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segunda-feira, 23 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16124: Nota de leitura (841): “Os Anos da Guerra, 1961/1975, Os portugueses em África, Crónica, Ficção e História”, organização de João de Melo, colaboração de Joaquim Vieira, Círculo de Leitores e Publicações Dom Quixote, 1988 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Julho de 2015:

Queridos amigos,
Foi graças a "Os Anos da Guerra", de João de Melo que encontrei azimute para me abalançar a escrever o livro "Adeus, até ao meu regresso", um percurso da literatura da guerra da Guiné.
João de Melo foi muitíssimo bem-sucedido na investigação a que procedeu sobre os escritos das três frentes, inventariou ao tempo o que havia de melhor. Acertou em cheio com os três escritores que combateram na Guiné. Álvaro Guerra, José Martins Garcia e Álamo Oliveira. Estranhamente, reduziu Armor Pires Mota a uma mera referência, justiça incompreensível.
Não hesitem em comprar ou procurar nas bibliotecas públicas esta preciosidade.

Um abraço do
Mário


Os Anos da Guerra, por João de Melo (1)

Beja Santos

“Os Anos da Guerra, 1961/1975, Os portugueses em África, Crónica, Ficção e História”, organização de João de Melo, colaboração de Joaquim Vieira, Círculo de Leitores e Publicações Dom Quixote, 1988, dois volumes, continua a ser a obra de referência para toda a literatura da guerra que travámos em África, até ao fim do império. Meticulosamente, ao longo de seis anos da década de 1980, João de Melo procedeu a um levantamento das vozes, e Joaquim Vieira fez o estudo de localização histórica e política.

João de Melo arranca os dois volumes com o seguinte ensaio:
“A guerra colonial e as lutas de libertação nacional nas literaturas de língua portuguesa". Fala-se de toda a literatura de colonização, do espírito civilizador, questiona-se a seguir o que é uma literatura de guerra e se, mesmo aqueles que contestavam a guerra e não foram combatentes não tiveram um papel pioneiro na construção de uma cultura conducente a um ideal de libertação. E depois João de Melo pergunta se há uma geração literária de guerra colonial, responde positivamente e apresenta uma listagem desde os percursores até aos anos 1980. Termina assim este seu ensaio sobre a literatura de guerra:
“Ela é um dos únicos meios de expressão que não faz silêncio nem tábua rasa sobre o enorme logro do nosso passado colonial. Daí que ela seja muito discriminada entre nós. E daí também que a sociedade do presente, parecendo enjeitar os seus males de guerra, continue a produzir a comprazer-se com o espetáculo da sua própria violência interior”.

Joaquim Vieira contextualiza a África nos anos de 1960 e a multiplicação das frentes. E chegamos à Gare Marítima de Alcântara e às atividades militares que a precedem. Logo um magnífico texto de Filipe Leandro Martins intitulado “O couro selvagem das botas”, que assim começa:
“O comboio deixou-nos na cidade com mais ou menos 20 anos. Saímos aos trambolhões, entre malas e saquinhos, berrando uns pelos outros com a solidariedade de bairro, de vila ou de escola. Eu vinha só com a mala pesadíssima que trazia de casa para a caserna que nos esperava, velhaca. Arrastávamo-nos com pressa, desancados pela viagem, pelas bagagens, pelo sol provinciano à uma da tarde no largo amarelo da estação e ouvia alguém gritar o meu nome uma porrada de vezes antes de voltar. Não me apetecia partilhar o que ia ser a vida dali em diante”.

Álvaro Guerra fala da sua recruta, tal como José Martins Garcia, e depois Álamo Oliveira descreve o cais de Alcântara:
“Talvez fosse febre aquele arder de Julho em Lisboa. O sol esgazeante e bravo. Meio-dia. João à beira do desmaio: uma dor nos olhos que cega. Do alto, na amorada do Uige, esforça-se por distinguir os corpos que enforma aquela pequena multidão, que se mexe e confunde, água oleosa batida por ventos sensuais, bailada, traindo os olhos, sempre o calor imperturbável, o corpo empastado de suor febril. A cabeça cresceu e pesa como nunca. João não consegue estar lúcido e, no entanto, sabe que não está louco. Ainda. Embaraça-se nos tentáculos do polvo, a multidão uivante, espasmódica. Lisboa ao fundo, postal quieto, enorme. O navio atracado. As escadas de acesso, altas e trémulas, enchem-se de soldados, as mãos a abanar, com fúria, com tristeza, olhos vermelhos como peixe-rei, os gritos da multidão lá em baixo a morrerem de afastamento e de cansaço”.

