só me disse que não me castigava porque já tinha um 'castigo maior', que era a Guiné...Fui com Guia de marcha para Santa Margarida fazer o IAO, e sei que o meu batalhão vai para a Guiné. Tudo bem, em vez de fazer alguma coisa para aprender mais da minha função, integro-me contra a vontade dos comandos, nas operações do IAO, e vou para a carreira de tiro onde utilizo todas as armas, até o dedo ficar esfolado"...

(vi) partiu de Figo Maduro, em 20 de setembro de 1967, num avião militar, com o comando avançado do BCAÇ 1933, para render o outro batalhão, o BCAV 1915, que seguiu para Bula ("embarco em 20 de setembro em Figo Maduro, chego a Bissau em 21, avanço para Nova Lamego  em 24 e regresso a Bissau em 27 de setembro, com objectivo de ir aprender mais alguma coisa na Chefia de Contabilidade, mas vou mais vezes para o Pilão e para a Piscina do Club em vez de ir para CC;  depois tenho de aprender sozinho, e cumpri as minhas funções sem nenhuma mácula."

(vi) faz o serviço no CTIG como alferes miliciano, sendo a sua especialidade o serviço de administração militar (SAM);  nessa qualidade, foi chefe do conselho administrativo (CA) do BCAÇ 1933, ou seja, o oficial mais perto do comandante de batalhão, que era um tenente-coronel;

(vii) não tendo sido um "operacional" propriamente dito, por isso, "contar muita coisa sobre operações em concreto, embora tivesse feito muitas colunas militares de reabastecimentos, quer por rio ou por estrada" [, a Madina do Boé, por exemplo], além de muitas patrulhas à volta dos aquartelamentos, e vivendo muitas vezes os bombardeamentos contínuos às posições [das NT]"

(viii) faz questão também de declarar que dá "um valor enorme ao sacrifício das nossas tropas": "conheço, por aquilo que leio agora, o que se passou e nós não sabíamos quase nada. Passaram mais de 40 anos até se perceber o que foi aquela guerra";

(ix) "esta reportagem - Bissau, parte I - pretende focar apenas a cidade e arredores de Bissau, as suas várias escapadelas, outras deslocações em serviço, as vivências e acima de tudo as loucuras da juventude, por esta cidade-capital, que, apesar de tudo, ficou marcada para o resto da vida";

(x) "os comentários que são feitos às fotos, são apenas de memória, o que veio à cabeça, e por consulta a vários elementos escritos, em especial aquilo que está escrito nas costas das fotos";

(xi) a esta parte o autor chama-lhe “As minhas Estadias por Bissau” ; deixa, para futura reportagem , o tema "Bissau – Parte II"; e aí sim, vai dar-lhe um nome sonante: “As minhas férias na Guiné”... que engloba tudo, Bissau, Nova Lamego e São Domingos, incluindo os aquartelamentos de Cacheu, Susana e as praias de Varela.

(xii) Comentário final do autor: "Mas sobre o CV falta lá o antes e o depois. Nada foi fácil, como se pode pensar, eu tenho no meu activo cerca de 60 anos de trabalho, e não parece, mas aos 12 anos já era contribuinte da segurança social - naquela época caixa de previdência - passei à situação de pensionista após 45 anos ininterruptos de trabalho e contribuições, por isso com 45 anos de descontos, dou de borla ao Estado 5 anos, pois só precisava de 40. Nem os aumentos de 100% da Guiné precisei deles. Mas nunca parei, e continuei na mesma vida, agora sem mais descontos e a receber a minha pensão. Neste momento apenas escrevo o Livro e comento nos Blogues, ajudo os filhos em burocracias quando eles precisam, pois tenho uma enorme experiência de muitas coisas"....


Guiné 1967/69 - Álbum de Temas: T031 – Bissau - Parte 1 > (v) Março de 1968 > Legendagem (*)

F41 – No bar "A Meta" com um grupo de amigos e camaradas, no mês de Março quando o batalhão ], o BCAÇ 1933,]  esteve em Brá - Adidos - Bissau. Da esquerda para a direita: um soldado do batalhão, outro que não sei quem é, outro soldado irmão do Riquito, o Cabo Horta do CA [, conselho administrativo], a seguir eu, depois o Furriel Riquito do CA. Era o único lugar, bar ou pub, um clube privado, fechado, onde se poderia estar a beber uns copos tirando umas passas. Não havia mulheres nem raparigas, Só militares. Tinha uns jogos de carros para entretenimento. Bissau, Março68.

F49 – Estamos no Quartel dos Adidos em Brá, onde o batalhão [,o BCAÇ 1933,] passou o mês de Março 68. Estou de motorizada Peugeot, à porta da Messe de Oficiais. Em pé na porta o Espadana, que servia à mesa, era soldado condutor. Sentado atrás de mim, o nosso Capelão, já falecido entretanto, Alferes Graduado Moita. Bissau, Março 68.

F50 – Num bar – pub, chamado ‘A Meta’,  privativo, para sócios, com assinatura, com um conjunto de amigos e camaradas. Foi no período em que o meu Batalhão esteve um mês em Bissau – Março de 68 – e que deu origem a muitas visitas a quase todos os pontos da cidade. Eu tinha o movimento facilitado devido ao meu transporte privado – a minha motorizada, uma Peugeot e depois uma Honda, ambas com recurso ao crédito e a prestações.

