quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20102: Da Suécia com saudade (59): E agora também dos States, Florida, Key West... ou entre renas, palmeiras e daiquiris: Morreu o blogue, viva o blogue!... Afinal, os velhos soldados nunca morrem... (José Belo)



J. Belo, em Key West, Florida, EUA (2018)


1. Mensagem do José BeloJoseph, na Lapónia...


Em termos sintéticos, o nosso Zé Belo:

(i) é o português mais 'assuecado' (ou o sueco mais 'aportuguesado') da Tabanca da Lapónia e da Tabanca Grande; 

(ii) ex-alf mil inf da CCAÇ 2381,Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, cap inf ref; 

(iii) jurista, vive na Suécia há mais de 4 décadas, e onde constituiu  família: reparte os dias do ano entre a Suécia, o círculo polar ártico e a Florida, EUa,  onde a família tem negócios; 

(iv) tem mais de 130 referências no nosso blogue; entrou "de jure e de facto" para a nossa Tabanca Grande em 8 de março de 2009

(v) é mestre na arte e na ciência da simulação, camuflagem, guerrilha e contra-guerrilha, e bem como da criação de renas, e ainda arranja tempo para beber uns daiquiris à sombra das palmeiras de Key West, curtindo a sua musiquinha; pode estar meses 'desaparecido' e 'incontactável' mas volta sempre ao 'local do crime',  quer dizer, a este blogue, ao seu blogue, ao nosso blogue, aos seus velhos camaradas; afinal, "os velhos soldados nunca morrem, podem é desaparecer"... por uns tempos.



Data: terça, 27/08/2019 à(s) 13:37

Assunto: Tentar um debate , apesar das férias, das idades e da distância



Entre renas, palmeiras e daiquiris


Ao visitar, quando as minhas transumâncias atlânticas o permitem, o blogue Luís Graça  & Camaradas da Guiné, vem-me à memória a frase:
- Os velhos soldados nunca morrem, eles apenas desaparecem.

Este blogue, qual velhinho tarimbeiro, tem já sobre os ombros algumas décadas de serviço. O seu sucesso deve-se aos laços muito especiais que ainda hoje ligam todos os que serviram na Guiné. Inferno da Guiné, dirão alguns dos que o que passaram de armas na mão em postos isolados na mata. Experiência da Guiné, poderão dizer alguns outros mais felizardos. De qualquer modo as recordações da Guiné aparentam ir acompanhar-nos até ao fim.

O blogue tem sabido evoluir adaptando-se à passagem dos anos. Não menos quanto aos mais variados  temas "politicamente correctos" que, como tudo o resto,vão sendo inexoravelmente substituídos .

No início deste blogue muito se escreveu sobre as suas funções... quase psiquiátricas! Veio permitir, aos que nele participavam, uma verdadeira catarse analítica, de outro modo impossível de efectuar numa sociedade que (então?) pouco ou nada se preocupava com os antigos combatentes, seus traumas, dramas sociais, e consequentes doenças.

Creio ter este blogue ajudado a muitos ao permitir-lhes "atirar cá para fora" muitos dos seus pesadelos e frustrações.

Entre os blogues nacionais deste tipo, o somatório de informação, relatos pessoais, conhecimentos, histórias,e acima de tudo História, dá-lhe com justiça lugar único. 

As experiências das já longas vidas, todas diferentes em factores sociais, geográficos e ontológicos, leva-nos por vezes a debates mais intensos, piropos, e algumas picardias. Será também este um dos factores que torna o blogue... vivo! No fim, todos ou quase todos, acabamos por nos sentar pacificamente à sombra do nosso poilão africano. 

E, a propósito de debates neste local constituído por velhos soldados de Portugal, continuo a ter dificuldades em compreender o esquecimento a que é votada a perda da Índia Portuguesa, em período não tão afastado da nossa História.

Estaremos hoje de acordo que a tal descolonização africana "exemplar" terá tido um pouco de tudo menos o... exemplar!

O servilismo de alguns a interesses não nacionais; o vedetismo ignorante e criminoso (mais de militares do que de políticos "bem sabidos") terão levado a uma tragédia cujas dimensões ainda hoje alguns se recusam a compreender.

Tendo em conta as circunstâncias internacionais (e internas) terá sido a única política possível de aplicar? Talvez.

A "palavra de ordem" então muito usada, "Nem mais um soldado para as colónias!", terá tido muito maiores resultados negativos quanto ao funcionamento da instituição militar do que se poderia esperar.




Cabeçalho de panfleto do PCP (m-l) (Partido Comunista de Portugal, marxista-leninista) com a palavra de ordem "Nem mais um só soldado para as colónias"... Data: 26 de abril de 1974.

Fonte: com a devida vénia ao Gualberto Freitas: 1969 Revolução Ressaca [documentos para a história de uma revolução]




Olhando as realidades de então, e as evoluções mundiais futuras, as guerras coloniais estavam perdidas mesmo antes de iniciadas. Outras visões teriam sido necessárias, para além de um certo "nacional saloiismo iluminado" do governo da ditadura.

E lá voltamos ao Estado da Índia. O papel preponderante de Goa, sua cultura e gentes, na nossa História foi sempre de nível não comparável com as colónias africanas.

Como terá sido possível ao ditador, que se crê ter tido inteligência superior à mediana, não ter sabido "ler" e acompanhar as evoluções de fundo surgidas internacionalmente?

Esperar, como o fez e disse publicamente, que a "aliada" Inglaterra lhe proporcionasse apoios políticos?

A mesma Inglaterra que curtos anos antes se vira obrigada a abandonar a sua(!) Índia? Os Estados Unidos dos anos sessenta na sua pseudo-cruzada anti-colonial?

Politicamente, a União Indiana oferecia nas Nações Unidas outras saídas. Entre elas a garantia de uma vasta autonomia para Goa, garantia apoiada tanto pela Inglaterra como pelos Estados Unidos e França.

O ditador recusou todas as soluções negociadas ou negociáveis. O Afonso de Albuquerque pairava certamente na sua cabeceira. Resistência exemplar e morte heróica foram exigidas ao Exército.
Um Exército armado, ou antes desarmado, com espingardas de modelo anterior à primeira guerra mundial, cujas munições guardadas em paiol não funcionavam por há muito terem ultrapassado o seu tempo útil.

Aviões, blindados e artilharia digna do seu nome... não existiam. O governo estava disso bem informado. O resto é História.

Muito dramática para os que por lá sofreram e, não menos, para os que foram acusados posteriormente dos erros criminosos do ditador.

Ele... "passou entre os pingos da chuva"!...

A evolução dos armamentos da guerrilha na Guiné e o nosso não acompanhamento do mesmo por motivos económicos e políticos, acabariam por levar em futuro próximo a novos bodes expiatórios militares (!) das incapacidades do governo central.

Governo central que, e mais uma vez, se preparava para não assumir as suas responsabilidades políticas quanto ao evoluir da situação no terreno da Guiné. Spínola ter-se-á apercebido que alguém acabaria por ser um novo e muito conveniente... Vassalo e Silva.

Mas, e voltando à questão inicial, o que levará a muitos dos tão agressivos críticos de políticas posteriores ao... esquecimento, desculpa, ou desvalorização... de alguns destes criminosos erros anteriores?

Certamente que muitos terão melhores ideias, opiniões e conhecimentos sobre um assunto importante e passível de DIÁLOGO.

Guiné 61/74 - P20101: Parabéns a você (1674): António Marques Barbosa, ex-Fur Mil Cav do Pel Rec Daimler 1106 (Guiné, 1966/68) e José Manuel Corceiro, ex-1. Cabo TRMS da CCAÇ 5 (Guiné, 1969/71)


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Nota do editor

Último poste da série de 27 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20098: Parabéns a você (1673): Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2046 (Guiné, 1968/70)

terça-feira, 27 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20100: Dossiê Guileje / Gadamael (32): O texto, inédito, de Osvaldo Lopes da Silva, um dos principais cérebros da Op Amílcar Cabral; mesa-redonda em Coimbra, 23/5/2013: " O ataque a Gadamael, na sequência da queda de Guileje, não foi a melhor opção. Melhor seria um ataque a Quebo (Aldeia Formosa) com forte pressão sobre Tombali. Com a queda de Guileje, Gadamael tornara-se uma inutilidade que não incomodava a ninguém. A sua guarnição devia ser deixada entregue aos mosquitos e ao tédio."




Cartaz da mesa-redonda,Guiledje, Guiledje,Gadamael: 40 anos dos 3 G's da Guerra da Guiné, Coimbra, 23 de maio de 2013, 14h00



1. Mensagem de  Alexandre Coutinho e Lima,  cor art  reff (ex-cap art,  cmdt CART 494, Gadamael, 1963/65; adjunto da Repartição de Operações do COM-CHEFE das FA da Guiné entre 1968 e 1970; e ex-maj art, cmdt COP 5, Guileje, 1972/73), membro da nossa Tabanca Grande, com cerca de 90 referêcias no nosso blogue (*)


Data: segunda, 12/08(2019, 18:42

Assunto: Mesa Redonda em Coimbra (2013) - Intervenção de Osvaldo Lopes da Silva


Caro Amigo Luís

Há muito tempo que não contactamos. Estou na minha casa de Vila Fria, Concelho de Viana do Castelo; espero regressar a Lisboa no fim do mês.Nessa altura temos que nos encontrar, por exemplo no Restaurante Os Cunhados, para almoçar.

Entretanto junto envio em anexo, a intervenção do Comandante do PAIGC, Osvaldo Lopes da Silva (OLS), que penso que merece ser divulgado no nosso blogue. OLS foi encarregado por Amílcar Cabral, para preparar um ataque em força sobre Guileje.

O texto agora enviado, vai ser incluído no novo livro que estou a escrever.É minha opinião que se trata e um documento inédito, por ser da autoria de um conceituado Comandante do PAIGC.

Um Abraço Amigo

Coutinho e Lima


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TEXTO QUE REPRODUZ A INTERVENÇÃO DO COMANDANTE OSVALDO LOPES DA SILVA NA MESA REDONDA REALIZADA, EM COIMBRA, NO DIA 23.05.2013. (**)



Osvaldo Lopes da Silva.
 Cortesia da RTC.CV  (2018)
Esta Mesa Redonda, realizada sob o prestigioso patrocínio do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra, vem na sequência do Simpósio Internacional de Guileje, que teve lugar na Guiné, em 2008. 

Ambos os eventos foram orientados no sentido de um debate desinibido entre representantes das Forças Armadas de Portugal e do PAIGC que se confrontaram em Maio de 1973 e que tiveram uma participação directa nas operações de Guidage, Guileje ou Gadamael.

Se, por razões de ordem pessoal, não me fora possível responder positivamente ao convite para participar do Simpósio de 2008, desta vez seria deselegante declinar o convite que me foi feito pelo Dr. Julião Sousa para dar, nesta Mesa Redonda, o meu testemunho, na medida do meu envolvimento nas operações de Guileje e de Gadamael.

Ao Dr. Julião Sousa quero manifestar quanto me sinto honrado pelo convite, aproveitando a ocasião para o felicitar pela boa organização da Mesa Redonda e pelo ambiente de amizade e de respeito mútuo que foi possível criar entre homens que estiveram, em dado momento das suas vidas, em lados opostos da barricada.

Seja-me permitido dirigir uma saudação muito particular ao Sr. Coronel Coutinho e Lima que, numa situação dramática, teve a coragem de tomar a decisão de abandonar o quartel de Guileje, ultrapassando ponderações sobre o futuro da sua carreira militar. No momento, o que importava era salvar vidas - dos soldados sob o seu comando, mas também das populações que se encontravam sob sua protecção - face à esmagadora desproporção de forças então em presença.

Amantes da paz, estamos aqui reunidos para falar da guerra, essa eterna companheira da humanidade, que Clausewitz definiu como a continuação da política por outros meios, ou ainda, como um conjunto de acções violentas entre dois beligerantes ou grupos de beligerantes, cada um deles visando impor ao outro a sua vontade política.

Maio de 1973, com o desfecho das grandes operações de Guidage, Guileje e Gadamael, marcou o ponto de ruptura do equilíbrio de forças em presença no teatro de operações da Guiné. Num quadro geral de grande supremacia das Forças Armadas Portuguesas no que se refere ao somatório dos efectivos e do armamento, o facto é que o desenrolar dessas operações evidenciou que as forças do PAIGC, dispondo de iniciativa, de grande mobilidade, de armamento moderno e de enquadramento qualificado, estavam aptas a concentrar contra qualquer quartel da Guiné uma supremacia esmagadora. 

Isto face a um inimigo cujas reservas se encontravam exauridas, e que se encontrava diminuído na sua mobilidade em consequência da eficácia dos mísseis antiaéreos "Strela" utilizados pelas forças nacionalistas. Chegara o momento a partir do qual, nas palavras de Clausewitz, a continuação da guerra deixa de fazer sentido e deve intervir uma solução política: quando fica demonstrado que a continuação da guerra só pode conduzir ao esmagamento de uma das partes pela outra.

A luta dirigida por Cabral combinava acções em distintas frentes, sendo a militar apenas uma delas, e não a mais importante. Essa acção multiforme devia conduzir ao enfraquecimento do inimigo (no aspecto militar, moral da retaguarda, isolamento diplomático, agravamento das despesas com a guerra), a ponto de o levar à situação de ter de acatar a solução política que só podia ser a independência da Guiné e de Cabo Verde. 


Estava longe dos propósitos de Cabral uma vitória militar, não apenas por considera-la incoerente com a doutrina da guerra, mas ainda pelo receio do protagonismo excessivo que tal desfecho conferiria à classe castrense guineense. Por alguma razão, Cabral sempre optou por falar de militantes armados do PAIGC e não de militares.

Na sequência dos graves reveses sofridos em Maio de 1973, o general Spínola encontrou-se em Lisboa com o Presidente do Conselho Marcelo Caetano. Sem rodeios, o general pôs a nu a gravidade da situação operacional na Guiné e apresentou duas alternativas como forma de conjurar a ameaça iminente de colapso militar: ou a atribuição de reforços substanciais ou a procura de uma solução política. 


Caetano negou ao general Spínola uma coisa e a outra. Quanto a reforços, os poucos disponíveis estavam destinados a garantir a segurança das obras da gigantesca barragem de Cabora Bassa e à implantação, no norte de Moçambique, de um milhão de colonos. Perante essa realidade, a Guiné, que nunca fora colónia de implantação branca, nem apresentava os atractivos económicos de Moçambique, ficava a perder, no jogo delicado de atribuição das minguadas reservas disponíveis, que tinha que obedecer às prioridades económico-financeiras do momento. 

A alternativa de solução política, vista por Caetano como sendo equivalente a negociar com terroristas, foi liminarmente rejeitada. Caetano declarou ao general Spínola que preferia uma derrota militar a negociar, pensando assim defender o sagrado princípio da intangibilidade das fronteiras imperiais, de Minho a Timor. 

Os territórios de Goa, Damão e Diu, que, desde 1961, se encontravam sob jurisdição da União Indiana, continuavam a ser considerados, na propaganda salazarista, como constituindo uma província ultramarina sob ocupação estrangeira. Na lógica de Caetano, uma derrota militar na Guiné podia ser transfigurada em ocupação de uma província ultramarina por forças do comunismo internacional. Deixando intangível o princípio de não cedência de qualquer parcela do Ultramar, a classe dirigente portuguesa pensava poder continuar a usufruir das riquezas de Angola e de Moçambique, onde o equilíbrio das forças em presença parecia pender a seu favor.

Perguntar-se-á como foi possível que, no conjunto das três frentes de guerra de libertação nacional contra o exército colonial português, o primeiro sinal de ruptura do equilíbrio operacional tenha ocorrido na Guiné, a menor e menos populosa das três colónias em guerra (Guiné, Angola e Moçambique)?

Comparemos os dois casos extremos de Angola e da Guiné. Em Angola, o início da guerra foi determinado pela sucessão de acontecimentos desencadeados pelo desvio do "Santa Maria" por Henrique Galvão, e que, de erro de apreciação em erro de apreciação, conduziu ao assalto às cadeias de Luanda, no dia 4 de Fevereiro de 1961, e a tudo o que se lhe seguiu. 


Os "média" que se tinham concentrado em Luanda para darem cobertura condigna à anunciada proclamação por Henrique Galvão de um governo de oposição a Salazar são surpreendidos por acontecimentos que marcaram o início da luta armada em Angola. Isso de forma atabalhoada, numa altura em que nem a UPA, e muito menos o MPLA, estava em condições de assumir a liderança de uma acção coerente contra o exército colonial. Na verdade, o MPLA, quase desmantelado na sequência das numerosas detenções efectuadas pela PIDE em 1959 e 1960, encontrava-se, na altura, decapitado, com Agostinho Neto deportado em Cabo Verde e os demais membros da Direcção (Mário Pinto de Andrade, Lúcio Lara, Viriato da Cruz, Dr. Eduardo Macedo dos Santos) precariamente instalados em Conakry e sem contactos com Angola.

Quanto a Holden Roberto, por insistência de Franz Fanon, renunciara ao objectivo inicial de restauração do reino do Congo, compreendendo o norte de Angola e partes dos dois Congos e até do Gabão, estampado na sigla UPNA (União dos Povos do Norte de Angola). A passagem a UPA (União dos Povo de Angola) nada alterou do carácter tribal da organização, e Holden nada mais tinha a apresentar senão o terrorismo racista, não transpondo a sua acção os limites da sua tribo bacongo.

No caso da Guiné, a acção armada só teve início em 1963, quando o PAIGC já dispunha de um enquadramento assegurado por um primeiro grupo de jovens formados na China e das primeiras armas fornecidas pelo rei Hassan II de Marrocos. 


Embora os primeiros chefes da guerrilha do PAIGC tenham sido formados na China, Cabral soube rejeitar rigorosamente todo o envolvimento no conflito ideológico sino-soviético. O facto de a União Soviética privilegiar a análise fria das capacidades das organizações nacionalistas, com abstracção das declarações desnecessariamente marxisantes das suas direcções políticas, criou condições para um bom entendimento e a um reforço qualitativo da ajuda soviética, à medida que, no terreno, os combatentes demonstravam capacidade para dar boa utilização às armas fornecidas. 

As primeiras ajudas soviéticas só foram concedidas quando o PAIGC mostrou que estava no terreno, embora mal equipado. As primeiras armas soviéticas, saídas dos paióis da II Guerra Mundial, foram PPCh, morteiros 60 e 82, canhões B10, pistolas “Macarov”.

Isto bastou para que a guerrilha pudesse mostrar presença em toda a extensão do território, embora fugindo ao contacto com as forças inimigas, ainda mais fortes. Estava-se na fase primária de dispersão das forças inimigas, que correspondeu, do nosso lado, à interrupção das vias de comunicação, das redes de electricidade e de telefones, à mobilização da população para recusar o pagamento do imposto indígena, ao que o inimigo respondeu com a criação de uma densa rede de quartéis, ainda no consulado do general Schulz. Para nós, tornava-se evidente que quanto mais densa fosse a rede de quartéis, mais fraco ficava o inimigo em cada quartel, considerado isoladamente. Chegado a esse ponto, o inimigo podia ser atacado, em emboscadas, para o isolar nos quartéis.

Quando, em 1968, o general Spínola é nomeado governador da Guiné e comandante-chefe, vastas áreas do território e as populações que as habitavam tinham passado para o controlo directo do PAIGC, onde iam sendo lançadas as bases de um estado funcionando autonomamente em relação ao poder colonial. De tal modo que Cabral já podia anunciar, junto das chancelarias e das instâncias internacionais, que a Guiné se apresentava como um país dotado de uma administração autónoma, capaz de suprir as necessidades básicas da população, e onde eram exercidos os poderes de um estado soberano, com uma parte do seu território ainda ocupado por forças coloniais.

A nova política de “Guiné Melhor” do general Spínola, embora tenha causado alguma perturbação momentânea, não tinha fôlego para travar o ritmo acelerado da luta, tanto mais que o general Spínola não podia dispor dos muito avultados recursos que a sua política requeria.

Chega-se aos princípios de 1969 com um equilíbrio de forças que, na mesma medida, se tinham reforçado de um lado e do outro. Por essa altura, vem reforçar as hostes do PAIGC o grupo de cabo-verdianos, de nível académico elevado, que estivera em formação militar em Cuba e prosseguira a formação na União Soviética, em particular no ramo da artilharia. Foi significativo o salto qualitativo que a luta conheceu quando esse grupo assumiu o comando da artilharia. 


Além do mais, a presença desse grupo no terreno convenceu as autoridades soviéticas a elevar o nível qualitativo da ajuda que vinha concedendo ao PAIGC. É quando fornecem o “GRAD”, morteiro reactivo de 122 mm, com um alcance de um pouco mais de 10 km. Trata-se da adaptação da “CATIUCHA” da II Guerra Mundial às condições de guerrilha, ou seja, um lança mísseis de um só tubo, montado num tripé facilmente desmontável e transportável por um só homem. O próprio míssil divide-se em duas partes, a propulsora e a explosiva, cada uma delas facilmente transportável por um homem. 

A vasta campanha contra os quartéis da frente sul, ao longo do segundo semestre de 1969, evidenciando uma significativa evolução das forças do PAIGC em qualidade de armamento e de utilização da artilharia, perturbou seriamente os planos do general Spínola de reconquistar todo o sul.

Em finais de 1969, a artilharia, que estivera concentrada na frente sul, é repartida pelas três frentes. Coube-me então o comando da artilharia da frente leste, com a missão de atacar todos os quartéis dessa vasta área: Buruntuma, Piche, Canquelifa, Pirada, Badjacunda, Gabu, Cabuca. 


Tratando-se de uma área pouco habitada, com fraco valor estratégico do ponto de vista da política do general Spínola, e onde durante longo tempo as nossas forças tinham estado inactivas, havia a suspeita da intenção do inimigo de se retirar de alguns desses quartéis para encurtar o seu dispositivo e reforçar outras áreas mais ameaçadas. Para obstar tal intenção, não havia como mostrar que a ameaça estava no terreno. A exiguidade dos nossos efectivos de infantaria foi suprida pela acção da artilharia de longo alcance. 

Não dispondo de mapas, socorria-me do ardil de provocar o inimigo com alguns disparos inócuos de morteiro 82, em noites de lua nova, quando o clarão da artilharia inimiga se podia distinguir a maior distância. Podíamos assim determinar não apenas a direcção, mas ainda a diferença de tempo entre o clarão e o som do disparo. Multiplicando esses segundos pela velocidade de propagação do som (360 m/s) tinha-se um valor muito aproximado da distância ao quartel.

Depois de uma ausência de quase dois anos, ocupados numa formação de marinha na União Soviética, cheguei, em Agosto de 1972, a Conakry, onde encontrei uma situação de grande tensão, criada pelos conspiradores que vieram a estar envolvidos no assassinato de Cabral, a 20 de Janeiro de 1973. Foi neste clima tenso que Cabral me lançou o desafio de preparar o ataque a Guileje, considerado o mais bem fortificado quartel da Guiné. 


Ao desafio de Cabral respondi, sem hesitação, que podia destruir qualquer quartel da Guiné que ele determinasse, desde que dispusesse de meios e de tempo suficiente para a preparação de dados para a artilharia. Poucos dias depois, partia com destino a Kandiafara, onde me esperavam os 24 combatentes, cabo-verdianos e guineenses, que iam constituir o meu grupo de reconhecimento. Levava comigo fardas, mochilas, cantis, marmitas, abastecimento reforçado e tudo o mais necessário a equipar o meu grupo. 

Para as necessidades da artilharia, levava várias bússolas artilheiras, bússolas de bolso, cronómetros, e até um sextante, as efemérides náuticas, bem como um frasco com mercúrio que me serviria para criar horizonte artificial para a determinação da altura do sol. O recurso à astronomia permitiu-me a determinação, com muita precisão, da declinação magnética e da longitude do lugar, por observação do sol no ponto de culminação. Menos precisa era a determinação da latitude, o que me levou a recorrer a métodos menos complicados para a preparação de dados para a artilharia.

A transposição para Guileje da experiência da frente leste não deu os resultados que eu esperava. O regime de fogo do inimigo (mais que uma peça a disparar em simultâneo) não permitia ligar o estampido ao clarão do disparo. Tive que me contentar com a determinação da direcção do fogo inimigo a partir de distâncias de 4 a 12 km, de acordo com o alcance das armas de que podia dispor: morteiros 120, GRAD e canhões 130. 

Empreendi em seguida a operação delicada de ligar os pontos que me garantiam a direcção de fogo por levantamento topográfico. Com os dados das observações e do levantamento topográfico, e trabalhando sempre com referência ao norte magnético, só restava resolver um problema simples de geometria plana para ter dados precisos não apenas de direcção, mas a distância. Encontrava-me em posição de me oferecer o requinte de, com recurso a mais uma poligonal, situar a posição de fogo no meio da mata densa, fugindo das “lalas” que tinham servido para a observação do fogo inimigo.

A parte mais perigosa do reconhecimento consistiu na observação do quartel a partir do arame farpado, para termos a localização das suas instalações e as distâncias relativas às peças de artilharia. Neste trabalho, foi notável a contribuição de especialistas de reconhecimento cubanos. Foi nessas movimentações próximas do quartel que a Operação Amílcar Cabral registou as suas únicas baixas, vítimas de minas: dois mortos e um ferido, todos da infantaria que garantia a escola do grupo de reconhecimento.

Em finais de 1972, já dispunha de dados de artilharia suficientes para desencadear a operação contra Guileje, mas estavam por resolver os complicados problemas logísticos de movimentação dos efectivos que deviam vir das outras frentes, com o cuidado para que estas não ficassem demasiado desguarnecidas, transporte de armas, munições, alimentação, e até água, que foi transportada em camiões a partir de Kandiafara. Num grande raio à volta do quartel toda a água é salobra.

Depois de ter elaborado um croqui onde situava as posições de fogo, as “lalas” que podiam ser utilizadas pelos mísseis terra-ar STRELA, e para ocupar o tempo disponível, fiz o mesmo trabalho em Quebo (Aldeia Formosa).

Em Março de 1973, fez-se um teste ao comportamento dos nossos combatentes numa operação com ocupação do terreno em pleno dia, sob a protecção dos mísseis antiaéreos STRELA, que pela primeira vez entravam em cena. Foram disparados contra Guileje vários mísseis GRAD, o que deu lugar à vinda de aviões, dos quais um foi abatido e dois, atingidos, conseguiram regressar à base.

Sendo satisfatórios os resultados do teste, acelerou-se a preparação da Operação Amílcar Cabral, que teve início na manhã do dia 18 de Maio, quando o inimigo caiu num campo de minas na estrada Guileje-Gadamael. 


À tarde, de uma posição a cerca de 4 km foram disparados 180 granadas de morteiro 120 (6 morteiros com 30 granadas cada), com vista a destruir os abrigos. Mais tarde, entrou em acção um canhão de 130 mm, a 12 km de distância, com um disparo de meia em meia hora, de modo a tornar impossível a vida no quartel. 

Tínhamos mobilizado meios para uma operação prevista para durar um mês, mas, ao fim de dois dias, o grau de destruição causada pela artilharia era impressionante. De tal modo que a tropa e a população tiveram que passar a compartilhar em permanência a exiguidade dos abrigos, privadas de comida, água, e até de comunicações, depois que as antenas também foram destruídas. 

Continuar no quartel, nessas condições, sem a menor capacidade de resposta, tornara-se inútil do ponto de vista militar. Uma nova salva de morteiros 120 por certo causaria um massacre. Por felicidade, o Sr. Coronel Coutinho e Lima, que conhecia muito bem o terreno, conseguiu encontrar uma vereda que escapara ao controlo da nossa infantaria para fazer passar, com destino a Gadamael, a tropa sob o seu comando e a população. 

Por minha parte, à notícia da queda de Guileje, retirei-me, isolei-me, para descansar e reflectir. Nunca mais me aproximei de Guileje.

Passado um ou dois dias, fui informado de que devia seguir para Gadamael para a mesma missão de preparação de dados para a artilharia. Com o meu grupo de reconhecimento, fomos ver o que podíamos fazer no pouco tempo que nos era dado. Ainda conseguimos pôr em acção uma posição e GRAD, a 6 km de distância, e determinámos os dados para canhão 130, a uns 10 km. Mas não tive a oportunidade de observar de perto o quartel e a distribuição das suas instalações. 


Entretanto, fui convocado a Conakry, para uma missão à Líbia. Pouco depois, a operação contra Gadamael foi interrompida. É que o Congresso do PAIGC, que devia analisar toda a situação que envolveu a morte de Cabral e designar o seu sucessor, estava a ser preparado dentro do maior secretismo. As forças empenhadas em Gadamael tinham que ser retiradas pois iam constituir o dispositivo de segurança do Congresso.

Na minha opinião, o ataque a Gadamael, na sequência da queda de Guileje, não foi a melhor opção. Melhor seria um ataque a Quebo (Aldeia Formosa) com forte pressão sobre Tombali. Com a queda de Guileje, Gadamael tornara-se uma inutilidade que não incomodava a ninguém. A sua guarnição devia ser deixada entregue aos mosquitos e ao tédio.
 

Praia, 13 de Junho de 2013
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 25 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18675: Dossiê Guileje / Gadamael (31): A Retirada de Guileje foi há 45 anos (22MAI73). Poderia não ter acontecido? (Coutinho e Lima, ex-CMDT do COP 5)

Guiné 61/74 - P20099: A galeria dos meus heróis (32): o angolano que serviu duas pátrias, Portugal, como furriel miliciano do exército colonial (1973/75) e Angola, como tenente das FAPLA (1975/ c. finais de 1980) (Luís Graça)


Bandeiras de Angola & Portugal. Imagem: Foto Arte.  Cortesia de Angop (2014)



A galeria dos meus heróis > Servir duas vezes a pátria, ontem Portugal, hoje Angola...

por Luís Graça


 



1. Ilha de Luanda, Clínica X. 23/7/2013. Levanto-me às cinco e meia da manhã. É dia ou quase dia. Às seis em ponto,  o motorista de ambulâncias da clínica  já está pronto para me levar ao aeroporto, de regresso a Lisboa. É o meu motorista habitual, quando aqui venho, à ilha de Luanda em serviço... É o meu motorista das partidas.

Já o conheço há uns anos... E costumo trazer-lhe uma garrafa de vinho tinto português, comprada 
no "freeshop" do aeroporto de Lisboa.  Voltarei a encontrá-lo para a próxima semana.  Sábado, venho de novo a Luanda, para dar formação, desta vez,  a futuros médicos do trabalho. É a 1ª edição do curso de medicina do trabalho em Angola.

O meu motorista, o  C... [, não o quero identificar, nem a ele nem à empresa onde trabalha, já que não lhe pedi autorização expressa para contar a sua história de vida,]  "estava de férias", mas levantou-se para me conduzir, a tempo e horas, até ao aeroporto de Luanda.


Há um outro motorista, mais jovem, mas mora longe. Sair de casa a essa hora é arriscado, devido à insegurança nos musseques. Mesmo assim, na Clínica, há gente (incluindo médicos) que sai de casa às 4h da manhã para vir trabalhar!...A vida é dura para os luandenses que precisam de trabalhar. 

Esse outro motorista, mais jovem, que costuma ir buscar.me ao aeroporto, à noite, não é tão fiável: um dia, ficou à minha espera, à noite, devia estar cansado, adormeceu na viatura,  o avião atrasou-se... Enfim, deixou-me completamente "pendurado", sem transporte nem telemóvel: foi uma pequena aventura, chegar, à Clínica, às 11 h da noite, com um jovem "taxista" de ocasião, numa viatura, sem portas, completamente "descaracterizada" e "canibalizada", com o tabliê esventrado... 

Foi, seguramente, a viagem de "táxi" mais surrealista da minha vida: custou-me 40 euros,  todo o dinheiro trocado que tinha no bolso, nem sequer tinha cuanzas ou dólares para pagar ao mais jovial, simpático e prestável "taxista da candonga", a quem confiei a minha bolsa e talvez até a minha vida. 

Fomos todo o caminho a conversar sobre tropa, médicos e militares... Ele fizera tropa mas já não fora à guerra... Puxei dos meus galões, e falei-lhe de alguns nomes de gente da "nomencltura" que me gabava de conhecer... Acabou por ser uma relação empática e lá cheguei ao destino sem mais problemas.

2. Mas voltando ao C... É um homem afável, de 59 anos, mestiço, do Kuanza Sul (, salvo erro), província a sul, a cerca de 300 km de Luanda...  Pelas minhas contas deve ter nascido em 1953/54.


É preciso atravessar Luanda, de uma ponta à outra, até chegar ao aeroporto... Nas horas de ponta, pode ser um inferno. Daí ter que me levantar às 6 da manhã... para estar com uma certa margem de segurança, a tempo e horas, no aeroporto... É outra aventura, mesmo com "passaporte especial", até poder sentar-me no meu lugar do avião da TAP e poder, enfim, respirar fundo... 

Além disso, levo comigo, dez mil dólares, em maços de notas, limite máximo legal... E o credo na boca:  não é dinheiro meu, é da minha Escola, e vai servir para pagar viagens e ajudas de custo dos próximos formadores... Enfim, uma forma expedita, um desenrascanço, à portuguesa e à angolana, para contornar a morosidade burocrática da transferência de dinheiro entre os dois países...

O C... mora na ilha de Luanda, perto da Clínica aonde fui dar formação e onde ele trabalha, como motorista de ambulâncias... Trabalho que, diga-se de passagem, não é pêra doce: há uns largos anos atrás, talvez em finais da década de 1990, a sua ambulância foi metralhada num musseque dos arredores (, ele disse-me o nome, que não fixei), quando um "grupo de bandidos" (sic) tentava assaltar a casa de um "fulano ricaço" (sic)... 


Os "bandidos, que não sabiam ler" (sic), confundiram o "tinonim" da ambulância com o carro da polícia... Houve feridos graves, baleados dentro da ambulância; mas, mesmo com os pneus todos furados, e o assento do motorista todo crivado de balas, o meu amigo C... lá conseguiu safar-se, são e salvo... Revelou grande sangue frio e coragem, dois atributos essenciais para se poder sobreviver numa cidade como Luanda de 5 ou 6 milhões de habitantes onde só uma escassa elite privilegiada tem vida segura e  decente.

Esse sangue frio e coragem vêm-lhe do tempo da guerra. É um duplo ex-combatente. Tem muitas histórias para (e por) contar. Rapidamente criei com ele um laço de cumplicidade e uma grande empatia. Nada como dois ex-combatentes encontrarem-se.... Fez a guerra colonial, do lado português, com "muita honra" (sic), creio que por volta de 1972/74 (*) ou até talvez 1973/75 (, já não posso precisar). Era furriel miliciano. Serviu "a sua pátria de então" (sic). 

Angola > Posição relativa da privíncia de
 Kuando Kubango, 
Adapt. de Wikipedia
Quando os sul-africanos, os zairenses e outros invadem Angola, sua terra, as FAPLA, as Forças Armadas para a Libertação de Angola, convocam-no para as suas fileiras. Foi então 1º tenente de infantaria, comandando cerca de 70 homens (, se bem percebi). Participou em várias batalhas. E lá ficou na tropa e na guerra até à desmobilização, em finais de 1980, se não erro... Também se queixa, tal como nós,  de o Estado angolano ter abandonado os seus antigos combatentes...

3. Pelo que percebi, também terá estado  na província do Kuando Kubango (e, possivelmente, na batalha de Kuito Kuanavale, de trágica memória para todos os contendores de um lado e do outro, angolanos, cubanos, soviéticos, sul-
africanos)...


Mas a cena mais dramática da guerra para o meu amigo C... não foram os bombardeamentos 
maçiços  da artilharia, cavalaria e aviação dos sul-africanos no sul, foi sim uma emboscada às portas de Luanda (a cerca de 100 km, se bem percebi), a um coluna de várias viaturas guarnecidas po um grupo de combate que ele comandava, composto por cerca de 30 homens. 

Tenho dúvidas se foi na altura da batalha de Kifangondo [, em 10/11/1975], às portas de Luanda ou se foi no âmbito da batalha do Ebo...  Em qualquer dos casos, o desfecho destas duas batalhas foi fundamental para reforçar a posição do MPLA. 

Pela descrição da batalho do Ebo (no portal cubano EcuRed, que não pode todavia ser considerado uma fonte independente), inclino-me mais para a primeira hipótese, a da emboscada em que caiu a coluna comandada por C..., ter ocorrido no âmbito da batalha de Kifangondo, a escassa centena de quilómetros de Luanda, a nordeste.

Nessa altura as forças que apoiavam a FNLA já tinham tomado o Caxito, estando às portas de Luanda.  Eram constituídas pelos comandos de Santos e Castro, por forças do exército regular do Zaire, e por uma unidade de artilharia dos sul-africanos mais um grupo de mercenários.   

Sobre batalha de Kifangondo (em 10 de novembro de 1975), vd. aqui o depoimento do general António França 'Ndalu' (chefe do Estado-Maior da 9ª Brigada, uma unidade das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola,  criada uns meses antes para "defender Luanda das investidas do inimigo contra a capital, nos dias que antecederam a Independência no dia 11 de Novembro de 1975"]. 

Já agora leia-se, com atenção, também o seguinte comentário de um anónimo:

"O que o General António dos Santos França, na altura Comandante N´Dalu, não mencionou, talvez por não lhe ter sido perguntado, foi a constituição da 9ª Brigada . Estavam incluídos nela os melhores guerrilheiros das então FAPLA, e principalmente militares angolanos desmobilizados das forças portuguesas, onde se incluiram também paraquedistas e comandos portugueses. 

Ouvi pessoalmente oficiais cubanos a elogiarem a preparação destes militares do contingente de Angola nas forças portugueses. Foi a 9ª Brigada e os cubanos quem destroçaram as forças da FNLA/Zairenses/sul-africanos a norte, e perseguiram os sul-africanos estacionados próximos de Porto Amboim até à fronteira, no Cunene. 

Paradoxal e infelizmente, a maioria dos militares da 9ª Brigada foi fuzilada dois anos depois, nos acontecimentos do [27] de Maio [de 1977]".

É muito possível que o meu amigo C... seja um daqueles jovens, desmobilizados do exército português, que se ofereceu voluntário para a 9ª brigada... Mas tenho que admitir também a  hipótese do meu amigo C... ter participado na batalha do Ebo onde morreria o comandante cubano Raul Díaz-Argüelles (1936-1975),em 11 de dezembro de 1975 (um mês depois da proclamação da independência de Angola). 

Recorde-se que o Diaz-Argëlles também passou pelo TO da Guiné, em 1972, ao tempo da guerra colonial, tendo ajudado o PAIGC a planear a operação contra Guileje.
Angola > Província de Cuanza Sul.
Fonte: Cortesia de Wikipedia

A batalha do Ebo, a sudeste de Luanda, que teria sido travada em 23 de novembro de 1975, a par da batalha de Kifangondo (a nordeste de Luanda),  foi decisiva para suster o avanço das forças  anti-MPLA  que pretendiam impedir a proclamação da independência em Luanda pelo partido de Agostinho Neto.

É bom lembrar que, à revelia da potência colonizadora, Portugal, e do Acordo do Alvor (janeiro de 1975),  cada um dos três movimentos nacionalistas proclamou a independência de Angola em sítios e datas diferentes: a FNLA  no Uíge, a UNITA no Huambo e o MPLA em Luanda.

Não tive oportunidade, no trajeto até ao aeroporto, 
de esclarecer este e outros pormenores importantes da história... que me foi contada a título de confidência. 

Ia com um ouvido atento à conversa com o motorista e um olho no vidro da janela do meu lado... Reconstitui a nossa conversa uns dias depois de chegar a Lisboa. E posso estar a ser traído pela memória. Mas confio na boa fé do meu amigo angolano.

Essa emboscada (ou ataque de artilharia ?) poderia ter sido  quando as forças sul-africanas,  que invadiram Angola,  chegaram até ao sul do Ebo, na província do Kwanza Sul, ameaçando Luanda. Os angolanos e os cubanos destruiram as pontes e sustiveram o avanço dos invasores justamente no Ebo (município a 300 km de Luanda).

Segundo o depoimento do C..., nessa emboscada, as viaturas foram todas destruídas, as FAPLA tiveram cerca de 2/3 de baixas mortais, incluindo 7 cubanos e 12 angolanos... O C... , na altura tenente e comandante da força, nunca mais se esqueceria desse "dia pavoroso" (sic), em que viu, mais uma vez, a morte à sua frente.


Mas o nosso amigo C... diz que a emboscada ocorreu a c. de 100 km de Luanda, portanto às portas de Luanda, a nordeste da capital... Logo só poderia ser no âmbito da batalha de Kifandongo e não do Ebo (a mais de 300 km, a sudeste de Luanda)

Depois de desmobilizado, começou a trabalhar na Clínica quando esta reabriu em 1990/91. Ele já pertencia ao quadro de pessoal da Endiama (, herdeira da Diamang), proprietária da Clínica. 

Conversa puxa conversa, diz-me que "já não há bandidos na ilha de Luanda e no centro de Luanda" (sic). A polícia "limpou-os" (sic). A esta hora, 6 da manhã, há grupos de 3 e 4 brancos (presumivelmente estrangeiros, incluindo portugueses,  a trabalhar em Luanda) que andam a fazer "jogging" na marginal. 

As praias estão "limpas",  contrariamente ao que se via há uns anos atrás... A zona agora é "turística" (sic), as barracas dos pescadores desapareceram... Enfim, a cidade mudou, "para melhor"... "Bandido é no musseque onde a polícia não entra" (sic). 

Tinha-lhe prometido trazer uma garrafa de vinho de Lisboa. Deixei-lhe cuanzas para beber um copo à nossa saúde e à nossa condição de antigos combatentes, homens da mesma geração, nascidos sob a mesma bandeira, falando a mesma língua...

Percebo agora melhor porque é que os nossos amigos  angolanos, são pessoas que vivem com tanta intensidade o dia que passa e manifestam publicamente a sua felicidade, através da comida, da bebida, do sexo, da música, da dança. 

"Para ser feliz tem que ser aqui em Angola", diz um kudurista dos musseques de Luanda no filme angolano "I Love Kuduro", do realizador português Mário Patrocínio, (a cuja estreia, em Portugal, eu assisti, em novembro de 2013, no Cinema São Jorge, no âmbito do doclisboa'13)... 

4. Confesso, por outro lado, a minha grande ignorância em relação à história e à geografia de Angola, apesar de lá ir já desde 2003...  

Por exemplo, Kuando Kubango... É uma província situada no sudeste do país. Verifico que é limitada a norte pelas províncias do Bié e Moxico, a leste pela República da Zâmbia, a sul pela República da Namíbia e a oeste pelas províncias do Kunene (onde a guerrilha da SWAPO tinha bases e campos de refugiados) e Huíla. A capital da província é a cidade de Menongue e dista de Luanda mais de mil km e de Kuito menos de 350 km. Tem cerca de 140.000 habitantes e ocupa uma superfície duas vezes superior a Portugal...

É constituída pelos municípios de Kalai, Kuangar, Kuchi, Kuito Kuanavale, Dirico, Mavinga, Menongue, Nancova e Rivungo. O clima é tropical no norte da província e semi-árido no sul. Esta região de Angola é conhecida atualmente como "terras do progresso», devido ao seu grande potencial económico, praticamente por explorar.

Mas voltemos à guerra, à chamada segunda guerra da independência em que participou o nosso amigo C.... Durante muito tempo alguns municípios (como Mavinga, Dirico, Cuchi e Kuito Kuanavale) serviram como bases de apoio à guerrilha da UNITA, liderada por Jonas Savimbi, que só abandonou completamente estes territórios (a famigerada "Jamba") em finais de 2001, aquando da ofensiva das forças armadas angolanas. 


É sabido que o Movimento do Galo Negro recebeu apoio dos EUA e da África do Sul, na luta contra contra o MPLA, que por sua vez era apoiado pela União Soviética e Cuba. Estávamos em plena guerra fria. Angola era uma peça importante no tabuleiro do xadrez da geopolítica mundial, sendo cobiçada pelas potências neocloniais pelas suas riquezas (, o petróleo, os diamantes) mas também era fundamental para a sobrevivência do regime de supremacia branca na África do Sul...

A batalha de Kuito Kuanavale terá sido o maior confronto militar da guerra civil angolana. Foi um batalha sangrenta e prolongada durante mais de 4 meses, entre 15 de novembro de 1987 e 23 de março de 1988.


Foi aqui , na província de Kuando Kubango , e mais concretamente no munícipio de Kuito Kuanavale, que as FAPLA (Forças Armadas Populares de Libertação de Angola), apoiadas pelos cubanos e com armamento soviético, se confrontaram com a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), apoiada pelo exército sul-africano.

Foi considerada a batalha mais longa travada no continente africano desde a Segunda Guerra Mundial.

Nesta batalha de Kuito Kuanavale, foi posto em cheque o mito, aos olhos dos angolanos, da invencibilidade do exército "racista" da África do Sul. 

Independentemente das duas partes terem clamado vitória, a África do Sul terá sido obrigada a reconhecer tacitamente a superioridade demonstrada pelas FAPLA (e seus aliados cubanos) no campo de batalha. 

Isso explicará a posterior assinatura dos Acordos de Nova Iorque, ponto de partida para o fim de um conflito que afinal não era apenas uma guerra civil, nem um simples conflito regional. 

Como é sabido, a implementação da resolução 435/78 do Conselho de Segurança da ONU vai levar à independência da Namíbia e apressar o fim do regime de segregação racial, que vigorava na África do Sul.

Se eu ainda conseguir voltar a Angola em 2020, espero poder reencontrar e  abraçar o meu amigo e camarada C..., agora com 65 ou 66 anos. E continuar a nossa conversa, à mesa, com um copo de tinto português. Ele é um dos bravos que passa a figurar na "Galeria dos Meus Heróis" (**). 

Lisboa, julho de 2013. Revisto.

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Notas do editor:

(*) Quem sabe, pode ter feito parte do BCAÇ 3880 ou até da CCAÇ 3534, do nosso camarada Fernando de Sousa Ribeiro... 

Guiné 61/74 - P20098: Parabéns a você (1673): Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2046 (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor:

Último poste da série: 25 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20092: Parabéns a você (1672): Manuel Carmelita, ex-Fur Mil Radiomontador do BCAÇ 3852 (Guiné, 1971/73)

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20097: Manuscrito(s) (Luís Graça) (170): Viagens ao fundo da (minha) terra e outros lugares: Parte II - Extremadura(s): doce é a guerra para quem não anda nela...




Torres Vedras > União das freguesias de A dos Cunhados e Maceira > Maceira > Estrada (particular) das Termas do Vimeiro (Fonte dos Frades) até à Praia de Porto Novo; ao lado passa o  Rio Alcabrichel (, nome que presumimos ser de origem árabe: o rio nasce na Serra de Montejunto e desagua na Praia de Porto Novo, Maceira)

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

EXtremadura(s)


por Luís Graça



1. Casas caiadas, paradas, o silêncio escorrendo, liquefeito, pelas paredes; nas águas furtadas já não dormem as criadas e na antiga praça do paço da rainha, ah!, já não se ouve o frufru das sedas, corroídas pelo bicho da traça. 

2. “Esquecei o que vedes”, diz um "aviso ao povo", apregoado pelo almotacé da cidade, poeta, negro, escravo liberto, enquanto, não longe, em Porto Novo, o mar é de labaredas, e os turistas, "voyeuristas", espreitam por ruelas e veredas e pátios e vãos de escada. 


Com a globalização, veio a gentrificação, lamenta-se a menina do posto de turismo.

3. Há bonecas de porcelana, quiçá das Chinas dos mandarins, às janelas, e os dedos delas confundem-se com as rendas de bilros, as teias de aranha, as cortinas, os brocados de cetim, os deveres e os lavores femininos, as máscaras de Arlequim, as fantasias de antigos carnavais, as marcas (imateriais) do jejum e abstinência.

5. Dedos que teceram intrigas e redes, redes de pescadores, há muito perdidos nas colinas do alto mar. Ou dedos que fiaram outras redes, clientelares, sociais, clandestinas, sob os portais, os corredores e as esquinas dos paços, dos passais, das rodas e das celas conventuais, dos passos perdidos, das antecâmaras reais.

6. O silêncio não pára ou só vai parar a um metro do chão, na barra azul dos moinhos de vento, mais a sul, entre pomares e vinhedos e, agora, campos de abóboras e estufas, quentes e frias. 

Indiferentes ao filme da história ao vivo, fiadas de pequenos nepaleses encavalitam-se em caixotes para apanhar  a pêra rocha que é exportada "by air". Os Himalaias ali tão longe!

À entrada, fora das muralhas, o cemitério, cofre forte de segredos, aqui onde se acabam todos os medos. E os heróis da última batalha que não tiveram sequer honras de mortalha. E os búzios e o cavername das caravelas e naus naufragadas no Porto das Barcas do inferno. E as façanhas dos soldadinhos de chumbo das tropas coloniais que ficaram por contar, trepando a rampa da praia de Paimogo acima.


7. Valha-te a brisa do mar que te faz algum refrigério na canícula do fim de estação da tua civilização. Pedes uma moreia frita no bar da Peralta. E contornas o Montoito e a Atalaia onde o guarda-mor da saúde decretou o cordão sanitário.

8. Casas paradas, caiadas com a mesma cal viva das valas comuns da última guerra e da epidemia da cólera de Deus que se lhe seguiu.

Pelos claustros do convento, agora transformado em palácio do povo, entre suspiros, sussurros e zunzuns, esquivam-se padres e frades, cavaleiros de Deus, noctívagos, e outros trânsfugas, infiéis, pecadores, hereges, proscritos, pederastas, mulheres da vida, esbirros do intendente, iluministas e iluminados, refractários e desertores, penitentes, almas penadas, danadas, poetas de botequim malditos, taberneiros, tocadores de rabeca, quiçá bruxas e duendes e peregrinos do caminho de Santiago. 

Como é vasto e triste o zoo humano. E não há albergarias para todos. Muito menos senhas de racionamento e vitualhas.

9. A calçada, outrora portuguesa, está agora gasta pelos cascos dos cavalos dos invasores... Picam-se os brasões dos solares da mui antiga nobreza, corta-se rente a árvore genealógica dos velhos senhores e arrasados e salgados são, até às fundações, os seus doces lares.

10. Um estranho cheiro a incenso, mirra, algas, maresia e enxofre sobe pelos ares, do lado da praia de Porto Dinheiro. Arde a Extremadura, do Atlântico ao Tejo.

Violadas as filhas, raptadas as servas, acorrentados ao pelourinho os criados, que vão ser vendidos como escravos na feira do gado do Rossio, passados a fio de espada os primogénitos, fundido o ouro e a prata dos palácios e igrejas, postos os novos deuses nos altares, pergunta a jovem guia do centro interpretativo da batalha do Vimeiro, "o que é pior, se a triste e vil desonra do presente ou o silêncio premonitório do futuro".


11. Por ti, nada antevês de bom augúrio. Não sabes que lugar é este, sem memória nem glória, à beira da estrada do Atlântico Oeste da tua infância revisitada, o mar do Cerro em frente, as linhas de Torres de alta tensão. Numa tabuleta lês: "A guerra, o mal absoluto".



12. Não há mais quem cante o cante dos poetas, a doce cantilena das Naus Catrinetas, o fero cântico dos últimos guerreiros do Império, ou até a última oração, de raiva, lamento e impropério, em canto chão, que é devida aos bravos que pela Pátria deram a vida.

"Que pátria, minha querida ? Ninguém morre pela pátria, morres pelos teus, que te estão mais próximos, a família, os animais de estimação, os bois, as leiras, jeiras ou courelas,  os pomares, as vinhas, a casa, os vizinhos, os amigos, os camaradas. Sobretudo os camaradas. E matas, para não morreres".

"É doce morrer pela pátria, diz o meu capitão".

"É doce a guerra, meu amor, mas é para quem não anda nela".

"Mas tu deves cheirar a pólvora, meu soldadinho, e eu a incenso".


13. Fora de portas, num atalho ou trilho que leva ao monte das forcas, compras o último pão de centeio, puro, duro e escuro, e a última boroa, já bolorenta, de milho, à última padeira de Aljubarrota que ainda estava viva, à hora do pôr do sol. Padeira, precisa-se, dão-se alvíssaras. E artilheiros, que saibam ler e escrever, por causa do manual de instrução.

Padeira, viandeira, de peito farto, mãe coragem, altiva, que nem sempre o que parece é, a vitória ou a derrota, medindo forças no tribunal da história. Não há tropa que caminhe para o combate com o estômago vazio.

14. Águas paradas do Rio Alcabrichel, tingidas de verdete e de sangue, no fim de tarde de todas as batalhas. “Pour Monsieur Junot, c’était encore trop tôt!”, manda dizer o ajudante de campo, enquanto sobe para a carruagem do comboio que o levará ao inferno. 


"O arco de triunfo, espera-te, idiota!, para que no alto, no pau da bandeira, te enforquem os milhares de homens que tu mandaste para a morte, em fila, organizados!".

As freiras improvisaram um hospital de campanha com bandeira branca e bufê. Que quadro idílico, patriótico, humanitário, que ternura!...

Saqueada a cidade, enchem-se as tulhas, despejam-se as talhas, ainda a guerra é uma criança, e quem não viu não crê, como são Tomé, acrescenta o enviado especial da TV em apontamento de reportagem. Teve o seu momento de glória, acabando por ser vítima do fogo amigo.



15. O último terno de cornetins da fanfarra do exército dizimado toca a silêncio, enquanto te despedes na parada, em ruínas, do quartel. Uma despedida que te destroça o coração, como todas as despedidas em tempo de guerra.

Em boa verdade, nem todos os que vão à guerra são soldados. Mas em todas as guerras só os soldados mortos não falam. E o silêncio é, afinal, a única linguagem universal que tu conheces, na Torre de Babel.
[1]

Lourinhã, Vimeiro, fim de verão, agosto de 2014. Revisto

[1] Périplo pelas terras da Lourinhã, em 15 passos, entre a Praia de Paimogo e a Praia de Porto Novo, fim de verão, 2014. Aqui desembarcaram tropas luso-inglesas que derrotaram Junot, general de Napoleão, na batalha do Vimeiro, em 21 de agosto de 1807, depois da Roliça (a 17).
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Nota do editor:

Último poste da série >  23 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20088: Manuscrito(s) (Luís Graça) (169): Viagens ao fundo da (minha) terra e outros lugares: Parte I - O rio Grande...

Guiné 61/74 - P20096: Dignidade e Ignomínia (Episódios do Meu Serviço Militar) (Fernando de Sousa Ribeiro, CCAÇ 3535, Angola, 1972/74) - Parte IV: O respeito pelos homens que comandei (pp. 33-42)


Angola > Luanda > Setembro de 2004 > Algures, em pleno centro da cidade, na Av Nkrumah,   um velho mural do MPLA,  meio escondido e já descolorido, e onde curiosamente o pintor se esqueceu das crianças, dos velhos e dos estropiados: está lá o intelectual, o guerrilheiro, o operário, a camponesa... (*)

Foto (e legenda): © Luís Graça (2004). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Angola > CCAÇ 3535 (1972/74) > Portugueses e angolanos formando uma equipa de futebol



Angola > Zemba, na região dos Dembos, norte de Angola, 1973. Em Zemba não havia mais do que isto: um quartel, ao centro, e uma pequena sanzala com cerca de 100 habitantes, à esquerda. Mais nada. O fumo que se vê à esquerda resulta de uma queimada. No quartel estava instalado o comando de um batalhão, a respetiva Companhia de Comandos e Serviços (CCS) , uma das três companhias operacionais do batalhão e um pelotão de morteiros independente. No meu caso, o batalhão era o BCaç 3880, a companhia operacional era a CCaç 3535 e o pelotão de morteiros era o Pel Mort 3060, primeiro, e o Pel Mort 3029, a seguir. Por sua vez, a CCaç 3536 e a CCaç 3537, do meu batalhão, estavam destacadas em Cambamba e Mucondo, respetivamente.

Fotos (e legendas) : © Fernando de Sousa Ribeiro (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Fernando de Sousa Ribeiro:

(i) ex-alf mil at inf, CCAÇ 3535 / BCAÇ 3880 ( Zemba e Ponte do Zádi, Angola, 1972/74);

(ii) é membro da Tabanca Grande desde 11 de novembro de 2018, com o nº 780;

(iii) licenciado em Engenharia Electrotécnica pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto;

(iv) está reformado;

(v) vive no Porto;

(vi) também gosta de Lisboa onde viveu e trabalhou;

(vii) tem página no Facebook.

(viii) a CCAÇ 3535 foi mobilizada pelo RI 16, partiu para Angola em 13/6/1972 e regressou em 28/8/1974: esteve em Zemba, P. R. Zádi. Comandantes: cap mil inf José Manuel de Morais Lamas Mendonça e Silva, e cap mil inf José António Pouille Nobre Antunes.

(ix) pertencia ao BCAÇ 3880, sediado em Zemba e Maquela e comandado pelo ten cor inf Armando Duarte de Azevedo; as outras duas subunidades eram a CCAÇ 3536 (Cambamba, Fazenda Costa) e a CCAÇ 3537 (Mucondo, Béu);

(x) o ficheiro, em formato pdf, que estamos a publicar, tem 165 pp, imagens incluídas.




Dignidade e Ignomínia (Episódios do Meu Serviço Militar)


por Fernando de Sousa Ribeiro

O RESPEITO PELOS HOMENS QUE COMANDEI  (continuação) (pp. 33-42) (*)



À chegada ao quartel do Grafanil, em Luanda, fomos informados de que a companhia que íamos render.  tinha a sua partida marcada para muito brevemente e, por isso, a nossa Instrução de Aperfeiçoamento Operacional [IAO]  teria que durar apenas uma semana. «Isto começa mal», pensei.

No dia seguinte, de manhã, chegaram os camaradas angolanos que iriam fazer parte da nossa companhia, vindos diretamente da cidade de Sá da Bandeira, que agora se chama Lubango.

«Estou salvo», pensei, assim que vi todos aqueles negros e mestiços de ar desempoeirado, porte digno e olhar inteligente. «Estou salvo. Quaisquer que sejam os que ficarem comigo, serão bons com certeza».

Como já tinha acontecido na Metrópole, o capitão Lamas da Silva mandou os angolanos formar em linha e ordenou:

— Os alferes escolham os homens que querem.

— Eu não escolho — repliquei de modo displicente.

— Estás doido?! — gritou o capitão. — Tu já tens os piores dos brancos e agora queres ficar com os piores dos africanos? És suicida ou quê? Escolhe! É uma ordem!

— Não escolho — teimei, pensando: «Só agora é que ele se preocupa? Agora é tarde demais. Assim como consegui resolver o problema de uns, também hei de resolver o dos outros, que nem problema parece ser. Agora é que não escolho mesmo».

Acrescentei:

— Isto não é maneira de distribuir pessoas. Não se devem escolher homens como quem escolhe cabeças de gado. Eles são seres humanos, não são animais.

Enquanto o capitão e eu discutíamos, os outros alferes iam fazendo as suas escolhas. No fim, fiquei com os angolanos que restaram. «Nada mau», pensei ao vê-los. «Não me parecem piores do que os outros».

Os angolanos foram a seguir encaminhados para a respetiva caserna, onde já estavam os seus camaradas portugueses, para que se instalassem junto destes. Finalmente, os pelotões estavam completos.

Na caserna, enquanto os angolanos se instalavam e arrumavam as suas coisas, os portugueses observavam-nos com curiosidade e comentavam em voz baixa uns com os outros:

— Ih, que pretos que eles são! É cada tição!

— Oh, pá, os gajos são todos iguais, são todos pretos… Como é que vamos conseguir distingui-los uns dos outros?

Por sua vez, enquanto faziam as suas arrumações, os angolanos mostravam-se descontraídos e faladores, para enorme surpresa minha, pois esperava que eles se apresentassem tristes e acabrunhados, porque estavam quase a partir para a guerra. Eu ainda não conhecia a maneira de ser espontânea e extrovertida que caracteriza a maioria do povo angolano.

Assim que terminaram as suas arrumações, os angolanos dirigiram-se aos seus camaradas portugueses, de sorriso no rosto e mão estendida, dizendo-lhes:

— Parece que vamos ter que nos aturar uns aos outros durante dois anos… Então, o melhor é começarmos já a conhecer-nos. Eu sou fulano de tal, sou de tal sítio e na vida civil tinha a profissão tal. E tu? Como te chamas? De que terra és? O que é que fazias na vida civil?

Com este seu gesto, os angolanos quebraram a desconfiança e o acanhamento dos portugueses. Estabeleceu-se de imediato um relacionamento tão natural e tão intenso, que quem os visse diria que eram velhos amigos que já não se viam há muito tempo e que estavam a pôr as conversas em dia. Eu, que a tudo assisti, fiquei encantado com a facilidade com que se iniciava aquela amizade entre brancos, negros e mestiços, amizade esta que iria durar até ao fim da comissão e que iria ser uma amizade para a vida e para a morte.

Ao fim do dia, quando ficamos livres das nossas obrigações e pudemos sair do quartel, todos os angolanos da companhia saíram logo disparados a correr pela porta fora. Os que eram de Luanda foram os primeiros a sair, ansiosos por voltar a casa e reencontrar os seus familiares. Desde que tinham sido incorporados no serviço militar obrigatório e enviados para o Regimento de Infantaria 22, em Sá da Bandeira, a fim de fazerem a recruta e a especialidade, nunca mais puderam estar junto dos seus. Tendo estado colocados a quase mil quilómetros de distância, é evidente que não tinham podido vir passar os fins de semana a casa…

Os restantes angolanos também saíram cheios de pressa. Meteram-se em táxis e foram diretamente à Ilha de Luanda, para verem o mar antes que a noite caísse. A maior parte deles nunca tinha visto o mar.

O dia seguinte era para ser o dia da nossa partida para o Úcua, mesmo ao pé da zona de guerra, onde iríamos receber a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional. Era para ser, mas não foi. Partimos, sim, mas para a própria guerra…

— Vamos render imediatamente a companhia que está à nossa espera — comunicou-nos o capitão. — Não vamos receber IAO nenhuma, porque não há tempo para isso. Quem estiver preparado, está; quem não estiver, estivesse.

Avançamos para Zemba, com o coração aos saltos. «Olha se eu não tivesse dado aquela instrução toda em Santa Margarida…», pensei. «Agora estaria em maus lençóis».

Ao longo da comissão militar, todos os meus subordinados — furriéis, cabos e soldados, portugueses e angolanos sem distinção — comportaram-se de uma forma que ultrapassou tudo o que de melhor eu poderia esperar. Tudo, mesmo tudo. Eles foram verdadeiramente insuperáveis no esforço, na generosidade e na valentia.

Eles foram mais longe do que quaisquer outros militares tinham ido desde o início da guerra. Eles entraram onde as tropas ditas especiais não tinham tido coragem de entrar. Eles passaram a menos de cem metros de sentinelas inimigas sem terem sido descobertos. Eles avançaram, sem vacilar, por um trilho minado e armadilhado, sabendo antecipadamente que o trilho estava minado e depois de, numa operação anterior, já um seu camarada ter ficado sem uma perna por ter pisado uma mina. Eles conquistaram sozinhos uma base da FNLA, sem qualquer apoio e comandados pelo bravo furriel Luis Cândido Passos de Macedo (eu encontrava-me ausente de férias), desalojando a tiro e de peito descoberto os guerrilheiros entricheirados na base.

[Foto à direita:] 

Primeiro-cabo Afonso Dias Nogueira, um dos bravos do meu grupo de combate, que regressou de Angola são e salvo, apesar de todos os perigos por que passou. Alguns anos mais tarde ficou sem uma perna em consequência de um acidente de trabalho


Por outro lado, nem uma só vez eles se comportaram como cães de guerra espalhando a morte à sua volta, como parecia estar expresso no repugnante lema da companhia: "A cada um a sua própria morte". Aliás, de maneira nenhuma os outros três alferes e eu próprio estávamos dispostos a permitir um tão odioso comportamento. Felizmente nunca foi precisa qualquer intervenção nossa a este respeito. O nosso pessoal nunca se deixou desumanizar, apesar de algumas situações extremas que se viveram. Nunca, em tempo algum, os nossos homens deixaram de ser sensíveis à morte e ao sofrimento humano.

Sinto um orgulho enorme nos subordinados que me coube comandar. Eles foram, verdadeiramente, os melhores. Isto mesmo foi publicamente reconhecido pelos outros camaradas que com eles comeram o pão que o diabo amassou.

— Só ao lado deles é que nos sentimos seguros — disseram, textualmente, os camaradas do 1º grupo de combate a seu respeito. — São os únicos em quem temos confiança.

Isto não aconteceu por acaso e a explicação é simples. Quando, no início, foram rejeitados pelos outros alferes, os meus cabos e soldados sentiram-se feridos na sua dignidade pessoal. Este facto levou-os a procurar provar aos outros e sobretudo a si próprios que tinham tanto valor como eles. Superaram-se e conquistaram com sangue, suor e lágrimas o respeito que lhes tinha sido negado. Posso, por isso, afirmar categoricamente que fui um privilegiado por ter tido a meu lado companheiros dotados de uma tal fibra.

 Fui ainda mais privilegiado porque entre eles havia angolanos, que foram das pessoas mais extraordinárias que conheci. Não há dinheiro no mundo que pague toda a sua sabedoria, toda a sua generosidade e toda a sua sensibilidade. Depois de os ter conhecido, nunca mais fui o mesmo. Tenho os seus nomes escritos em letras de ouro no meu coração:

Domingos Amado Neto, 
Silva Alfredo dos Santos, 
Domingos Cangúia, 
Diogo Manuel, 
Ramiro Elias da Silva, 
Domingos Jonas, 
Mateus Tchingúri, 
Jonas Vitorino, 
Lucas Quinta, 
Henrique Luneva, 
Raimundo Nunulo, 
Domingos Dala, 
Fortunato Francisco João Diogo 
e Simão João Leitão Cavaleiro. 

Nunca os esquecerei.


[Foto à direita:] Não é fácil reconhecê-lo nesta fotografa, mas este militar parece ser Diogo Manuel, um dos inesquecíveis camaradas angolanos do meu grupo de combate. Era natural de uma sanzala próxima de Malanje. No início da comissão militar, ao contrário do capitão e dos outros alferes da minha companhia, que nomearam guarda-costas para sua proteção, eu não nomeei. «Para que é que preciso de um guarda-costas?» — pensei. — «Tenho um pelotão inteiro para me guardar as costas, não preciso de guarda-costas para nada. Nós guardamos as costas uns aos outros». Tendo verificado que eu não tinha guarda-costas, este soldado, que era extremamente calado, tomou a decisão de ser ele próprio meu guarda-costas sem me dizer nada, seguindo atrás de mim sempre que era possível no decurso das operações. 

Afinal, acabei por ter também um guarda-costas, o Diogo Manuel. Ainda bem que o tive, confesso. Ele parecia adivinhar quando eu estava assustado. Nessas ocasiões, abria-me um sorriso tranquilizador e dava umas palmadinhas na sua espingarda, querendo dizer-me: «Vai descansado, que eu estou aqui pronto a defender-te». E eu ficava mesmo mais descansado. Foi muito bom ter o Diogo Manuel como guarda-costas


Os nossos camaradas angolanos eram filhos do povo. Do admirável e sofrido povo de Angola. Quer isto dizer que, para a esmagadora maioria deles, foi só quando passaram a fazer parte da nossa companhia que eles puderam, pela primeira vez nas suas vidas, relacionar-se com brancos de igual para igual. Olhos nos olhos, ombro com ombro, de homem para homem. E eles foram insuperáveis no companheirismo e na dignidade com que se relacionaram connosco, os europeus da companhia.

Encontrando-se na mesma situação que nós, os nossos camaradas angolanos não se limitaram a partilhar as suas vidas connosco no seio da companhia; eles fizeram parte integrante de nós mesmos, tanto quanto isto foi possível. Eles travaram os mesmos combates que nós. Eles caíram nas mesmas emboscadas que nós. Eles desafiaram as mesmas minas que nós. Eles contornaram as mesmas "bocas-de-lobo" que nós. Eles suaram os mesmos cansaços que nós. Eles enjoaram as mesmas rações de combate que nós. Eles dormiram debaixo da mesma chuva que nós. Eles tremeram os mesmos medos que nós. Eles riram as mesmas alegrias que nós. Eles choraram as mesmas saudades que nós. Eles acalentaram as mesmas esperanças que nós. Eles foram nós. Todos fomos nós.


[Foto à esquerda:] No seio da Companhia de Caçadores 3537, a convivência entre portugueses e angolanos era também de grande harmonia. 

No Mucondo, onde esta companhia esteve aquartelada, havia uma piscina, que uma companhia anterior tinha feito e que o comandante da 3537, capitão Jardim, mandou restaurar. Apesar de a água não ser filtrada nem desinfetada, nunca ninguém apanhou alguma doença por ter nadado nela.

Durante o seu serviço militar, os nossos camaradas angolanos faziam uma vida muito frugal, porque queriam amealhar algum do dinheiro do pré que recebiam, a fim de que, quando acabassem a tropa e regressassem à condição civil, pudessem pagar o alambamento (dote que, segundo a tradição bantu, o noivo tem que pagar à família da noiva) e assim casar-se e constituir família. Esperavam igualmente poder vir a arranjar um emprego minimamente estável e razoavelmente remunerado, tanto quanto era possível a africanos vivendo na Angola colonial.

Subitamente, quase no fim do nosso serviço militar, deu-se a Revolução do 25 de Abril. A Revolução abriu novos horizontes e gerou novas esperanças no coração de todos, angolanos e portugueses, eu incluído. A partir dessa data, os nossos camaradas angolanos passaram a esperar um futuro que antes não tinham podido esperar, porque lhes estivera vedado.

Eles esperaram poder aceder a empregos que até então tinham sido tacitamente reservados a brancos, como os de motoristas de táxi ou empregados bancários. Esperaram poder ganhar tanto e ter as mesmas possibilidades de promoção e de aumento de salário que um branco que fizesse o mesmo trabalho que eles. Esperaram poder entrar nos estabelecimentos comerciais que quisessem, sem receio de serem atendidos com maus modos e enxotados e sem terem que pagar mais do que pagaria um branco pelos mesmos artigos. Esperaram ter condições que lhes permitissem viver numa casa que merecesse o nome de casa, e não numa construção precária de adobe ou de blocos de cimento ou numa cubata. Esperaram que os seus filhos viessem a ter os estudos que eles próprios não puderam ter, apesar da sua enorme vontade de aprender. Enfim, eles viram abrir-se diante de si a perspetiva de uma vida muito mais livre, próspera e feliz do que tinham tido até então, uma vida sem humilhações e sem pobreza.

Quando no fim nos separamos, as nossas vidas — as dos portugueses por um lado e as dos angolanos por outro — tomaram caminhos terrivelmente distintos. Enquanto nós, os portugueses, pudemos recomeçar as nossas vidas (melhor ou pior, consoante a condição psíquica e física em que ficamos) num Portugal em paz, os nossos camaradas angolanos mergulharam numa guerra incomparavelmente mais terrível do que a guerra de guerrilhas que eles e nós tínhamos enfrentado juntos: a guerra civil que estalou em Angola em 1975 e que só terminou definitivamente em 2002.

Muitos dos nossos camaradas angolanos eram oriundos de Nova Lisboa (atual Huambo), de Silva Porto (atual Cuito), de Malanje e de outras terras onde a guerra civil atingiu o seu paroxismo. Estes nossos camaradas apanharam em cheio com um dilúvio de fogo e de metralha que durou anos e anos a fio. Mais tarde ou mais cedo devem ter sido obrigados a abandonar tudo o que tinham e a procurar refúgio no mato ou a tomar o caminho de Luanda, Benguela, Lubango ou outro sítio onde se pudessem sentir mais seguros. Devem ter enfrentado a fome, as doenças, as minas, as bombas e sabe-se lá que mais. Quantos deles terão conseguido sobreviver a tudo isto? Tremo só de pensar. Naquela guerra houve tantos mortos! Tantos corpos despedaçados! Tantas famílias destroçadas! Todos os sonhos e todas as esperanças que a seguir ao 25 de Abril estes nossos camaradas tinham alimentado, foram varridos por uma arrasadora torrente de guerra e de morte.

De maneira nenhuma eu desejo diminuir o valor dos meus camaradas portugueses, que em tudo era igual ao dos angolanos, sem qualquer sombra de dúvida. Não é disso que se trata. O que apenas pretendo neste momento fazer é prestar uma homenagem muito sincera, ainda que canhestra, a pessoas que tive o enorme privilégio de conhecer, cheias de humanidade, de sensibilidade e de coragem, que me deram extraordinárias lições de vida e que eram as últimas pessoas no mundo a merecer a sorte que o destino lhes tinha reservado: os nossos antigos camaradas de armas angolanos. Faço-o com um nó na garganta.

(Continua: O que nos  fizeram foi criminoso, pp. 43-48)

[Revisão / fixação de texto para efeitos de edição no blogue: LG]

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 5 de dezembro de  2006 > Guiné 63/74 - P1342: Poema: os meninos da Ilha de Luanda (... pensando nos meninos de Bolama, de Chamarra, de Mansambo ou de Saré Ganá) (Luís Graça)

(**) Vd. poste anterior da série > 25 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20094: Dignidade e Ignomínia (Episódios do Meu Serviço Militar) (Fernando de Sousa Ribeiro, CCAÇ 3535, Angola, 1972/74) - Parte III: O respeito pelos homens que comandei (pp. 27-32)

E ainda:

1 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20050: Dignidade e Ignomínia (Episódios do Meu Serviço Militar) (Fernando de Sousa Ribeiro, CCAÇ 3535, Angola, 1972/74) - Parte I: O meu curso de oficiais milicianos (pp. 5-16)

12 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20053: Dignidade e Ignomínia (Episódios do Meu Serviço Militar) (Fernando de Sousa Ribeiro, CCAÇ 3535, Angola, 1972/74) - Parte II: O meu curso de oficiais milicianos (pp. 17-26)