Joaquim Vieira dá-nos uma moldura dos acontecimentos angolanos de 1961, e depois o nacionalismo e o tribalismo, o aparecimento da Frente Leste, a guerrilha angolana dividida em três movimentos, seguem-se as narrativas dos escritores que em Angola combateram, ou sobre a guerra falaram: Manuel Alegre, Octaviano Correia, Manuel dos Santos Lima, José Luandino Vieira, Jofre Rocha, Wanda Ramos, David Mestre, Abílio Teixeira Mendes, Mário Varela Soares, Costa Andrade, António Lobo Antunes, Pepetela, João de Melo, Vergílio Alberto Vieira. A palavra a Mário Varela Soares no texto “O gajo de Cinfães”:
“O rapaz estava caído, branco, de um branco sujo onde se viam as riscas do suor cortando a poeira que tinha na cara. Um dos ombros estava descaído ao peso do sangue e do buraco negro que se avizinhava junto ao pescoço. E o borbulhar de sangue ouvia-se cavernoso e profundo como se viesse mesmo das entranhas do seu peito magro.
- O gajo tem a clavícula perfurada; não é grave mas precisa de ser evacuado…
O cabo enfermeiro quase soletrava as palavras, na importância da sua sapiência. O homem que se podia gabar de ser o tipo que mais mal dava injeções em todo o mundo. O rapaz olhava para todos sem perceber nada mais para além da sua dor e da surpresa de ter sido apanhado pelo único disparo nesse dia e nessa sua primeira guerra. A sua cara, de olhos esbugalhados, andava de um lado para o outro seguindo os movimentos lentos do cabo enfermeiro e do seu ajudante improvisado, o guia bailundo (…) Apeteceu-lhe dar uma das suas mãos para que o gajo de Cinfães a agarrasse no estertor das suas convulsões dolorosas. Nos seus olhos lia-se já o desmaio próximo; a camisa interior toda esfarrapada deixava à mostra a placa de sangue coagulado que era constantemente lavado por pequenas golfadas de sangue novo e brilhante. O buraco da bala persistia, negro e aberto, de bordos queimados.
- Tem orifício de saída – explicava o cabo enfermeiro ao guia bailundo.
O que seria o orifício de saída? As caras interrogavam-se numa mudez de desconhecimento. O que seria o orifício de saída. Os olhos do gajo de Cinfães reviraram-se ficando estrábicos numa incontinência de controlo; um vómito sobreveio ao desmaio encharcando com plaquetas brancas – o leite em pó do pequeno-almoço era sempre intragável – os braços do enfermeiro”.

E vamos despedir-nos com um texto de João de Melo, extraído de uma das obras incontornáveis da literatura da guerra, “Autópsia de Um Mar de Ruínas”:
“O furriel enfermeiro sacou rapidamente da faca-de-mato e cortou-lhe as calças, o dólman e a camisa. Fazia-o com a determinação dos olhos perdidos, dos homens que não iriam, nunca mais, perder a sua memória dos outros e de si mesmos. Cortava grandes pedaços de tecidos à navalhada e estava já ensopado daquele suor de lágrimas que tem a espessura da chuva e o salitre de uma navegação brutal. Ao ver os intestinos espalhados por todo o baixo-ventre do ferido, abri muito os olhos e disse três caralhos à vida, duas porras e três conas de madrinha-de-guerra aos capitães do Norte e, pondo-se a coçar a cabeça, sem saber o que faria àquele balão fumegante, começou por tomar as mãos do Gonçalves e disse: - Juro que não te vou deixar morrer, irmãozinho”.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de maio de 2016 Guiné 63/74 - P16113: Nota de leitura (840): “Outro Olhar, Guiné 1971-1973”, por Francisco Gamelas, edição de autor, 2016 (Mário Beja Santos)

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15581: Agenda cultural (451): Junta de freguesia de Vila Franca de Xira, dias 13 e 20 deste mês, às 21h30, exibição dos filmes "O mal amado" e "Acto dos Feitos da Guiné", respetivamente, de Fernando Matos Silva (que foi fotocine na Guiné em 1969 e em Angola, 1970)




O Mal-Amado (1973) é um filme português, com realização de Fernando Matos Silva, e produção do Centro Português de Cinema, cooperativa que agrupava então uma boa parte dos jovens cineastas do "Novo Cinema". A obra foi proibido na época, e o seu negativo apreendido. O filme só foi estreado em 3 de maio de 1974. A preto e branco, em 35 mm, tem a duração de 97 minutos. Argumento e diálogos: Álvaro Guerra, J. Matos Silva e F. Matos Silva.

O filme é protagonizado por grandes senhores do teatro português, aliás um senhor, João Mota, ator e encenador (que esteve na guerra colonial três anos, em Angola, nos Dembos de 1966 a 1968, como fur mil) e uma senhora, Maria do Céu Guerra...

E o filme tem,  como pano de fundo,  justamente a guerra colonial e as dilacerações provocadas pela guerra na sociedade portuguesa: Com 25 anos, João, o "mal amado", decide abandonar os estudos, pouco antes de ir para a tropa. O pai, Soares, é um  funcionário público zeloso, que sabe mexer os seus cordelinhos no Portugal de então, arranjando ao filho um emprego temporário. Vai trabalhar num escritório, rodeado de  mulheres. A chefe Inês, percebendo que  o João se move num círculo de poder, vais transferir para ele uma paixão frustrada pelo irmão, morto na guerra colonial. Apesar do estatuto social e da sofisticação de Inês, o João tem olhos é para Leonor,  uma colega, uma mulher de perfil mais tradicionalista, com quem começa a namorar. Num acesso de ciúme, Inês acaba por matar João com um tiro de pistola. O filme está classificado como "drama social".  Ver aqui o genérico.