Da esquerda para a direita, está o soldado condutor Espadana, que servia à mesa na messe de oficiais do nosso batalhão, outra pessoa que não me lembro quem é, a seguir o alferes Policarpo, (artolas, era o nome de guerra dele, depois juntando, o Verde, o Cachadinha e eu, formávamos aquilo a que passou a denominar-se ‘o pelotão dos artolas’ e partilhávamos a mesma tenda nas semanas de campo, em Mafra e na Carregueira). Ele fez a recruta em Mafra e especialidade na EPAM juntamente comigo e depois encontramo-nos em Bissau. Era do Porto, o pai tinha um restaurante na Rua da Madeira, ao lado da Estação de São Bento. Bissau, 25Mar68.

F51 – Na estrada do aeroporto a caminho de Safim num Domingo. A partir daqui depois de comer uns petiscos numa esplanada à beira da estrada, temos dois caminhos: Para a direita segue-se para Nhacra-Mansoa-Mansabá. Para a esquerda, para Bula, Binar. Acho que nesta altura porque ia outro atrás de mim, fiquei pela piscina de Nhacra. Mais tarde fui sozinho a caminho de Mansoa, quando fui mandado parar e regressar à base. Bissau, 11Mar68.

F60 – Junto com os meus dois ajudantes do CA, - Furriel Pinto e Furriel Riquito - junto a uma bolanha, no período de Março de 1968 quando o BCAÇ 1933 estava de serviço nos Adidos em Brá. Bissau, Março 68.

F68 – Um grupo de camaradas, num Domingo de passeio, na sombra de um frondoso e Grande Poilão, árvores enormes que seriam precisos 2, 3 ou 4 homens para a abraçar. Bissau, Mar68.

F69 – Um grupo de camaradas, numas matas – sem perigo - nos arredores de Bissau, no mês em que o BC1933 estava nos Adidos em Brá. Bissau, Março/68.
_______________

Guiné 61/74 - P18645: Parabéns a você (1436): Joaquim Fernandes Alves, ex-Fur Mil Art da CART 1659 (Guiné, 1967/68)

____________

Nota do editor

Último poste da série de 17 de  maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18642: Parabéns a você (1435): António Pinto, ex-Alf Mil Inf do BCAÇ 506 (Guiné, 1963/65)

quinta-feira, 17 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18644: Historiografia da presença portuguesa em África (116): Otto Schacht, um comerciante alemão, que deu dores de cabeça às autoridades da colónia e à diplomacia portuguesa... e que terá sido avô de um outro Otto Schacht, futuro dirigente do PAIGC, assassinado em 14 de novembro de 1980, data do golpe de Estado de 'Nino' Vieira (Armando Tavares da Silva)



Otto Schacht,  membro da Comissão de Segurança e Controlo e do Serviço de Logística do PAIGC. c. 1963/73. Assassinado em 14 de novembro de 1980. Foto. Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral (com a devida vénia...).

Citação:
(1963-1973), "Otto Schacht", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43793 (2018-5-17)



1. Texto enviado pelo nosso amigo e grã-tabanqueiro  Armando Tavares da Silva, com a data de ontem, e a seguinte mensagem

Caro Luís,

Passada a grande azáfama e momento alto da “Grande Reunião” de 5 de Maio, deve haver agora tempo para a publicação do texto que anexo.

De facto, entre as inúmeras personagens que ilustram o blogue, notei o nome de Otto Schacht, o mesmo nome de um comerciante alemão cujo comportamento, entre os finais do Século XIX e primeiras décadas do Século XX, muitos problemas causou às autoridades portuguesas na Guiné. 

Este novo Otto Schacht, personagem importante do PAIGC, é, muito provavelmente, filho do anterior, e por isso é interessante ilustrar com alguns episódios o que foi a passagem daquele na Guiné no período de tempo referido e que poderá, eventualmente, permitir estabelecer alguma comparação entre ambos.

Abraço

Armando Tavares da Silva


Capa do livro de Armando Tavares da Silva, “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)” (Porto: Caminhos Romanos, 2016, 972 pp.)

2. Otto Schacht

por Armando Tavares da Silva

Entre as personagens que têm vindo mencionadas nos vários Posts há uma que me prendeu a atenção. Trata-se de Otto Schacht, cuja última referência é a do Post P18439 de Jorge Araújo, relativo ao ataque a Bolama em 3 de Novembro de 1969.  (*)

Ora , na obra “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)”,  há um grande número de citações de um certo comerciante alemão com o nome de Otto Schacht.

A sua presença na Guiné ao longo de várias décadas constitui um exemplo da pressão que os comerciantes estrangeiros, de entre os quais se salientavam os franceses e alemães, exerciam sobre a administração da província. Os sucessivos governadores tinham de, constantemente, acorrer a resolver situações que aqueles provocavam, de que resultavam reclamações as quais, muitas vezes de má fé e distorcendo os factos, eram apresentadas pela via diplomática ao governo de Lisboa, causando-lhe acrescidos problemas, e que este procurava evitar.

Otto Schacht era um daqueles habitantes da praça de Bissau que o governador Gonçalves dos Santos considerava que colaborava no “vil procedimento” que consistia no desrespeito e desacatos à autoridade que “o gentio branco e mulato (filhos da ilha do Fogo)” praticava “mancomunados com os gentios e grumetes”.

De facto, durante os graves acontecimentos que ocorreram em Bissau, em Fevereiro e Março de 1891, o comerciante Otto Schacht, representante da casa alemã Bernardo Soller, fizera balas em sua casa para as fornecer aos grumetes e gentio.

Acontece, porém, que depois deste tipo de actuação Otto Schacht virá a encontrar razões para se queixar junto do governo. Sucedera que estes acontecimentos tinham levado à paralisia do comércio, ficando as casas estrangeiras em risco de perder as importâncias dos créditos que os grumetes e gentios de Bissau lhes deviam, e Otto Schacht apresenta protestos por este facto. O governador irá alegar que tais créditos não estavam garantidos pelo governo da província, visto que fora das muralhas da praça, território onde a acção do governo era nula, não havia estabelecimentos comerciais.

A reclamação de Otto Schacht vem a ter desenvolvimentos a nível diplomático, chegando a ser referida verbalmente pelo ministro da Alemanha em Lisboa, manifestando o desejo de que ela fosse atendida, e obrigando a que o ministro Ayres d’Ornellas refutasse responsabilidade pelos prejuízos que, por motivo de força maior, pudessem sofrer residentes estrangeiros em tempo de guerra.

Foram muitos outros os problemas ocasionados por Otto Schacht. Entre estes conta-se o facto de os manjacos da ilha de Pecixe terem obstado a que se procedesse à descarga de umas mercadorias do comerciante Otto Schacht, o que levou a uma intervenção directa do governo. A recusa prendia-se com problemas de dívidas entre Schacht e um manjaco. 

No fundo, parecia que a verdadeira razão se relacionava com uma história dos amores entre a filha do régulo e um antigo empregado de Schacht. Era mais um episódio resultante de ser vulgar os pretos e mulatos de Cabo-Verde, quando estavam em territórios dos gentios, em lugar de tratarem dos negócios dos seus patrões ou fornecedores, se meterem com as mulheres, ou de os aconselharem a não cumprir as ordens do governo. Isto era origem muitas vezes de guerras ocasionando perda de vidas e dinheiro.

Mais tarde, em finais de 1908, é uma lancha ao serviço de Otto Schacht que é assaltada e apresada por balantas. Desta vez Otto Schacht não pede qualquer indemnização, mas faz intervir na questão o governo alemão, o que vem a ocasionar extensas trocas diplomáticas e a realização de inquéritos locais para averiguar até que ponto eram aceitáveis e justas as reclamações alemãs. 

Numa dessas trocas o ministro alemão é informado que Otto Schacht já fora condenado pela justiça da colónia por tentativa de suborno. Registemos que, numa outra nota, o ministro da Alemanha vai ao ponto de escrever que por “ordem do governo Imperial, o governo de S. M. Fidelíssima atire a atenção sobre a necessidade de estabelecer na Guiné uma autoridade estável e apta a garantir a liberdade do comércio em conformidade à obrigação tomada pelos Estados signatários do Acto Geral de Berlim de 1885”.

Porém, daqueles inquéritos vem a apurar-se que o comércio que Otto Schacht realizava no território dos balantas não tinha sido autorizado pelo governo, visto aí a guerra ser declarada: os próprios grumetes que negociavam no chão balanta faziam-no sem licença, e o fornecimento dos géneros que Otto Schacht lhes facultava para negócio era feito clandestinamente. 

Este assunto só acaba por ser completamente esclarecido junto da Legação da Alemanha em 1910, depois de sobre ele o governador fornecer todos os esclarecimentos complementares que mostravam quanto era infundada a reclamação de Otto Schacht.

Acrescentemos que Otto Schacht já tinha dirigido nesse ano uma queixa ao governo alemão, declarando ter sofrido prejuízos nas feitorias, alegadamente por não ter recebido aviso para retirar de uma região onde se desenrolavam operações militares (margem esquerda do rio de Geba). Vem a verificar-se que a reclamação era infundada por a região em guerra estar desocupada e Otto Schacht não ter licença para ali negociar.

O ano de 1908 foi fértil em reclamações de Otto Schacht. Em Abril este faz nova queixa ao governo alemão reclamando contra a construção de uma linha e estação, vindo a constatar-se a má-fé com que esta reclamação fora feita, visto que a propriedade agrícola em causa tinha sido comprada em hasta pública quando estava em construção a estação telegráfica.

Também em 1910 Otto Schacht é preso sob inculpação do uso de medidas falsas no negócio de azeites. Mais uma vez irá procurar desencadear conflitos diplomáticos, queixando-se ao governo alemão daquele facto. Ora as medidas que Otto Schacht usava eram medidas falsas e ilegais, não pertencendo a qualquer sistema (incluindo o “decimal”) e nas quais tinha feito uns cortes ou marcações que lhe permitiam enganar os compradores.

É interessante mencionar que Otto Schacht virá a pedir a naturalidade portuguesa em 1930. Apreciado em Lisboa este pedido, mas faltando vários documentos que a lei exigia, entre eles o certificado do registo criminal passado na colónia (apenas apresentara o certificado do registo criminal passado pela repartição de polícia de Lubeck) é a documentação devolvida à Guiné. Ao ter conhecimento deste resultado Otto Schacht informa que decide ir a Lisboa para tratar pessoalmente de legalizar o processo perante o ministério das Colónias. Mas nenhum outro documento é anexo ao seu pedido.

Terá Otto Schacht adquirido a nacionalidade portuguesa como pretendia? Seria essa a nacionalidade do seguramente seu descendente, também Otto Schacht de nome, que foi responsável pela segurança do PAIGC (que até teria estado no local onde Cabral foi assassinado) e que viria a pertencer ao “Comité Executivo da Luta”, e em 1973 ao “Conselho de Estado” da auto-proclamada República da Guiné-Bissau, e assassinado em 1980 (Post acima referido)? (***)

3. Nota do editor:

O Otto Schacht, dirigente do PAIGC, assassinado em 14 de novembro de 1980, tal como Buscardini, os dois responsáveis máximos da segurança do Estado (**), devia ser neto deste comerciante alemão, homónimo. Devia ser mais velho que o cantor José Carlos Schwarz (1949-1977), também ele neto de um comerciante alemão.

Uma das raras fotos existentes no Arquivo de Amílcar Cabral, é a que publicamos acima, com a devida vénia...Era então membro da Comissão de Segurança e Controlo e do Serviço de Logística do PAIGC. Um homem poderoso... tal como Buscardini, assassinado no mesmo dia 14 de novembro de 1980, o do golpe de Estado de 'Nino' Vieira (ou associado ao seu nome).

_______________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de :


(***) Último poste da série > 16 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18641: Historiografia da presença portuguesa em África (114): Uma reunião invulgar: a Conferência dos Administradores, Bissau, 1941 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18643: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XXXIV: Cochim, Índia, 17 de novembro de 2016...cinco séculos depois de Pedro Álvares Cabral ter aqui aportado, com 4 navios


Foto nº 5 > Índia > 17 de novembro de 2016 >  Cochim > o  autor e a esposa. junto à catedral-basílica de Santa Cruz


Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





1. Continuação da publicação das crónicas da "viagem à volta ao mundo em 100 dias" [3 meses e oito dias], do nosso camarada António Graça de Abreu-

Escritor, poeta, sinólogo, ex-alf mil SGE, CAOP 1 [Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74], membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com mais de 200 referências, é casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais.

2. Sinopse da série "Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias"

(i) neste cruzeiro à volta do mundo, o nosso camarada e a sua esposa partiram do porto de Barcelona em 1 de setembro de 2016; [não sabemos quanto despenderam, mas o "barco do amor" deve-lhes cobrado uma nota preta: c. 40 mil euros, no mínimo, estimanos nós];

(ii) três semanas depois de o navio italiano "Costa Luminosa", com quase três centenas de metros de comprimento, sair do Mediterrâneo e atravessar o Atlântico, estava no Pacífico, e mais concretamente no Oceano Pacífico, na Costa Rica (21/9/2016) e na Guatemala (24/9/2017), e depois no México (26/9/2017);

(iii) na II etapa da "viagem de volta ao mundo em 100 dias", com um mês de cruzeiro (a primeira parte terá sido "a menos interessante", diz-nos o escritor), o "Costa Luminosa" chega aos EUA, à costa da Califórnia: San Diego e San Pedro (30/9/2016), Long Beach (1/10/2016), Los Angeles (30/9/2016) e São Francisco (3/4/10/2017); no dia 9, está em Honolulu, Hawai, território norte-americano; navega agora em pleno Oceano Pacífico, a caminho da Polinésia, onde há algumas das mais belas ilhas do mundo;

(iv) um mês e meio do início do cruzeiro, em Barcelona, o "Costa Luminosa" atraca no porto de Pago Pago, capital da Samoa Americana, ilha de Tutuila, Polinésia, em 15/10/2016;

(v) seguem-se depois as ilhas Tonga;

(vi) visita a Auckland, Nova Zelândia, em 20/10/2016;

(vii) volta pela Austrália: Sidney, a capital, e as Montanhas Azuis (24-26 de outubro de 2016);

(viii) o navio "Costa Luminosa" chega, pela manhã de 29710/2016, à cidade de Melbourne, Austrália;

(ix) visita à Austrália Ocidental, enquanto o navio segue depois para Singapura; o Graça de Abreu e esposa alugam um carro e percorrem grande parte da costa seguindo depois em 8 de novembro, de avião para Singapura, e voltando a "apanhar" o seu barco do amor...

(x) de 8 a 10 de novembro. o casal está de visita a Singapura, seguindo depois o cruzeiro para Kuala Lumpur, Malásia (11 de novembro);

(xi) Phuket, Tailândia (12-13 de novembro);

(xii) Colombo, capitão do Sri Lanka ou Ceilão ou Trapobana (segundo os "Lusíadas", de Luís de Camões. I, 1), em 15-16 de novembro. de 2016;

As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

(xiii) na III (e última) parte da viagem, Graça de Abreu e a esposa estão, a 17 de novembro de 2016, em Cochim, na Índia, e descobrem a cada passo vestígios da presença portuguesa; a 18, estarão em Goa.

3. Viagem de volta ao mundo em 100 dias > Índia, Cochim, 17 de novembro de 2016 (pp. 1-5 I e última Parte)

Cochim, Índia

A Índia de Mahatma Gandhi, de Nehru, dos nossos Afonso de Albuquerque e Vasco da Gama, na imensa lista de países que faltava conhecer.

Arribo a Cochim, tenho dois dias de estadia e decido perder-me pela velha Kochi (Cochim) associada a uma vetusta presença portuguesa. Foi Pedro Álvares Cabral o primeiro português, com quatro navios, a aportar a Cochim, em Dezembro de 1500. Após ter chegado ao Brasil em Abril do mesmo ano, as naus de Cabral continuaram viagem para Oriente pelo Cabo da Boa Esperança e pelo Índico, só tendo regressado a Portugal em Junho de 1501.

Cochim era já então um importante porto de mar e a missão de Pedro Álvares Cabral, para além da descoberta oficial do Brasil, tinha também a ver com o reconhecimento das terras da velha Índia. Logo depois, em nova viagem, Vasco da Gama desembarcou em Cochim e, em 1504, Afonso de Albuquerque aqui arribou tendo mandado construir uma fortaleza de que resta hoje apenas um pequeno troço amuralhado debruçado sobre o mar.

Éramos os indomáveis, destemidos e pouco ajuizados lusitanos de quinhentos. Com a inevitável decadência portuguesa pelo Oriente, Cochim acabou por passar para a posse dos holandeses em 1663 e mais tarde, a partir de 1795, seriam os ingleses os senhores do lugar.

Segui para a parte histórica de Cochim após discutir o preço da corrida com um dos muitos condutores de tuk-tuk que esperavam os turistas à saída do Costa. Paguei dois dólares por cerca de quinze quilómetros de caminho, com a premissa de primeiro ser levado a uma loja onde estive quase a comprar um belíssimo elefante em prata. Pediram-me 500 dólares US, ofereci 200, o preço desceu até aos 350, insisti nos 200, e o elefante ficou com o mercador de Cochim



Foto nº 1

Chego a Fort Kochi, a verdadeira Cochim antiga. Tudo casas baixinhas, de um ou dois pisos, algumas em arquitectura colonial muito elaborada [Fotos nº 1 e 2]. O restaurante “Oceanos” anuncia Portuguese Cuisine, Indo-Portuguese Cuisine, Old Fashion Christian Cuisine. São dez da manhã, não dá para almoçar ou jantar, mas que delícias gastronómicas se esconderão na cozinha deste restaurante?

Foto  nº 2 



Foto nº 3


Entro numa escola primária, católica, dirigida por freiras. As duas salas de aula têm as portas abertas para os rapazes verem os turistas estrangeiros, e vice-versa.

São só miúdos, de rosto aberto e bem disposto, vestem todos de igual, umas camisas aos quadrados vermelhos, brancos e pretos e saúdam-nos alegremente num inglês macarrónico. [Foto nº 3]



Foto nº 4

Logo adiante encontro as salas das raparigas, separadas do sexo masculino, que estão na hora de saída e usam um uniforme em vermelho e azul. [Foto nº 4]

 São bonitas estas crianças indianas, quase todas elas, dizem-me, de famílias católicas há muitas gerações. Em Montancherry, aqui ao lado, haveria de encontrar ao longo da estrada algumas igrejas e cemitérios cristãos e uma ou outra loja, ou casa, com os nomes Sylva, D’Cruz, Fernandes. Serão os descendentes dos soldados e casados portugueses dos séculos XVI e XVII que guarneciam as fortalezas e entrepostos junto ao mar, iam ficando por estes lugares, misturando-se com mulheres indianas ou até, mais raramente, de casamentos com as chamadas “órfãs d’el rei”, mulheres pobres portuguesas, filhas de soldados mortos nos muitos combates da época, ou senhoras de moral algo duvidosa, enviadas para a Índia para casarem até, se possível, com um nobre indiano, e constituírem família. Deixaram filhos, netos, etc., que hoje, creio, ainda com algum orgulho, usam o nome do tetravô lusitano.

Na Vasco da Gama Square, entro na igreja de S. Francisco, o primeiro templo católico europeu a ser construído pelos portugueses na Índia, em 1503. Lá dentro, no meio de muitas lápides e sepulturas de gente da nossa pequena nobreza, encontra-se o túmulo onde esteve o corpo de Vasco da Gama. O almirante-mor dos mares da Índia veio três vezes às terras indianas, em 1498, 1502 e 1524. A última viagem já não teria regresso. Velho e doente, com malária, Vasco da Gama morreu em Cochim, em 1524. O corpo permaneceu nesta igreja de S. Francisco até 1539 quando os seus restos mortais foram transladados para Portugal, pelo seu filho. Uns brasileiros de passagem recente resolveram deixar, ao lado do túmulo vazio, um galhardete preto e branco da sua querida equipa de futebol, o Clube de Regatas Vasco da Gama, exactamente o conhecido “Vasco da Gama”, do Rio de Janeiro.

A Cochim portuguesa é, por todas as razões, deveras entusiasmante. A uns quinhentos metros da igreja de São Francisco fica a catedral-basílica de Santa Cruz. [Foto nº 5, ao alto]

Edificada em 1550, foi demolida pelos ingleses em 1795 e reconstruída, de raiz, em 1888. É por isso, um templo mais moderno, todavia com mil histórias para contar. Ao lado funciona uma grande escola secundária católica que dá pelo nome de St. Mary’s School. São quatro horas da tarde. As alunas, só raparigas em traje azul e branco, saem da escola às centenas e centenas. Esperam-nas não sei quantos tuk-tuks para levar as meninas para casa, e dezenas de pais que vêm buscar as filhas, de mota. É um susto vê-las partir, enganchadas no pequeno banco das motorizadas, às vezes duas moças atrás e o pai conduzindo. Ninguém usa capacete e avançam às curvas pela estrada escalavrada.



Foto nº 6

Em Fort Kochi, junto ao mar, encontro um grande cemitério holandês com túmulos dos séculos XVIII e logo adiante aparece um conjunto de redes semelhantes às usadas na pesca tradicional no sul da China [Foto nº 6]. Curiosamente, também terão a ver com os portugueses que, fixados em Cochim, decidiram trazer este tipo de redes de Macau e que, com meia dúzia de chineses de permeio, ensinaram os indianos a usá-las. As redes estão presas a uma armação de canas de bambu ligada a uma longa vara que as faz subir e descer. Manejadas desde um passadiço em madeira, as redes mergulham no mar e lá permanecem entre cinco a vinte minutos. Toda a estrutura de bambu é depois içada, e a rede molhada faz uma concavidade no fundo do qual vem sempre algum peixe que os pescadores vendem logo ali. 

No jardim, junto ao lugar da pesca, existem uns mal-amanhados restaurantes onde os peixes podem ser fritos ou grelhados. Não me aguçaram o apetite até porque o lixo em redor, nas ruas, no jardim, na praia, nas águas do mar é mais do que assustador. Os indianos que me desculpem a opinião mas, em geral, estas gentes não primam pela limpeza e serão necessárias várias gerações para se melhorar a higiene e salubridade deste país.

Mais dois quilómetros, e estou no bairro de Montancherry. Um casarão decrépito assume o título de Palácio dos Holandeses. Foi outrora residência de nobres portugueses à deriva pela Índia. Depois vieram os homens dos Países Baixos. Meio museu, meio coisa nenhuma, delapidado pela passagem do tempo, o pobre palácio evidencia a inclemência dos séculos. E estava fechado, não deu para visitar.

Mais a sul temos a Sinagoga de Cochim e o quarteirão judaico, com umas tantas cruzes de David na fachada de velhíssimas habitações e lojas. Desde o século XI que existem judeus em Cochim mas esta sinagoga, única em toda a região, data de 1568, é visitável e tem toda a sobriedade de um lugar de reunião e de culto com, no salão, um conjunto notável de candelabros em vidro e o chão revestido com azulejos chineses do século XVIII. 

Esta parte da velha Cochim albergou também durante centenas de anos franjas de judeus que fugiam das perseguições na Europa. Chegavam a Cochim, vindos da Holanda, de Espanha, condenados a um distante exílio definitivo. No que nos diz respeito, recordemos o nosso Garcia de Horta que por aqui andou, viveu durante umas dezenas de anos em Bombaim e faleceu em Goa. Dizem-me que, com a fundação do estado de Israel, em 1948, a maioria dos judeus de Cochim partiu para Israel. Hoje viverão neste antigo bairro judaico apenas uma meia dúzia de judeus.

Há uma cidade nova de Cochim, do outro lado do braço de mar, que vista do alto do nosso Costa, parece limpa e organizada. Mas é nos quarteirões antigos deste burgo que o meu coração melhor pulsa e o sangue melhor circula.

(Continua)
___________

Nota do editor:

Último poste da série > 8 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18502: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XXXIII: Colombo, capital do Sri Lanka ou Ceilão ou "Taprobana", 15-16 de novembro de 2016

Guiné 61/74 - P18642: Parabéns a você (1435): António Pinto, ex-Alf Mil Inf do BCAÇ 506 (Guiné, 1963/65)

____________

Nota do editor

Último poste da série de 16 de Maio de 2016 > Guiné 61/74 - P18637: Parabéns a você (1434): Vasco da Gama, ex-Cap Mil, CMDT da CCAV 8351 (Guiné, 1972/74)

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18641: Historiografia da presença portuguesa em África (115): Uma reunião invulgar: a Conferência dos Administradores, Bissau, 1941 (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Janeiro de 2018::

Queridos amigos,

Nunca me fora dado ler um relato de uma reunião com tanto detalhe, debates abertos entre o governador, altamente documento, e os administradores de circunscrição, presentes na conferência chefes de serviço. Passou-se a pente fino um conjunto de dossiês, com relevância para a economia agrícola, mais que compreensível, estávamos a chegar ao auge da guerra, exigia-se que a colónia produzisse num máximo de autossuficiência que adquirisse um outro elã exportador. Nessa economia agrícola, falou-se de tudo, da seleção de sementes, da apicultura, dos preços do arroz, das charruas, das queimadas e da reflorestação, das hortas e pomares. Mas também da língua portuguesa, da ereção de mais igrejas e da política indígena relacionada com a escolha dos régulos.

Ricardo Vaz Monteiro sai muto bem neste retrato: competente, senhor do seu papel de governador, eivado de nacionalismo. É bem provável que tenha sido ele a impulsionar este livrinho, sem data, sem editor, bem discreto, mas que revela que há mais de três lustros a Guiné já não tinha governadores de farsa, militares que estava ali de passagem, o seu mandato foi de 1941 a 1945, segue-se o ilustríssimo comandante Sarmento Rodrigues.

Um abraço do
Mário


Uma reunião invulgar: a Conferência dos Administradores, Bissau, 1941 (1)

Beja Santos

Estamos no início de Dezembro de 1941, o enorme conflito bélico que avassala a Europa e os territórios da União Soviética dá uma nova guinada, ao tempo ainda não se sabe que é determinante: os japoneses atacam a marinha norte-americana em Pearl Harbor e Hitler declara guerra aos Estados Unidos. A vida da colónia na Guiné tem restrições severas, a França capitular e o Reino Unido resistia às investidas alemãs, as exportações, o comércio em geral, viviam mais do contrabando e as receitas do Estado minguavam.

É governador da colónia o capitão Ricardo Vaz Monteiro, dá-se a singularidade de estar entalado entre duas figuras que ganharam projeção, antes, Carvalho Viegas, que se lançou afanosamente nas obras públicas, e Sarmento Rodrigues, que traz uma estratégia distinta para a colónia: desenvolvimento, saúde, mais administração, um projeto para a educação e cultura.

A bibliografia sobre Ricardo Vaz Monteiro é escassa, e daí a imensa curiosidade em ler uma obra de apresentação quase anódina intitulada: Império Colonial Português, Colónia da Guiné, Conferência dos Administradores, 1941, evento que se iniciou em 3 de Dezembro e encerrou no dia 9, eles não sabiam que dois dias antes a Força Aérea Japonesa se lançara com grande ferocidade sobre as embarcações de guerra norte-americanas no Havai.

Estão presentes na cerimónia de abertura o Ministro das Colónias, Francisco José Vieira Machado, a autoridade religiosa, os administradores de circunscrição e o alto funcionalismo guineense. Pretendia o Governador que os participantes expusessem livremente as suas opiniões, de acordo com um guião temático previamente distribuído.

Feitas as saudações iniciais, arrancam as interpelações com a questão das sementes, como aumentar a produção, que celeiros existem, a mancarra é tema central. Pronunciam-se os administradores de Bafatá, Bissau, Cacheu, Farim, Bijagós e Buba. Fica-se a saber que havia experiências com adubos, tinham sido distribuídos pela firma António da Silva Gouveia, experiências improfícuas, os indígenas olharam-nos com relutância.

O Governador diz ser indispensável organizar estatísticas, os elementos existentes não eram fiáveis. Segundo ele, deviam estabelecer-se celeiros para a escolha e guarda de sementes selecionadas, ficando as autoridades com a obrigatoriedade de incutir nos indígenas o espírito de previdência. E sentenciou que quando a quantidade de sementes se revelar insuficiente deverá recorrer-se a compras feitas pela Estado.

Segundo o secretário que fez a ata, “Sua Excelência faz várias considerações acerca do tratamento a dar aos indígenas, os quais devem ser tratados com toda a humanidade, mantendo-se, em todas as circunstâncias, o prestígio das autoridades, com justiça e isenção de proceder, tanto quanto possível, pela bondade, mas sem recuar diante do emprego de medidas enérgicas de excepção, paternalmente aplicadas, quando necessário”.

Na manhã de 4 de Dezembro retomam-se os temas agrícolas, há novo debate sobre a seleção de sementes. Refere-se que a mancarra da Guiné é de muito boa qualidade, e nalguns anos a mancarra não tem tal nível não se deve atribuir a má qualidade da semente, deve ter-se em conta as condições climatéricas e da maior ou menor abundância das chuvas. Fica claro que a boa seleção das sementes abarca a vagem, a planta e o grão. Segue-se um debate sobre o preço do arroz, são por vezes enormes as distâncias para o distribuir, os revendedores tinham de suportar despesas com a camionagem. O governador apela ao diálogo com os comerciantes, o preço do arroz não podia estar sujeito a especulações, era o bem de consumo essencial por excelência.
Depois o Governador consulta dos administradores, pretendia saber como estavam a ser evitadas as camadas e conservadas as matas, deixou o seguinte comentário: “Convirá que tudo se faça para plantar muitas árvores, porque do maior ao menor desenvolvimento florestal, tudo depende da maior ou menor abundâncias de chuvas”. E mostrou-se firme na crítica quanto à devastação das florestas feitas ao abrigo de licenças para corte de madeira, tanto de bissilão e alfarroba de lala para exportação como de outra árvores destinadas a madeira e lenha.
As interpelações mudaram de rumo, para o desenvolvimento agrícola. Fica-se a saber que havia na altura 150 charruas no Gabu que não eram utilizadas porque não havia gado nem pessoal adestrados para o seu uso. Vários participantes lembraram as dificuldades que existiam na lavoura mecânica a tração animal.

Na manhã de 5 de Dezembro, a conversa entrou diretamente na cultura do milho, debate com muitos pormenores, havia uma perceção geral de que o milho era muito importante mas só para o autoabastecimento. Na manhã seguinte, se dúvidas houvessem de que o governador estava muitíssimo bem informado, elas dissiparam-se. Falou com largueza de conhecimentos da exportação dos couros e do gado bovino, passou para a apicultura, e interpelou qual das duas produções seria mais vantajosa para a economia da colónia, o mel ou a cera. É útil transcrever o que o secretário registou na ata: “O Governador questionou o Administrador de Bissau se o indígena apresentava a cera preparada em pães ou gamelas ou se é o comércio quem prepara a cera. O administrador informou que o indígena apresenta a cera já moldada em pães e com algum preparo. O governador desejou saber se a cresta é feita antes ou depois da enxameação, o administrador respondeu que é antes da enxameação e que o processo usado é pernicioso porque destrói os enxames visto que os indígenas praticarem a extracção do mel e da cera servindo-se do fogo, matando, assim a maior parte das abelhas”.

Isto foi o que se passou de manhã, à tarde a conversa mudou de rumo, orientou-se para a língua portuguesa e para a religião dos portugueses. Tudo começou com uma vasta apreciação de projetos para as igrejas nos locais mais significativos da colónia. O administrador de Cacheu disse que os professores falavam português e pediu ao Governador que fosse instituída uma missão católica portuguesa junto dos Felupes, a raça mais atrasada da sua circunscrição, para contrabalançar a ação missionária francesa da zona fronteiriça. Ficou-se a saber que ao nível da tropa eram os cabos que falavam em português e ensinavam a língua aos recrutas.

O Capitão dos Portos sugeriu que fossem proibidos no comércio os termos “pesos” e “patacões” como moedas e “jardas” como medida métrica.

O Governador considerou, após ouvir todas as apreciações e comentários que se podia assentar num programa para o próximo ano com o fim nacionalista de difundir pela colónia a língua e região de Portugal, deviam ser criados postos de instrução destinados a ensinar o indígena a falar português e a rezar como os portugueses.

