Mostrar mensagens com a etiqueta Abel Rei. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Abel Rei. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 5 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19859: Tabanca Grande (481): Abel Rei, ex-1º cabo, CART 1661 (Fá, Enxalé, Bissá, Porto Gole, 1967/68)... Autor do livro "Entre o paraíso e o inferno: de Fá a Bissá, memórias da Guiné., 1967/68"... Passa finalmente a sentar-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 792


Foto nº 1 > Guiné > Região do Oio > Bissá  > CART 1661 (1967/68) > Imagem, desolada,  do destacamento de Bissá, no tempo em que lá esteve o Abel Rei, com o 3º Gr Comb...


Foto nº 2 > Guiné > Região do Oio > Bissá >  > CART 1661 (1967/68) > Imagem do destacamento de Bissá, no tempo em que lá esteve o Abel Rei, com o o 3º Gr Comb...


Foto nº 3

Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CART 1661 (1967/68)  >  Foto tirada em Porto Gole, com o Abel Rei a escrever algumas linhas do seu diário, mais tarde (em 2003) transformado em livro.


Foto nº 4

Guiné > Bissau > Fevereiro de 1968  > O 1º Cabo Abel Rei, da CART 1661 (Fá, Enxalé, BissáPorto Gole, 1967/68), de férias, na capital da província. “Vim juntamente com o ‘Conjunto João Paulo’, que fez nesse mesmo dia uma actuação musical em Porto Gole, partindo de seguida numa lancha, pelo Rio Geba, para cá”… Ficou hospedado na Pensão Chantre.


Foto nº 5

Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CART 1661 (1967/68) > Monumento ,onde se pode ler: "Para ti, soldado, o testemunho do teu esforço"... No final do ano de 1967, o comando da CART 1661 mudou-se para Porto Gole, passando o Enxalé a ser apenas um simples destacamento, depois na primeira daquelas localidades se terem construído as necessárias instalações para o pessoal, bem como o depósito de material. Foi também construído uma pista de aterragem para aeronaves tipo DO 27.

Fotos (e legendas): © Abel Rei (2002). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional  da Tabanca Grande > 20 de Junho de 2009 > O Abel Rei e a esposa, Maria Elisete, residentes no concelho da Marinha Grande...  O Abel terá conseguido vender, no nosso convívio, mais de três dezenas do seu livro (preço: 10 balas, menos de 100 pp.).

O Abel pertencia, no ano de 2007, à Direcção do Núcleo da Marinha Grande da Liga dos Combatentes (telefone: 244 551 140), exercendo o cargo de Tesoureiro, que teve de abandonar por motivos de saúde.

O livro, na altura,  podia ser encomendado directamente ao Abel Rei, que morava no Beco da R. dos Poços, 1, Lameira da Embra, 2430-126 Marinha Grande / Telem 938 195 700/ Email: abel_rei@hotmail.com (, este endereço já não está atualizado).

Fotos« (e legenda): © Luís Graça (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


São Pedro de Moel > 2010 > Convívio da CART 1661 e Pel Caç Nat 54 > O ex-cap mil, o arquiteto e urbanista  Luís Vassalo Rosa  (1935-2018), ao centro; à esquerda o Abel Rei; e à direita, um alferes da CART 1661, não identificado.

Foto (e legenda): © José António Viegas (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Almeirim > 10 de maio de 2014 >  XXIII Encontro  do pessoal da CCAÇ 1439,  Pel Caç Nat 52, Pel Caç Nat 54, e Pel Mort 1028, que passaram pelo Enxalé (1965/67).  O Abel Rei é o primero da primeira fila, do lado direito. Alguns camaradas nossos conhecidos (e membros ds Tabanca Grande): Henrique Matos (Pel Caç Nat 52), José António Viegas (Pel Caç Nat 54), Júlio Pereira (CÇAÇ 1439). O "Mafra" é a alcunha do Manuel Calhanda Leitão, também já convidado para integrar a Tabanca Grande: foi o organizador do último encontro do pessoal, este ano, em 18 de maio de 2019, na Ericeira... Em 2010, houve um encontro histórico, deste pessoal, o 19º Encontro, onde estiveram presentes, entre outros, o Henrique Matos, o Mário Beja Santos, o Jorge Rosales,o João Crisóstomo, o madeirense António Freitas (um dos quatro alferes da CCAÇ 1439),  o João Neto Vaz, o Luís Cunha, e outros.

Foto (e legenda): © Henrique Matos  (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Abel de Jesus Carreira Rei,  ex-1º cabo, CART 1661 (1967/68), ou simplesmente Abel Rei, tem 15 referências no blogue, é amigo da página do Facebook da Tabanca Grande, é autor de um livro de memórias sobre a sua passagem na Guiné, já participou num dos nossos encontros nacionais,  o IV, em Ortigosa, Monte Real, Leiria, em 2009... mas, por lapso, ainda não consta da lista alfabética dos membros da Tabanca Grande.

Na altura, em 2009, foi apresentado, na Ortigosa, como "um dos nossos últimos piras (...), membro da Tabanca Grande". (*)

É mais do que justo reparar, agora,  esse imperdoável lapso. Ele passa a sentar-se, à sombra do nosso poilão, no lugar nº 792.(**)

Ainda recentemente o nosso colaborador permanente, Mário Beja Santos,  volta a fazer a recensão do livro do Abel de Jesus Carreira Rei, "Entre o Paraíso e o Inferno: De Fá a Bissá: Memórias da Guiné, 1967/1968".( Prefácio do Ten Gen Júlio Faria de Oliveira): Edição de autor. 2002. 171 pp. (Execução gráfica: Tipografia Lousanense, Lousã. 2002). (***)


(...) "É mais do que merecido o reconhecimento a este diário de Abel Rei, escrito com tanta sinceridade, envolto em tanta ternura, um registo também da vida de uma unidade que palmilhou o Xime, Amedalai, Denbataco, foi ao Buruntoni e ao Poidom, espalhou-se pelo Enxalé, Missirá e Porto Gole. (...) Temos que ter orgulho neste diário, é o espelho de um homem de fé que vai regressar sereno à sua vida civil, sem traumas nem azedumes. Recomendo vivamente a sua leitura. (...).

Do lamentável lapso temos que pedir desculpas ao nosso camarada Abel Rei e aos  restantes membros da Tabanca Grande.

Já em tempos aqui o dissemos: o Abel Rei  teve, entre outros,  o mérito de pôr no mapa da guerra da Guiné o nome de Bissá, sobre o qual poucos de nós sabiam alguma coisa.   Foi em Bissá que o valente Abna Na Onça, capitão de 2ª linha, balanta, enocntrou a morte...

Um camarada nosso que conheceu bem a região de Porto Gole, Bissá e Enxalé, o Henrique Matos, 1º comandante do Pel Caç Nat 52 (1966/68), também já aqui veio reconhecer que a manutenção de Bissá fora um erro, possivelmente pelo elevado custo, em vidas humanas, que terá acarretado, e pelas dificuldades de reabastecimento da sua guarnição.

2.  Algumas notas biográficas sobre o Abel Rei (que é o único representante da CART 1661, na nossa Tabanca Grande):

O Abel Rei nasceu em 30 de março de 1945, na freguesia de Maceira, concelho de Leiria. O pai era operário vidreiro. A família mudou-se para o concelho da Marinha Grande. O Abel começou a trabalhar bem cedo numa mercearia local, mal acabada a escola primária, aos dez anos. Aos quinze era serralheiro civil.

Mobilizado para a Guiné, serviu na CART 1661, que passou por Fá Mandinga, Enxalé, Bissá e Porto Gole. Partiu em 1 de Fevereiro de 1967 e regressou em 19 de Novembro de 1968.

A companhia teve três comandantes: Cap Mil Art Luís Vassalo [Namorado]  Rosa [1935-2018), Alf Mil Art Fernando António de Sá e Cap Art Manuel Jorge Dias de Sousa Figueiredo.

Depois da tropa, o Abel voltou a estudar, tendo completado o Curso Geral de Mecânica da Escola Industrial.

Citando o prefácio ao seu livro, "Entre o Paraíso e o Inferno: De Fá a Bissá: Memórias da Guiné, 1967/1968,  da autoria .do ten gen ref Júlio Faria de Oliveira, presidente da Direcção Central da Liga dos Combatentes, “ainda bem que o antigo combatente Abel Rei escreveu esta história verdadeira, a qual, em minha opinião, é extremamente interessante e duvido que aquela, que ele gostaria de ter escrito, fosse ainda melhor” (p. 17).

Em geral, são notas diárias, de um, dois ou três parágrafos, que o Abel Rei foi redigindo num caderninho que sempre o acompanhava. A primeira tem a data de 1/2/67 (partida do T/T Uíge, do cais da Rocha Conde de Óbidos) e a última data de 19/11/68 (regresso à Metrópole, também no mesmo navio).

Ao todo, são 178 registos diários, em pouco mais de 21 meses de comissão, mais de metade das quais (53,4%) correspondem aos quatro primeiros meses (de fevereiro a maio de 1967). De junho até ao final do ano, escreveu apenas, em média, 4 vezes por mês… No segundo ano (jan-nov 1968), o ritmo da escrita, certamente por cansaço, saturação ou quebra de disciplina, baixou ainda mais: um pouco mais de 3 registos por mês, embora mais extensos, ocupando 4 dezenas de páginas (de 126 a 166).

O Abel Rei tem página no Facebook.
___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 7 de julho de  2009 > Guiné 63/74 - P4648: IV Encontro Nacional do Nosso Blogue (19): Os nossos escritores (Luís Graça)

12 de agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4815: Notas de leitura (14): As memórias do inferno de Abel Rei (Parte I) (Luís Graça)

14 de agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4820: Notas de leitura (15): As memórias do inferno de Abel Rei (Parte II) (Luís Graça)

24 de agosto de 2009 > Guiné 1963/74 - P4858: Notas de leitura (16): Memórias do inferno de Abel Rei (Parte III) (Luís Graça)


12 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5983: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (22): As voltas que o mundo dá, graças a um blogue que congrega uma diáspora de combatentes (Beja Santos)

30 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14547: Convívios (671): CCAÇ 1439 (Enxalé, Missirá e Portogole, 1965/67) + Pel Caç Nat 52 e 54... Caldas da Raínha, dia 9 de maio de 2015... Inscrições até este fim de semana... (Maria Helena Carvalho, filha do Pereira do Enxalé / Henrique Matos, ex-alf mil, cmdt, Pel Caç Nat 52, 1966/68)

segunda-feira, 3 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19853: Notas de leitura (1183): "Entre o Paraíso e o Inferno (De Fá a Bissá)", por Abel de Jesus Carreira Rei; edição de autor, 2002 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Maio de 2019:

Queridos amigos,
É mais do que merecido o reconhecimento a este diário de Abel Rei, escrito com tanta sinceridade, envolto em tanta ternura, um registo também da vida de uma unidade que palmilhou o Xime, Amedalai, Denbataco, foi ao Buruntoni e ao Poidom, espalhou-se pelo Enxalé, Missirá e Porto Gole.
A um tempo em que os comandos tomaram a decisão de tirar a sede da Companhia do Enxalé para Porto Gole, perdeu-se a ligação a Missirá, em meu entender um erro crasso, as forças hostis eram as mesmas, de Madina, Belel, a região de Sara-Sarauol, são registos serenos os que o Abel Rei nos deixa, é um homem em conformidade com os seus princípios e valores, chega a refletir sobre as consequências do álcool depois de uma borracheira e lembra como esse mesmo álcool devastou a sua vida familiar.
Temos que ter orgulho neste diário, é o espelho de um homem de fé que vai regressar sereno à sua vida civil, sem traumas nem azedumes. Recomendo vivamente a sua leitura.

Um abraço do
Mário


Faça-se justiça a um belo documento, o diário do camarada Abel Rei

Beja Santos

Aprende-se muito com a releitura de certas obras, no caso vertente do diário da Guiné “Entre o Paraíso e o Inferno (de Fá a Bissá)”, por Abel de Jesus Carreira Rei, confessa-se ter havido uma certa ligeireza na primeira apreciação. É um documento de valor excecional, pela sua simplicidade, pelas páginas tocantes que nos lega falando do correio, das patrulhas, das amizades, dos encontros festivos com gente patrícia ou aparentada, pela genuinidade das apresentações, regista as suas devoções, o que o confunde e deslumbra quando a natureza explode em uníssono, veja-se o que ele escreve em 24 de abril de 1968, um amanhecer em Porto Gole:
“Com sons de todas as distâncias, ouvem-se os mais variados cantares das aves. São cinco horas e vinte minutos da madrugada (do dia, é o melhor termo neste momento!). Há dez minutos que o dia começou a nascer: primeiro lento, sem pressa, como se preferisse não sair da escuridão, depois como a volúpia de um prazer, rápido, com a aclamação de toda a natureza à sua volta. Avista-se entre as árvores espesso nevoeiro, o mesmo que torna húmidas e frias, estas manhãs tropicais – confundindo a mata com o rio, que neste momento apresenta uma crista de areia no meio, a quatro ou cinco quilómetros de mim. Também à minha volta, vejo agora nitidamente os mosquitos, que durante estas duas horas de reforço, tomaram o pequeno-almoço do meu sangue.
Poucos minutos mais volvidos, e já está o dia nascido. O homem encarregado do motor-gerador, já o fez parar. Os abutres vieram até aos limites do rancho ‘fazer limpeza’, enquanto os porcos lá continuam a sua tarefa de demolir tudo com o focinho. Os galináceos limparam do chão os grãos de ‘bianda’ mais próximos; e os cães correm de um lado para o outro (sou obrigado, de vez em quando, a interromper-me, a sacudir os mosquitos da minha pele).
Primeiro poucas, e agora em mais quantidade, as mulheres nativas correm para a fonte – um poço que se encontra rodeado de uma pequena horta, tendo algumas árvores em volta: mangueiros; laranjeiras; e cajueiros – de onde levam água clara, com que se saciarão durante o dia. (Os indígenas, não utilizam filtros como nós para limpar a água; metem-na em bilhas de barro, e ela depois assenta). Com as bilhas cheias, elas já regressam. Na tabanca já se ouve, em ritmo cadenciado, o pilão a martelar na ‘bianda’.
Começa a soprar uma ligeira aragem.
O padeiro já começou a sua tarefa, e o cozinheiro também já remexe os caldeirões. E eu termino… Arma às costas, e deixo o meu posto de sentinela!”.

Em Bissá, andará a cavar, fica cheio de bolhas nas mãos, ele que diz no seu currículo que se iniciou a trabalhar com dez anos ao balcão de uma mercearia no centro da então vila da Marinha Grande, e aos quinze anos já exercia a profissão de serralheiro civil. É uma edição de autor de dezembro de 2002, estou aqui a fazer a confissão de que é obra de valor, um diário autêntico, daqueles que começam a pontuar dia após dia e depois esmorecem, há semanas e meses em branco. Embarca no navio Uíge, faz parte da CART 1661, um dos seus comandantes foi um arquiteto de fama, já falecido, Luís Vassalo Rosa, de Bissau segue para Fá, espera ansiosamente notícias da família, descobre o mundo tropical, a África desconhecida, diz singelamente que acaba de apreciar uma grande plantação de bananeiras, era a primeira vez. Não há perda de tempo, vai-se até ao Xime, descreve-se a tabanca, encontra-se gente de terras próximas. Do Xime vai-se até Enxalé, daqui viaja até Mato de Cão que ele designa por local bastante propício a emboscadas do inimigo, terão ido montar segurança a embarcações militares ou civis. Do Enxalé segue para Porto Gole, dá-se por feliz quando regressa a Fá, é sol de pouca dura, regressa-se ao Xime, encontrou conhecidos dos Pousos de Leiria e de Burinhosa em Alcobaça, é uma operação ao Poidom, estreia-se nos tiros, volta para Fá e regressa ao Xime para uma operação ao Burontoni, capturou-se armamento, deu apoio ao seu colega Saraiva, dos Moinhos de Carvide, que vinha completamente abatido. O cansaço começa a pesar, surgem alguns problemas de saúde, segue novamente para Porto Gole, operações, atribuem funções de vagomestre, em abril de 1967 regista um dia trágico, morreram sete africanos para as bandas de Bissá. “Eu confesso: apesar de estar cá há pouco tempo, vieram-me as lágrimas aos olhos. Tinha morrido um capitão de 2.ª linha, mais seis homens nativos, todos pertencentes à Polícia Administrativa e todos eles com as famílias em Porto Gole. Morria o Capitão Abna Na Onça, corajoso e respeitado pelos negros e brancos”.

Gosta de Porto Gole mas trabalha que se farta. Quando tem saudades, vai para a beira-rio, apreciar a paisagem, ver as mulheres a apanhar uma espécie de caranguejos no lodo. E em maio começa o pequeno inferno de Bissá, um outro local inóspito, entre Mansoa e Porto Gole, destacamento de pouca dura, Spínola pôr-lhe-á termo. Falta água, as colunas de reabastecimento são um suplício, volta por um tempo a Porto Gole, as funções de vagomestre são de imensa responsabilidade. E regressa a Bissá em setembro, o quartel está numa lástima, as flagelações sucedem-se, a tensão é permanente. Nesse mesmo mês de setembro rebenta uma mina anticarro, em consequência quatro mortos e treze feridos graves. Estabelece boas amizades com a gente do Pelotão de Caçadores Nativos n.º 54. O correio é cada vez mais espaçado, sente-se fisicamente em baixo, volta a Porto Gole e ao Enxalé, visita Bafatá, não lhe descobriu interesse. O ano passou e em fevereiro de 1968 passa férias em Bissau, regista um ataque de foguetões à Base Aérea de Bissalanca, volta a Porto Gole em março, anota que as coisas correm mal em Bissá, há cada vez mais emboscadas. Gosta de confirmar dados consultando a história da CART 1661. Spínola visita Porto Gole no início de junho, as coisas estão cada vez pior em Bissá. Em novembro, a sua Companhia é rendida, são colocados no quartel dos Adidos em Bissau, viaja novamente no Uíge para Lisboa. Impossível não registar o que ele escreve quando se despede de nós a bordo do navio Uíge na manhã de 20 de novembro de 1968:
“A minha missão não foi das mais árduas; outros houve que sofreram muito mais. Para esses, irá decerto o carinho de todos quantos nos rodearam através das escassas notícias referidas além-mar. Nada paga tão imensa alegria, de podermos regressar ao lar, e esquecermos tantas e tantas horas que passámos sem dormir, atentos ao inimigo, e depois de o termos aguentado, acarinharmos os nossos camaradas feridos ou chorarmos os mortos. A estes últimos: os heróis desconhecidos desta guerra, aqueles que mais ninguém recordará, a não ser os pais, irmãos, esposas e filhos, a estes, a minha modesta homenagem que se resume a desejar-lhes Eterno Descanso. Irmãos de meses difíceis desta tropa, a minha lembrança por vocês perdurará em mim eternamente, pois eu podia ter sido um de vós!”.

Julgo ter reposto justiça pondo no pódio este magnífico diário do camarada Abel Rei.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 31 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19844: Notas de leitura (1182): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (8) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17740: Em busca de... (279): Arq. Luís Vassalo Rosa, ex-Cap Mil, CMDT da CART 1661 (Henrique Matos e João Crisóstomo)



1. Mensagem de Henrique Matos, (ex-Alf Mil, 1.º Comandante do Pel Caç Nat 52 Enxalé, 1966/68), com data de 10 de Agosto de 2017, dirigida ao Mário Beja Santos a propósito do Poste de 12 de Agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17666: (In)citações (110): À procura de… Luís Vassalo Rosa, arquiteto e comandante da CART 1661 (Mário Beja Santos):

Meu caro Beja Santos,
Aqui vai a resposta ao teu pedido.

Estive pouco tempo com o Cap. Mil. Vassalo Rosa no Enxalé porque fui transferido para o Comando Chefe em Bissau. Penso que o [João]  Crisóstomo nem o conheceu. Tenho 3 fotografias que anexo, tiradas no campo de jogos do mesmo Enxalé durante uma evacuação mas por azar o Capitão em todas está de costas.

Talvez por eu ser o mais velho naquela tropa, descarregou comigo as suas mágoas. Casado e com filhos, arquitecto de profissão, sentia-se completamente desamparado. O Cap Mil Rosa era o oposto do Cap Mil Pires da antecessora CCaç 1439; este era um homem destemido no mato.

Com as alterações do Spinola,  a companhia [, a CART 1661,] mudou a base para Porto Gole, onde terminou a comissão. Não sei se ainda lá está o memorial da companhia. (anexo)

Vi-o em Lisboa de passagem em 1968, acho que tinha um carro Triumph verde Nunca fui aos encontros da CArt 1661 porque são sempre no Norte. Penso que este ano foi em Chaves, vê lá o esticão que era para mim.

O Abel Rei publicou um livrinho interessante com as peripécias desta companhia. (anexo)

Abraço,
Henrique





"Entre o Paraíso e o Inferno - (De Fá a Bissá) - Memórias da Guiné 1967/1968", de Abel de Jesus Carreira Rei

Porto Gole - Memorial que assinala a passagem ali da CART 1661
Foto: © Abel Rei (2002). Direitos reservados

************

2. Sobre o mesmo assunto, mensagem de João Crisóstomo (ex-Alf Mil, CCAÇ 1439, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67):

Caro Beja,
Por mim não te posso adiantar nada sobre o Capitão Luís Vassalo Rosa. Talvez o Henrique Matos possa ajudar mais do que eu.
Estive algum tempo (duas vezes, um ou dois nesse de cada vez, “destacado" em Porto Gole (foi nos meus tempos lá, sob a minha orientação, que se fez com a ajuda do Cap/Régulo Amena na Onça a “descapinagem" e , assim mesmo muito por alto, a primeira “limpeza" do terreno para a futura pista de aterragem que só foi utilizada depois de eu já estar em Portugal); mas depois voltei a Enxalé meses antes do regresso a Portugal.
E a verdade é que depois de ter chegado a Portugal por muitos anos deixei de ter contactos com ninguém sobre assuntos da tropa e da Guiné. Estava a organizar a minha vida em Inglaterra, França, etc e o que eu queria era mesmo esquecer... nem quando me contactavam (vários anos seguidos) para me convidarem para eu receber uma medalha (Cruz de Guerra de 4.ª classe) eu respondia que não podia ir (a não ser que essa medalha fosse dada a todos os que faziam parte do grupo que eu comandava nesse momento; desses, na minha opinião, alguns mais do que eu mereciam essa medalha; e se assim fosse eu faria um esforço para ir a Portugal para a receber com eles. Mas a minha sugestão nunca mereceu uma resposta sequer e a medalha acabou por ficar por lá em qualquer gaveta…
Nem sabia sequer que havia encontros da CC1439 (como eles não tinham o meu endereço eu não recebia o convite; não sei se era enviado para a casa dos meus pais, que já velhinhos não teriam lembrança de me reenviarem esse correio!
O meu reatar com os meus colegas da CC 1439 deve-se a simples acaso: uma das minhas irmãs fez uma excursão qualquer na qual o Arantes também ia e ao falar com ele, que ia sentado ao lado dela, vieram a falar da Guiné… ; tempos depois o Capitão Pires falecia e o Arantes telefonou para Nova Iorque; mas eu não estava e vi a mensagem que me foi deixada escrita num pedaço de papel; mas só bastantes anos mais tarde tive oportunidade de ir a Portugal e reatar (em momentos de tremenda emoção que não esqueço) com alguns dos meus colegas da Guiné!; na altura ainda ninguém sabia do paradeiro do Zagalo nem do Lopes que viríamos a encontrar mais tarde.
Nem sei do nome do capitão que nos substituiu, nem da companhia… nada… estou a ficar velho...

************

3. Nota do editor:

Sobre o Cap Mil Luís Vassalo Rosa, vd. também o Poste de 1 de Setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17720: (De) Caras (97): Luís Vassalo Rosa e Sousa Dias Figueiredo, ex-comandante da CART 1661 (Fá, Enxalé, Porto Gole, 1967/68), juntos pela primeira vez, 2010, em São Pedro de Moel (José António Viegas, ex-fur mil, Pel Caç Nat 54, Porto Gole e Ilha das Galinhas, 1966/68)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 25 de agosto de 7 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17739: Em busca de... (278): informação sobre uma senhora cabo-verdiana, Maria da Graça de Pina Monteiro, nascida em 1900, e que teve 3 filhas: (i) Ana Gracia Malaval, nascida em 1918, em Bafatá, de uma união com o sr. Edmond Malaval; e (ii) Judite e Linda Vieira, em Bissau, de uma outra união com um sr. português ou cabo-verdiano, de apelido Vieira (Ludmila A. Ferreira)

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17720: (De) Caras (94): Luís Vassalo Rosa e Sousa Dias Figueiredo, ex-comandante da CART 1661 (Fá, Enxalé, Porto Gole, 1967/68), juntos pela primeira vez, 2010, em São Pedro de Moel (José António Viegas, ex-fur mil, Pel Caç Nat 54, Porto Gole e Ilha das Galinhas, 1966/68)


Foto nº 1 > São Pedro de Moel > 2010> Convívio da CART 1661 e Pel Caç Nat 54 > O ex- cap mil Luís Vassalo Rosa, hoje arquiteto e urbanista (*)


Foto nº 2 >   São Pedro de Moel > 2010 > Convívio da CART 1661 e Pel Caç Nat 54 > O capitão Rosa ao centro; à esquerda o Abel Rei; e à direita, um alferes da CART 1661, de que não me lembro o nome


Foto nº 3 > São Pedro de Moel > 2010 > Convívio da CART 1661 e Pel Caç Nat 54 > O corte do bolo...


Foto nº 4 > São Pedro de Moel > 2010 > Convívio da CART 1661 e Pel Caç Nat 54 > O ex-capitão Luís Vassalo Rosa e o ex-capitão Dias Sousa Figueiredo, que  substituiu o primeiro no comando da companhia,

Fotos (e legendas): © José António Viegas (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de 28  de agosto último, enviada pelo José António Viegas, ex-fur mil, Pel Caç Nat 54 (Enxalé e Ilha das Galinhas, 1966/68), em resposta ao pedido formulado no poste P17693 (*):


Caro Mário (*)

Capa do livro do Abel Rei ,
edição de autor, 2002 (***)
Quando o Capitão [Luís Vassalo]  Rosa chegou ao Enxalé,  já me encontrava com o meu Pel Caç Nat 54 em Porto Gole. Pouco contacto tive com ele,  se não estou em erro ainda fiz uma operação e fomos a Bissá com ele e  a sua CART 1661.

Depois disso soube que adoeceu e foi substituído pelo o Capitão [Sousa Dias] Figueiredo.

Voltámos a encontrar-nos em 2010, num almoço da companhia e do Pel Caç Nat 54 em S. Pedro de Moel, em que se conseguiu juntar os dois capitães que nunca se tinham encontrado.

Ai vão algumas fotos do encontro [, reproduzidas acima].

 O Abel Rei que até já publicou um livro  ("Entre o paraíso e o inferno: de fá a Bissá")  será a pessoa indicada para falar do Cap Rosa

(***) Refereência completa:  Abel de Jesus Carreira Rei – "Entre o Paraíso e o Inferno: De Fá a Bissá: Memórias da Guiné, 1967/1968". Prefácio do Ten Gen Júlio Faria de Oliveira. Edição de autor. 2002. 171 pp. (Execução gráfica: Tipografia Lousanense, Lousã. 2002)

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17707: (De) Caras (92): O cap 2.ª linha Abna Na Onça, balanta, e o 1º srgt Arlindo Verdugo Alface, alentejano do Cano, concelho de Sousel, dois "irmãos de sangue", e dois "homens grandes" com quem tive o privilégio de conviver (Jorge Rosales, ex-al mil, 1ª Companhia Indígena, Porto Gole, 1964/66)


Guiné > Região do Óio > Porto Gole > 1º Companhia de Caçadores Indígenas (1964/66) >  O Abna Na Onça e o Jorge Rosales 


Guiné > Região do Óio > Porto Gole > 1º Companhia de Caçadores Indígenas (1964/66) > Jorge Rosales e o 1º srgt Arlindo Verdugo Alface, junto ao monumento comemorativo da chegada do explorador português Diogo Gomes em 1456.


Fotos (e legendas): © Jorge Rosales  (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Dois "homens grandes" que conheci em Porto Gole

por Jorge Rosales (*)

[Ilha das Cabras, Bijagós, julho de 1966... O "comandante" Jorge Rosales, régulo da Magnífica Tabanca da Linha, já no final da sua comissão, depois de ter passado 18 meses em Porto Gole, 1964/66...  Alferes  miliciano,   pertenceu à 1ª Companhia de Caçadores Indígena, com sede em Farim. (Havia mais duas, uma Bedanda, a 4ª, CCAÇ, e outra em Nova Lamego, a 3ª CCAÇ). 

Ficou lá pouco tempo, em Farim, talvez uma semana. A companhia estava dispersa. Foi destacado para Porto Gole, com duas secções (da CCAÇ 556, do Enxalé) e outra secção, sua, de africanos. Tinha um guarda-costas bijagó. Ficou lá 18 meses. Passou os últimos tempos, em Bolama, no CIM - Centro de Instrução Militar, a dar recruta a soldados africanos. É membro da nossa Tabanca Grande desde 9/6/2009 (*)]


Depois de dez dias entre Bissau e Farim, vejo-me a caminho de Porto Gole, Geba acima, a favor da maré; ia num barco da casa “Gouveia”, que levava géneros para Porto Gole e, talvez, Xime e Enxalé  (**) …

No barco, sentia-me ansioso, apreensivo: Mafra, Cica 2, viagem no “Alfredo da Silva”, com passagem pelo Mindelo e Praia, pertenciam ao passado.

Tentava adivinhar qual a reacção do pelotão veterano de Porto Gole, à chegada do Alferes “maçarico”. Era, para mim, um salto no escuro...

À minha espera, como maior graduado, estava o 1º Sargento [Arlindo Verdugo] Alface. Foi ele que me orientou, com os seus conselhos e “palpites”.

Tinha a sabedoria de transmitir, com subtileza, a sua experiência, coisa que não vem nos livros… adquire-se. (***)

Para o Abna Na Onça, capitão de segunda linha, o Alface era o confidente, o amigo leal; fez questão de tornar o Alface seu irmão de sangue. 

Assisti à cerimónia de troca de sangue destes dois homens, com os braços unidos. 

Num fim de tarde, na sua tabanca, o Abna chamou-me para me mostrar, com orgulho, a sua assinatura: “ Abna na Onça Alface”. 

Foi, para mim, um privilégio conviver com estes dois “Homens Grandes“: um, balanta de Porto Gole, o outro, alentejano do Cano [,  concelho de Sousel, distrito de Portalegre].

O Abna morreu em combate, em Bissá, em [14 de[ Abril de 1967, como relata o Abel Rei no seu livro, “Entre o Paraíso e o Inferno“.  O Alface, também já não está entre nós, vítima de atropelamento na zona de Lisboa. 

A “Tabanca Grande“ fez-me voltar à Guiné, às suas recordações… e a mais forte, de todas elas, deu motivo a este relato. 

Jorge Rosales  (***)


2. Comentário de Cherno Baldé:

(...) O apelido do cap Abna "Na Onça" sugere-me uma grafia errada por simpatia, como diriam os entendidos na matéria. Existe o apelido balanta muito próximo,  "Na Onta",  que, provavelmente, alguém transformou em "Onça", para não variar.

De uma forma geral, o português metropolitano,  na altura, não era bom em captar e grafar os nomes indígenas, existem variadíssimos exemplos disso, como o caso de um familiar meu cujo apelido "Baldé" foi transformado em "Valdez" para não complicar. Se ele, de facto, tivesse o tal apelido, "Na Onça", hoje apareceriam muitos com o mesmo apelido,  o que não me parece ser o caso" (...).
___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de  9 junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4488: Tabanca Grande (151): Jorge Rosales, ex-Alf Mil, Porto Gole, 1964/66, grande amigo do Cap 2ª linha Abna Na Onça

(...) Era muito amigo do mítico Capitão de 2ª linha, o Abna Na Onça, chefe espiritual, poderoso, da comunidade balanta da região, a quem o PAIGC havia cometido o erro fatal de “matar duas mulheres e roubar centenas de cabeças de gado”. O seu prestígio, a sua influência e e o seu carisma eram tão grandes que ele sabia tudo o que se passava numa vasta região que ia de Mansoa a Bambadinca (nomeadamente, importantes informações militares, como a passagem de homens e armas do PAIGC).

Jovem (teria hoje 72/73 anos se fosse vivo), era um homem imponente, nos seus 120 kg. Schultz tinha-lhe oferecido um relógio de ouro e uma G3 como reconhecimento pelos seus brilhantes serviços … Mais tarde, será morto, em Bissá, em 14/4/67, com seis dos seus polícias administrativos, todos eles residentes em Porto Gole… Nesse dia o destacamento é abandonado pelas NT: “ um dia trágico para quem estava no inferno de Bissá", como escreveu o Abel Rei no seu diário ("Entre o paraíso e o inferno: de Fá a Bissá. Memórias da Guiné, 1967/68, editado em 2002, pp. 68/70) (...)

 (...) Enquanto [o Jorge Rosales] lá esteve, em Porto Gole, havia um certo respeito mútuo, de parte a parte. A influência de Cabral era evidente, fazendo a distinção entre o povo (português) e o regime (colonialista). Podiam deslocar-se num raio de 10 km…. Mas a ligação com Mansoa já se perdera. O troço já não era seguro. Em Mansoa estavam os respeitados Águias Negras (BART 645, que dominavam o triângulo do Óio: Olossato, Bissorâ e Mansabá) .

Do lado do Geba, eram os fuzileiros que impunham a lei e o respeito. Lançavam uma bóia e fundeavam a LDG em frente a Porto Gole. Vinha quase tudo por rio: os frescos, a bianda, os cunhetes de munições… (excepto o correio, que era lançado do ar, de DO 27, e às vezes ir cair no tarrafo; em contrapartida, o correio expedido ia de LDG... Singuralidades de Porto Gole que não tinha uma simples pista de terra batida, para as aeronaves). Tem vários amigos fuzos, desse tempo, incluindo o comandante Castanho Pais.

Do outro lado, a nascente estava a CCAÇ 556, no Enxalé… Também conhece dois furrieís do Enxalé, de quem se tornou amigo. Também passou por Fá. E no final da comissão, esteve em Bolama, por onde passavam os periquitos… Conviveu com algumas companhias que, de Bolama, partiam para operações no continente (...).


(**) Vd. poste original: 17 de outubro de 2009 > Guiné 63/74 – P5122: Estórias avulsas (15): Homens Grandes, Jorge Rosales (ex-Alf Mil da 1.ª CCAÇ - Porto Gole -, 1964/66)

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17693: (De) Caras (89): Abna Na Onça, balanta, capitão de 2ª linha, morto em Bissá, em 15/4/1967... Fotos precisam-se... Foi conhecido do Jorge Rosales, João Crisóstimo, Abel Rei e Henrique Matos


Guiné > Região do Oio > Porto Gole > c. 1965/66 > O alf mil da CCAÇ 1439, João Crsóstomo, ao fundo, na ponta da mesa; em primeiro, de costas, o Abna Na Onça, capitão de 2ª linha.

Foto (e legenda): © João Crisóstomo (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Mensagem, com data de ontem, do João Crisostomo (ex-alf mil, CCAÇ 1439, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67, que vive hoje em Nova Iorque) , em complemento do poste P17686 (*)

Caro Luis Graca,

Admiro-me que ninguém tenha ainda enviado fotos do Abna Na Onça. Quando voltar a Nova Iorque vou procurar, pois -- se não as perdi -- sei que tenho alguma coisa: tenho mesmo uma foto com ele (só nós os dois) em que eu pareço quase um anão ao lado dele. 

Entretanto envio-te uma que encontrei aqui no meu “arquivo” do meu computador em que ele aparece. Se a memória me não engana esta foto foi tirada quando eu fui a Porto Gole pela 1ª vez mas ainda não era para ficar . Só sei que o chefe de posto resolveu convidar-me para almoçar . acredito que estava apenas de visita (talvez para reabastecer quem lá estava),  pois vejo dois sargentos que,  se me não engano,  não pertenciam à nossa CCAÇ 1439. 

Na foto,  vê-se na cabeça da mesa Abna Na Onça de costas, mas ainda dá para o identificar sem qualquer dúvida; depois, pela direita, o chefe de posto (cabo-verdiano) e a esposa dele; a seguir um sargento cujo nome não lembro mais; eu estou na cabeça da mesa oposta ao Abna na Onca; a seguir um outro sargento cujo nome me não lembro ( oxalá isto não seja princípio de Alzeimar, mas a verdade é que estou a esquecer tudo e só me lembro de metade dos nomes…); a seguir está um furriel que me lembro de chamar “Tony” e sei havia algo de especial a respeito dele ( conhecimentos dele com pessoas célebres, penso eu); e a seguir ao lado dele o filho do chefe do posto. 

Quanto a outras memórias de Porto Gole… quem não tem memórias dos lugares por onde passou???… No meu caso, embora começam a ficar já “enevoadas”: além de Porto Gole, não me faltam memórias de Enxalé, Xime, Bambadinca, Missirá…. e outros . 

 Acredito que qualquer um de nós tem material para escrever um livro de recordações se se puser com vontade de as partilhar . E creio que muitos outros, cingindo-se apenas a factos sem qualquer precisão de "florear" , têm até muito mais a contar do que eu. É neste espírito de confiança que eu leio o que outros escrevem, quando escrevem no teu/nosso blogue. Se há alguém que quer escrever para “fazer literatura”, então eu espero bem que escrevam um romance ou o que quiserem, mas não o façam no teu/nosso blogue. Esse é para mim como um arquivo de memórias que merece todo o respeito (embora compreenda que há muita gente que como eu já se lembre só metade das coisas e, sem querer, comece mesmo a baralhar coisas). 

As brancas são  "próprias da idade" e há que respeitar, mesmo que haja incongruências e confusões. Por minha parte de coração agradeço que quando virem que estou dizer coisas “erradas" me corrijam imediatamente ; que isso só vai ajudar (a mim e a todos os que leem) a história como se passou .
Um abraço a toda a malta que ler isto.

João Crisóstomo


2. Comentário do editor:

Obrigado, João, é uma foto preciosa. De facto, como te disse, não tenho nenhuma foto do lendário Abna Na Onça. Pelo menos que me lembre... em todos estes 13 anos e meio de blogue...

Sobre o Abna Na Onça, temos uma versão do Jorge Rosales, que é de 1964/66 (**):

(...) Diz-me que era muito amigo do mítico Capitão de 2ª linha, o Abna Na Onça, chefe espiritual, poderoso, da comunidade balanta da região, a quem o PAIGC havia cometido o erro fatal de “matar duas mulheres e roubar centenas de cabeças de gado”. O seu prestígio, a sua influência e e o seu carisma eram tão grandes que ele sabia tudo o que se passava numa vasta região que ia de Mansoa a Bambadinca (nomeadamente, importantes informações militares, como a passagem de homens e armas do PAIGC).

Jovem (teria hoje 72/73 anos se fosse vivo), era um homem imponente, nos seus 120 kg. Schultz tinha-lhe oferecido um relógio de ouro e uma G3 como reconhecimento pelos seus brilhantes serviços … Mais tarde, será morto, em Bissá, em 15/4/67, com seis dos seus polícias administrativos, todos eles residentes em Porto Gole… Nesse dia o destacamento é abandonado pelas NT: “ um dia trágico para quem estava no inferno de Bissá, como escreveu o Abel Rei no seu diário( Entre o paraíso e o inferno: de Fá a Bissá. Memórias da Guiné, 1967/68, editado em 2002, pp. 68/70) (**)…


O Henrique Matos também o conheceu:

(...) Capitão de 2ª linha Abna Na Onça (...) era régulo de Porto Gole (não do Enxalé) e comandava a Polícia Administrativa, um grupo de pouco mais de 20 elementos que tinha uma farda esverdeada e estava armada com Mauser. Era um homem muito respeitado, não me esqueço que os soldados do [Pel Caç Nat ] 52 o tratavam por pai. Morreu em Bissá (ele e muitos outros), um chão balanta dominado pelo IN, onde alguém se lembrou de montar um destacamento sem o mínimo de condições (...).

Esperemos que apareçam mais fotos de (e depoimento sobre) o  Abna Na Onça (****).

PS - Pesquisando melhor, com tempo e vagar (que é coisa que não se tem quando se está de férias...), econtrei mais referências do Jorge Rosales  ao "homem grande" Abna Na Onça, incluindo uma foto de dele (!)n (*****). É  talvezx o poste mais completo sobre este guineense, que esteve do lado das NT e morreu em circunstâncias trágicas, em Bissá, ao tempo da CART 1661, conforme nos relatou aqui o Abel Rei (******).

__________

Notas do editor:


(**) Vd. poste de 9 de junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4488: Tabanca Grande (151): Jorge Rosales, ex-Alf Mil, Porto Gole, 1964/66, grande amigo do Cap 2ª linha Abna Na Onça


domingo, 30 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4882: Notas de leitura (18): As memórias do inferno de Abel Rei (Parte IV e última) (Luís Graça)

Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CART 1661 (1967/68) > Monumento ("Para ti, soldado, o testemunho do teu esforço")

Foto: © Abel Rei (2002). Direitos reservados



Infogravura: © Luís Grça (2009). Direitos reservados


Notas de leitura > IV (e última Parte (*) > O fim de um pesadelo

Um amanhecer em Porto Gole...

Vemos de novo o Abel Rei a ocupar o cargo de cabo vagomeste, em substituição do responsável pelo depósito de géneros da companhia que está de férias na metrópole. Um pouco mais descontraído, o Abel dá azo à sua veia literária descrevendo um amanhecer na Guiné, num dos dias em que esteve de sentinela ao quartel… (25/4/1968, Porto Gole, pp. 143-143).

Nessa altura já havia gerador em Porto Gole, o qual era desligado ao amanhecer.

“Com sons de todas as distâncias, ouvem-se os mais variados cantares das aves. São cinco horas e vinte da madrugada (…). Há dez minutos que o dia começou a nascer: primeiro lento, sem pressa, como se preferisse não sair da escuridão, depois como a volúpia dum prazer, rápida, com a aclamação de toda a natureza à sua volta”.
O tão característico cacimbo das madrugadas da Guiné cobre, com o seu manto branco, o rio e a mata: “Avista-se entre as árvores espesso nevoeiro, o mesmo que torna húmidas e frias estas manhãs tropicais – confundindo a mata com o rio, que neste momento apresenta uma crista de areia no meio, a quatro ou cinco quilómetros de mim” (p. 143).

Os primeiros sinais de vida, em Porto Gole, em pleno ‘chão balanta’, são já perceptíveis pelo nosso cabo Abel Rei, no seu posto de sentinela:

“Poucos minutos mais volvidos, e já está o dia nascido. O homem encarregado do motor-gerador já o fez parar. Os abutres vieram até aos limites do rancho ‘fazer limpeza’, enquanto os porcos lá continuam a sua tarefa de demolir tudo com o focinho. Os galináceos limparam do chão os grãos de ‘bianda’ mais próximos; e os cães correm de um lado para outro” (…).

Na tabanca, são as mulheres, sempre as mulheres, quem se levanta primeiro: “Primeiro poucas, e agora em mais quantidade, as mulheres nativas correm para a ‘fonte’ – um poço que se encontra rodeado duma pequena horta, tendo algumas árvores em volta; mangueiros, laranjeiras e cajueiros – donde levam água clara, com que se saciarão durante o dia (..). Com as bilhas cheias, elas já regressam. Na tabanca já se ouve, em ritmo cadenciado, o pilão a martelar na ‘bianda’. Começa a soprar uma ligeira aragem” (pp. 143/144).

A Abel ainda usa o termo ‘indígena’, quando se refere à população local, vocábulo com conotações colonialistas que deixa de se ouvir no tempo da Guiné Melhor, com Spínola:

“Os indígenas não utilizam filtros como nós para limpar a água; metem-na em bilhas de barro e ela depois assenta” (p. 144).

Pareceria um quadro quase idilíco e perfeito de harmonia com o homem com a natureza, se não fora a presença da guerra e da morte… No quartel, já se ouve remexer nos tachos e panelas. O padeiro e o cozinheiro já se levantaram e estão em funções… “E eu termino… Arma às costas, e deixo o meu posto de sentinela!... Pelas duas horas da tarde, seguiram finalmente as duas urnas para Bissau numa lancha de fuzileiros” (p. 144).


Bissá ‘embrulha’ mas resiste…

Por essa altura prossegue o reordenamento das populações da região, a par da construção de um fortim (um posto avançado nos limites do aquartelamento de Porto Gole). No final do mês de Maio de 1968, o Abel volta a “alinhar” como operacional, com o regresso, de férias, do cabo vagomestre.

Em Bissá, durante o mês de Maio, o PAIGC continua a fazer “a vida negra” às NT… De acordo com a história da unidade, (i) a 3 há um morto confirmado no ataque a Bissá; (ii) A 8, um grupo estimado em 100 elementos volta a atacar o destacamento, durante 1 hora, com armas ligeiras e pesadas, embora sem consequências para as NT, enquanto que o IN retira com “bastantes baixas” (inclusive teria sido ferido o comandante da base de Changalene); (iii) A 14, novo ataque, sem consequências; (iv) a 29, um pequeno grupo de 12 elementos faz uma flagelação de 5 minutos a Bissá… (p. 146).

É uma das poucas vezes em que o Abel Rei se permite fazer um juízo sobre o curso da “guerra que se vai arrastando, sem soluções à vista – ora atacando, ora defendendo” (p. 146).

A 2 de Junho de 1968, a CART 1661 recebe a visita do novo Com-Chefe e Governador-Geral, Brigadeiro António Spínola, que tinha acabado de chegar ao CTIG (p.151). Nas vésperas, as NT tinha sofrido um desaparecido e 7 feridos. O PAIGC, por sua vez, teve uma baixa mortal importante, a do chefe de bigrupo (?) António Cambará (ou Camará ?), na sequência da Op Gato Pimpão (p. 150).

Na Op Gato Pimpão, a CART 1661 actou conjuntamente com forças da CCAÇ 2315 (Mansoa, 17/1/68 – 4/12/69) e do Pel Caç Nat 54 (Porto Gole). Essa operação constou de batidas às matas a norte de Seé e Bissá. As NT foram divididas em dois agrupamentos. Um deles esteve debaixo de fogo durante 3h30 (!), quase ininterruptamente.


Um homem apanhado à mão

O Abel Rei faz uma dramática descrição desta situação que ele viveu intensamente. Vale a pena citar alguns excertos, para termos uma ideia mais precisa do pesadelo em que se podia transformar um simples patrulhamento ofensivo, às portas de casa, bem como da ferocidade em que por vezes se transformavam os combates (Porto Gole, 1/6/1968, pp. 148-150):

(i) Acordado à uma da madrugada, o Abel partiu às 3…“O nosso destino era uma ligeira patrulha nas matas de Seé, a pouco mais de 10 km de percurso” (p. 148)…

(ii) Tudo parece correr, dentro da ‘normalidade’, até às 6 da manhã, quando as NT são avistadas por uma sentinela avançada do PAIGC que dá o alarme;

(iii) À entrada de uma bolanha “rodeada de uma mata espessa”, são emboscados pelos guerrilheiros (leia-se: “inimigos”); após tiroteio intenso, as NT são obrigadas a retroceder; há cinco feridos, entre eles o Capitão da CCAÇ 2315;

(iv) ”Depois avançamos ao longo da mata, com as forças inimigas bem instaladas e a fazer fogo constante sobre nós. Num momento de maior aflição era deixado o capitão e alguns homens nessa dita zona de morte” (p. 149).

(v) Nesse momento, o Abel estava “no meio da bolanha”, oferecendo um alvo fácil ao IN, ouvindo passar por cima de si “rajadas e roquetadas” e vendo os seus camaradas a ‘fugirem’ em direcção de Bissá…

(vi) “Gritei!... Pedi que recuassem!... E vi os turras correrem para os que estavam em perigo. Depois – disse um soldado de nome Pombinho, de quem eu trazia a arma – ‘os turras avançaram, mandando-lhe levantar as mãos e ordenando que se rendesse’. A resposta dele foi uma rajada com uma arma de um ferido, obrigando-os a fugir para o mato” (p. 149)… (Esta descrição é interessante, por duas razões: é reveladora da intenção dos guerrilheiros do PAIGC em fazer prisioneiros: interessava-lhes muito mais um tuga vivo na mão do que tugas dois mortos; e, por outro, o comportamento do Pombinho tanto pode tipificar uma situação de heroísmo em combate, como pode ser sido ditado pelo desespero de um animal acossado pelo medo).

(vii) Há dois grupos de combate que recuperam e reagrupam os que ainda estavam na zona de fogo… “À frente, tudo corria para Bissá. Atrás ficavam duas armas: uma pesada MG e uma ligeira G3; e o pior de tudo, um homem da outra companhia, [a CCAÇ 2315, de Mansoa, ] era apanhado à mão pelo inimigo! (Mais tarde falou-nos de Conacri, via rádio, a informar-nos que se encontrava bem)” (p. 149).

(viii) No regresso a Bissá chegam dois bombardeiros e um helicóptero que faz a evacuação do capitão e de mais dois feridos graves…

(ix) Com apoio aéreo, partem de Bissá às duas da tarde do dia 1 de Junho de 1968, para enfrentar mais três horas, penosas, de caminhada a pé até Porto Gole…

(x) E o relato, dramático, deste dia termina assim: “Apesar de ter poucas esperanças em aguentar essas três horas de andamento, abalei disposto a cobri-las, pois trazia unicamente no pensamento o nome de Porto Gole! (…). Cansado e sem forças, fui o primeiro a chegar a Porto Gole” (p. 150)

Entre os feridos graves (e evacuados) da secção do Abel está o outro cabo, o 1º Cabo Arnaldo Victória Lopes… “Três dias passados após a fatídica ‘patrulha’, o meu corpo anda todo partido, e dificilmente me sai da cabeça o espectáculo daquele infernal tiroteio” (Porto Gole, 3/6/1968, p. 151).

A 4 de Junho o Abel jura ter avistado um “helicóptero dos turras” (sic), a cerca de 3 km de Porto Gole, em pleno Rio Geba, por volta das onze e meia da noite, quando ele estava em serviço de reforço… (pp. 151/152). Miragem, ilusão de óptica, pesadelo ?... Não seria o primeiro militar português a alegar ter visto aeronaves do PAIGC… À distância de 3 km, e à noite, é difícil reconhecer uma aeronave a não ser eventualmente pelo barulho dos motores…

Enquanto Bissá continua a ser flagelada pelo IN, obrigando a um tremendo esforço de reabastecimento do destacamento por parte de Porto Gole, a escrita do diário do Abel vai rareando, devido à “preguiça da caneta” (p. 155).

Numa coluna até Bissá, a 15 de Junho de 1968, Abel dá-se conta, novamente, da dramática situação em que se encontram as tropas locais: “Pude averiguar que as tropas em Bissá estão sem comida e sem bebida. O seu alimento é à base de arroz miúdo comprado na tabanca, a água é escassa e salobra… Na breve conversa que pude ter com os mais responsáveis, foi-me pedido, a título de desespero (sic), o envio de cerveja assim que me fosse possível” (p. 53). A 12 e a 17 de Junho, Bissá é de novo flagelada…

A 20 o destacamento começa a ser reabastecido, com recurso a pessoal balanta, requisitado pela tropa (?), para transporte, a pé, à cabeça, dos géneros alimentícios e outros… O Grupo de Combate do Abel faz a segurança à coluna… “A bolanha está seca e, com o forte calor que faz, tanto nós como os nativos, quase rebentamos com a caminhada. A nós (…) coube-nos fazer o segundo dia de patrulha: ainda faltam mais dois para lá colocar tudo (?)… O júbilo em Bissá é enorme”, como é fácil de compreender (Porto Gole, 21/6/1968, p. 154). Não houve contacto com o IN, que se limitou a observar e vigiar as NT…


Quando a velhice é um posto

O Abel perfaz 18 meses em 4 de Agosto de 1968. A efeméride foi condignamente celebrada: nesse dia, “o álcool fez sentir os seus efeitos, para celebrar a passagem à ‘velhice’ – num novo posto avançado, denominado Fortim, onde me encontro desde o dia trinta de Julho” (pp. 155/156). Recorde-se que a “velhice” na Guiné era um posto e os 18 meses era uma espécie de barreira temporal, a partir da qual se esperava a desaceleração da vivência da guerra e começava a contagem decrescente para a ‘peluda’… A vontade de combater, que já era pouca, reduzia-se a níveis próximos de zero… Aumentavam os casos de indisciplina e até de insubordinação.

O paludismo e a “bicharada” continuam a causar “dores de cabeça” ao Abel.. Como se isto não bastasse, é vítima de um roubo (documentos e algum dinheiro), “desviada da minha mala, no último abrigo onde estive em Porto Gole”, onde estava com mais 12 militares (“entre brancos e negros”)… Um dos suspeitos terá sido “um soldado nativo, que dormia numa cama ao lado da minha, dentro do abrigo” (p. 157). Nada se conseguiu apurar… Entretanto o Abel é destacado para o Enxalé.

Também o Enxalé, onde ele agora se encontra, “cá tá sabi” (22/8/1968, p. 157)… Mas três semanas depois o estado de espírito do Abel parece ter mudado. Eis aqui uma inesperada mas genuína confidência: “O meu estado moral e físico está melhor. Desde a minha chegada à Guiné, foi esta a ocasião em que tomei melhores conhecimentos com a população nativa, com os quais conquistei algumas amizades… E, em suma, maiores efusões de desejos!” (p. 158). Talvez por pudor ou autocensura, o Abel não acrescenta mais pormenores sobre as ‘amizades’ (femininas, obviamente) que fez no Enxalé…

Está aqui um português, de corpo inteiro, que parece ter-se rendido aos encantos das ariscas bajudas balantas (?) do Enxalé… Mas não há bela sem senão… No espaço de um mês, o Abel volta a ser roubado… A 13 de Setembro de 1969 dá conta do desaparecimento da caixa com o dinheiro da venda diária de géneros à população local… Os interrogatórios não deram em nada (p. 159).

A 1 de Outubro de 1968 o Abel celebra 20 meses de velhice… Entretanto “correm boatos de que os turras estão reforçados com elemento cabo-verdianos e cubanos (?)”…Nesta altura também já estava a ser electrificado o destacamento do Enxalé…


O fim (?) de um pesadelo

Mais de um mês depois, a CART 1611 “está finalmente fora do mato”, aboletada no Depósito Geral de Adidos, em Bissau, aguardando ordem de embarque (Bissau, 10/11/1968). Em três linhas o Abel diz-nos tudo sobre o DGA: “A anarquia é total. E extensiva aos nossos superiores. Impossível confusão tão completa. Sobretudo à noite, quando os nosso corpos necessitam de descanso” (…) (p. 162).

Por fim vem a viagem de regresso no Uíge, que parte a 19/11/1968… Na véspera, às 16h, o Abel é metido num batelão que depois o levou ao Uíge… Desta vez, ele tem (tal como o resto da companhia) o privilégio de vir em camarotes (p. 163).

É altura de se fazer um balanço destes 22 meses de vida de um militar:

(i) “No sentido da camaradagem, o meu ponto de visto é excelente” (p. 164);

(ii) “A nível de chefias, nem tudo foi cor-de-rosa (…). Testemunhei algumas injustiças” (...) (p. 165);

(iii) “Agora que o pior passou, a alegria não tem limites, e o meu maior prazer foi finalmente poder dar com os dois pés (sic) nesta vida, a que estive obrigatoriamente submetido” (p. 165);

(iv) “(…) tudo o que ficou escrito [, no meu livrinho, que trazia sempre comigo no dolmã,] não se tratou senão de simples partes vividas” (p. 165);

(v) O autor confessa que acabou por se impor a si próprio a chamada memória selectiva, isto é, “omitir factos tão ruins, que eu nem os conseguia descrever, e com a sua omissão convencer-me de que nunca aconteceram” (p. 166). Podemos tentar adivinhar quais, mas é sempre especulativo... O silêncio do autor é de ouro, mas é uma pena, se ele, passados 40 anos, não satisfaz a curiosidade dos seus leitores e dos seus camaradas do blogue...

(vi) Modestamente reconhece que a sua missão não foi das mais árduas: “outros houve que sofreram muito mais” (p. 166), daí talvez a razão do título do livro, Entre o inferno e o paraíso (eu diria que o Abel conheceu algumas estações do inferno, como todos nós; e que também conheceu um pedacinho do paraíso; em todo o caso, é preciso entender o uso, que se fazia na época, destas duas metáforas, que hoje não podem ter a mesma leitura).

(vii) A última palavra do autor é, com toda a justiça, para os “heróis desconhecidos desta guerra”, todos aqueles “que mais ninguém recordará, a não ser os pais, irmãos, esposas e filhos” (p. 166).

Em anexo ao livro, é publicada a lista das baixas (mais de 70, entre mortos e feridos graves) da CART 1661, da Polícia Administrativa de Porto Cole, e do Pel Caç Nat 54. Num total de 43 baixas, só a CART 1661 teve mais do que 58% motivadas por accionamento de minas (vd. gráfico acima).

Como nota final, é de destacar a honestidade intelectual do autor que recusou a tentação de, décadas depois, “retocar”, “embelezar” ou “rever” o seu diário, escrito entre 1 de Fevereiro de 1967 e 19 de Novembro de 1968. A única coisa que ele terá acrescentado, posteriormente, foram as notas de rodapé, com apontamentos (factuais) retirados da história da CART 1661… Não tenho dúvidas de que o nosso cabo Abel Rei deu um contributo importante, ao escrever e publicar o seu diário, para a compreensão sócio-antropológica do quotidiano dos militares portugueses durante a guerra colonial na Guiné (1963/74)…

É um documento singelo, escrito por um homem bom, recto e simples, dotado de talento literário mas com pouca literacia como a maior parte dos homens da sua/nossa geração (tinha, na época, apenas a 4ª classe), um homem nascido em 1945, de família operária, e que viveu num meio social, como a Marinha Grande, onde havia uma forte tradição de cultura operária, de autodidactismo, e de resistência ao poder político, típicos da aristocracia operária do Séc. XIX e princípios do Séc. XX.

Deliberadamente ou não, o Abel nunca assume a condição de soldado que está ali, no “Ultramar”, como então se dizia, para defender a Pátria. Veja-se a imensa alegria com que ele, tal como todos nós, saúda a ‘peluda’… Percebe-se, ao longo da leitura do diário, que o moral das NT, nomeadamente no subsector de Porto Gole, já era mau, que o PAIGC exercia um forte pressão a sul do Oio, que a situação militar parecia estar a degradadar-se no final do consulado do Schultz, sem que contudo se pudesse dizer que a guerra estava ganha para o PAIGC… Usando as próprias palavras do autor, “era uma guerra que se ia arrastando sem soluções à vista”, de um e do outro lado…

Verifica-se que na época da CART 1661 o destacamento de Bissá é um osso duro de roer para as NT, que é alvo de frequentes ataques e flagelações, mas a verdade é que o PAIGC nunca conseguiu desalojar as tropas da CART 1661 que o defenderam, reforçadas com um pelotão da polícia administrativa de Porto Gole. E não foi, no tempo do Spínola, abandonado, contrariamente ao que aconteceu a outros destacamentos e aquartelamentos, de que já aqui temos falado sobejamente: por exemplo, a Ponta do Inglês (no subsector do Xime), Beli (na região de Madina do Boé), a própria Madina do Boé, etc., etc. (para não falar já no sul, na região de Tombali, sendo o caso mais flagrante o de Gandembel)… Pelo menos em 1973 Bissá ainda existia e continuava a ser atacada pelo PAIGC (segundo testemunho do António Graça de Abreu, quando esteve no CAOP1, em Mansoa).

O Abel teve o mérito de pôr no mapa da guerra da Guiné o nome de Bissá, sobre o qual poucos de nós sabiam alguma coisa. Um camarada nosso que conheceu bem a região de Porto Gole, Bissá e Enxalé, o Henrique Matos, 1º comandante do Pel Caç Nat 52 (1966/68) já aqui veio reconhecer que a manutenção de Bissá foi um erro, possivelmente pelo elevado custo, em vidas humanas, que terá acarretado.

Luís Graça
__________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores:

12 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4815: Notas de leitura (14): As memórias do inferno de Abel Rei (Parte I) (Luís Graça)

14 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4820: Notas de leitura (15): As memórias do inferno de Abel Rei (Parte II) (Luís Graça)

24 de Agosto de 2009 > Guiné 1963/74 - P4858: Notas de leitura (16): Memórias do inferno de Abel Rei (Parte III) (Luís Graça)

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4858: Notas de leitura (16): Memórias do inferno de Abel Rei (Parte III) (Luís Graça)


Guiné > Zona Leste > Enxalé > O famoso granadeiro, uma GMC transformada, que pertencia à CCAÇ 1439 (1965/67).

Foto: © Henrique Matos (2007). Direitos reservados


Guiné > Bissau > Fevereiro de 1968 o 1º Cabo Abel Rei, da CART 1661 (Fá, Enxalé, Porto Gole, 1967/68), de férias, na capital da província.


Foto: © Abel Rei (2002). Direitos reservados



Abel de Jesus Carreira Rei – Entre o Paraíso e o Inferno: De Fá a Bissá: Memórias da Guiné, 1967/1968. Prefácio do Ten Gen Júlio Faria de Oliveira.

Edição de autor. 2002. 171 pp. (Execução gráfica: Tipografia Lousanense, Lousã. 2002)

Notas de leitura > III Parte (*) > Uma dramática operação a Madina/Belel e... férias em Bissau

por Luís Graça


Uma dramática operação a Madina

Depois de 73 dias em Bissá, o nosso 1º Cabo Abel Rei regressa a Porto Gole, exausto e adoentado. Visto pelo médico, que lhe receitou “três injecções e comprimidos” (sic), voltou a estar apto, ele e os demais “companheiros de Bissá”, ao fim de três dias.

A 27 e 28 vemo-lo a participar na Op Foguetão, para um golpe de mão uma acampamento da guerrilha na região de Madina. Tratou-se da repetição da Op Frango, envolvendo forças da CCAÇ 1646 (Fá Mandinga) e da CCAÇ 1749 (Mansoa), além da CCART 1661 (Porto Gole).

A CCAÇ 1646 (que passou por Bissau, Fá Mandinga, Xitole, Fá Mandinga e Bissau, entre Janeiro de 1967 e Outubro de 1968) pertencia ao BART 1904 (Bambadinca), tendo por comandante o Cap MiL Art Manuel José Meirinhos.

A CCAÇ 1749, por sua vez, passou por Mansoa, Mansabá e Quinhamel, entre Julho de 1967 e Junho de 1969. Era comandada pelo Cap Mil Art Germano da Silva Domingos.

Na Op Frango, que se realizara a 16 de Novembro de 1967, as NT não atingiram o objectivo, por se terem perdido e por haver falha nas ligações com o PCV. Diz a história da CCAÇ 1661, citada pelo Abel Rei (p. 120), que “o único guia que nos foi possível arranjar, informou não saber atingir o objectivo pelo itinerário determinado superiormente”.

Eis, em resumo, o filme dos acontecimentos da Op Foguetão, de acordo com o diário do Abel Rei (29/11/1967, Enxalé, pp. 120-122), e que me faz trazer à memória peripécias e trapalhadas semelhantes, ocorridas numa outra operação, ao mesmo objectivo, dois anos e meio depois, em Março de 1970 (Op Tigre Vadio) (**): erros de planeamento, guias que se perdem, itinerários mal escolhidos, PCV que denunciam a presença das NT, falhas no abastecimento de água, progressão para o objectivo a horas proibidas, casos de exaustão e desidratação, indisciplina de fogo, relatórios fantasiosos, debandada geral, regresso dramático ao Enxalé…

(i) “Partimos à meia noite do dia 27, com um ração de combate para cada dois homens, e a caminho dum acampamento dos ‘turras’, situado em Madina, onde eles tinham bastante armas pesadas, entre elas um ou dois morteiros 82 e canhão sem recuo (?)" (…).

(ii) As NT chegam ao objectivo “volta das dez e meia da manhã”, altura em que começam a ser sobrevoadas uma avioneta com um ‘major de operações’ (sic), leia-se, PCV…

(iii) Sob um “sol escandante”, depois de mais de uma hora parados e, obviamente, já localizados pelo IN, “fomos obrigados a avançar para o objectivo. Nessa ocasião fazia-se a entrada numa bolanha cheia de água” … (Recorde-se que estamos no fim da época das chuvas)…

(iv) Há quatro baixas por exaustão e desidratação. Esses são helievacuados. Ficam 20 homens a fazer segurança ao helicóptero. Os restantes continuam a avançar para o objectivo.

(v) A progressão faz-se no meio do capim alto (com “mais de três metros de altura”). A zona em que o helicóptero, começa a ser batida por tiro de morteiro. Avança-se para o objectivo…

(vi) “O tiroteio sucedia-se cobrindo aqueles matos! (…) Os homens que ficaram atrás comigo, contaram que foram obrigados a retirar para fugir ao fogo dos ‘turras’ que batiam a zona. Perderam-se…”

(vii) Os “outros, são obrigados pelo capitão (de nome Figueiredo) [referência que me parece explícita, ao Cap Dias Sousa Figueiredo, da CART 1661], “a irmos contra as trincheiras do inimigo – apontando-lhes a sua arma, com ameaça de disparos, se não avançassem” (p. 122)…

(viii) As NT sofrem “dois mortos e três feridos”, não lhes sendo possível “trazer os mortos: um soldado nativo das milícias, e o próprio guia, pois o fogo era intenso”.

(ix) Concluindo, “chegaram já de noite, divididos em dois grupos, aqui ao quartel [do Enxalé], tendo andado perdidos uns dos outros. Vinham estafados”…

(x) A história da unidade diz, seca, cínica e sucintamente, que “o objectivo de Madina foi atingido e destruído, tendo sido mortos 9 elementos IN; as NT tiveram um milícia morto e três feridos” (p. 122)… Não há qualquer referência ao pobre diabo do guia cujo cadáver lá ficou, também, para os jagudis…

Só quinze dias depois é que o Abel volta escrever, para nos dar conta da existência da ‘arma secreta’ da CART 1661, o famoso ‘granadeiro’, uma “viatura pesada blindada com chapas metálicas e areia”, que é utilizada numa coluna auto, de reabastecimento a Bissá… “Pela estrada, em que fomos sempre pé, picando a área em todo o percurso, ao longo da nossa deslocação foram encontrados jornais de propaganda subversiva terrorista” (14/12/1967, Enxalé) (***)…


As festas de Natal e Ano Novo

No final do ano de 1967, o comando da CART 1661 muda-se para Porto Gole, passando o Enxalé a ser apenas um simples destacamento, depois na primeira daquelas localidades se terem construído as necessárias instalações para o pessoal, bem como o depósito de material. Foi também construído uma pista de aterragem para aeronaves tipo D0 27…

Aproximam-se as festas do Natal e o Ano Novo, e o Abel é encarregue de ir a Bafatá fazer as compras (“bebidas, doces e frutas”). Sobre esta localidade (a segunda maior da Guiné, a seguir a capital, mas que ainda não é cidade, nesta época), diz o Abel:

“(…) Foi a primeira vez que visitei uma cidade da Guiné ! (…) Não vou deixar aqui as minhas impressões sobre aquela cidade, pois que lá não achei nada de especial, somente pequenina! Uma cidade, onde a sua base é o comércio, desfrutando o progresso da guerra, e onde a mesma não faz sentir os seus efeitos destruidores”… (30/12/1967, Enxalé, pp. 14-125).

No Natal “houve uma ligeira ceia” e “até umas filhoses feitas por mim” (p. 125).

Três dias depois, a 28, houve visita dos ‘turras’ (sic), uma pequena flagelação, sem consequências… Mais grave seria o ataque de 4/1/1968, levado a cabo por um “Gr IN estimado em 150 elementos” (!)… Diz o autor que “os turras utilizaram o dobro das armas que nós temos”, mas mesmo assim retiraram com pesadas baixas (um morto confirmado e numerosos rastos de sangue) (p. 127)

O ano de 1968 é saudado como da “peluda” (p. 126). A partir de 11 de Janeiro, o Abel tem um novo comandante de pelotão. Antes tinha sido o capitão que tinha dado o “gosse”, bem como outro alferes (17/1/1968, Enxalé, p. 128).


Férias em Bissau, hospedado na Pensão Chantre

A partir de 2 de Fevereiro de 1968, o 1º Cabo Abel Rei está de férias em Bissau… “Vim juntamente com o ‘Conjunto João Paulo’, que fez nesse mesmo dia em actuação musical em Porto Gole, partindo de seguida numa lancha, pelo Rio Geba, para cá”… Ficou hospedado na Pensão Chantre (14/2/1968, Bissau, p. 130).

A cidade é descrita nestes termos: “É grande, não muito, já conta com algumas moradias modernas, e enormes bairros, embora para isso tivesse influência a visita do Presidente da República Portuguesa, feita no princípio deste mês (…) A minha opinião sobre Bissau é bastante boa, em que sobressai o comércio (…) ” (18/2/1968, Bissau, p. 132).

O Abel aproveita o tempo para passear e descansar. “Tenho percorrido praticamente toda a cidade incluindo o Pilão - onde abundam festas nocturnas com bailes, sobretudo nesta altura do Carnaval”… O Pilão é “a parte mais pobre da capital, composta por bairros de população nativa” (sic).

A Bissau chegam rapidamente as notícias da guerra: o ataque a Porto Gole (a 9), ao Enxalé (a 13), prenunciando um recrudescimento da pressão do PAIGC sobre o “chão balanta”… O Abel dá conta também de um ataque em Tite…

A própria cidade de Bissau sofre uma flagelação no mês de Fevereiro na sequência do ataque à BA 12, em Bissalanca: “parece ter havido três mortos e quinze feridos, todos nativos (?)” (3/3/1968, Bissau)… Foram dias “turbulentos” (sic), esses das férias do Abel, em Fevereiro.


Pressão sobre o chão balanta

A 9 de Março, está de regresso a Porto Gole, em LDM (Lancha de Desembarque Média), numa viagem de quatro horas. Três dias depois ainda permanece em Porto Gole, aguardando transporte para o Enxalé… (12/3/1968, Porto Gole, p. 135). Isto quer dizer também que a estrada de Bissau-Bafatá deixa de ser seguro, sobretudo no sector de Mansoa… (O Batalhão de Mansoa “não nos autoriza que façamos colunas em viaturas auto, devido ao número de mortos que temos nos percursos por estrada”… Para se ir do Enxalé para Bissau, vai-se por Bambadinca, via Xime, apanha-se a LDM e vai-se até Porto Gole e daí para Bissau…

“De Bambadinca até cá vim numa lancha de patrulhamento da nossa Marinha de Guerra. Com eles comi e dormi duas noites (e trabalhei, claro!) enquanto esperavam a saíde de um barco civil, com carregamento de produto produzidos no interior, para Bissau, e ao qual, duas vezes por semana, têm de manter segurança, via rio Geba” (27/1/1968, Porto Gole).

Na mesma lancha, veio uma companhia operacional “que tem andado a recolher todos os habitantes das tabancas existentes para além de Porto Gle, assim como todos os seus haveres, sendo depois deitadas abaixo todas as suas habitações” (p. 135). Essa LDM, ao regressar, de Enxalé, na madrugada de 12/3/1968, “sofreu um ataque em pleno Rio Geba”, tendo sido atingida por rockets (p. 135).

A 20 de Março, prosseguem as operações de evacuação e reagrupamento de populações até então sob duplo controlo, e destruídas as suas aldeias. “Foram queimadas e destruídas perto de uma dúzia de moranças. Entretanto trouxemos tudo aquilo que foi possível agarrar: porcos, galinhas e cabritos . (Eu trouxe três galináceos). Voltámos era quase meio-dia” (20/3/1968, Porto Gole, po. 137-138). Uma parte dessa população (balanta) é redistribuída por Enxalé, Porto Gole e Bissá (p. 139).

Entra-se no mês de Abril de 1968, “sem comida nem bebida”… Vinho, café, batatas e bacalhau são quatro dos itens referidos pel Abel, como faltando já há vários dias no aquartelamento de Porto Gole (3/4/1968, p. 140)…

As colunas de e para Bissá continuam a fazer baixas… Logo no dia 2 de Abril, mais dois mortos, da CART 1661… O ambiente é de consternação e apreensão, a escassos seis ou meses do fim da comissão. “Hoje ainda se encontram cá as duas urnas chumbadas com os meus colegas, e ontem foi a enterrar o Soldado ‘Samba’ do Pel Caç Nat 54. Os feridos mais graves foram evacuados para Bissau” (12/4/1968, Enxalé / Porto Gole, pp. 140-142).

(Continua)
___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores:

12 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4815: Notas de leitura (14): As memórias do inferno de Abel Rei (Parte I) (Luís Graça)

14 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4820: Notas de leitura (15): As memórias do inferno de Abel Rei (Parte II) (Luís Graça)

(**) Vd. postes de:

10 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2831: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (31): Tigre Vadio: Um banho de sangue no corredor do Oio

27 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P918: Operação Tigre Vadio (Março de 1970): uma dramática incursão a Madina/Belel (CAÇ 12, Pel Caç Nat 52 e outras forças) (Luís Graça)

(***) Vd. poste de 2 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2148: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (3): O famigerado granadero do Enxalé, da CCAÇ 1439 (1965/67)

(...) Para a história do famigerado granadero que se vê no Post 2001. Aqui vão duas fotografias do mesmo que tirei no Enxalé. É uma GMC que foi transformada por pessoal da CCAÇ 1439, uma unidade de Madeirenses, que ali esteve até Abril de 1967 e foi substituida pela CART 1661 que passou a sede para Porto Gole em Dezembro de 1967, ficando o Enxalé apenas como destacamento.

A transformação constou do reforço dos taipais com chapas de bidon, separadas de ± 20 cm com areia no meio. Ficou à prova de bala de Mauser. Tinha também uma camada de areia no fundo da caixa e na frente também vários sacos de areia. Tinha instalada como se pode ver uma Breda. Não sei porque é que lhe chamavam granadero.Com ela fiz vários reabastecimentos a Missirá e Porto Gole .

Segundo a descrição do Abel Rei no seu depoimento Entre o Paraíso e o Inferno: de Fá a Bissá-Memórias da Guiné e que na altura estava em Bissá, no dia 5 de Outubro de 1967 esta viatura quando regressava a Porto Gole accionou uma mina incendiária a que se seguiu uma emboscada de que só se safaram com apoio aéreo. Fazia parte duma coluna que saiu de Porto Gole ao encontro doutra coluna saída de Bissá a pé para entregar uns militares destinados àquele destacamento.Desde a abertura de Bissá (que eu conheci bem e considero um erro catastrófico) em Abril de 1967 e até esta última data tiveram três viaturas inutilizadas, mais de vinte mortos e uns cinquenta feridos evacuados. Penso por isso que não andariam propriamente a jogar uns com os outros. (....)