O documentário "Acto dos Feitos da Guiné" É parte de material filmado na Guiné em 1969 e 1970 para um retrato da relação histórica da colonização portuguesa com a compreensão de África. O filme de Fernando Matos Silva tem marcas autobiográficas e conjuga imagens documentais – imagens de guerra, cruas e extremas, a preto e branco – e de ficção – sequências a cor que encenam um “Acto” onde os “feitos” são contados por personagens que representam diretamente voltadas para a câmara. (*)


1. A pedido da  Associação Promotora do Museu do Neo-Realismo,  com sede em Vila Franca de Xira, junto divulgamos este evento cultural à volta do cinema como arte, com a marca de dois homens que passaram pelo TO da Guiné, o realizador (e antigo "fotocine), alentejano, Fernando Matos Silva,  e o escritor, vilafranquense, Álvaro Guerra (Vila Franca de Xira, 1936 - Vila Franca de Xira, 2002):

Junta de Freguesia de Vila Franca de Xira, às 21h30:

13/1/2015 - Exibição do filme de ficção "O Mal Amado" (Portugal, 1973,  97 min) (argumento e diálogos: Álvaro Guerra, J, Matos Silva e F. Matos Silva)

20/1/2015 - Exibição do documentário "Acto dos Feitos da Guiné"  (Portugal, 1988, 85 min) (argumento: Margarida Gouveia Fernandes e Fernando Matos Silva)

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Nota do editor:

(*) Vd. último poste da série > 4 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15574: Agenda cultural (450): "Acto dos Feitos da Guiné", filme de Fernando Matos Silva (Portugal, 1980, 85 min): exibição na Cinemateca, Lisboa, 3ª feira, dia 5, às 18h30. Sessão apresentada por Catarina Laranjeiro, seguida de debate com o autor (que foi realizador militar, Guiné, 1969, e Angola, 1970)

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15373: Notas de leitura (776): Reler Álvaro Guerra: “O Capitão Nemo e Eu” (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Janeiro de 2015:

Queridos amigos,
O melhor é estar sempre disponível para um achado precioso, encontrar um livro que vale a pena reler sempre, num caixote de saldos, e numa livraria que nos marca a existência, a Assírio e Alvim, na Rua Passos Manuel, em Lisboa.
Não é uma narrativa fulgurante, arrebatadora, mas tem lá, a páginas 84, a grande frase de literatura da guerra, aquela começa assim: "Por lá chafurdei na lama das lalas, debati-me no turbilhão dos tornados, derreti-me da fornalha de um sol quase invisível, dissolvi-me na chuva vertical...".
Obrigado Álvaro Guerra por nos teres incluídos a todos nós.

Um abraço do
Mário


Reler Álvaro Guerra: O Capitão Nemo e Eu

Beja Santos

Li e reli esta soberba narrativa de Álvaro Guerra sempre em cópia, nunca tivera acesso ao livro. Eis que num caixote de saldos na Livraria Assírio e Alvim encontro-o, logo em primeira edição, mesmo um pouco esmurrado e sujo. E que prazer, voltar a um livro de 1973, devidamente encriptado para que a censura não lhe metesse a gadanha, tendo no arranque uma citação de “20 mil léguas submarinas”, de Júlio Verne: “Portanto, à pergunta feita, há seis mil anos pelo Eclesiastes – Quem pôde jamais sondar as profundezas do abismo – dois homens têm agora o direito de responder. O capitão Nemo e eu”.

O livro dispara com uma das melhores páginas de Álvaro Guerra:  
“Que perdi a memória – dizem. E logo dão o nome a esta imunidade que pretendem retirar-me. Dizem isso com precaução e manha como se quisessem disfarçar o despeito. Defendo-me. Só agora, na metade do tempo em que a droga do sono se esgota e sei que é meu o que me circula nas veias, só agora me visito: primeiro, o estojo duro e branco que esconde o grande golpe na coxa direita, as ligaduras que encontro ao passar a mão pela testa. Também procuro os resíduos invisíveis das anestesias e só me revelo um estranho gosto na boca”.

Álvaro Guerra combateu na Guiné logo no início da guerra, regressou ferido e foi estudar para Paris. O conjunto das suas obras até este livro de 1973, mesmo que esparsamente, reflete sempre as vivências do território onde combateu. Não foi por acaso que toda esta seção do romance ele lhe chama sono, sonos, há mesmo delírios, vultos mal definidos, sons híbridos. Está hospitalizado, e regista o que lhe vai entre a memória e o clarear do real, na estrita dependência em que se encontra: “Devo sujeitar-me aos horários dos remédios, às injeções, a ser colocado sob as placas de vidro dos aparelhos de radiografia e ao emaranhado de fios presos à cabeça através dos quais é possível ler o meu cérebro…
… sentado junto do Cherno e dos homens grandes da tabanca, à volta da fogueira, mascando cola, rodeado por todas a estrelas e astros conhecidos e desconhecidos, no planeta Terra, mais ou menos a 12º de longitude norte e 17º de latitude oeste, olhando as chamas e dizendo – tanaala? nobadeá? A quem se chegava ao nosso fogo e, enquanto ouvia a litania das respostas – djam tu, djam tu, djam tu – murmurava ‘kodé dadi’, que é uma forma de pensar que as estrelas são livres, se apenas delas o brilho existe. As crianças, acocoradas à nossa frente, ventres inchados entre pernas cruzadas, começavam a recitar versículos do Corão, verdade que, segundo Mohamed-al-Ghazali, está apenas no centro de Deus sem ter sido alterada pela passagem ao espírito dos homens”.

O autor, ao tempo, era um praticante incondicional do Nouveau Roman, que tinha como sumo-sacerdote Alain Robbe-Grillet, o que se traduzia por uma escrita fragmentária, um puzzle de textos relativamente curtos, e muito exigentes da atenção do leitor. E por isso ele viaja entre hospitalização e Paris, entre leituras e recordações familiares, os tratamentos prosseguem, começa a convalescença: “Já passeio de muleta, no jardim, à sombra de castanheiros e chorões, pelas áleas ensaibradas metidas entre os canteiros das dálias a quem o sol dá e tira cores que ardem, se consomem e renascem. Sento-me na curva do S verde, no terceiro banco, quase sempre vazio. Os outros doentes preferem o caramanchão, escondendo o escarro, a mazela, cavaqueando, negligentes, sobre males crónicos ou agudos, trepanações, enxertos, visitas, altas e baixas, enfermeiras e senhores doutores, punções, clisteres, anestesias”. De novo recordações do passado longínquo, há quintas, touros, casas imponentes, e a memória desliza até ao sul da Guiné e depois afunda-se no sono. Prossegue a viagem, onde não faltam ilhas e pântanos, estamos de novo na Guiné. E é exatamente aqui, na página 84, que Álvaro Guerra escreve o parágrafo de ouro de toda a literatura da guerra da Guiné, até prova em contrário: “Por lá chafurdei na lama das lalas, debati-me no turbilhão dos tornados, derreti-me na fornalha de um sol quase invisível, dissolvi-me na chuva vertical, e amei como um danado aquela terra que me injetou a febre, me secou, me expulsou a tiro. Mas nunca o preço do amor é excessivo, nem a presença da morte o pode aniquilar”.

A recordação mais pungente é de Safi, uma fula, mas aquele branco sabe que não está no seu lugar, a sua presença é de mera passagem e vem-lhe à memória Nautilus, o doente chega a ter pesadelos: “Nuvens de grandes escaravelhos negros voltam a atacar-me, de noite. Alguns chocam violentamente contra o meu rosto húmido e não sei como defender-me desta praga e do zumbido de milhares de asas agitadas com incrível velocidade. Quando começam a entontecer-me e os meus braços se cansam de abrir caminho através dessas inúmeras carapaças que desesperadamente se abatem sobre o meu corpo, acordo”. É um romance feérico, aqueles sonos são contributivos dos quadros mágicos que se misturam com as recordações da guerra. Dentro em breve acabar-se-á a convalescença e o doente sempre pesar, viajou muito por vários continentes, assentou em muitas moradas, desceu aos abismos com o capitão Nemo, chegou mesmo a visitar a Atlântida, foi visitado pelo anjo branco. E o autor despede-se, chegara ao termo a noite. Cambaleante, sentou-se à secretária, começou um texto: “Perdi a memória – dizem. E logo dão um nome a esta imunidade que pretende retirar-me. Dizem isso com precaução e manha como se quisessem disfarçar o despeito. Defendo-me”.

Não chegou ao fim da página. Substituiu o papel na máquina e escreveu: “O capitão Nemo e eu”. Acendeu um cigarro. Olhou pela janela as nuvens brancas que viajavam do norte para o sul. Entre parêntesis acrescentou: “Crónica das horas aparentes”.

E Álvaro Guerra não mais voltou à Guiné, a sua vida seguiu outro curso, depois do 25 de Abril, pôs a imaginação e o talento noutros serviços, mas deixou-nos aquele parágrafo imorredoiro, a páginas 84, maior declaração de fé não conheço, mais amor entranhado de um combatente não existe, entre o amor e a morte, como deve ser.
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15359: Notas de leitura (775): “Nos Celeiros da Guiné”, por Albano Dias Costa e José Jorge Sá-Chaves, Chiado Editora, 2015 (2) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Guiné 63/74 - P13261: Notas de leitura (599): Relendo um dos escritores obrigatórios da década de 1960: Álvaro Guerra e a Guiné (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Dezembro de 2013:

Queridos amigos,
Álvaro Guerra revelou inicialmente uma atração pelo neorrealismo e logo a seguir mergulhou no nouveau roman, foi uma corrente literária que ele seguramente referenciou em Paris, onde estudou após o regresso da guerra da Guiné, foi dos primeiros, de lá veio ferido.
“O Disfarce” em si é um livro menor, não passará à história da literatura, mas há nele parágrafos rutilantes, uma linguagem arrancada das vísceras, a autobiografia não se esconde, parece dizer-nos. E Álvaro Guerra é um daqueles escritores que nos leva a pensar que chegou a hora, tal o numerário de boa prosa em volta da guerra da Guiné, de fazer-se uma obra antológica com algumas das páginas de que os nossos vindouros sentiram júbilo pelo dito e pelo feito.

Um abraço do
Mário


Relendo um dos escritores obrigatórios da década de 1960: Álvaro Guerra e a Guiné

Beja Santos

Tenho-me interrogado vezes sem conta quanto à premência em se fazer um levantamento dos mais belos trechos literários em torno da guerra da Guiné.
É evidente que há hoje um suporte correspondente à identificação dos escritores e das respetivas obras, é meio caminho andado, tenho a maior satisfação em ter e andar a contribuir para essa pesquisa que se tem revelado quase inesgotável e deveras surpreendente.
Há páginas extraordinárias, e procurarei, neste exercício avulso, mostrar a partir de um dos primeiros livros de Álvaro Guerra, nosso camarada da Guiné, destacar algumas dessas páginas que nos merecem orgulho genuíno, são páginas com que nos identificamos, que muitas vezes falam por nós, são um incomensurável legado que deixamos para os nossos vindouros.

O romance chama-se “O Disfarce”, a sua primeira edição saiu na Prelo, em 1969, a segunda nas Publicações Dom Quixote, a terceira nas Edições “O Jornal”. Insisto que os parágrafos que se seguem são por minha conta e risco, tivesse eu o mister de andar à cata do que melhor se escreveu e de “O Disfarce”, este era o meu Álvaro Guerra eleito:



Capítulo primeiro

De narizes no ar, farejavam o céu, o motor do avião muito perto, mesmo sobre as suas cabeças mas para além do nevoeiro cerrado, um grande inseto matreiro, invisível, irritantemente só nos ouvidos dos homens de narizes no ar, as armas na mão, empoleirados nos camiões estacionados no extremo da pista rodeada de pequenos grupos, para cada um sua metralhadora, as ligaduras brancas dos feridos quase brilhando entre os verdes e castanhos dos homens, da terra e das plantas, as ligaduras dos feridos deitados nas macas, sentados nos jipes, ou de pé, narizes no ar como os outros, ou ansiosos ou ciumentos, mas todos impacientes, e, enfim, uma sombra sobre a pista, por um momento, logo dissolvida naquele nevoeiro tão denso que molhava e, dentro dele, o besoiro de prata que zumbia cada vez mais fraco, mais longe, até definitivamente se extinguir.
– Vai-se embora – disseram.

Voltará, pensou aquele homem novo, olhando a mancha vermelha na ligadura que lhe envolvia o braço imobilizado. Vinte e duas horas antes, um pedaço de ferro louco e escaldante atravessara-o, a bala da sorte, um pequeno cilindro de metal com endereço incerto na cabeça pontiaguda, igual à bala do azar que levava na ponta a morte para o companheiro do lado – a mesma explosão, o mesmo projétil, a mesma carne, o mesmo sangue, talvez apenas uma vontade de tal modo mais forte, um amor de tal modo mais apaixonado, um instinto de tal modo mais lúcido que nessa tão discutível, cruel e aguda diferença a morte se decidira pelo mais fácil. Por ali, raramente se falava da morte mas quando tal acontecia a sua tradução era destino, dias contados, fatalidade, e o medo era, também, como se não existisse como se não fosse evidente no próprio corpo e na memória, demência, angústia e raiva (o 118 a andar oito quilómetros pelo seu pé, sem ajudas, com um buraco que começava na clavícula e acabava nas costas um pouco acima da cintura, a andar oito quilómetros, após o que e apenas ao avistar a coluna de socorro, desmaiara.


Capítulo terceiro

Estava sentado no meio daquela escuridão carregada de odores gordurosos, a “mulher grande” tinha-o deixado ali sozinho, no meio da cubata, e fora buscar a rapariga, algures na aldeia adormecida, no silêncio, no silêncio habitado de ameaças, no halo humano da noite cujo centro era ele ali sentado, atento mas abandonado ao que viesse, tateando a pistola com um gesto impreciso, sem fumar para poder sentir-se inlocalizável, escondido dos outros e de si próprio, imóvel, numa breve existência uterina, paradoxalmente tocada de angústias e temores. A “mulher grande” fora em busca de Safi, dobrara fleumaticamente a nota de cinquenta pesos e guardara-a sobre o pano que trazia enrolado à volta dos quadris e fizera saber que aquele era o dinheiro para Safi, após o que se deixara ficar, maliciosa e muito digna, à espera que ele entendesse que faltava alguma coisa mais – o seu dinheiro. Só depois abalara, não sem primeiro superar a paupérrima chama do candeeiro pelo que o cheiro a petróleo se tornou mais intenso e se misturou com os odores gordurosos e mornos da escuridão absoluta da cubata onde ele estava (…) A “mulher grande” entrou e, depois dela, Safi. Ficaram as duas a discutir animadamente na língua quente e sincopada dos Fulas, sem o olhar, sem mesmo reconhecerem a sua presença, defendidas pela ininteligibilidade do que diziam mas ele adivinhava como o auge da sua humildade, o fundo sem fundo da queda da natureza que lhe era própria, ele sentado, imóvel no escuro, e duas mulheres negras decidindo a sua sorte, no outro canto das trevas.

Finalmente, a “mulher grande” reacendeu o candeeiro e ele tornou a ver o interior da cubata, as cabaças, os panos coloridos, o arroz, as duas tábuas com versículos do Corão, a chaleira de esmalte, o bidão da tropa, as esteiras, o chão de terra, as paredes de adobe, a cama. Era aquele o escuro que o rodeava. Não, não era. Agora, encolhida no canto mais longe da luz, estava Safi, Safi falsamente inexpugnável, com seu olhar feroz de bicho acossado, longe, longe. Tão longe que ele suspeitou jamais pudesse lá chegar. E a sua suspeita bastou para que, num último alarde de orgulho, se levantasse e saísse.


Capítulo nono

Foi logo a seguir. Caiu em cima deles a surpresa, uma chuva de ferro, estampidos e silvos de ar vergastado e quedas e ramos partidos e pragas e explosões e o gargalhar fantasmagórico das rajadas matadoras e o homem ao lado dele com o sangue no ventre e nas mãos que disse “Ai, mãe!” e morreu. Atrás da sua árvore, levou a mão ao bolso e tirou-a, a reluzente granada com quem os seus dedos andavam calhados de amor e vício, puxou a argola amarela num repente de furor e ficou um momento a mirá-la, a cavilha apenas presa pelos dedos brancos de força enquanto, desfocado, o cadáver do ventre sangrento o olhava fixa e friamente; jogou-se para a luz, para lá do escudo eleito, e atirou-a para de onde vinha a morte sonora e a invisível que semeava surpresas de sangue. Por um momento foi a rainha da metralha e da luz ondulante de calor e do inacessível outro lado da estrada e foi a esperança também, soturna esperança subindo numa nuvem de pó castanho após deflagrar e se desfazer como um velho astro em meteoritos escaldantes. Mas já não estava sobre o coração, nem à cintura, nem no bolso, e ele ficou terrivelmente tranquilo, monstruosamente tranquilo e sozinho, a pensar na mulher de quem gostava, na adolescência provinciana e em certos lugares seus preferidos e em como eles seriam se e quando lá voltasse, enquanto, tranquilamente, disparava a metralhadora. Tudo estava adiado. Até o esquecimento.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE JUNHO DE 2014 > Guiné 63/74- P13245: Notas de leitura (598): "Quem Semeia o Vento Colhe Tempestade!", publicação da Direção-Geral da Cultura da Guiné-Bissau (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6602: (Ex)citações (80): Chafurdar na lama da guerra... e querer lá voltar... voltar a pisar aquela terra vermelha, antes da Grande Viagem (Hélder Sousa /Luís Borrega)

1. Comentário de Hélder Sousa ao Poste P6600

Caros camaradas: Lembro-me do Álvaro Guerra 'antes da guerra'. Era o excelente guarda-redes da equipa de hóquei em patins de uma boa equipa da UDV (União Desportiva Vilafranquense) que na época 'batia o pé' aos habituais 'grandes'.

Eu era um dos seus fãs. Soubemos mais tarde que foi ferido com gravidade na Guiné e que já não poderia continuar a jogar.
A frase que é citada, "Por lá chafurdei na lama das lalas, debati-me no turbilhão dos tornados, derreti-me na fornalha de um sol quase invisível, dissolvi-me na chuva vertical, e amei como um danado aquela terra que me injectou a febre, me secou, me expulsou a tiro. Mas nunca o preço do amor é excessivo nem a presença da morte o pode aniquilar", é realmente quase que um hino sublinhando o que emocionalmente nos liga à Guiné e que curiosamente tem pontos de relação com o "Fado da Guiné" do J. Mexia Alves.

Conhecia outros livros de Álvaro Guerra, mas este não. Vou ver se o leio e se consigo entrar no emaranhado que o MBSantos descreve.(*)

Abraços, Hélder S.

2. Comentário de Luís Borrega ao mesmo poste:

Camarigos

A frase citada, "por lá chafurdei"...é precisamente o que sinto. 

Oh meu Deus! Como odiei aquela terra vermelha, as bolhanhas, o calor tórrido, as ordens dadas sem nexo por quem nunca se aventurou no mato, ter medo de ter medo de me acobardar à frente dos meus soldados em situações de contacto com o IN (felizmente nunca aconteceu). Mas hoje amo aquela terra, tenho uma tristeza enorme que não tenham a vida que almejavam quando começaram a guerrilha.

Antes de fazer a "Grande Viagem",  tenho de lá voltar, ver a terra vermelha, a algazarra dos djubis, as bolhanhas verdejantes, o calor humano daquelas gentes, o cheiro da terra depois das chuvas, a silhueta do poilão ao pôr do sol, os latidos dos macacos cães nas bolhanhas, enfim recordações...

Abraço Camarigo

Luís Borrega
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Nota de L.G.:


terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5824: Notas de leitura (68): Memória, de Álvaro Guerra - A tiros de raiva e metal escaldante (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Fevereiro de 2010:

Queridos amigos,
Aqui vai mais uma recensão sobre o Álvaro Guerra.
Se houver uma alma caridosa que me empreste ou queira fazer a recensão de “Os Mastins” ou “A Lebre”, é só avisar.E se houver uma outra alma caridosa que me queira emprestar os primeiros livros do José Martins Garcia, ou fazer as competentes recensões, much better.

Um abraço do
Mário


A tiros de raiva e metal escaldante

Beja Santos

“Memória”, de Álvaro Guerra (Editorial Estampa, 1971) é um livro deliberadamente niilista, organizado por fragmentos por onde se dispersam as recordações da infância, da guerra, do tecido familiar, dos desacertos da vida. É talvez o último livro onde Álvaro Guerra regressa à Guiné. A obra abre com um discurso torrencial, não há pausas, não há condições para a retoma do fôlego, o leitor é forçado à correria, compete-lhe pontuar para encontrar o sentido das palavras: “no calor morria e nesse medo matava rasgando capim folhas lianas a tiros de raiva e metal escaldante metralha a abrir o caminho para hoje percorrido comigo desde o meu corpo espalmado na terra a beber o suor e o sangue e os olhos fechados invocavam imagens e logo se abriam para a dor real naquele longe de casa que eu era rastejando entre os silvos e explosões...”. E logo a memória vai para a Ameixoeira no canto do pátio, no marçabril de cada ano, o autor recorda a casa da avó e as coisas lúbricas que praticou com a sua prima. Seguem-se textos que rondam episódios históricos, fala-se mesmo do império e depois partimos para a Ponta Tenente, lá no Rio Grande, é um regresso caótico, quase demencial, à Guiné, depois disserta sobre o machismo, o amor, as viagens dentro da Europa, brinca com as mensagens publicitárias, olha-se ao espelho e estabelece uma conversa que podia caber dentro do surrealismo de Dali, revela-se poeta, são fogachos atirados para os céus, vê-se como Álvaro Guerra apreciava o “novo romance”, as obras de Cortazar, os autores do absurdo, é um experimentalismo que vai estonteando o leitor transformado em cobaia de um escritor que parece não querer abrir o jogo. E, abruptamente, Álvaro Guerra volta ao nosso país: “Nasci na pátria do ódio gentil, na pátria da paz e do sono, do idílio de uma seringa cheia de medo com uma veia cheia de velho sangue, uma veia sossegada e antiga, sem dores de me parir. Cresci entre as histórias mentirosas e as mezinhas mitológicas de adiar mortes serenas, milhões de tranquilíssimas mortes conformadas, ao som do fado-hino e da saudade-destino”.

Há nesta viagem de um funâmbulo imagens que nos recordam Alexandre O’Neill e Herberto Helder, o combatente que regressou e foi estudar para Paris desorganiza e entrança as suas memórias entre o burlesco e o grotesco. E nisto chegamos à guerra, a uma verdadeira sinfonia para a guerra, com três andamentos. O primeiro, já aqui foi referido, vem citado por João de Melo na sua antologia “Os anos da guerra”, tem a ver com os preparativos e conta a história de um cadete que rouba o vinho destino à celebração da missa. O segundo andamento chama-se ocupação, é possível que trate a história da unidade a que pertenceu Álvaro Guerra quando chegou à Guiné em 1963: “A companhia recém-desembarcada dos três velhos aviões a hélice foi provisoriamente instalada no Liceu da Cidade que, para o efeito, se encontrava equipado com aquilo que habitualmente equipa um liceu: carteiras, mesas de professores, ponteiros, giz, globos terrestres, animais empalhados, provetas, tubos de ensaio... Quando a soldadesca saltou dos camiões, o capitão ordenou a formatura e disse para terem muita atenção em não escangalhar nada do que estava lá dentro, pois aquilo era Património do Estado e “quem escachaporrar alguma vez tem que s´haver comigo”, após o que se fez a distribuição dos militares pelas várias salas de aula, tendo o gabinete dos professores sido reservado aos oficiais e o laboratório aos sargentos... Apesar do apetite que a pressa claramente demonstrava, não foi a ementa muito apreciada, depois se descobriram mais tarde, nos quadros pretos, inscrições não muito elogiosas traçadas a giz incerto, das quais se dão alguns exemplos: “Oje o rancho foi uma merda”, “O cozinheiro que vai ensebar os cornos do pai com a sopa que fez”, “Grões igual a balas”, etc., tudo isto ilustrado com uma expressiva e assaz numerosa colecção de falus das mais variadas dimensões. Acomodados sobre a palha, entre carteiras, dispuseram-se a passar confortavelmente a sua primeira noite no liceu o que teriam conseguido se não fossem os permanentes e ferozes ataques dos mosquitos o que determinou colectiva manhã mal-humorada e salpicada de queixas aos superiores imediatos: soldado-cabo-sargento-alferes-capitão, com judiciosas quão oportunas observações do tenente-médico”. Tudo parodiado, como se a diversão fosse o óptimo condimento para chegamos ao terceiro andamento, o “massacre”. Prosseguindo o estilo delirante, a companhia anda aos tombos, chegou uma ordem, é o desconchavo total, a tropa vive o drama de um ataque de chatos, o dê-dê-tê, seria da comida? Seria da roupa? Vive numa inquietação geral quando a sinfonia culmina com o tema final: “Estavam nisto quando o ataque começou, choviam granadas e balas, assobiando sobre as cabeças e explodindo mesmo nos postos-chave das defesas tão inteligentemente concebidas, os soldados corriam de um lado para o outro, semi-vestidos, calças na mão e espingarda na outra, dando urros de dor por não sobrarem mãos para se coçarem, alguns tombaram logo na primeira vaga, gritando heroicamente “ai, nha mãezinha!”, outros, depois de alcançarem os abrigos, disparavam com uma das mãos e coçavam-se com a outra... Às três da manhã a companhia fora massacrada. Morreram como heróis, garanto. Morreram todos, menos eu, que escapei para contar a história”.

O burlesco na guerra tem longos e felizes antecedentes, basta pensar em “O bravo soldado Chveik” de Jaroslav Hasek, isto para não esquecer as sempre tão esperadas incursões do nosso Jorge Cabral. Ao deixar as suas memórias na Guiné com esta “Memória” mal sabia Álvaro Guerra que um outro niilista tão dissoluto ia chegar às lides literárias e não com menor talento, José Martins Garcia. Os estudiosos da literatura que procurem interpretar o fenómeno desses anos 70 em que os militares faziam a sua catarse divertindo-se, sabe Deus com que sofrimento a esvair-se da imaginação para os dedos.

O livro “Memória” passará a pertencer ao blogue.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5820: Notas de leitura (67): O Disfarce, de Álvaro Guerra - Mais ou menos tão divertido como o teu exílio (Beja Santos)

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5820: Notas de leitura (67): O Disfarce, de Álvaro Guerra - Mais ou menos tão divertido como o teu exílio (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Fevereiro de 2010:

Queridos amigos,
Confesso que “O Disfarce” me impressionou pela sinceridade deste combatente que nos legou imagens tão impressivas, de grande recorte literário.

Um abraço do
Mário





Mais ou menos tão divertido como o teu exílio

Beja Santos

Álvaro Guerra (1936 – 2002) combateu na Guiné entre 1961 e 1963, regressa com um ferimento e em 1964 vai estudar na École des Hautes Études da Sorbonne. Volta a Portugal em 1969, ano em que edita O Disfarce, o seu segundo livro. Os Mastins (1967), O Disfarce, A Lebre (1970) e Memória (1971) são obras povoadas de recordações de um combatente que procura ajustar-se, por vezes com imensa dificuldade, a uma sociedade que se revela indiferente à guerra de África. Estes livros trazem já a marca de água de um talentoso escritor, Álvaro Guerra, a par de Armor Pires Mota, é nome cimeiro da literatura da guerra, sobretudo nos anos 60.

O Disfarce” corresponde a um tempo de desencanto, regista uma incapacidade de apaziguar a experiência da guerra junto de quem preferiu o exílio e vive na comodidade de Paris. Admito que no seu todo seja uma obra menor no conjunto da vasta biografia de Álvaro de Guerra, mas possui parágrafos belíssimos, irrecusáveis em qualquer antologia onde se pretendam registar os nomes perduráveis dos escritores combatentes. Logo o primeiro parágrafo de “O Disfarce”: “De narizes no ar, farejavam o céu, o motor do avião muito perto, muito perto, mesmo sobre as suas cabeças mas para além do nevoeiro cerrado, um grande insecto matreiro, invisível, irritantemente só nos ouvidos dos homens de narizes no ar, as armas na mão, empoleirados nos camiões estacionados no extremo da pista rodeada de pequenos grupos, para cada um sua metralhadora, as ligaduras brancas dos feridos quase brilhando entre os verdes e castanhos dos homens deitados nas macas, sentados nos jeeps, ou de pé, narizes no ar como os outros, ou ansiosos ou ciumentos, mas todos impacientes e, enfim, uma sombra aérea sobre a pista, por um momento, logo dissolvida naquele nevoeiro tão denso que molhava e, dentro dele, o bezoiro de prata que zumbia cada vez mais fraco, mais longe, até definitivamente se extinguir”.

São memórias sobrepostas, trata-se de alguém que vê e revê, que percorre Paris e outros locais europeus, que procura dar explicações sobre uma guerra onde esteve e que poucos querem ter notícia. O escritor transforma-se em agente figurante que em locais aprazíveis pode ouvir metralhadoras a crepitar, movimentos espasmódicos da culatra no seu vaivém. Por vezes alguém lhe pergunta se o braço lhe dói, o figurante responde que não e acrescenta “O que me está a doer é o sangue que lá perdi, a terra que ele não ensopou”. Toda esta narrativa é uma viagem, de amores precários, de tensões num mundo exilados, de recordações entre Bissau e Cacine, de uma mulher amada que se chama Maria e de que no final da obra nos apercebemos que é amor perdido. O figurante percorre as ruas de Paris e lembra-se de Safi, uma companheira acidental. Ele procura Jorge, o amigo que partiu para o exílio. Quando se reencontram, Jorge pergunta porque é que ele também não se exilou. E o figurante responde que não está arrependido: “Talvez eu não quisesse perder a oportunidade de ver e estar numa guerra ainda que sabendo estar nela no lado pior, longe de casa e a fazer horas para regressar”. Jorge responde-lhe que afinal fora divertido e o personagem desfecha-lhe sem uma hesitação: “Mais ou menos tão divertido como o teu exílio”.

Não nos interessa se esta Paris é autobiográfica, a cidade e o seu cosmopolitismo que não podem interpretar os barulhos do avião, o tumulto dos combates os gritos dos feridos. O figurante disfarça a vida que foi roubada ou postergada. