Mostrar mensagens com a etiqueta 25 de Novembro. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta 25 de Novembro. Mostrar todas as mensagens

domingo, 15 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5275: Controvérsias (53): Polémica M. Rebocho / V.Lourenço: Por mor da verdade e respeito por TODOS os camaradas (A. Graça de Abreu)

1. Texto do António Graça de Abreu (na foto, à esquerda, na apresentação, na Biblioteca-Museu República e Resistência / Espaço Grandella, Memórias Literárias da Guerra Colonial, 2 de Outubro de 2008, do seu Diário a Guiné: Lama, Sangue e Água Pura, Guerra e Paz Editores, 2007) (*)

O coronel Vasco Lourenço em caso polémico, quer reacção do Exército
por António Graça de Abreu


“Com as descolonizações, os povos criaram uma memória nacional por oposição aos colonizadores. Criou-se a ideia de que a expansão fora algo infamante, exigindo-se mesmo assunções de culpa. Ora, em meu entender, isso é tão disparatado como a glorificação desses colonizadores.”

Vitorino Magalhães Godinho, em Jornal de Letras nº 984, de 18 de Junho de 2008, pag. 13

A notícia vem no Diário de Notícias, há já mais de um ano, a 21 de Junho de 2008, pág. 16, da autoria do jornalista Manuel Carlos Freire. Agora, Novembro de 2009, quando o nosso Manuel Godinho Rebocho edita a sua tese em livro (**), talvez valha a pena recordá-la.

O coronel Vasco Lourenço (***), por quem não tenho especial simpatia, critica a ofensa feita aos oficiais do quadro permanente de “fugir à guerra colonial (1961-1974)”, sobretudo nas terras da Guiné, que surge aparentemente fundamentada na tese de doutoramento, “aprovada com distinção”, defendida pelo sargento-mor pára-quedista Manuel Godinho Rebocho, na Universidade de Évora e agora, Novembro de 2009, publicada em livro.

O Manuel Rebocho é um dos nossos, ainda há uns bons tempos atrás o tivemos no blogue a explicar que os restos mortais, as ossadas dos três pára-quedistas mortos e enterrados em Guidage, provavelmente ficariam na Guiné e jamais regressariam a Portugal, à Pátria, boa ou má, onde nasceram. Felizmente tal não veio a acontecer. O Manuel Rebocho também explicou, creio que muito bem, que o tenente-coronel pára-quedista Araújo e Sá era “um grande comandante” de homens, um militar que honrou as tropas pára-quedistas.

No nosso blogue, temos tido alguns defensores da tese da derrota militar na Guiné, da incapacidade das nossas tropas, não só os oficiais do QP, mas também os oficiais milicianos, sargentos e soldados, “sem meios”, vítimas do “colapso militar”,
“irremediavelmente batidos”, incapazes de responder à “supremacia militar” dos guerrilheiros do PAIGC.

Ora, segundo a tese de Manuel Rebocho, se os oficiais do exército do QP “fugiam à guerra colonial (1961-1974)”, imagine-se o que sucedeu na Guiné nos anos 1973/74, com os oficiais do QP a “fugir” e “os oficiais milicianos e os sargentos do QP a aguentar”. Em tão estranha situação, que não conheci, era inevitável a derrota militar.

Ou será que, como diz o coronel Vasco Lourenço, presidente da Associação 25 de Abril e antigo combatente na Guiné, o sargento Manuel Rebocho “deturpa (de forma malévola) o que então se passou na Guiné”? São palavras do Vasco Lourenço.

Vamos ao texto publicado a 21 de Junho de 2008 no Diário de Notícias.

“A tese de doutoramento aprovada com distinção (2005) na Universidade de Évora, acusando a generalidade dos oficias do quadro permanente (QP) do Exército de fugir à guerra colonial (1961-1974), está a gerar uma onda de indignação em diversos círculos castrenses. Dois factos ocorridos este mês tiraram a tese da penumbra: no passado dia 4, o tribunal de Évora absolveu o presidente da Associação 25 de Abril (Vasco Lourenço) num processo movido pelo autor da tese Manuel Godinho Rebocho (sargento-mor pára-quedista na reforma) por causa de críticas feitas pelo coronel Vasco Lourenço. A 10 de Junho, o coronel Morais da Silva terminou a análise da tese, concluindo que, pelos “erros e conclusões sem fundamento bastante, não dignifica a Universidade de Évora.”

Na origem da polémica está a tese de doutoramento sobre a “A Formação das Elites Militares em Portugal de 1900 a 1975”. O autor sustenta que os oficiais do quadro permanente fugiram da guerra, a qual se aguentou devido aos oficiais milicianos e aos sargentos do quadro permanente.[1]

Entre outras afirmações polémicas, diz: “Porque os oficiais dos anos 60 fugiram da guerra, não reuniram as características das elites. (…) Em função disso, o Exército desmoronou-se; a cadeia de comando partiu-se; o Exército venceu-se a si próprio, a Academia Militar falhou na selecção e na formação psicológica das futuras elites militares, as quais não desempenharam as suas funções aos valores próprios e exigíveis a um Exército.” (pág 488).

Vasco Lourenço, referido directamente na tese, insurgiu-se quando Manuel Rebocho o convida para a defesa da tese (19 de Setembro de 2005):

“Não me ouviu, deturpa o que então se passou na Guiné, e convida-me?”, contou ontem ao Diário de Notícias o presidente da Associação 25 de Abril. Além de escrever ao autor, Vasco Lourenço transmitiu também o seu protesto à Universidade de Évora e ao júri[2], observando que “talvez não tivesse sido ouvido previamente por o doutorando (Manuel Godinho Rebocho) ter noção da malévola deturpação do que se passou na Guiné.”

Manuel Rebocho que o DN não conseguiu contactar, considerou-se ofendido e apresentou queixa em tribunal contra Vasco Lourenço, que foi absolvido, O presidente da Associação 25 de Abril vai agora pedir ao Exército e à Academia Militar que condena “por uma tese destas, sem suporte científico, seja aprovada.”

Este ponto surge como pilar central da crítica do coronel Morais da Silva cujo passado militar o fez sentir-se “enlameado” com a tese, que leu para “desmontar” os argumentos do autor. “Caracterizar um universo de centenas de capitães do QP (…) a partir do desempenho de dois elementos desse universo, mostra que o autor nada conhece da teoria da amostragem e, portanto, as conclusões a que chegou não têm a menor validade científica”, escreveu aquele oficial.


Este o artigo do Diário Notícias. O jornalista conclui lembrando que “Vasco Lourenço foi o comandante das forças que anularam a sublevação do 25 de Novembro, iniciada pelas tropas pára-quedistas e em que Manuel Rebocho participou”.

Repito, o que é que isto tem hoje a ver connosco, estarei a misturar alhos com bugalhos?

Vamos apenas para recordar que Vitorino Magalhães Godinho que cito no início deste texto, o coronel Vasco Lourenço, e já agora eu próprio, não são gente da direita nostálgica de qualquer passado colonialista.

No que a mim diz respeito, - e porque de direitista a esquerdista, já me colaram éne rótulos -, está tudo no meu Diário da Guiné, 1972/74, inclusive a referência ao meu processo na PIDE/DGS, com a cota dos documentos sobre mim elaborados pela PIDE, a partir de 1967. Quem quiser pode ir à Torre do Tombo consultá-los.

O que é que me tem levado a alinhar tantas páginas, às vezes um tanto magoadas, no blogue?

(i) O gosto pela verdade histórica;

(ii) O respeito imenso pelos meus camaradas de armas, meus irmãos na Guiné, agora também pelos oficiais do quadro permanente que conheci em Teixeira Pinto, em Mansoa, em Cufar, não propriamente no ar condicionado de Bissau, com quem convivi muito de perto durante 22 meses;

(iii) O respeito também pelo “inimigo”, os guerrilheiros do PAIGC.


Aprendi a respeitar o rigor da informação e a seriedade na análise histórica. Cometo naturalmente alguns erros, já escrevi, e não estou a ser original ao afirmar que cada homem é um mundo. Mas procuro olhar e entender a História (e estamos a falar da História Contemporânea de Portugal e da História da Guiné–Bissau), a nossa História, a partir de “uma investigação séria e rigorosa, como uma construção científica capaz de nos ajudar a compreender quem fomos e quem somos”. Estou outra vez a citar Vitorino Magalhães Godinho

Um abraço a todos os tertulianos, a todos os camaradas e amigos.

António Graça de Abreu

11 de Novembro de 2009

Ano do Búfalo

António


2. Comentário de L.G.:

"Sério, sereno, justo mas não justiceiro, tomando partido pela busca da verdade e do rigor historiográfico, sem deixar de ser caloroso e fraterno" - é um elogio que eu gostaria de poder fazer a todos os que escrevem no nosso blogue. Eu sei que há divergências de leitura, análise e interpretação, entre nós, no que diz respeito à guerra colonial e ao seu contexto histórico - nos planos estratégico, político, militar, social, económico e cultural... Não quero nem posso escamotear essas diferenças... Nem sempre é fácil sermos "calorosos e fraternos" quando não concordamos... Mas podemos ser "sérios, serenos e justos" na crítica...

Este contributo do António (que, tal como eu, ainda não leu o livro) é também um convite para olharmos, de vez, para o nosso passado, sem falsos saudosismos nem miserabilismos, mas também com frontalidade, verdade, orgulho... E sobretudo continuarmos a 'fazer pontes' com os outros povos (às vezes, parece que continuamos a 'fazer a guerra'... Ora o PAIGC foi, objectivamente, o 'nosso IN', no passado; mas war is over, a guerra acabou)...

No própximo dia 17, na ADFA, em Lisboa, o nosso camarada Manuel Rebocho vai apresentar o seu livro e nós vamos lá estar para o ouvir, a ele e aos seus convidados, com a mesma abertura de espírito com que estamos, estivemos e estaremos em eventos semelhantes (por exemplo, na apresentação do livro do Coutinho e Lima sobre a retirada de Guileje em 22 de Maio de 1973). São dois camaradas nossos, membros da nossa Tabanca Grande, que divergem na apreciação de muitas coisas, directa ou indirectamente relacionadas com a guerra colonial da Guiné.

O Manuel Rebocho é hoje doutorado em sociologia dos conflitos, por uma universidade pública portuguesa, a Universidade de Évora, e a sua tese, agora em livro, deve ser conhecida e lida, antes de alguém vir para a praça pública utilizá-la como se fora uma G3.

Não ignoro que o tema (as elites militares e a guerra colonial) é, em si, polémico, como o são, aliás, todos os temas de história contemporânea: não temos ainda a distância efectiva e afectiva para julgar o "nosso tempo"...

Eu ainda não conheço a tese (não está acessível, 'on line') nem ainda comprei nem li o livro. Não tenho por hábito e formação usar a G3 para impôr os meus pontos de vista. Na nossa Tabanca Grande a G3 é hoje, de resto, uma peça de museu. Quem a trouxer, se há quem ainda ande com ela, deve deixá-la lá fora. (Obviamente, isto é uma metáfora).

Todos os pontos de vista, devidamente fundamentados, sobre o livro do Manuel Rebocho - incluindo os aspectos mais académicos, teórico-metodológicos, de investigação científica - serão bem vindos e terão lugar no nosso espaço, que é livre, plural e aberto. Mas, desde já devo dizê-lo, não aceito que se diabolize ninguém. Controvérsias, sim, duscussão livre, franca e aberta, sim. Se possível, serena, calorosa e até fraterna, melhor ainda. Mas transformar o nosso blogue numa tribuna panfletária, não. Decididamente não.

[Revisão / fixação do texto / bold a cores / título: L.G:]

________________

Notas do A.G.A.:

[1] Será que Manuel Godinho Rebocho se esqueceu dos furriéis milicianos e dos nossos cabos e soldados?

[2] O júri era constituído pelo prof. Adriano Moreira, Joaquim Serrão (será o prof. Joaquim Veríssimo Serrão, antigo presidente da Academia Portuguesa da História. Se é, não posso acreditar!), Maria José Stock, antiga presidente do Instituto Camões, e que vai apresentar agora o livro do Manuel Rebocho, Maria Colaço Baltazar e o professor da Academia Militar coronel Nuno Mira Vaz, autor de um interessante livro Guiné 1968 a 1973, soldados uma vez, soldados sempre, Lisboa, Tribuna da História, 2003.

____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 7 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3276: Memórias literárias da guerra colonial (3): O poder na ponta das espingardas, segundo A. Graça de Abreu (Luís Graça)

(**) Vd. postes de:

10 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5243: Controvérsias (52): Elites militares, estratégia e... tropas especiais (L. Graça / A. Mendes / M. Rebocho / S. Nogueira)

29 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5180: Agenda Cultural (39): “Elites Militares e a Guerra de África”, de Manuel Rebocho: 17 de Novembro, às 18h00, sede da ADFA - Lisboa


Sobre o Manuel Rebocho, vd. postes dele ou sobre ele:

27 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3095: Tabanca Grande (81): Manuel Peredo, Fur Mil Pára-quedista, CCP122/BCP 12 (Guiné, 1972/74)

14 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P877: Nós, os que não fazemos parte da história oficial desta guerra (Manuel Rebocho)

28 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P919: Vamos trasladar os restos mortais dos nossos camaradas, enterrados em Guidage, em Maio de 1973 (Manuel Rebocho)

21 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1099: O cemitério militar de Guidaje (Manuel Rebocho, paraquedista)

4 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1150: Carta a Pedro Lauret: A actuação do NRP Orion na evacuação das NT e da população de Guileje, em 1973 (Manuel Rebocho)

5 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1151: Resposta ao Manuel Rebocho: O papel do Orion na batalha de Guileje/Gadamael (Pedro Lauret)

17 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1187: Guidaje: soldado paraquedista Lourenço... deixado para trás (Manuel Rebocho)

22 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1453: Ninguém fica para trás: uma nobre missão do nosso camarada ex-paraquedista Manuel Rebocho

27 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3095: Tabanca Grande (81): Manuel Peredo, Fur Mil Pára-quedista, CCP122/BCP 12 (Guiné, 1972/74)

28 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3674: Em busca de... (59): Ex-combatentes do BCAÇ 4616/73 (Manuel Rebocho)

16 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4694: Meu pai, meu velho, meu camarada (6): Ex-Cap Pára João Costa Cordeiro, CCP 123/ BCP 12 (Pedro M. P. Cordeiro / Manuel Rebocho)


(***) Sobre Vasco Lourenço:

Vasco Lourenço (à esquerda, em foto da capa do livro Vasco Lourenço do Interior da Revolução, entrevista de Maria Manuela Cruzeiro, Lisboa, Âncora, 2009):

" Nasceu em Castelo Branco em 1942. Ingressou na Academia Militar em 1960. Pertenceu à Arma de Infantaria. Combateu na Guerra Colonial, tendo cumprido uma comissão militar na Guiné de 1969 a 71. No dia 25 de Abril de 1974 era capitão nos Açores. Membro activo do Movimento dos Capitães, pertenceu à Comissão política do MFA. Nesta condição foi nomeado para o Conselho de Estado (24 de Julho de 74), passando mais tarde a integrar a estrutura informal do Conselho dos Vinte e a partir de 14 de Março de 75 tornou-se membro do Conselho da Revolução, funções que manteve até à extinção (1982). Passou à Reserva no posto de tenente-coronel a 20 de Abril de 88. Pertence desde a sua fundação aos corpos gerentes da Associação 25 de Abril" (Fonte: Centro de Documentação 25 de Abril, da Universidade de Coimbra).

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P5024: Da Suécia com saudade (13) (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (13): Portugal é um país de tolerância e humanismo

1. Mensagem de José Belo (*), ex Alf Mil Inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, actualmente Cap Inf Ref, a viver na Suécia, com data de 14 de Setembro de 2009:

Caros Amigos e Camaradas!

Tão perto, e tão longe, dos fuzilamentos contínuos da guerra civil espanhola, Portugal libertou-se das ditaduras do antes e depois... sem um único fuzilamento, com tudo o que isso significa de tolerância e humanismo.

Estive presente na Assembleia do MFA, nas instalações da Manutenção Militar, em Lisboa aquando do rescaldo do 11 de Março, a tal em que alguns camaradas militares, mais exaltados, mas poucos, pediam o fuzilamento dos que bombardearam o RALIS, causando mortos.

O pêndulo movimentou-se, e, aquando do 25Nov75, numa reunião no Regimento de Comandos, foram de novo sugeridos fuzilamentos, mas agora para alguns da chamada esquerda do MFA.

Em AMBAS(!!!) as ocasiões, a esmagadora maioria dos presentes repudiou vivamente estas sugestões.

E, apesar de um Camarada e Amigo, militar-poeta, ter escrito:

- Quando reacontecer Abril... na madrugada anterior, prendam-se todos os cravos(!), quero continuar a acreditar que os nossos tão, injustamente ironizados, brandos costumes, mais não são que o fantástico resultado de uma maneira de estar na vida, tão característica do nosso querido Portugal!

Um abraço amigo do
José Belo
Estocolmo 14/9/09
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4965: Os Nossos Enfermeiros (6): Os Nossos Anjos da Guarda (Joseph Belo)

Vd. último poste da série de 20 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4709: Da Suécia com saudade (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (12): O meu tecto mais não é que o soalho do vizinho

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P3002: A Guerra estava militarmente perdida? (23). Comentário do Cor Amaro Bernardo.

Guiné - Guerra e Descolonização…

Por Manuel Amaro Bernardo

(…) É sabido que estes três G (Guidage, Gadamael e Guilege) estão associados à escalada da guerra, que se seguiu ao assassinato de Amílcar Cabral (20-1-1973) e precedeu a declaração (unilateral) de independência da Guiné-Bissau em 24-9-1973. Maio, Junho e Julho de 1973 foram três meses terríveis para as NT, cercadas em Guidage, Guilege e Gadamael. (…)
Luís Graça, no seu site, em 4-6-2008

Este destaque faz um resumo interessante em relação ao sucedido na Guiné no último ano de guerra (1973-74) decorrente no território. Até pela analogia feita com os três D do publicitado objectivo do MFA, no pós-25 de Abril: Democratizar, Descolonizar e Desenvolver.
Curiosamente, em Portugal, a "democratização" apenas seria conseguida em Novembro de 1975, contra as forças comunistas e totalitárias.
A "descolonização" seria desencadeada sem ter em conta os interesses dos portugueses residentes naquelas paragens e o "desenvolvimento" terá ficado muito aquém do desejável; decorreu de tal modo que forças de direita ainda hoje culpam o 25 de Abril, apesar de "tanta água ter passado por debaixo das pontes".

Vou repescar o tema tratado no site de Luís Graça, com uma polémica entre dois combatentes: Beja Santos e Graça de Abreu, de modo a poder adiantar mais uma opinião sobre este controverso assunto. Claro que a minha posição em relação ao primeiro poderá ter sempre algum reflexo menos isento, face à desajustada crítica que ele fez publicar sobre o meu último livro "Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros; Guiné 1970-1980" e que motivou uma resposta minha, dois dias depois, no mesmo site.

Antes disso, e dado o seu grande período de permanência na Guiné, recordo as posições tomadas pelo Major General Hélio Felgas, falecido há dias em Lisboa (e com textos também bastante divulgados no site de Luís Graça, numa conferência feita aos cadetes da Academia Militar, em 10-4-1970, após o seu regresso ao continente português. Transcrevo alguns destaques do extenso texto publicado nesse ano, na Revista Militar:

(…) O PAIGC é um movimento revolucionário de tendências sócio-comunistas. A sua estrutura, imitada da do regime guineense de Sékou Touré, baseia-se no sistema soviético da preponderância do partido sobre o governo.
No capítulo sobre as Nossas Tropas, a certa altura refere:
(…) Convém salientar que as unidades metropolitanas de reforço não se limitam a combater. Elas contribuíram para a melhoria que, em todos os campos, se nota hoje na Guiné.
Após quatro anos de permanência na Guiné, sempre no mato, que é onde se conhecem melhor os nativos, sou levado a chegar à conclusão que a Guiné progrediu mais nestes últimos 8 ou 9 anos que nos anteriores cinco séculos. E empenho nesta afirmação um pouco do meu orgulho de militar, pois é exactamente à presença dos militares que a nossa Guiné deve o seu actual impulso. (…)
E mais à frente, com maior ou menor optimismo, apresenta o ponto da situação naquele ano de 1970:
(…) Por motivos vários, entre os quais avulta a deficiência de informação pública, a situação na Guiné é em geral mal avaliada na Metrópole, havendo tendência para a considerar muito pior do que na realidade está.
De facto, na maior parte da Guiné, as populações fazem a sua vida normal, não havendo sinais visíveis da guerra. É o que acontece em todas as ilhas atlânticas (incluindo a de Bissau), em grande parte do “chão” dos Manjacos e na quase totalidade e na quase totalidade da massa continental do Leste.
No resto do território, o inimigo faz as suas incursões de surpresa, mas regressa logo ou às bases que tem no Senegal e na República da Guiné, ou aos refúgios das matas mais espessas.(…)

Curiosamente, cerca de dez dias depois desta conferência, dar-se-ia um agravamento na situação em relação às NT, devido à morte dos três majores (20-4-1970) e à não integração de todo o "chão" manjaco, como estava previsto acontecer.

Perspectivas sobre a guerra da Guiné

E a terminar Hélio Felgas afirmaria, com alguns aspectos promenitórios:

(…) Em nossa opinião, o PAIGC já deve ter compreendido que, a não ser que empregue meios, forças e tácticas diferentes, jamais poderá ganhar militarmente esta guerra.
(…) Admitimos que o PAIGC esteja realizando ou vá realizar novos e mais profundos esforços no sentido de tornar insustentável a nossa posição na Província.
Estes novos esforços serão desenvolvidos em todos os campos desde o diplomático ao militar. O colapso repentino do Biafra não pode deixar de favorecer o PAIGC, em especial quanto ao armamento. Outro tanto sucederá se a guerra do Vietname acabar, pois os contactos entre o PAIGC e o Vietcong já se encontram estabelecidos, como dissemos.
No entanto, se por um lado temos obrigação de admitir o reforço da actividade geral do inimigo – tanto mais que sabemos ele estar apoiado pela OUA e por grande parte dos países membros da ONU -, por outro lado não podemos deixar de reconhecer as tremendas dificuldades com que o PAIGC vai continuar a deparar se insistir em cumprir o programa que se propôs.
De facto, em primeiro lugar, há que contar com a nossa determinação em defendermos o solo cinco vezes centenário da Guiné Portuguesa. Em segundo lugar, é natural que, a um esforço maior do inimigo, respondamos com outro esforço também maior. E em terceiro lugar, não vemos como, nos anos mais próximos, o PAIGC terá possibilidade de levar a Cabo Verde a guerra que nos move na Guiné, dadas as características para nós favoráveis que o arquipélago apresenta.

Tal como salienta Luís Graça, a situação apenas viria a agudizar-se seriamente com o assassinato de Amílcar Cabral. Até essa altura os soviéticos não tinham querido arriscar entregar os sofisticados mísseis terra-ar Strella aos guerrilheiros do PAIGC, apesar de já terem sido anteriormente requisitados por este movimento. Aquando das cerimónias fúnebres daquele líder é que tal terá sido decidido e comunicado pela delegação soviética presente, como, de facto, aconteceu.
De qualquer modo, essas armas apenas serviram para desestabilizar a Força Aérea da Guiné durante algumas semanas (com as consequências graves nas evacuações e no restante apoio aéreo), pois, como refere Graça de Abreu, em 29-5-2008, desde Junho de 1973 até Abril de 1974 não foi atingida qualquer aeronave dentro do território. Ou os homens de Manecas dos Santos (PAIGC) não foram bons alunos na instrução ministrada na União Soviética ou os pilotos portugueses souberam actuar com eficiência e de acordo com novas exigências anti-aéreas.

No entanto, em 1972 tinha surgido um factor muito importante, que poderia ter conduzido ao fim da guerra, ainda em posição de alguma vantagem das NT em relação ao PAIGC. Tal seria completamente desprezado por Marcello Caetano, com a oposição do Governador da Guiné, António de Spínola. Amílcar Cabral, acedendo aos bons ofícios do Presidente do Senegal, Leopold Senghor, estaria, de facto, disposto a negociar directamente o cessar-fogo com a promessa de independência futura, num prazo a definir. Percebe-se que os defensores da continuação da guerra (dum lado e do outro) tenham apostado na eliminação física de Amílcar Cabral…

Considero que Beja Santos, durante a polémica sobre se a guerra estava ou não perdida militarmente, divagou bastante através de citações de entidades em vários livros, mas mais no âmbito das intenções e possibilidades do que da realidade vivida no terreno.
A notícia sobre o possível fornecimento dos aviões Migs ao PAIGC é bastante elucidativa… Poder-se-á afirmar que após a saída do General António de Spínola da Guiné (meados de 1973), voltou a ser conseguido um equilíbrio no potencial militar das duas partes, após as operações agressivas do PAIGC em Guidage, Guilege e Gadamael, em Maio/Junho.
Guilege fora abandonada, mas em Guidage e Gadamael, a partir dos finais de Junho, a situação melhorara consideravelmente. (Declarações dos Coronéis “Comando” Raúl Folques, Manuel Ferreira da Silva e Marcelino da Mata, no meu livro acima citado).

Aquele equilíbrio, existente por altura do 25 de Abril de 1974, seria confirmado por Aristides Pereira numa entrevista a Leopoldo Amado, em "O Meu Testemunho; uma Luta; um Partido; dois Países". Lisboa, Ed Notícias, 2003, como igualmente destacou Graça de Abreu.

Também, como refiro nesse trabalho, acompanho a tese explanada pelo General Almeida Bruno e realçada por Graça de Abreu:
"(…) a Guiné não estava perdida militarmente. A Guiné estava perdida porque a solução não era militar mas política e nós já tínhamos perdido (a oportunidade) da solução política (em 1972)".

Solução política negociada, como julgo ter acontecido com a generalidade deste tipo de guerras subversivas e de guerrilhas, na segunda metade do século XX, acrescentaria eu.

Uma Descolonização “inevitável” e apressada…

Para complementar o que atrás foi referido, passo a comparar descolonização ocorrida no caso português com a realizada pelos franceses na Argélia. Nesse sentido, recordo as declarações (numa entrevista que me concedeu), do homem culto e com grande estatura militar, que foi o General Passos Esmeriz e que prestou serviços relevantes na GNR no pós-25 de Abril. Afirmava ele (“Memórias da Revolução, Portugal 1974-1975”, Lisboa Ed. Prefácio, 2004):
(…) O soldado, desde que soube ter sido feita uma revolução em Lisboa e se ia para a descolonização, não mais combateu, enquanto que, com De Gaulle, na Argélia, se combateu até ao fim. Ele mandou quantificar as acções de um lado e do outro e dizia: "Só inicio os acordos quando houver equilíbrio de iniciativas".
Os acordos de Evian apenas se iniciaram quando esse equilíbrio se verificou. Numa situação que nenhuma parte tinha mais força do que a outra. Mas o soldado, lá, combateu até ao final. Eles ainda estavam agarrados à ideia de que a Argélia não podia deixar de ser francesa…

No caso português, os nossos militares não tinham qualquer ligação com os locais onde se encontravam. Conto-lhe um episódio que considero lapidar. Eu era Comandante de um Batalhão na Guiné, em 1963/65 e tinha chegado uma companhia da Metrópole. Lá estive a fazer aquele papel de circunstância, de dizer umas palavras de boas vindas e de apelo a cumprirem a sua obrigação militar. Encontrava-se presente um rapaz baixo, a quem perguntei de onde era oriundo. Resposta dele: "Sou de Alcafache. E estou satisfeito por vir conhecer terras estrangeiras".

A descolonização pode ser muito condenada, mas naquela situação tão complexa, com os factores que a condicionaram, talvez não pudesse ser feita de outra maneira.
Pode dizer-se que foi uma entrega… Mas, se quiséssemos impor outro modelo de descolonização, acabaria numa derrota militar, o que seria muito pior.
Houve outros factores exógenos para que a desmotivação das tropas fosse incentivada, alargada e aumentada. Desde o Rosa Coutinho à actuação, em Portugal, do PCP; mas o factor principal foi a desmotivação nacional… (…).

Agradeço a publicação deste texto no vosso site. Também endereço os meus sentidos pesâmes aos familiares do General Hélio Felgas, assim como aos de outros combatentes cujos falecimentos vêm ocorrendo e têm sido ignorados, pelas mais variadas razões…

E quando algum combatente, como já aconteceu neste site, em relação aos negros fuzilados pelo PAIGC, pergunta sobre essa vingança feita contra os outros, que também combateram do nosso lado - fuzileiros especiais, militares na generalidade e milícias -, além dos "Comandos" (20 oficiais, 29 sargentos e 4 soldados), apenas tenho a referir que as outras associações de combatentes, incluindo a recém-constituída em Bissau, Associação de ex-Combatentes das Forças Especiais da Guiné (patrocinada pelo Comandante Alpoim Calvão) devem fazer as necessárias investigações e listagens do pessoal vítima dessas atrocidades, tal como foi feito pela Associação de Comandos. Julgo que todos têm o direito de ter o seu nome no Monumentos aos Combatentes do Ultramar, no Restelo (Lisboa), já que foram fuzilados "apenas" por terem combatido por Portugal. E já têm duas bases de partida para essas investigações: as listagens de fuzilados, feitas por João Parreira, em 2006, e constantes do site de Luís Graça, e as várias relações por mim publicadas no livro atrás referido - "Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros, (…)", 2007.


Cor. Manuel Amaro Bernardo
Junho de 2008
__________

Nota:

1.Os nossos agradecimentos ao Cor Manuel Amaro Bernardo pelo envio do texto.
2. Fixação e adaptação da responsabilidade de vb.
3. Artigos relacionados em

21 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2971: o 10 de Junho visto pelo Cor Manuel Amaro Bernardo.

14 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2760: Notas de leitura (8): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros... ou a guerra que não estava perdida (A.Graça de Abreu)

2 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2713: Notas de leitura (7): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros: Resposta a um Combatente (M. Amaro Bernardo)

2 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2711: Notas de leitura (6): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros, de M. Amaro Bernardo (Mário Fitas)

31 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2706: Notas de leitura (5): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros, de Manuel Amaro Bernardo (Mário Beja Santos)

30 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2318: Notas de leitura (4): Na apresentação de Guerra, Paz e Fuzilamento dos Guerreiros: Guiné 1970/80 (Virgínio Briote)

28 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2308: Notas de leitura (3): Guerra, Paz e Fuzilamento dos Guerreiros: Guiné, de Manuel Amaro Bernardo (Jorge Santos)

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2789: Notas de leitura (9): Costa Gomes: uma biografia rigorosa de um militar prestigiado e ponderado (Beja Santos)


Título: Marechal Costa Gomes: No Centro da Tempestade.
Autor: Luís Nuno Rodrigues.
Editora: A Esfera do Livro, Lisboa.
Ano: 2008.
Colecção: História Biográfica
Preço: c. 27 €
Nº páginas: 408 + 24 extratextos
Encadernação: Cartonado

COSTA GOMES,O MARECHAL QUE NOS AJUDOU A FUNDAR ESTA REPÚBLICA
por Beja Santos

Os seus detractores chamaram-lhe "Chico Rolha" ou "O Cortiça" mas também o "Agente dos Vermelhos". No entanto, foi a figura decisiva de uma revolução, a última que tivemos no século passado, que moderou sem nunca ter tido aspirações a ser revolucionário.

Foi indiscutivelmente o oficial general mais prestigiado e brilhante das Forças Armadas Portuguesas no século XX, mas nunca deixou de pensar como um civil, sem, contudo, ter deixado em momentos decisivos de agir como o garante da dignidade dos militares. É considerado uma figura modelar ao nível da estratégia, sobretudo em Moçambique e Angola, mas previu que não havia solução militar para os conflitos armados nos três teatros de guerra. Quando, em Agosto de 1973, Caetano sugeriu o abandono discreto da província da Guiné, reagiu desfavoravelmente, lembrado da tragédia de Goa.

Homem da matemática, nunca escondendo a sua formação católica, esteve no centro dos acontecimentos políticos e militares entre 1974 e 1976. Suscitou invejas, ódios, acusações e, logo que possível, muitos políticos que tanto lhe deviam, tudo fizeram para procurar apagar ou distorcer a marca indelével que ele deixou na História de Portugal.

Marechal Costa Gomes, no centro da tempestade é a biografia que lhe consagrou Luís Nuno Rodrigues, um relato rigoroso e muito acessível da trajectória de um militar-político, que indiscutivelmente conseguiu conter as tensões extremadas do Verão Quente de 1975, evitando o perigo da guerra civil e manobrando com êxito para que se viesse a fundar o regime democrático em Portugal (A Esfera dos Livros, 2008) (1).

Francisco da Costa Gomes tornou-se presidente da República quando António de Spínola renunciou ao cargo, em 30 de Setembro de 1974, em consequência de uma prolongada tensão com as forças do MFA, sobretudo a sua Comissão Coordenadora, e depois de uma tentativa falhada em criar uma onda de simpatia para o seu projecto autocrático.

Tratando-se de uma biografia, o autor descreve as principais etapas da educação e formação do presidente da república: o Colégio Militar, os seus primeiros passos na carreira militar, a sua missão em Macau (etapa fundamental para o prestígio que granjeou na hierarquia), depois a sua passagem pela NATO, a sua nomeação como Subsecretário de Estado do Exército, onde teve um papel capital na reorganização das forças ultramarinas, nos finais dos anos 50 e início dos anos 60. Teve igualmente um papel discreto nos acontecimentos do pronunciamento militar conhecido por "Abrilada" ou "Golpe Botelho Moniz", em Abril de 1961.

Afastado do poder, foi "recuperado" quando eclodiu em todo o seu fragor a guerra colonial, a seguir a 1965: segundo-comandante da Região Militar de Moçambique, de 1965 a 1967, e depois seu comandante até 1969, tendo indiscutivelmente travado o esforço militar da FRELIMO; em 1970 parte para Angola onde exerceu as funções de comandante da Região Militar e onde vai permanecer até meados de 1972, conseguindo assinaláveis sucessos na modernização do dispositivo militar, atraindo e formando tropas locais, reduzindo a guerra de guerrilhas a quase nada. Em Setembro de 1972 foi nomeado chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas.

A partir de 1973, quando estala o conflito entre o Governo de Marcelo Caetano e os capitães do Quadro Permanente, Costa Gomes aparece como defensor dos interesses destes oficiais, ouvindo-os e alertando os ministros do Exército e da Defesa para as razões do descontentamento. Criado o Movimento das Forças Armadas, Costa Gomes foi o general mais votado para surgir como líder do Movimento. Enquanto Spínola se mantém activo e acolhe regularmente um grupo de oficiais, Costa Gomes deliberou manter o seu distanciamento.

Luís Nuno Rodrigues escreve com documentação segura tudo quanto se vai passar ao nível das relações militares com Marcelo Caetano até ao 25 de Abril de 1974: a amizade entre Spínola e Costa Gomes e as suas carreiras diferenciadas, em que pesou o princípio do desmoronamento do teatro da Guiné, em 1973, e que revela a contingência do colapso militar. Costa Gomes visita a Guiné nesse momento crítico e propõe a redução da área efectivamente ocupada, proposta recebida desfavoravelmente por Spínola. Spínola pede a demissão de governador e comandante-chefe das Forças Armadas da Guiné e é substituído.
A leitura de Marcelo Caetano, como se disse acima, ainda era mais drástica, pois propunha o acantonamento das Forças Armadas à península de Bissau, o que também não foi aceite, já que parecia configurar-se como uma manobra aparentada com o desastre da Índia, com a consequente hipótese de haver acusação de cobardia militar.

A autorização da publicação do livro de Spínola, Portugal e o Futuro, foi o detonador para as movimentações militares, até então circunscritas às reuniões clandestinas dos jovens oficiais. Caetano entrega o poder a Spínola no convento do Carmo, mas não houve equívoco no que os militares pensavam da personalidade de Costa Gomes, incapaz de um acto impulsivo e nunca tentado para o poder pessoal.

Enquanto Spínola se emaranha na formação do 1º Governo e nas tensões da descolonização, Costa Gomes viaja pelas províncias ultramarinas e constata que não há margem de manobra para continuar as guerras, em qualquer dos teatros de operações. O conflito de Spínola/MFA é indisfarçável após a queda do primeiro Governo Provisório. A relação entre os dois oficiais generais é de progressivo afastamento, embora, mesmo depois do 28 de Setembro tenham mantido um recíproco bom trato. O 11 de Março mudou tudo.

Nomeado presidente da República, Costa Gomes colocou a descolonização como o principal problema que se punha ao país, continuou um bom relacionamento com o MFA, apaziguou conflitos levantados ao nível da sua ala radical, é um período de inúmeros encontros internacionais com políticos das principais áreas de decisão, sobretudo na Europa e Estados Unidos.

A sua voz e a sua serenidade revelaram-se da maior importância perante o acumular de preocupações com a degradação da situação interna. Com efeito, a partir de Outubro e Novembro de 1974 vive-se numa atmosfera de permanente sobressalto, de golpismo, de crescimento de utopias, de tensões entre o PS e o PCP até se chegar ao 11 de Março de 1975, onde a postura de Costa Gomes foi decisiva para a manutenção das propostas iniciais do MFA quanto a eleições e à formação de uma Assembleia Constituinte.

Assim se chega ao Verão Quente e o autor vai destacando ao longo desses meses determinantes as declarações de Costa Gomes que evidenciam um pensamento firme quanto à manutenção do pluralismo partidário. Lendo à distância dos anos estas declarações, é incontestável uma deliberada postura de Costa Gomes, pautada por uma elevada cautela na redução dos conflitos num período em que o PS e o PPD saíram do Governo, em que se forma o V Governo Provisório, em que os boatos de todos os matizes proliferam no país, em que se estabelece uma ponte aérea para retirar os fugitivos de Angola, em que toda a gente de manifestava a qualquer hora do dia e da noite e em que o MFA se cindia em grupos cada vez mais irredutíveis.

Assim se chegou ao 25 de Novembro, talvez o ponto culminante da ágil capacidade de manobra de Costa Gomes, bem sucedido em travar os confrontos militares e políticos. A documentação invocada por Luís Nuno Rodrigues é de inexcedível importância, e é base irrefutável do papel desempenhado por Costa Gomes.

Trata-se de uma biografia marcada pela elegância das atitudes do biografado, escusando-se a destacar a mesquinhez dos políticos que tudo fizeram para a apoucar o papel de Costa Gomes na consolidação do processo democrático, ou as manobras para o impedir de continuar a servir Portugal, ele que possuía tantos talentos e que inclusivamente ganhara prestígio na cena internacional.

Luís Nuno Rodrigues ganhou a aposta em relançar o mais prestigiado militar português do século XX no seu papel de presidente da República naqueles momentos tão conturbados que se viveram entre 1974 e 1976. O que esta biografia deixa em suspenso é saber como e quando Portugal irá reconhecer na plenitude o papel desempenhado por Costa Gomes na fundação da nossa República.

__________

Nota dos editores:

(1) Vd. poste de 16 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2765: Convite (4): Lançamento do livro Marechal Costa Gomes no Centro da Tempestade (Esfera dos Livros, Lisboa)

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2318: Notas de leitura (4): Na apresentação de Guerra, Paz e Fuzilamento dos Guerreiros: Guiné 1970/80 (Virgínio Briote)

Capa do último livro de Manuel António Bernardo (1)

1. Texto do co-editor vb:

Teve lugar ontem, no Palácio da Independência em Lisboa, a apresentação oficial do livro Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros, Guiné 1970/1980, do Coronel Manuel António Bernardo.

Presentes na mesa, o Presidente da Associação de Comandos, Dr. Lobo do Amaral, o Dr. Nuno de Carvalho, representante da Editora Prefácio, o General Ricardo Durão e o Sargento Monteiro, do Exército Português, natural da Guiné. Na assistência, entre muitos outras figuras conhecidas, encontrava-se o Coronel Raul Folques, que foi Comandante do Batalhão de Comandos Africanos.

O Capitão Folques, até então 2º Comandante do Batalhão de Comandos, a receber das mãos de Spinola os galões de Major do Almeida Bruno. Uma cerimónia original. Foto do livro acima. Com a devida vénia aos Coroneis Bernardo e Raul Folques e ao General Almeida Bruno.


Abriu a sessão o Presidente da Associação de Comandos que aludiu ao simbolismo da sessão se efectuar no Palácio da Independência. O representante da Prefácio falou do trabalho que a Editora tem vindo a desenvolver na escrita da História Militar.

O General Ricardo Durão, em breves palavras, falou do seu conhecimento da Guiné, resultante de duas comissões militares. Destacou a importância do actual debate sobre a Guerra do Ultramar, porque, disse, a Guerra nos territórios ultramarinos faz parte da História de Portugal.

Abordou alguns aspectos relacionados sobre a acção que se desenvolveu em Teixeira Pinto, no chão Manjaco. Uma história ainda com sombras.

Começou por referir a velha questão de fundo entre os militantes do PAIGC. Que muitos guineenses militantes do PAIGC diziam serem eles os soldados e os cabo-verdianos os comandantes. E que esta controvérsia se manteve até ao golpe militar de Nino Vieira que destituiu Luís Cabral.

O "caso do chão Manjaco", como veio a ser conhecido, disse o General Ricardo Durão, começou por uma iniciativa pessoal do Major Pereira da Silva, o responsável da Acção Psicológica do CAOP, então comandado pelo Coronel Alcínio Ribeiro.

Diz o General que o CAOP, sob o ponto de vista militar, estava na ofensiva e a controlar com eficácia as acções armadas da guerrilha. Que vários guerrilheiros tinham sido aprisionados e que foi através deles que o Major Pereira da Silva deu início a esta história. Das conversas que com eles foi mantendo, o Major Pereira da Silva ficou com um importante conhecimento de como o PAIGC estava organizado na zona.

Daqui até ao primeiro contacto com um bi-grupo da guerrilha não passou muito tempo. Este episódio, segundo o General Durão, contou com a participação de um soldado que, a remos, o transportou para a outra margem do rio.
- Esperas aqui, o máximo 2 horas. Se eu não aparecer vai-te embora.

A estratégia passava por convencer os interlocutores que a guerra não tinha fim, ninguém iria ganhar ou perder, iria prolongar-se por anos e anos, com grandes sofrimentos para todos e, especialmente para o Povo Guineense. Viu alguma receptividade da parte dos interlocutores e decidiu prosseguir.

Ao longo de todo o "caso do chão Manjaco" efectuaram-se 13 ou 14 reuniões com os elementos do PAIGC. Com avanços e recuos, promessas foram adiantadas, como os guerrilheiros virem a ser integrados nas Forças Armadas e até um desfile conjunto em Bissau chegou a ser falado, com uma mal disfarçada satisfação dos guerrilheiros.
- Tudo bem, mas os senhores militares são majores e Lisboa, o que diz?
- Lisboa aceita o que for decidido entre todos - responderam.

E para reforçar o peso das negociações, o General Spínola apareceu numa dessas reuniões, para surpresa dos guerrilheiros, que o cumprimentaram militarmente, tratando-o por meu General.

Entretanto a guerra no chão Manjaco estava parada, uma espécie de tréguas estava tacitamente aceite por ambas as partes. As patrulhas, de um lado e do outro, eram feitas sem carácter ofensivo. E que esse aspecto mereceu algumas reflexões, não só das nossas chefias militares como da direcção do PAIGC.

Spínola reuniu em Bissau todos os Comandantes do Batalhão, expondo-lhes a situação e os progressos que estavam a ocorrer na zona de Teixeira Pinto. A paragem das hostilidades estava a facilitar o reagrupamento das famílias e prosseguiam, com mais entusiasmo ainda, os esforços para melhorar as infra-estruturas locais.

Spínola não parava. Deslocou-se a Cap Skiring para um encontro com Shengor. Nessa reunião foi ventilada a hipótese de Amílcar Cabral estar presente numa próxima reunião. Um mês depois de Cap Skiring, Amílcar Cabral foi assassinado. Os executores foram logo a correr ter com Sékou Touré, a dar conta do sucedido. Foram executados a seguir e o resto da história já é bem conhecida, remata este assunto o General Ricardo Durão.

Da parte do PAIGC, a questão que se estava a viver no chão Manjaco teve um seguimento diferente. Luís Cabral estava muito surpreendido com a evolução dos acontecimentos. Não havendo relato de actividades operacionais desencadeadas pela guerrilha, foi enviado para o local um Comissário Político do PAIGC, para se inteirar do que se estava a passar.

Na altura em que o Comissário Político do PAIGC se deslocou para a zona estava agendada a 13ª ou 14ª reunião entre os majores e os elementos da guerrilha. Na véspera desse encontro, Passos Ramos jantou em Bissau, em casa de Ricardo Durão. Entusiasmado, a certa altura manifestou a esperança de assistir brevemente em Bissau a um grande desfile com os guerrilheiros integrados.
O Comissário Político esteve presente nesse encontro, mas André Gomes, o Chefe da Região Militar não apareceu (será fuzilado, mais tarde, pelo PAIGC).
Foi nesse encontro que os majores, o alferes e os acompanhantes guineense foram assassinados.

- Porquê ?- pergunta Ricardo Durão. - Não seria um ronco muito maior se os tivessem aprisionado?

Perguntas que, quase 40 anos depois, continuam à espera de resposta.
__________

Nota de vb:

(1) Vd. post de, 28 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2308: Notas de leitura (3): Guerra, Paz e Fuzilamento dos Guerreiros: Guiné, de Manuel Amaro Bernardo (Jorge Santos)

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2308: Notas de leitura (3): Guerra, Paz e Fuzilamento dos Guerreiros: Guiné, de Manuel Amaro Bernardo (Jorge Santos)

Capa do último livro de Manuel Amaro Bernardo. Imagem: O General António de Spínola passa revista às tropas do Batalhão de Comandos da Guiné, acompanhado do seu comandante, Major Almeida Bruno (Fonte: Editora Prefácio).


1. O nosso camarada Jorge Santos, autor do sítio Guerra Colonial Portuguesa (onde pode ser consultada a mais completa e sempre actualizada lista bibliográfica sobre a guerra colonial, de A a Z, a par de uma valiosa filmografaa) mandou-nos, em 23 de Novembro, a seguinte nota, para conhecimento da Tertúlia:

Será lançado no dia 29 (quinta-feira), pelas 18 horas, no Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11, em Lisboa, o livro Guerra, Paz e Fuzilamento dos Guerreiros: Guiné, da autoria de Manuel Amaro Bernardo, editado pela Editora Prefácio.

A apresentação será efectuada pelo General Ricardo Durão. O livro aborda a guerra na Guiné, e as sequelas do pós-independência, através de diversos testemunhos. O autor não conheceu o TO da Guiné.

Do Prefácio: (…) O livro de Manuel Bernardo narra, através de diversos testemunhos, a guerra da Guiné. Foi um dos teatros onde, porventura, a luta foi mais intensa e dura; contudo, em todo o momento podíamos, desde que com o planeamento adequado e os efectivos necessários, estar presentes em qualquer ponto do território, o que não podia ser conseguido pelo inimigo. Isto não origina que o esforço militar se pudesse prolongar indefinidamente; havia que procurar solução política, inteligente e condigna, que não foi tentada atempadamente. (…).

Cumprimentos e bom fim de semana
Jorge Santos


2. Manuel Amaro Bernardo > Nota biobliográfica:

(i) Nasceu em Faro;

(ii) Foi promovido a alferes em 1960;

(iii) É Coronel do Exército (Infantaria), na reforma;

(iv) Cumpriu quatro comissões no Ultramar (Angola e Moçambique);

(v) No 25 de Abril estava colocado na Academia Militar, "onde existia um núcleo importante de oficiais contestatários ao regime anterior";

(vi) Estave no Regimento de Comandos, na Amadora, no 25 de Novembro de 1975, no Posto de Comando, dirigido por Ramalho Eanes;

(vii) Desempenhou funções de comando no Batalhão n.º2/GNR (1979/85);

(viii) Foi promotor de justiça e juiz nos Tribunais Militares de Lisboa (1987/95);

(ix) É diplomado com o Curso de Ciências da Informação da Universidade Católica (1990/93);

(x) É autor dos seguintes livros (além de outros, em co-autoria):

Os Comandos no Eixo da Revolução; Crise Permanente do PREC; Portugal 1975/76 (1977);

Marcelo e Spínola, a Ruptura; as Forças Armadas e a Imprensa na Queda do Estado Novo; Portugal 1973-74. (1994 e 2. edição em 1996, Ed. Estampa).

Equívocos e Realidades - Portugal 1974-75. (2 volumes 1999).

Combater em Moçambique – Guerra e Descolonização, 1964-1975 (2003, Ed. Prefácio) (1).

Memórias da Revolução; Portugal 1974-1975 (2004, Ed. Prefácio) (2).


Fonte: Passa-Palavra, jornal dos Comandos de Portugal (com a devida vénia...)

______

Notas dos editores:

(1) Do blogue do nosso camararada e amigo João Tunes:

Bota Acima > 8 de Julho de 2004 > Africando

(...) Voltei a ler mais um livro do Coronel reformado Manuel Amaro Bernardo. Desta vez, dedicado a Moçambique [ “Combater em Moçambique – Guerra e Descolonização – 1974/1975”, Manuel Amaro Bernardo, Ed. Prefácio]. É uma miscelânea de memórias da sua experiência em campanha, narrativas sobre os processos da guerra e da independência, colecta de depoimentos de vários camaradas de armas, uns intervenientes activos na resistência à independência, outros, pelo menos, críticos radicais da descolonização. A ideia regeneradora é uma constante sem falhas. A guerra foi heróica, a descolonização foi um crime. Frelimo e independência foram, são e serão a desgraça dos moçambicanos (depois de ter sido a nossa).

(...) "Nada tenho contra a proliferação desta literatura. Era inevitável. Até lhes compro os livros e os leio.O problema, quanto a mim, reside apenas no seu peso relativamente desproporcionado no panorama editorial. Bem sei que lhes 'chegou a hora'. Mas, sem contraponto, corre-se o risco de haver fixação num estereótipo bem marcado (extremado) que não permite a incorporação do fenómeno em termos de memória colectiva. E, assim, corre-se o risco de os portugueses, perante África, continuarem na sua ancestral incapacidade de olhar e entender o Outro. E se esta incapacidade, grande tragédia nossa, serviu para 'alguma coisa' (pelo menos serviu para uns tantos) no passado, hoje, sem colónias, só nos separa do mundo, impedindo-nos de termos história. E não há negócio que ganhe com o negócio. (...).

(2) Vd. recensão crítica do João Tunes > Bota Acima > 18 de Junho de 2004 > Leitura cruzada

(...) Terminada a leitura do livro da historiadora Dalila Cabrita Mateus [ “A Pide/DGS na Guerra Colonial – 1961-1974”, Dalila Cabrita Mateus, Ed Terramar ] aqui referido, entrou-me nas mãos um outro livro volumoso (750 pgs!) do Coronel reformado Manuel Amaro Bernardo [“Memórias da Revolução – 1974/1975”, Manuel Amaro Bernardo, Ed Prefácio] .

Acabei por terminar a leitura do segundo antes de trazer para aqui a apreciação sobre o primeiro. Aparentemente, os dois livros não se cruzam.Os factos abordados no livro de Dalila Mateus terminam quando começam os que são tratados no livro do Coronel reformado.

Dalila Mateus concentra-se nas actividades da Pide/DGS nas antigas colónias. O Coronel, abordando a descolonização, transborda para o campo da revolução e da contra-revolução, sobretudo em termos das movimentações golpistas dos militares de direita até ao 25 de Novembro de 1975.

Enquanto o livro sobre a Pide/DGS é obra de historiadora que usa as ferramentas e a metodologia do ofício (foi adaptado de uma tese de doutoramento), o Coronel utiliza os seus conhecimentos, amizades e cumplicidades (ele próprio navegou nas águas da contra-revolução), para construir uma completíssima recolha de depoimentos sobretudo dos militares que se opuseram à descolonização, que lutaram contra o MFA e contra o rumo revolucionário (com alguns depoimentos esparsos de pides, civis envolvidos no golpismo de direita e um (!) depoimento, entre dezenas de entrevistas, de um (!) militar do MFA).

Nota-se que a perspectiva da historiadora parte de um enfoque de 'esquerda' sobre a guerra colonial, enquanto o Coronel reformado partilha com os seus depoentes a rejeição do processo de descolonização e constrói e reconstrói os conhecidos lugares comuns da visão dos militares desconsolados com o 25 de Abril, logo nesse dia ou no dia seguinte. E é aqui que, a meu ver, os livros sempre acabam por se cruzarem (simetricamente). (...)