No penúltimo dia da conferência, falou-se de hortas e pomares, viveiros e coleiras. O Administrador de Bafatá referiu que todas as tentativas para introduzir a cultura da coleira, mesmo entre as populações que fazem grande consumo da cola, têm sido infrutíferas. Das hortas e pomares passou-se para o gado cavalar e asinino, disseram-se coisas preocupantes. Por exemplo os indígenas do Gabu não compravam éguas para reprodução gostavam de adquirir os cavalos quase sempre no território francês, por luxo e para mostrar grandeza. O gado tendia a diminuir e houve mesmo quem predicasse as consequências do seu desaparecimento. Em termos de sugestões, o governador pediu que se incutisse lentamente no espírito dos indígenas a ideia de indústria pecuária, orientar a indústria para o bovino, e que se pensasse na distribuição do leite nas regiões próximas dos lugares mais importantes.

A conferência encerra com temas de política colonial, a pensar nos regulados. O Governador procurou deixar claro que a Reforma Administrativa Ultramarina dava competência aos administradores para investir chefes gentílicos na sua autoridade mas não lhes dava competência para escolher ou nomear os régulos, que são de sucessão hereditária, direta ou colateral, segundo os costumes locais, o governador tem o direito de escolher entre os parentes mais próximos quando o herdeiro não convenha à administração. E sublinhou que os administradores não podiam escolher ou nomear régulos, eram competência exclusiva do governador. O administrador de Bafatá falou da escolha do régulo de Badora, era um alferes de segunda linha com relevantes serviços prestados ao governo nas campanhas em que tomara parte, o que não acontecia com os filhos e sobrinhos do régulo.

E o último ponto da agenda derivou para as receitas e impostos da colónia. O que se passou nesta conferência de Dezembro de 1941 não se confina à síntese que aqui se fez das atas, vai-se seguir documentação como os despachos que encerram matéria do maior interesse.




Imagens retiradas do livro Guiné Portuguesa, II Volume, por Luís Carvalho Viegas, 1936

(Continua)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 9 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18617: Historiografia da presença portuguesa em África (113): Uma rivalidade bancária que ajuda a compreender a História da Guiné (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18640: (Ex)citações (337): A propósito das deserções nas fileiras do PAIGC, há um provérbio africano que diz "Todos os cães podem ser bravos, mas são mais bravos dentro das suas moranças", o mesmo quer dizer, dentro dos seus "chãos" (Cherno Baldé, Bissau)

1. Comentário do nosso colaborador permanente, Cherno Baldé, especialista em questões etnolinguísticas da Guiné-Bissau (*)

Caro amigo Jorge Araújo,

Sobre as restantes localidades, cujas regiões não puderam ser identificadas, aqui deixo a minha contribuição para o efeito, baseada no cruzamento do nome dos combatentes e dos locais de nascimento com a sua identidade e chão de provável pertença étnica:

Nome / Localidade / Sector / Região

Bala Bodjam - Bessadjari -Morés/Mansaba - Óio
Bala Turé - Caur-ba -Quebo - Tombali
Mamadu Mané - Cauale/Can-Wal -Cacine - Tombali
N’tuntum N’codé - N’ghansonhe -Binar/Bissorã - Óio
Malam Cissé - N’gharu -Morés/Mansaba -Óio
Queba N’beghan - N’ghneghan -Bissora - Óio
N’dindin Turé - Nhanbra -Morés/Mansaba - Óio
N’yado Turé - Sansanghoté -Morés/Mansaba - Óio

Assim, feitas as devidas correcções, para o Óio,  teríamos (17+6) 74%; para Tombali (1+2) 10%; e o Cacheu mantem-se inalterável. Constatamos que,  mesmo com essas correcções, o balanço entre
as três regiões não se altera, mas Tombali aumenta um pouco e ultrapassa Cacheu.

E, em face dos dados assim obtidos,  e tendo em conta que a maior parte dos desertores, de acordo com as informações, eram originários de (ou dirigiram-se a) o sul, neste caso  a região de Tombali, a conclusão que talvez se pode tirar, na minha opiniao, é a de que havia maior probabilidade de que estas deserçoes tenham acontecido no Bigrupo de Cambano Mané onde a percentagem de combatentes originários desta região é superior a 26%, enquanto o Bigrupo de Ansu Bodjam era formado maioritariamente por naturais de Óio (74% com a correcçãoo que fiz do primeiro quadro de análise).

Em leituras que fiz em tempos das obras de Amílcar  Cabral e relacionadas com o flagelo das deserções (do norte para o sul), parece que existia no seio dos combatentes o sentimento de maior segurança quando lutavam nas suas regiões  de origem ("chãos") e, inversamente, alguma insegurança e fragilidade quando eram obrigados a combater noutras regiões e o caso mais paradigmático aconteceu com os Balantas do Sul (Tombali) que, tudo leva a pensar, não se sentiam muito à vontade nas outras frentes da luta. o que o partido tentava contrariar com medidas duras como era seu apanágio.

Não sei se chegou a haver fuzilamentos mas, pelo menos, falava-se em tomar medidas duras e, sabe-se hoje o que é que, na linguagem da guerrilha e do PAIGC em particular, isso podia dar.

Por outro lado e reportando-nos ao acontecimento aqui relatado com os elementos da companhia dos Manjacos no Óio (Mansabá?), parece que a situação não era muito diferente do lado dos elementos nativos do Exército português. 

Há um provérbio africano que diz que "todos os cães podem ser bravos, mas são mais bravos dentro das suas moranças", o mesmo que dizer, dentro dos seus "chãos"...

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

_____________

Nota do editor: