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sábado, 8 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12810: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (22): Caldas da Rainha - Os primeiros dias da recruta (Mário Migueis da Silva)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Migueis da Silva* (ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), com data de 24 de Fevereiro de 2014:

Olá Luís!
Já terás percebido que o tal desenho das Caldas que remeti ao Vinhal não passa de uma “ilustraçãozeca” inserta nos meus escritos da tropa, que pretendo possam vir a reflectir um pouco “aqueles anos de castigo” – falo por mim – em que, por paradoxal que isso possa parecer, o ridículo das situações, o humor e a boa disposição, andaram de mãos dadas com o medo, a ansiedade, a tristeza, a raiva, a dor, a própria morte.

O que até agora escrevi – não cheguei ainda à Guiné – nada tem, a não ser um pouquinho de raiva, dos últimos seis condimentos atrás referidos, consistindo, praticamente no seu todo, ao relato de curtos episódios por mim vividos, e, pois, verdadeiros, tão verdadeiros como caricatos e com carradas de humor.
Se conseguirei ou não transmitir com letras e algumas imagens auxiliares essas verdadeiras palhaçadas dos meus tempos das Caldas e de Tavira e também da própria Guiné - se bem que, por aqui, com a mudança brusca das coordenadas geográficas, o humor-humor se vá desviando para o chamado humor negro -, só o futuro, com o feedback daqueles que me possam vir a ler, poderá informar. Talvez tu próprio me possas dar, em primeira mão, esse retorno, o qual, pecando por insuficiente para valores estatísticos, terá, no mínimo, o condão de me motivar ou então, num gesto de sinceridade que agradecerei, a aconselhar-me a voltar os meus esforços para coisas menos exigentes e, porventura, mais frutuosas, poupando-me a desperdícios de tempo e vãos sacrifícios de memória. Nesse sentido, estou a anexar a tal “pontinha do trabalho” que, curioso que és, me estás a pedir (claro que seleccionei a parte do texto que o boneco já remetido ao Vinhal ilustra, ficando, assim, completas as duas páginas correspondentes ao “par de botas”, parte do primeiro capítulo, com o sugestivo título “Os primeiros dias da recruta”, que poderá vir a ser alterado para, por exemplo, “As primeiras impressões”, “Os primeiros dias de um soldado”, “Os primeiros banhos nas Termas da Rainha” – aceitam-se sugestões).

Quanto às “tintas da china de Tavira”, olha que eu falei-te de uns apontamentos a tinta da china e, no caso concreto, os ditos até foram feitos em papel de embrulho - que mais se podia esperar de um simples soldado instruendo a centenas de quilómetros da mesada dos papás?!... “De modos que” a qualidade, com o decorrer dos anos e com os ataques cerrados das traças, deixa muito a desejar, em nada abonando a valia do mestre e os pergaminhos da editora (leia-se “do blogue”). O que eu posso e tenciono, mais à frente, fazer é reproduzir para um suporte em condições e então, sim, estarão os apontamentos em condições de serem vistos e, eventualmente, publicados. De qualquer forma, vou compensar-te com um dos guaches que pintei nas Caldas (já como cabo miliciano), após levar cinco dias de detenção (oficial, pois claro), por ter “respondido mal” ao comandante do Regimento, quando este me interpelou na mini carreira de tiro, durante o tempo de instrução. Acho que tem muito a ver com “a cidade ou vila que mais odiei”, dando a ideia – no meu caso – de uma postura algo rebelde, com muita dificuldade em submeter-me à rígida disciplina militar, para a qual eram dirigidos os meus ódios e, não propriamente, para a cidade que, conforme referes, também a ti não deixou “particulares recordações”. Como o guache está em tamanho “A-3” e não estava ainda digiltalizado, tive que providenciar uma redução para A-4, razão pela qual só agora te estou a remeter o pretendido. Repara na data: 07/09/70. Na altura, ainda não estava mobilizado, mas, daí a mês e meio (18/11/70, véspera do meu aniversário), estava a embarcar para a Guiné).

E, então, onde param os infantes, que não dão a cara à luta, falando das recrutas e das especialidades, durante as quais levaram, como nós, “até ao céu da boca”?!... E a cavalaria?!... E a artilharia – pum! pum!... Ou avançam de uma vez ou então…

…“Siga a Marinha!...”

Confesso que, para além do mais, admiro muito em ti a tua entrega de corpo e alma a este bicho lindo que criaste e à energia que possuis ou inventas a cada instante para o manter vivo e vibrante. Assim o queiram todos os amigos e simpatizantes.

Um grande abraço,
Mário Migueis

P.S
Ainda a propósito das “tintas da china”, não sei se reparaste que o Fernando Gouveia, que, ao longo do tempo, se tem revelado grande entusiasta do blogue (penso que terás idêntica opinião), continuando a contribuir com interessantes textos e, muito especialmente, com belas fotografias da Guiné, com destaque para a interessantíssima Bafatá, que tínhamos ali a dois passos, comentou que também gostaria de ver os meus desenhos. Como vês, com a tua precipitação, deixaste-me ficar mal. Vê lá se arranjas maneira de me desculpar, talvez com a promessa de que o próximo boneco será servido em sua (dele) honra.

Para ele e para o Vinhal mais um abraço muito amigo.

************



Os primeiros dias da recruta

…/…

Ai, pois é, e por isso é que me fazia espécie ter que me sujeitar aos desaforos e impertinências daquele simples 2.º Sargento da Companhia, que, cheio de despacho e com a colaboração de dois Cabos quarteleiros, superintendia na distribuição das fardas aos novos guerreiros do Império. Mal aquela besta me viu abrir a boca para dizer que calçava 44, enfiou-me, a correr, nas mãos, dois pares de botas n.º 47 e uma boina que, de tão grande e espalmada, achei atentatória da minha dignidade!... “Por amor de Deus!... Mas que raio de tropa é esta?!... “, pensei eu, indignado.
- Desenrasca-te!, - grunhiu o “sorja”, já voltado para a vítima seguinte.

O ar tristonho das "47-BL"

O Ferreira tivera mais sorte e, já defronte de um dos espelhos do balneário, ajeitava, com pedantismo, a micro boina à comando, que um dos quarteleiros, menos estúpido que o chefe, lhe reservara. Mas, este, se calhar, até tinha razão com aquela do “desenrasca-te!”, porque o que é facto é que, dois dias depois, já eu conseguira trocar as botas com um calmeirão de outra Companhia. Casualmente, vi-o a atravessar a parada, e o especial aspecto do seu trajar chamou-me imediatamente a atenção: devidamente fardado, com a lustrosa farda n.º 3 encimada por um quico que procurava encobrir-lhe uns olhitos envergonhados, calçava, não as botas da praxe, mas - espanto dos espantos! -, uns sapatos ténis “civis”, por sinal à beira de se desintegrarem, tal o seu estado de ruína. Aproximei-me, curioso, e, feita a verificação mais de perto, constatei que, sem dúvida para que o peito dos pés não lhe saltasse para fora dos “sapatões”, trazia estes amarrados com vária voltas de cordel, tal como os jogadores de futebol faziam antigamente com as “chuteiras”.

O "Calmeirão", ainda sem as "47-BL" 

- Eh, pá!, não tiveste direito a botas?!... - abordei-o eu com algum cuidado, não fosse melindrar o senhor de tão perigosas “solhas”.
- Os filhos da puta não têm botas para gente adulta! - respondeu o calmeirão, olhando, cabisbaixo, para a sua triste figura.
- Não têm botas para gente adulta?!... Não têm o caraças!... Então e estas, são para gente quê?!...

As bochechas do calmeirão, que era loiro, de peles muito sedosas e brancas como o leite, avermelharam-se de espanto perante a magnificência do meu calçado.

Nem era tarde, nem era cedo, poupámos as palavras e demos corda às botifarras.

Cheios de orgulho, já em frente à caserna da 2.ª Companhia – que era a dele -, eu e o meu novo amigo admirávamos o nosso novo par de botas: eu, nas 44 dele, que me serviam na perfeição, e ele, nas minhas 47, que só lhe apertavam um pouquinho no “dedão” do pé esquerdo.

- Arranja umas meias de nylon, que não enchumaçam tanto! – aconselhava eu ainda o calmeirão, cuja beiça inferior, avermelhada e grande como o dono, se babava de contentamento.

.../...

Texto e ilustrações: © Mário Migueis da Silva (2014). Direitos reservados.
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de Março de 2014 > Guiné 63/74 - P12807: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (21): Caldas da Rainha, RI 5, os autocarros de fim de semana que iam até ao Porto e o maior cagaço que eu apanhei na minha vida... (Henrique Cerqueira)

Guiné 63/74 - P12807: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (21): Caldas da Rainha, RI 5, os autocarros de fim de semana que iam até ao Porto e o maior cagaço que eu apanhei na minha vida... (Henrique Cerqueira)

1. Mensagem do Henrique Cerqueira [ex-fur mil, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74, foto atual, à direita ]:

Data: 6 de março de 2014
Assunto: Os autocarros de fim de semana

Caro camarada Luís:
Ao ler o artigo do Tony Levezinho (*),  o qual adorei pela sua  maneira simples e bem descrita das nossas viagens de autocarro nos fins de semana da tropa, eu me lembrei de um acontecimento passado comigo quando estava na recruta nas Caldas da Rainha e que me provocou o meu primeiro e grande cagaço militar.


Pois, como era sabido por todos nós, a malta para conseguir ganhar o direito ao fim de semana tinha que dar à perna tanto na instrução como nos testes escritos. Até aí,  lá se ia conseguindo safar, mas o que nós não sabíamos era que, com bons testes ou não, era sempre necessário "recrutar" malta para as faxinas de fim de semana e aí qualquer situação de erro servia para sermos "recrutados".

Bom, eu como qualquer jovem normal da época cometi um erro, ou seja,  fui apanhado a urinar contra a parede da caserna durante um intervalo na instrução. Nesse momento caiu o Carmo e a Trindade e fui logo direitinho encaminhado ao oficial de dia que me sancionou, com uma carecada e corte do fim de semana.

Quero aqui lembrar que foi exatamente nessa semana que nasceu o meu filho Miguel, ou seja em 9 de Setembro de 1971. Para mim foi um drama dos diabos e tentei junto do comando falar ao coração,  a ver se pelo menos o fim de semana se salvava . Não senhor, o que eu fiz foi "gravíssimo", daí o castigo até tinha mais sentido, segundo o comandante, não é ?


Caldas da Raínha > c. 1970> Um típico autocarro de excursão, da época, pertencente à empresa Claras Transportes, uma das muitas empresas rodoviárias nacionalizadas em 1975... Fonte: Desconhecida.

Quando chegou o fim de semana, eu arranjei um esquema com um amigo e vizinho que estava comigo nas Caldas, já agora de seu nome Eusébio, e que mais tarde casou em Paço de Arcos e por lá ficou.
Então, ele como não vinha ao Porto de fim de semana, comprometeu-se ir a todas as formaturas por mim e creio que na altura também houve uma ajudinha dum cabo miliciano nesse esquema. E então tudo correu bem. Lá me desenfiei num dos tais autocarros que faziam os fins de semana e ala que se faz tarde para o Porto.

No regresso, saindo nós à meia noite da Cordoaria no Porto era para chegar às 7:00 horas às Caldas. Mais ao menos a metade do percurso o autocarro avariou (era um Volvo). Então o motorista, lá com muito sacrifício conseguiu ir até Coimbra para reparar a avaria na Volvo (daí eu me lembrar que era um Volvo) mas só seria visto às 8:00 horas.

Até aí estava tudo bem, íamos chegar tarde à "guerra" mas a culpa não era nossa, portanto até estava a ser divertido.

Então alguém se lembrou que era necessário telefonar para o quartel a avisar da situação. Como sabem, na altura não havia telemóveis. Há então que arranjar um voluntário para fazer o telefonema. Aqui o Henrique, que se tinha esquecido que estava desenfiado e pior ainda tinha-se esquecido que na tropa nem para comer se deve ser voluntário, resolve aceitar a tarefa de telefonar. Fui a um café, telefonei e quem me atende?... O oficial de dia que era um tenente do pior, militarista!

A primeira coisa que me diz interrompendo o meu discurso é :
- Ó militar, primeiro identifique-se e depois conte o que se passa.

Como fui apanhado de surpresa, eu me identifiquei direitinho como mandavam as normas e lá contei o sucedido.
- Tudo bem,  foi aceite e quando chegarem tudo se resolve.

Desliguei aliviado da tarefa, mas de imediato me dei conta da cavalada que tinha feito e pior ainda das pessoas que tinha envolvido no meu desenfianço.

Conclusão: andei todo acagaçado até chegar ao quartel, o  que veio a acontecer já no final da tarde desse dia devido ao atraso na reparação do autocarro, pois que este voltou a avariar pela segunda vez quase a chegar às Caldas.

Olhem, não sei se tinha uma santinha a velar por mim ou não, mas o meu amigo Eusébio lá se desenrascou durante o dia, o cabo miliciano deu uma grande ajuda mas aí também o meu alferes, comandante de grupo, foi um grande amigo. Ele era grande amigo de toda a malta, estava na tropa com contrato após já ter feito uma comissão. Lá me deu um raspanete e pelos vistos o tal tenente limitou-se a mandar um soldado avisar a companhia e, assim sendo,  lá me safei. Mas que apanhei o maior cagaço da minha vida, apanhei!..

Ah!,  também me safei da carecada.

Um abraço a todos e foi mais uma lembrança despoletada pelas estórias dos nossos camaradas do blogue, neste caso a do Tony Levezinho.
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sábado, 1 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12786: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (19): Tavira, o CISMI, a semana de campo, a malta das transmissões a servir de "inimigo" e a cantilena dos instruendos: "Ó Meninas de Tavira, / que vai ser de vós agora, / os solteiros não vos querem, / os casados têm mulher, /os milicianos vão embora"... (José Martins, ex-fur mil, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70)


1. Mensagem do nosso Camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5 - "Gatos Pretos", Canjadude, 1968/70), enviada em 28 de Fevereiro.

O FIM DO PRINCIPIO




No dia 26 de Dezembro de 1967, já depois de ter terminado a especialidade de operador de teleimpressor, passei à situação de licença registada, aguardando a convocação para a frequência do curso de sargentos [, CSM]..

No dia 3 do mês seguinte, cerca das duas da tarde, na repartição de assuntos militares da câmara municipal, recebi a ordem de marcha para CISMI, já quando um funcionário daqueles serviços se preparava para a ir entregar a minha casa, ou afixá-la à porta, caso não houvesse quem a recebesse.

Aguardava esta colocação a todo o momento mas tentava imaginar que a convocatória não viesse tão breve, na tentativa vã de travar a corrida do tempo.

Estava notificado de que me tinha de apresentar naquele mesmo dia (!), até às dezassete horas, em Tavira, no Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria [CISMI].




Tavira, Quartel da Atalaia > 2014 > Edifício onde esteve instalado o CISMI, até ser desactivado em 31/12/1975

© Luís Graça (2014)

Iniciei a viagem na estação de Devesas-Gaia no comboio que partiu, rumo ao sul, às sete horas da tarde, chegando perto da meia-noite à estação de Santa Apolónia, em Lisboa. O jantar (?) no Restaurante Piquenique, do Rossio, a procura de um quarto para descansar um pouco e, de novo, primeiro de barco na estação Sul-Sueste e. a partir do Barreiro de comboio, rumo ao Algarve, apresentando-me no quartel perto das cinco da tarde.

Apesar de uma paragem de cerca de seis horas em Lisbos, chegava Tavira vinte e duas horas depois, Na realidade, Portugal não era um país pequeno.



Seriam cerca de três meses que eu iria permanece em Tavira, o tempo previsto para a especialidade de Transmissões de Infantaria, dividindo o tempo entre o quartel, o campo da Atalaia e o quarto alugado em conjunto com o Branco e o Bernardo em casa da D. Rosa, onde a filha, a D. Cesaltina, senhora dos seus cinquenta anos, nos presenteava com café quente nas noites em que tínhamos instrução nocturna.

Aprendi uma nova linguagem – o alfabeto fonético – que seria a linguagem, não só em campanha, mas também ainda uso, agora na vida civil, quando preciso de soletrar palavras.

Aqui, eu e os outros elementos da especialidade, aprendemos a utilizar os rádios, já nessa altura obsoletos, mas que, nos momentos de aperto quando a tropa se encontrava no mato, em operação ou em quadrícula, eram a única via que nos ligava ao mundo, isto é, nos ligava com as unidades terrestres ou aéreas, que nos podiam prestar apoio.

Aqui aprendemos a trabalhar com sistemas de cifra, que nos permitiu codificar e descodificar as mensagens, muitas delas que nos davam as noticias mais preocupantes, ou para transmitirem para os escalões superiores o resultado das operações, como a noticia, que eu próprio codifiquei, do afogamento no Rio Corubal, junto ao Cheche, na Guiné, de quarenta e sete militares, quando, em 6 Fevereiro de 1969 se processou a retirada de todas as tropas estacionadas em Madina do Boé.

Aqui, durante a semana de campo, em plena serra algarvia, tivemos de servir como IN (inimigo) às companhias de atiradores que, caso nos capturassem, nos tratariam como “prisioneiros de guerra”, obrigando-nos a transportar o material mais pesado que esses grupos estivessem a utilizar.

Foi durante esses exercícios que, lançados no monte, flagelando os pelotões de atiradores e fugindo para que não nos capturassem, que eu e o meu grupo encontramos refúgio no cimo dum monte, dentro de uma casa, fechando a porta por dentro.

Ouvimos a “tropa” a chegar e a passar em revista todas as habitações.


Como a dependência não tinha janelas, um ficou junto à porta tentando ouvir as ordens dadas pelo comandante, afim de adivinhar as movimentações no exterior.

Alguém da patrulha tentou abrir a porta do local onde estávamos escondidos e, verificando que a porta se encontrava fechada, chamou a “nossa protectora”, que se desculpou, junto do Capitão, dizendo que o marido fora à vila e levara a chave no bolso.

Acabava de entrar no jogo do “inimigo”, do qual não podia sair defraudada.

O disfarce não podia cair por terra. Havia que encontrar solução para duas situações que surgiram: cheirava a queimado e ouviu-se o choro de uma criança.

Já havia tarefas para todos. Um estava de ouvido à escuta, junto da porta, seguindo as movimentações no exterior; outro foi para a lareira evitar que a sopa que estava ao lume, numa panela de ferro de três pés, se queimasse; o outro ficou com a missão de embalar a criança, que adormeceu encostada ao peito de um de nós, com a G3 em bandoleira.

Algum tempo depois, com toques suaves na porta, fomos avisados de que a “tropa” partira. Havia que partir também, e fazer silêncio sobre o esquema utilizado. No curso seguinte poderiam haver alguém com necessidade de usar o mesmo esquema ou outro semelhante, e não podiam ser descobertos.

Mais tarde, e em campo bastante aberto para evitar qualquer surpresa, almoçámos a ração de combate que nos tinham distribuído, mas o cheiro que eu sentia não era o das salsichas aquecidas na própria lata – era o cheiro da sopa de couves e feijão, que quase se tinha queimado.


O bebé de então, hoje já homem de mais de trinta anos, possivelmente nunca ouviu falar das suas “amas” ocasionais daquele dia de fins de Março.




"Óh i óh ai, óh Meninas de Tavira,

Óh i óh ai, que vai ser de vós agora,
Óh i óh ai, os solteiros não vos querem,
Os casados têm mulher,
Os milicianos vão embora …”


Era cantando esta melodia, transmitida de curso para curso, que os instruendos atravessavam Tavira, tentando espairecer o espírito, pois sabiam que dentro em breve, ao terminarem a especialidade e ao deixarem a vila, estariam prontos para serem mobilizados, iniciar a IAO – Instrução de Aperfeiçoamento Operacional – e partirem para qualquer uma das frentes de combate.

José Martins, extraído de “Refrega”, livro inédito, 6 de julho de 2000


[Imagens acima: Conjunto escutório (o miliciano  e a jovem tavirense), junto à estação ferroviária de Tavira, da autoria do belga Francis Tondeur. Fotos: Luís Graça, 2014]

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Nota de M.R.:


Vd. último poste desta série em:

1 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12783: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (18): Tavira, o CISMI e o meu "santo sacrifício da missa dominical"... Fazia parte do coro [da Igreja de São Francisco] para ter direito a uns "desenfianços" (Henrique Cerqueira, ex-fur mil, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74)

Guiné 63/74 - P12784: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (18): Tavira, o CISMI e o meu "santo sacrifício da missa dominical"... Fazia parte do coro [da Igreja de São Francisco] para ter direito a uns "desenfianços" (Henrique Cerqueira, ex-fur mil, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74)





Tavira > CISMI > Igreja de São Francisco > Grupo coral do CISMI > c. 1972 > O Henrique Cerqueira é o da terceira fila de óculos escuros... O guitarrista Jales (?), com aquela guedelha e bigode (!), de repente parece-me um sósia de um dos Beatles... (LG)

Foto © Henrique Cerqueira  (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]



Tavira > Igreja de São Francisco > Ficava pertíssimo do quartel da Atalaia e nela dizia-se missa ao domingo e dias santos, às 12h,  a que podia assistir  o pessoal militar. (No verão, era às 19h) (Fonte:: Guia do Instruendo, Tavira, Quartel da Atalaia, CISMI, 1968).


Foto © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem de Henrique Cerqueira [ex-fur mil, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74]:


Data: 28 de Fevereiro de 2014 às 19:23

Assunto: Tavira, CISMI


Camarada Luís Graça:

Desde que se tem falado sobre Tavira, e mais propriamente sobre o CISMI,  eu tenho sido muito negativista tanto em relação ao quartel como propriamente a Tavira e à sua população da altura. Daí os meus comentários, que têm sido na generalidade desfavoráveis.

O certo é que na altura,  e devido á minha condição económica e deslocação regional, e sendo eu do Porto, só tive a possibilidade de vir uma vez de fim de semana enquanto estive em Tavira.

Ora quer isto dizer que, ao estar tanto tempo em Tavira,  poderia ter aproveitado para desfrutar das belezas naturais da cidade . Só que,  sendo eu um homem casado,  o dinheiro era extremamente curto para tal disfrute. A juntar a todas as dificuldades de logística (e de dinheiro), a vida no CISMI era do pior que me poderia ter acontecido.

No entanto não foi tudo assim muito mau, só que até estava esquecido. E sendo assim eu passo a explicar:

Como a vidinha no quartel era "madrasta",  foi necessário que eu pusesse em prática alguma situação de desenrasque ,pois nisso o Portuga é "rato". Ora vai daí,  descobri um meio de ter alguma mordomia na balda a algumas formaturas da noite e vir até á cidade . Ou seja, descobri que fazendo o "Santo Sacrifício" Dominical, ou seja, indo á missa, me proporcionava uns desenfianços, mas para isso tinha que pertencer ao grupo coral da Igreja. Tal pensei, tal executei,  passei então a cantor de igreja ao domingo. E á semana,  uma ou duas vezes áimos ensaiar.

Daí,  não foi assim tão mau e na verdade até se tornou agradável pertencer ao dito coro . Só lamento de não me lembrar dos nomes da malta, talvez com exceção de um guitarrista de farto bigode,  que acho se chamava Jales. Poderá ser que apareça algum nosso Tertuliano que se lembre desta foto [, acima].

Bom,  assim sendo,  e como não tenho jeitinho algum para a escrita,  vou terminar e reconhecer que as fotos que tens publicado sobre Tavira,  me têm aguçado o apetite para um dia visitar Tavira e de certeza fechar o ciclo de más memórias que essa cidade me traz.

A foto que envio em anexo não tem lá muita qualidade  mas penso que irá avivar mais algumas memórias de malta que passou pelo CISMI.

Um abraço a todos.

Henrique Cerqueira

PS - Na foto eu identifico-me lá na fila de trás com uns óculos mais escuros


2. Dois de diversos comentários anteriores do Henrique Cerqueira sobre o seu tempo, no CISMI, Tavira:

26/1/2014

(...) Já agora e a talho de "foice" eu também nunca mais visitei Tavira no Algarve porque tal como a Guiné me foram impostos e não gostei mesmo nada de lá ter passado parte da minha vida. Já Caldas da Rainha, Elvas e Évora que também me impuseram eu guardo gratas recordações de acolhimento e até de vida militar. (...)


13/2/2013

(...) Eu já sei que haviam praxes e "praxes", e em especial na Guiné normalmente os "piriquitos"eram praxados com simples brincadeiras. No entanto mandar um militar em operação para o mato não perece sêr uma simples brincadeira. Mas o meu único "ódio de estimação" vai para praxes de autentico rebaixamento humano que sofri em Tavira.

Exemplos: constantes idas ás salinas para enlamear o fardamento e logo depois nas formaturas de refeição sermos castigados porque não tínhamos fardamento que resistisse a tanta lama.No final do dia a estória se repetia. De seguida e após o jantar obrigaram-nos a fazer cambalhotas e flexões até vomitar o parco jantar que era servido na Unidade. Mais tarde na semana de campo no Caldeirão os senhores oficiais e alguns palermas de cabos-milicianos passaram duas noites a "praxar" os instruendos,  usando muito recriativamente o insulto aos casados e aos que tinham namoradas, ainda por cima eu numa dessas noites estava com 40º de febre e só depois de muita insistencia minha é que resoveram me "internar numa tenda enfermaria", não antes de me chamarem de filho da pu..armado em doentinho.
(...)

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12783: Manuscrito(s) (Luís Graça) (23): Gostei de voltar a Tavira (Parte V): No último trimestre de 1968, quando por lá passei, não tive condições físicas e psicológicas para descobrir a cidade, as suas ruas, o seu património e as suas gentes... Pairava já na minha cabeça o fantasma da guerra colonial...


Tavira, 2 de fevereiro de 2014 > Foto nº 061 > Convento das Bernardas (1)...  Tem 500 anos de história em cima este edifício... E agora o prestígio da assinatura, no projeto de recuperação e requalificação, de um grande arquieto, Eduardo Souto de Moura, da grande escola de arquitetura do Porto, Prémio  Pritzker de Arquitetura 2011.

"Foi o maior edifício conventual do Algarve e o único da Ordem de Cister em toda a região. A sua construção deve-se a D. Manuel I, que desta forma quis agradecer a vitória obtida em Arzila, no norte de África, quando os mouros levantaram o cerco à cidade.  (...) 

"Acolheu durante 3 séculos religiosas provenientes das famílias de Tavira e de todo o Algarve. Há ainda referências históricas à presença de monjas oriundas do Alentejo e ilhas dos Açores. A perícia manual das irmãs ficou conhecida graças à sua arte de doçaria, especialmente caramelos, em registo de santos (lâminas) e nas obras de arte sacra (barro e pintura) que saíam das suas oficinas". (...) (Fonte: Convento das Bernardas Residence)


Tavira, 2 de fevereiro de 2014 > Foto nº 545 > Convento das Bernardas (2) ... Interior e piscina de água salgada, de 400 metros quadrados... Este edifício, de origem conventual,  ainda funcionava parcialmente no nosso tempo, nos finais da década de 60, como fábrica de moagem... Era impossível, pela sua volumetria e pela sua chaminé, não dar conta dele quando íamos às salinas...


(...) "O edifício sofreu diversas ampliações e alterações ao longo da sua existência. Como muitos outros edifícios da região algarvia foi fortemente danificado com o terramoto de 1755. Após 1834, e em sequência da legislação liberal que extingue as ordens religiosas, em Portugal, o edifício (Igreja, Convento e Cerca) é incorporado na fazenda real, e vendido em hasta pública. (...)

(...) " Em 1890, é ali montada a Fábrica de Moagem e Massas a Vapor que, em 1920, é vendida a J. A.Pacheco. A fábrica manter-se-á em laboração, até finais da década de 60. Paralelamente alguns espaços são adaptados a escritórios de apoio ao funcionamento da indústria e a residências particulares. Mantém-se ainda, na actualidade [c. 2002], em funcionamento uma indústria de panificação, na ala a Sul. Este imóvel tem uma localização privilegiada no extremo urbano de Tavira. Situa-se na proximidade da nova ponte sobre o rio Gilão, e apresenta o tardoz bordejado por um canal e voltado para o sapal, para a foz do rio e para a ria, sem obstáculos visuais. Está numa parte da cidade onde coexistem uma parte deprimida, de que faz parte, e uma outra de expansão urbana, com novos edifícios, mas ainda não densamente povoada. As alterações de uso do imóvel, particularmente a passagem de convento a moagem, contribuíram não só para marcados desvios ao seu desenho inicial como para a sua actual degradação construtiva e estética." (....)

(Fonte: IGESPAR > Convento das Bernardas > Nota histórico-artística)



Tavira, 2 de fevereiro de 2014 > Foto nº 551 > Convento das Bernardas (3)...


(...) "A localização é privilegiada. Voltado para o sapal da ria Formosa, o Convento das Bernardas recebe luz inconfundível deste tesouro natural. A poucos metros, a ponte romana sobre o Rio Gilão reforça a história deste edifício.

O desafio lançado pela Entreposto Gestão Imobiliária foi aceite pelo prestigiado arquitecto Eduardo Souto Moura: transformar um monumento histórico em habitação, à semelhança do que acontece noutros países europeus."

Os 76 apartamentos e um restaurante de luxo têm tipologias que vão do T0 ao T3.  (...) 2 piscinas de água salgada e com calha finlandesa, videovigilância, portaria e espaço museológico, são comodidades e serviços do mundo moderno que o Convento das Bernardas põe à disposição.

A recuperação do património é a faceta mais visível deste arrojado empreendimento, que em termos estéticos mantém o portal gótico manuelino e a traça original das fachadas.

Debruçado sobre a Ria Formosa e a foz do Rio Gilão, o Convento das Bernardas oferece uma vista única sobre as seculares salinas de Tavira".
 (Fonte: Convento das Bernardas Residence).


Tavira, 2 de fevereiro de 2014 > Foto nº 249 > Ponte antiga sobre o Rio Gilão (1) > Se estas pedras falassem tinham muito que contar... Por aqui passaram milhares de instruendos dessa 
fábrica de quadros que foi o CISMI durante a guerra colonial...

A foto é tirada do lado da Partindo da Praça da República... A tradição atribui origem romana à ponte... Ao longo da história sofreu dievrsas alterações. O perfil atual é do séc. XVII. No noso tempo (décadas de 1960/70) ainda estaava aberto ao trânsito rodoviário...Após as grandes cheias de 1989, passou a ser apenas pedonal.


Tavira, 2 de fevereiro de 2014 > Foto nº 245 > Ponte antiga sobre o Rio Gilão (2) > Passei por aqui, muitas vezes, a toque de caixa, vindo do campo da carreira de tiro...

A ponte que é hoje monumento de interesse público "foi palco de lutas militares no tempo da crise dinástica que atingiu Portugal após o reinado de D. Fernando I, entre 1383 e 1385. Foi sobre a ponte que um tal de Gonçalo de Mendonça, de Faro, com outros moradores da mesma vila defensores da causa do Mestre de Avis, se digladiaram com os partidários do Rei de Castela, vencendo-os. O facto é hoje assinalado num pequeno painel de azulejos situado à entrada do tabuleiro." (Fonte: CM Tavira > Património Cultural)



Tavira, 2 de fevereiro de 2014 > Foto nº 239  > Rio Gilão


Tavira, 2 de fevereiro de 2014 > Foto nº 297  >  Margem esquertda do Rio Gilão visto da margem da outra margem...



Tavira, 2 de fevereiro de 2014 > Foto nº 267  > Ponte antiga sobre o Rio Gilão (3)



Tavira, 2 de fevereiro de 2014 > Foto nº 068 > Mariscador do Rio Gilão... Sinais dos tempos ? A pobreza volta a Tavira, como em 1968, quando por lá passei...



Tavira, 1 de fevereiro de 2014 > Foto nº 1182 >  O casario da Rua da Liberdade, visto do miradouro do Castelo



Tavira, 2 de fevereiro de 2014 > Foto nº 124 > Edifício da Rua  da Liberdade que vai desembocar na Praça da República...


Tavira, 2 de fevereiro de 2014 > Foto nº 280  >  Praça da República (1)



Tavira, 2 de fevereiro de 2014 > Foto nº 284 >   Praça da República (2)...


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados


1. Dos sítios que nos calhou, a alguns de nós, no nosso percurso militar, da metrópole até à Guiné, Tavira  é possivelmente um dos quais com que  mantemos uma relação de amor/ódio... Se calhar o mesmo passa-se com outras terras, Mafra, Caldas da Raínha, Lamego, Vendas Novas, Tomar, Elvas, Estremoz, Porto, Lisboa, Coimbra, Funchal, Ponta Delgadam  etc...

Nos escassos dois meses e meio em que lá fiz a especialidade de armas pesadas de infantaria (na 2ª companhia, em set/dez de 1968), não tive condições físicas e psicólogicas para descobrir a cidade, as suas ruas, o seu património e as suas gentes... O fantasma da Guiné (, não sei porquê nunca  pensei em Angola ou Moçambique) já estava na minha cabeça...

Claro que deambulei pela cidade e arredores (Santa Luzia, Ilha de Tavira...) mas não tinha cabeça para aprofundar o conhecimento da sua história e do seu património... Voltei lá há um mês, com outra disponibilidade mental... Passei lá um fim de semana, dois dias, alojado no Convento das Bernardas, junto às salinas, aproveitando uma promoção de época baixa, e depois fui visitar o velho quartel da Atalaia onde funcionou o CISMI, e por onde passámos, muitos de nós furriéis milicianos, antes de irmos parar à Guiné...

Já aqui identificámos alguns dos nossos camaradas que por lá passaram, na recruta e/ou especialidade: o Rogério Freire, por exemplo, esteve lá, em 1964, no COM...: Eu, o César Dias, o Humberto Reis, o António Levezinho, o Henrique Cerqueira, o José Martins, o Veríssimo Ferreira, o José Brás, o Manuel Carvalho, o Carlos Silva, o Josema (, o nosso poeta da Régua, o Zé Manel Lopes), o Joaquim Fernandes, o António Branquinho, o Fernando Hipólito (estes dois últimos não são ainda grã-tabanqueiros, e o último foi para Angola)...

Pelo menos, eu já identifiquei  5 camaradas meus, da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 que passaram por lá_ eu (armas pesadas de infantaria),  o Reis (atirador de infantaria e depois operações especiais, em Lamego), o Levezinho (atirador de infantaria), o Branquinho (atirador de infantaria), o Joaquim Fernandes (atirador de infantaria)...

Antigos Milititares do CIQ-CISIMI Tavira e GG Évora é um grupo do Facebook que tem partilhado fotos e outras recordações de sucessivos turnos do CSM...Inclui, entre outros, o nosso Manuel Carvalho, irmão do Carvbalho de Mampatá, e  o ex-1º cabo miliciano, algarvio, Carlos Alberto Dores Nascimento do tempo de alguns de nós: esteve no CISMI de janeiro de 1967 a dezembro de 1969, ou seja, três anos.  Natural de Alagoa, vive em Portimão e tem a sua própria página no Facebook.



Tavira > CISMNI > c. 1969 >  Foto do Carlos Alberto Dores Nascimento, 1º cabo nmiliciano e depois fur mil, monitor, aqui reproduzida com a devida vénia. [Edição: LG].

(...) "Eu dei pelo menos uma especialidade de Atiradores com o Alferes Frederico Pires na 3.ª companhia, e Armas pesadas era dada na 2.ª companhia, porque era a companhia das várias especialidades. Quanto á referência que o António Tavares faz do Alferes Jacinto e do Alferes Diogo, eles moram aqui em Portimão, de vez em quando estou com eles. Cheguei a dar instrução com ambos e aqui está uma foto com a Alferes Jacinto. Eu era furriel, venho na frente do pelotão e ao meu lado vem um cabo miliciano preto".

Vd. Faceebook > Grupo > Antigos Milititares do CIQ-CISIMI Tavira e GG Évora

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Nota do editor:

Último poste da série > > 23 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12762: Manuscrito(s) (Luís Graça) (22): O espírito de corpo ou a navalha de ponta e mola da solidariedade entre combatentes: recordando 3 episódios do meu tempo e lugar

Vd. também poste de 14 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12716: Manuscrito(s) (Luís Graça) (20): Gostei de voltar a Tavira (Parte IV): E de ter tempo para (re)descobrir a beleza e o brilho fascinantes do seu património edificado...

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12763: Crónicas higiénicas (Veríssimo Ferreira) (2): Os ursos, lobos, raposas e até os peçonhentos

Anúncio do sabão Lifebuoy, 1902.. Fonte:
Wikipedia. Imagem do domínio público.



1. Em mensagem do dia 13 de Fevereiro de 2014, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3 e Bissau, 1965/67) enviou-nos a segunda Crónica Higiénica para publicação.



CRÓNICAS HIGIÉNICAS

2 - OS URSOS, LOBOS, RAPOSAS E ATÉ OS PEÇONHENTOS

No National Geographic está a dar um programa sobre os ursos a alimentarem-se com salmões. Luta pela vida portanto, com a qual concordo e agora... uma ursa luta com outra para salvar duas suas crias, bem lindas por acaso.

Dou-me a pensar: qu'é qu'isto tem a ver com a GUINÉ, sobre a qual irias escrever?

Tudo... respondi-me.
Tem que ver pois, que lá, lutei para sobreviver com e pelos camaradas de guerra, bem como também eles igualmente o fizeram por mim... para que nos salvássemos fisicamente... mas... mentalmente desesperávamos cada dia e eu... desesperado continuo.

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Estou a ler o nosso blog agora... e num post é descrita a morte dum lobo (e a condenação para o facto) cujo corpo até foi passeado por uma aldeia mas acrescenta-se a seguir que este não atacava crianças, só comia umas cabras para se alimentar. Cabras essas, que e obviamente, tão necessárias seriam também para a subsistência dos seus donos.

Questiono-me: mas afinal se era um predador, como fazer? E se não atacava crianças, devia-se ao simples facto de que também não as deixavam sós e sei do que falo porque na minha terra também os havia (os lobos), bem como raposas e ginetes que de noite arrebanhavam as galinhas que eram o nosso sustento, naqueles tempos difíceis dos anos 50 e 60.
A solução era fazer-se-lhes uma espera nocturna e acabar com tais bichos a tiro.

Tive e amansei, uma de cada das três feras citadas atrás, recolhidas, por abandonadas quando acabadas de nascer e com quem dividi o pouco leite (1/4 de litro) que a minha mãe adquiria a quem o andava a vender de porta em porta, e sempre vos digo... domesticados que foram, sempre que viam os referidos galináceos, ficavam bravos como própria era a sua natureza. Aliás eu, ainda hoje e tal como ontem, quando os vejo, sejam eles patos... perdizes... faisões ou franguinhas, só penso em canja e nas brasas para os assar e nas outras para se sentarem à mesa comigo.

É aqui que sinto mais as saudades do Pelundo, onde estive um mês a viver na tabanca do Ti Vicente. Ele, homem grande da zona, fazia questão de presentear diariamente a minha Secção de morteiros 60, com uma refeição de barulhentas (enquanto vivas) fracas, servidas grelhadinhas ou de chabéu e tudo preparado pelas bajudas suas filhas.

Continuemos:
Desse tempo de menino e moço saudável, ficou-me muita recordação e até dos nojentos alacraus, como lhes chamávamos, me esqueço.
Eram presença constante quer dentro das botas que o meu pai sacudia antes das calçar e donde de quando em vez, um saltava cá para fora.
Bonito era, mas pouco tempo tinha antes de ser esmagado.

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Algarve, Manta Rota 7/2/2014 

Saí agora da piscina (é coberta, aquecida), soube das chuvas que caiem lá pela capital que o foi dum Império e alembrei-ma daquelas torrenciais que suportávamos de Maio a Outubro.


Aquilo sim era chover, tanta e tão quente.
Lá no meu K3, toda a CCAÇ 1422 aproveitava e em vez de ir ao rio, que chuveiros no aquartelamento "cá tem", banhava-se dessa forma usando o Lifebuoy... nem nos limpávamos que cinco minutos passados e se permanecêssemos na suite, debaixo de telha (telha não... qu'é coisa de pobre)... debaixo sim, das madeiras tropicais dos tectos, que eram os cibes) secávamos, excepto os pés que continuavam no molho. Mas o remédio era colocá-los em cima da cama e enquanto víamos a televisão, que não tínhamos... e mesmo o rádio ouvia-se mal.
E os trovões!!!
Ao princípio nem descortinávamos se eram as bombardas de Dio... os canhões de Navarone ou se os obuses de Farim. A verdade vinha à tona ao vermos os poilões rachados ao meio.
Daí que agora se oiça muito por aí: (e somos muitos) "Raios os partam" (quando se fala de políticos entenda-se).

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Post 12701 do nosso Blog: Ora cá está um rapaz que gosto de ler, embora a princípio e quando ele escreveu "OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA", o título me parecesse desajustado. 

Porquê "os melhores etc... etc" se para todos nós, ir à tropa e depois combater, apenas nos trouxe angústias e desilusões?
Compreendi contudo e após leitura atenta, qual era o seu ponto de vista. O rapaz escreve bem, embora se notem alguns pontapés no Português, moderados que têm sido decerto pelas ajudas do seu distinto Editor, que também vai beneficiando os textos, apensando fotos adequadas às situações.


Agora com este novo título, "Crónicas Higiénicas" e parecendo ter abandonado a mordacidade habitual, vou aguardar mais uns episódios para em definitivo me pronunciar.

Noto porém e contudo, alguma melhoria na utilização gramatical e ao que sei, tem-se vindo a cultivar, lendo as obras primas mundiais, Astérix e Tim-Tim. Do mesmo autor (Senhor de, Veríssimo Ferreira) aconselho-vos também a consultar outras porcarias que tem vindo a escrevinhar, tais como "O PÓS-GUINÉ 65/67", "OS LOCAIS POR ONDE PASSEI" e por fim "FRAGMENTOS DE MEMÓRIAS".
(Blogue: Luís Graça & Camaradas da Guiné).

Veríssimo Ferreira
11/02/2014
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Nota do editor

Vd. primeiro poste da série de 9 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12701: Crónicas higiénicas (Veríssimo Ferreira) (1): A raiva que vai cá por dentro

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12719: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (17): Já, em 1970, eu fiz o meu levantamento do património histórico da cidade de Tavira e, à falta de máquina fotográfica, tomei uns apontamentos a tinta da china, de que é exemplo paradigmático o da fachada do nosso querido Quartel da Atalaia (Mário Miguéis, ex-fur mil rec inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72)


Tavira, 1 de fevereiro de 2014 > Antigo Convento de Nossa Senhora da Graça, agora pousada (Monumento de Interesse Público).  Localização: Largo Dr. Jorge Correia, Tavira. No meu tempo,era o quartel da Graça... que servia de apoio ao Quartel da Atalaia: enfermaria militar, campo de instrução física, pista de obstáculos... Foi esactivado em 1974. Diz-me o César Dias, que esteve 6 meses em Tavira (no 2º semestre de 1968, no 1º e 2º ciclos do CMS):

"Luís Graça, na Graça deves ter subido aquela corda que nunca mais terminava, quanto a esse das messes [de sragentos e oficiais, no quartel das Olarias,] também nunca la fui."


Foto: © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados


(...) O Convento de Nossa Senhora da Graça, de Tavira é um dos edifícios mais importantes do centro histórico da cidade, pela sua implantação na colina genética, mas também pelo enorme impacto visual na paisagem, destacando-se bem acima da muralha. O edifício religioso veio ocupar uma zona relativamente periférica do primitivo recinto muralhado, onde até ao século XV se localizou a judiaria, precisamente a área oposta à Alcáçova e à principal porta da cidade.

Em 1497, no processo de expulsão dos Judeus que levou à fuga de uns e à conversão de outros, D. Manuel I ordenou a extinção das sinagogas e sua conversão em igrejas ou em edifícios para outros fins. Daqui resultou a desocupação do espaço onde mais tarde Frei Pedro de Vila Viçosa veio a fundar o convento, em 1542, o qual resulta da trasladação de um outro convento que teve vida efémera na praça africana de Azamor.

As obras, todavia, não se iniciaram antes de 1569, dado que os primeiros anos de vida da instituição foram fortemente marcados pela figura de Fr. Valentim da Luz, intelectual que assumia algumas posições protestantes, tendo acabado por ser acusado pela Inquisição e morto num auto de fé em Lisboa.

Dessa primeira construção pouco resta à exceção do claustro, que mantém a estrutura original, de planta quadrangular e realizado a partir de uma conceção renascentista algo erudita, pelo cuidado estilístico colocado na feitura de bases, colunas e capitéis toscanos. Também a igreja, edificada segundo princípios chãos, deve a sua estrutura atual ao primitivo templo da segunda metade do século XVI, embora tenha sido adulterada ao longo dos séculos.

As obras de construção do edifício conventual foram lentas, prolongando-se até ao século XVII. No século seguinte, temos muito poucas notícias acerca da sua história, mas parece certo que o convento entrou precocemente em decadência, uma vez que logo pelos meados do século XVIII é referido em estado ruinoso, muito particularmente o seu claustro.

A campanha barroca do edifício conventual iniciou-se em 1749, precisamente no claustro. Esta intervenção, contudo, respeitou a anterior traça renascentista do espaço, resumindo-se a copiar o modelo de suporte definido pela construção quinhentista.
Diferente foi o caso das alas conventuais, integralmente remodeladas numa grandiosa campanha realizada entre 1758 e 1778. Da responsabilidade do arquiteto algarvio Diogo Tavares, figura marcante da arquitetura do tempo barroco na província, e de Mestre Bento Correia, esta campanha encarregou-se de atualizar as dependências, destacando-se a escadaria monumental e a porta de acesso à hospedaria, com o seu tímpano interrompido por frontão triangular. A qualidade e amplitude desta obra encontram-se bem patentes na grandiosa fachada principal do convento, virada a Sul e organizada simetricamente. Definida a dois registos, possui duas poderosas torres retangulares nos limites, sendo os panos intermédios compostos por grandes janelões de molduração barroca.

A partir de 1839, com a extinção das ordens religiosas, o edifício ficou afeto ao Ministério da Guerra, que aqui instalou sucessivas unidades militares.

Em 2003 o conjunto foi adquirido pela Câmara Municipal de Tavira, e posteriormente cedido à ENATUR, que aí instalou uma Pousada. Esta obra possibilitou a intervenção arqueológica no espaço, processo que permitiu já a identificação de um bairro islâmico material do século XIII. (...)


Fonte: IGESPAR.Reproduzido, com da devida vénia, do sítio da Câmara Municipal de Tavira.


1. Comentário, ao poste P12716, da do Mário Miguéis [ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau,Bambadinca e Saltinho, 1970/72; bancário reformado; talentoso cartoonista e artista gráfico; vive em Esposende) [, foto à direita,]:


Caro Luís:

Serve a presente para apresentar enérgicos protestos em relação à peregrina ideia que tiveste de desafiar o Vinhal a falar e a promover um "passatempo literário" sobre as cidades e vilas que mais amadas ou odiadas foram pela malta durante o nosso percurso militar anterior à Guiné, protestos estes igualmente extensivos a esta espécie de crónica ilustrada que dá pelo título de "Gostei de voltar a Tavira", que até já vai na sua "Parte IV". Ora, toda esta acção concertada e insensata está a contribuir para o descalabro do honesto e difícil trabalho em que estou envolvido: chama-se a isto, no mínimo, concorrência desleal.

Para ser mais directo, que é como quem diz,para maus entendedores, informo que estou, de há uns meses a esta parte, a dedicar as minhas horas de maior tranquilidade à reconstituição do percurso militar atrás referido - no que a mim diz respeito, claro está! - que, naturalmente, abarca esta passagem pelas Caldas e por Tavira. Ora, com esta vossa intromissão no tema em causa, sinto-me, com a razão que, por certo, me darás, , prejudicado com este plagiar por antecipação, já que, para além de apresentardes fotografias que há muito tenho gravadas nas minhas "pen-drive" de estimação, chegais ao cúmulo de utilizar adjectivos idênticos aos utilizados por mim mesmo nas legendas e na própria narrativa, de que destaco a palavra "ronceiro", para caracterizar o pobre comboio que, coitadito, tinha que percorrer aquelas linhas de ferro do Oeste, Alentejo e quejandas.

Pois, meu caro, olha que, quanto a vistas de Tavira, já, em 1970, eu fiz o meu levantamento do património histórico da cidade, e, à falta de máquina fotográfica, tomei uns apontamentos a tinta da china, de que é exemplo paradigmático o da fachada do nosso querido Quartel da Atalaia, ao qual me liga um episódio com uma certa graça, que me dispenso de contar, por não ser este o espaço mais adequado,nem eu estar interessado em pôr em causa o interesse futuro dos meus potenciais leitores.

E, pronto, meu caro Luís, depois deste comentário brincalhão, resta-me, agora a sério, agradecer-te a ideia que, em boa hora, te iluminou, e ao Vinhal a pronta sequência que, com o seu próprio contributo e com o contributo de vários dos nossos tabanqueiros - comentadores incluídos - muito tem contribuído para um recordar e esclarecer de pormenores que a minha débil memória já não comporta (refira-se que, tempos atrás, sugeri a inclusão de um consultório no nosso blogue, tipo consultório sentimental da "crónica feminina", onde, periodicamente (publicação quinzenal ou mensal), se pudessem colocar questões de ordem técnica e outras ("quantos recrutas estiveram presentes no 4º turno de 69?!...; a que horas era o toque de alvorada?!..."). Enfim, perguntas singelas às quais não faltariam prestáveis camarigos a dar pronta e correcta resposta - admito que a vaga não era,na altura (e aqui altura tem duplo sentido), a mais favorável.

Daqui a nada, com tanta conversa da treta, aproveito para transcrever este comentário para o meu livrinho em embrião - sempre enche mais uma paginazita!...
Como - não sei porquê - me sinto algo generoso nesta noite de gripe e muita chuva, vou remeter ao Vinhal um dos desenhos que ilustram a minha passagem pelas Caldas, pode ser que ele goste. A ti, não ofereço nada, mas felicito-te pelas belíssimas fotografias que tens vindo a publicar.

Um grande abraço,

Mário Miguéis

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Nota do editor:

Último poste da série > 9 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12699: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (16): Não gostaria de regressar ao passado e muito menos em Tavira (Manuel Luís Lomba, ex-fur mil, CCAV 703 / BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66)

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12716: Manuscrito(s) (Luís Graça) (20): Gostei de voltar a Tavira (Parte IV): E de ter tempo para (re)descobrir a beleza e o brilho fascinantes do seu património edificado...



Tavira, 1 de fevereiro de 2014 > Foto nº 1106 > Quartel da Atalaia, sito na Rua do Poeta Isidoro Pires [Seguir o percurso através dos mapas do Google]


Tavira, 1 de fevereiro de 2014 > Foto nº 1107 > Igreja do antigo convento de são Francisco.  Localização: Praça Zacarias Guerreiro.


Tavira, 1 de fevereiro de 2014 > Foto nº 1115 Igreja do Igreja do Hospital do Espírito Santo (ou de São José) (Monumento de Interesse Público). Localização: Praça Zacarias Guerreiro.


Tavira, 1 de fevereiro de 2014 > Foto nº 1110 > Igreja do Igreja do Hospital do Espírito Santo (ou de São José)


Tavira, 1 de fevereiro de 2014 > Foto nº 1123 > Torre albarrã, hexagonal, do Castelo de Tavira (que é monumento nacional; localização: Largo Abu-Otmane).

(...) "Após a construção de uma muralha fenícia entre os séculos VIII e VII a. C. passaram-se cerca de catorze séculos sem que nenhum importante aglomerado urbano se tivesse formado nas margens do Gilão. Os muçulmanos retomam a povoação de Tavira em finais do século X ou inícios do XI, bem como a vocação portuária e comercial do lugar, recebendo o topo da colina de Santa Maria a construção do castelo, destinado a proteger o vau do Gilão que permitia o trânsito entre as duas margens, supostamente, antes da construção da ponte.

"Ao longo de todo o século XI a localidade verá a aumentar a sua importância, crescendo em direção ao rio. À sombra das muralhas fixa-se uma população que aumenta naturalmente e que começa a agregar também os muçulmanos escorraçados a norte pelos reinos cristãos e que procuram refúgio nas zonas mais pacatas do sul da Península Ibérica.

"A uma primeira muralha almorávida, construída, com grande probabilidade, nos finais do século XI, ou já no século XII, seguiu-se a reforma almóada, período de que datam os seus principais elementos. "Já depois de conquistada pelas tropas cristãs, novas obras conferiram a forma levemente ovalada, pontuada por algumas torres, que ainda hoje é possível reconstituir. Na Baixa Idade Média, o perímetro amuralhado rondava os cinco hectares, o que indiciando a importância e dinâmica económica da vila.

"São consideráveis os restos dessas muralhas, originalmente construídas em taipa, especialmente na zona do atual núcleo museológico islâmico, na Praça da República, onde foi descoberta uma antiga porta, com seu arco de ferradura, que na origem estaria associada a uma torre defensiva. Na zona da atual alcáçova, caindo para a rua da Liberdade, conserva-se a poderosa torre albarrã, hexagonal, destacando-se claramente das restantes estruturas e que apesar de refeita, deve ser colocada em paralelo com outras torres poligonais ibéricas de época muçulmana.

"Depois de conquistada a cidade pelos cristãos, foram executadas obras no recinto muralhado. Existem notícias destas campanhas nos reinados de D. Afonso III e de D. Dinis, supondo-se que sejam deste período os vestígios identificados nos terrenos da Pensão Castelo, assim como a própria configuração da Porta de D. Manuel, na atual Praça da República. Na viragem para a Modernidade, esta Porta de D. Manuel tornou-se o eixo de passagem privilegiado entre o interior e o exterior das muralhas, razão do seu engrandecimento com os símbolos manuelinos." (...) (Fonte: CM Tavira).


Tavira, 1 de fevereiro de 2014 > Foto nº 1219 > Calçada dos Sete Cavaleiros, que coneça no Largo Abu Otomane


Tavira, 1 de fevereiro de 2014 > Foto nº 1217 > Homenagem a D.Peres Paio Correio e aos seus companheiros que deram  a vida na conquista de Tavira aos mouros...(Não sei se são sete + 1...).




Tavira, 1 de fevereiro de 2014 > Foto nº 1203 > Igreja de Santa Maria do Castelo > Monumento nacional > Data da primeira metade do séc. XIII, tendo sido construída no lugar da antiga mesquita. Apesar da reconstrução na sequência do terramoto de 1755, mantem traços do estilo gótico original,. como se pode ver aqui, na foto da porta ogival. Não entrei porque estava fechada. Nas paredes laterais da capela-mor, há inscrições medievais assinalando a presença do sepulcro de  D. Paio Peres Correia, mestre da Ordem de Santiago,  e dos seis (ou sete ?) cavaleiros cristãos que morreram na conquista de Tavira, em 1242, e considerados "mártires" pelos cristãos.


Tavira, 1 de fevereiro de 2014 > Foto nº 1207 >Tavira, 1 de fevereiro de 2014 > Foto nº 1203 > Pormenor do pórtico (gótico) da Igreja de Santa Maria do Castelo






Tavira, 1 de fevereiro de 2014 > Foto nº 1195 >  Torre do relógio  da Igreja Matriz de Santa Maria do Castelo, com traços mouriscos (janelas)



Tavira, 1 de fevereiro de 2014 > Foto nº 1131> Calçada da Galeria  e Largo da Misericórdia > à direita, Palácio da Galaeria, onde hoje está instalado o museu municipal. É um dos edifícios mais representativis da arquitetura civil da cidade.


(...) "Situado no Alto de Santa Maria (Calçada da Galeria), local de antigo povoado fenício, observando-se aqui alguns vestígios associados a práticas religiosas deste povo. Escavações efetuadas no átrio do palácio levaram à identificação de vários poços escavados na rocha e que foram interpretados como 'Poços rituais fenícios' dos séculos VII-VI a.C., dedicados ao culto de Baal, deus das tempestades.

"O edifício de feições barrocas assinala a época em que foi adquirido e habitado pelo ilustre magistrado João Leal da Gama e Ataíde, o qual promoveu a sua reconstrução em meados do século XVIII pelas mãos do distinto construtor Diogo Tavares de Ataíde.

"É o núcleo central do Museu Municipal de Tavira, inaugurado em 2001, após obras de reabilitação." (Fonte: CM Tavira)





Tavira, 1 de fevereiro de 2014 > Foto nº 1222 > Calçada da Galeria > Janelas do 1º piso do Palácio da Galeria



Tavira, 1 de fevereiro de 2014 > Foto nº 1229 > Largo Dona Ana, perpendicular à Calçada da Galeria


Tavira, 1 de fevereiro de 2014 > Foto nº 1235 > Descendo a Calçada da Galeria, em direção ao rio.

Fotos: © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados


1. Tavira é seguramente um sítio da nossa terra onde vale a pena voltar uma e mais vezes...  De preferência fora da época estival... Passei lá um fim de semana, dois dias, alojado no Convento das Bernardas, junto às salinas, aproveitando uma promoção de época baixa, e depois fui visitar o velho quartel da Atalaia onde funcionou o CISMI, e por onde passámos, muitos de nós furriéis milicianos, antes de irmos parar à Guiné... Já aqui identificámos alguns: eu, o César Dias, o Humberto Reis, o António Levezinho, o Henrique Cerqueira, o José Martins, o Veríssimo Ferreira,  o José Brás, o Manuel Carvalho, o Carlos Silva, o Josema (, o nosso poeta da Régua, o Zé Manel Lopes),  o Joaquim Fernandes, o António Branquinho, o Fernando Hipólito (estes dois últimos não são ainda grã-tabanqueiros, e o último foi para Angola)... E muitos mais. (Eu, o Reis, o Levezinho, o Branquinho e o Fernandes encontrámo-nos todos na CCAÇ 2590, futura CCAÇ 12, em Santa Margarida...).

E depois, aproveitando a manhã de sábado, dia 1 de fevereiro,  com um sol envergonhado, fui (fomos, eu, a Alice, e os meus cunhados do Porto, Gusto e Nitas) à (re)descoberta da cidade, das suas famosas igrejas,  ermidas e capelas...  Que são pelo menos umas trinta e quatro, conforme excelente roteiro disponível "on line" no sítio da Câmara Municipal de Tavira... Mas a cidade (e arredores) vale pelo seu conjunto!.

Eis algumas das fotos que tirei e das notas que coligi... Talvez alguns de vós possam  reconhecer sítios por onde passeámos, ao fim de semana nos idos tempos das décadas de 1960 e 1970, ou por onde marchámos, a toque de caixa... Eu lembro-me de ter passado por alguns destes sítios, há quase meio século... Pouco eufórico, muito menos com ar de turista... Era instruendo do 2º ciclo do CSM, no CISMI, no quartel da Atalaia... E, sem o saber, já a caminho da Guiné...

Atenção ao título deste poste que pode ser enganador: por detrás do brilho e da beleza do património (civil, religioso e militar) que chegou até aos nossos dias, estão séculos e séculos de drama e de tragédia... O que me fascina também em Tavira (hoje, não em 1968, quando por lá passei, a correr...) é que a aqui podemos também contar, reviver, reconstituir, conhecer com cores e formas locais,  a história, a nossa história, de seres humanos e de portugueses... Já que por aqui passaram inúmeros povos, desde o neolítico até às invasões francesas no princípio do séc. XIX... (LG)

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Guiiné 63/74 - P12699: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (16): Não gostaria de regressar ao passado e muito menos em Tavira (Manuel Luís Lomba, ex-fur mil, CCAV 703 / BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66)


Foto nº 1252

Foto nº 1246

Foto nº 1293


Foto nº 1267



Foto nº 1284



Foto nº 1280

Tavira, 1 de fevereiro de 2014 > Tavira: o rio Gilão, a ponte romana, o CAT - Centro Auditivo de Tavaira (fotos nºs 1280 e 1284; à esquerda, o edifício da Câmara Municipal de Tavaira

Fotos (e legendas) : © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados


1. Mensagem de 7 do corrente, do nosso camarada  Manuel Luís Lomba (ex-fur mil, CCAV 703 / BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66; auitor do livro "Guerra da Guiné_ A batalha de Cufar Nalu". Faria, Barcelos, Terras de Faria, Lda: 2012, 314 pp.) [Capa, imagem à esquerda]


Olá, Carlos Vinhal e um grande abraço, extensivo a toda a comunidade tabanqueira!

Manuel Luís Lomba


2. Memórias do quartel de Tavira

por Manuel Lu+is Lomba [, foto atual à direita]


Vou aproveitar a boleia da narrativa ilustrada do nosso patriarca Luís Graça para revisitar o quartel da Atalaia de Tavira, que o marquês de Pombal mandara construir, que nos serviu de CISMI e nos servirá de antecâmara à nossa Guerra da Guiné.

Entrei como recruta para essa ”escola do crime” de Tavira, parafraseando o Manuel Alegre, não como poeta mas como radialista da propaganda antiportuguesa em Argel, em Agosto de 1963, e saí cabo-miliciano atirador pouco antes do Natal, sem nunca haver abraçado uma G3 (abraçá-la-ei pela primeira vez a treinar desembarques, no ilhéu do Rei, defronte a Bissau) e após termos aguentado uma semana de campo, em exercícios de patrulhamentos, escoltas, vanguardas, guardas de flanco, cercos e assaltos, por montes lá para as bandas de S. Brás de Alportel, sob chuva torrencial dia e noite, estoicamente, durante a qual os corpos não gozaram de linha enxuta, nunca nos deitamos a dormir, sem rações de combate, as cozinhas rodadas sem funcionar e o estado de fome agravado pela deserção dos vendedores ambulantes.

A sua última jornada constava da passagem pela carreira de tiro, na estrada Tavira-Olhão, para exercícios de fogo de bazuca e morteiro de 60. O rancho era cozinhado durante as deslocações, o grão-de-bico começara a ser servido cru pela enésima vez, não obstante a proximidade do quartel e da disponibilidade da sua cozinha e foi então que alguns corajosos - que pena não me lembrar dos nomes - despejavam as marmitas nos caldeirões logo que servidos e nem foi obedecida a tão sacramental ordem de “sentido!” vociferada pelo oficial de dia - o truculento alferes Matos, que verá o braço preso e rodeado de indignados, dispostos a tudo, por ele ousar levantar o punho para o que lhe estava mais próximo. Os seus alferes usaram de argumentos apaziguadores e a tensão distendeu-se. Uma das maiores cenas de virilidade e valentia, das ocorridas na minha vida militar...

Mas a indignação, não. Ao lado da carreira de tiro havia uma cerâmica tijoleira, a miséria da vida patente nas suas jornaleiras, a trabalhar descalças, vestidas de trapos de chita cobertos de lama vermelha, que coexistia com a bonita moradia do seu dono, a campear sobre um extenso laranjal. Encharcados até à medula dos ossos, cheios de fome e a tremelicar de frio, algum apontador terá tremelicado mais que de frio e um ou dois disparos pareceram ter a chaminé da fábrica como alvo (falhado), enquanto a malta que podia se “desenfiava” a “desalaranjar” as árvores tão cuidadas e de tão preciosos frutos, pela comiseração tácita daquelas pobres que o patrão destacara para nos vigiar... Os pobres sem pobres são pobrezinhos - sentença de um Guerra Junqueiro. O capitão Salgadinho São Brás era o diretor da instrução, entendeu dar por terminadas essas marchas finais e mandou vir camiões Morris, do quartel, para carregar os mais debilitados. Aquela saga acabou no refeitório, com uma cadeirada de lulas, bem quente e bem apurada, meio casqueiro e um caneco de vinho per capita.

As participações foram retiradas e sem lugar a “porradas”, por recomendação do comandante major Cardeira da Silva.

Em Janeiro de 64 apresentei-me no RI 13, em Vila Real, começamos a andar pelo Marão a afrontar e o gelo, no entanto reconfortados pela aguardente que aquela gente fazia questão que aceitássemos e, em Maio, apresentei-me em Cavalaria 7, onde a fome se apresentou mais refinada e onde formamos o BCav 705 com destino à Guiné, para onde embarcamos em Agosto e donde regressamos, em Maio de 1966.

Fui um dos 1200 soldados-instruendos que foram encurralados no CISMI de Tavira e muitos viremos a ser estivados no cargueiro Benguela, tal e qual o gado, com destino à Guiné. Os tetos falsos das suas casernas (o 1º andar será acrescentado mais tarde) eram formatados pelo colmo das canas próprias para foguetes, bons como refúgio dos percevejos, que nos aterravam nas fuças, por gravidade. A abundância de pasto era tal que até esses hemípteros algarvios não se davam ao esforço de abrir as asas.

A ausência de instalações sanitárias seria a mais grave deficiência do CISMI: a previsão de nos esticar à fome talvez valesse de razão suficiente para haver apenas 6 sanitas “turcas” de grés, ao lado do “parque-auto” - com o rácio de uma para cada 200! Durante a noite, a parada era continuamente povoada de fantasmas em trajos menores, em demanda das sanitas. E entre a malta circulava a palavra de ordem “cagar para a tropa”, como forma de luta contra aquela indecência. Havia ativistas a sacrificar o seu tempo de rua para a cumprir. O amontoado daquela “matéria” só não chegava a passar da sua porta de acesso geral, porque os faxinas tinham a preocupação de não a deixar transbordar para a parada.

Após toque de alvorada do dia em que o tenente-coronel comandante (indígena tavirense) era rendido pelo major Cardeira da Silva, um ex-prisioneiro da Índia, foi dado o alerta de “cagalhões” a nadar nos lavatórios coletivos à entrada do refeitório e no da caserna contígua, creio que era da 2ª Companhia. O que boiava no lavatório desta apresentava tais dimensões que se gerara um movimento de turismo interno para a sua contemplação. Era um dia de festa castrense, a malta sem fazer a higiene pessoal, sem aceder ao refeitório e a unidade em alvoroço, próximo da prevenção. A primeira inspeção feita por quele pequeno major, que se revelará grande homem e grande militar foi a esses locais, mandando logo desonerar os soldados-instruendos do evento. A partir daquele dia a vida do quartel entrou em melhorias. A creolina recendia por todo o lado e as obras da requalificação e ampliação sanitária arrancaram. Relatório de baixas: o sargento do rancho, o sargento da limpeza - e os percevejos!

Aquela companhia era a melhor em futebol, em cujas pelejas pontificavam, entre outros, o Crispim, da Académica e o Lourenço, um terrível forcado. Começamos a gozá-los como a “companhia do cagalhão”. A sua malta assumiu o epíteto, apurara-se para a final, que decorreu no campo da Atalaia, com outra unidade daquela da Região militar, no galhardete entregue ao capitão da equipa adversária figurava um grande “cagalhão”, o qual não reparou e mandou entregar de lembrança ao brigadeiro segundo-comandante...

Naquele meu tempo, a generalidade dos oficiais e dos furriéis do CISMI revelavam-se gente decente, militares exigentes mas dignos. Lembro-me dos tenentes Dias Pinto, Branco, Cerro e Bernardo, comandantes das companhias; lembro-me do alentejano alferes [José Jerónimo da Silva] Cravidão, que virá a morrer em combate na Guiné [, com o posto de capitão,] e dos alferes Mota Freitas, Portugal e sobretudo do Simões, comandante do meu pelotão, uma alma excecional como homem e como militar. Lembro-me do moçambicano Jorge Tembe, um furriel “charrua”, que será o ministro da Agricultura do primeiro governo da Frelimo.

E não poderia esquecer o alferes Cadete, o Patilhas, o mais militarista e o mais fundamentalista, com a sua sádica tendência em dar a ginástica de aplicação militar nas salinas. Casado de fresco com uma beldade tavirense, quando o casal se cruzava connosco, ele reagia alto e bom som aos nossos olhares cobiçadores a proferir expressões, impróprias de serem reproduzidas neste blogue de gente grisalha...Aqueles oficiais terão visibilidade no contexto do 25 de Abril, com patentes mais elevadas.

Estive uma semana hospedado no convento da Graça, que não era hotel, mas anexo e enfermaria do CISMI, por ter desconchavado uma mão, num salto ao plinto. A pista de obstáculos funcionava no seu logradouro. Na prova final para a classificação física tinta de saltar a paliçada com um saco de areia que pesaria quase tanto eu. O Guima, camarada da Foz do Douro, agachou-se junto a ela e alavancou-me de tal maneira que, em vez de saltar com o saco de inertes a cavalear-me, voei sobre a paliçada e espalhei-me a cavalear o saco. Salvé, meu inesquecível Guimarães!

Não vou omitir a referência ao 500, cão-mascote de quartel, invocado em todas as conversas de caserna, pela sua orientação sexual da preferência pelo mesmo sexo e tão sorna, que ladrava deitado!

Da cidade de Tavira não guardei boas recordações, ressalvando da praia da ilha e das grandes travessas de conquilhas, que custavam 2$50, não obstante um dinheirinho para os nossos rendimentos. No final do primeiro mês no CISMI, a mourejar que nem condenado, o Exército patrão nem um centavo nos abonou e ainda nos obrigou a pagar-lhe 2$50 e ao segundo mês 1$00. O nosso pré de 30$00/mês ia parar todinho ao bolso de alguém, acrescido desse reforço. O major Cardeira da Silva salvou-nos dessa ladroeira e salvou a honra da unidade.

Fui particularmente sensível ao facto de sermos descriminados nos cafés, que se pagavam por um copo de água da torneira. E as queixas chegadas ao quartel quando nas esforçadas patrulhas de instrução recorríamos a algum poço para matar a sede ou encher os cantis, magoavam ainda mais.

Não gostaria de regressar ao passado e muito menos em Tavira.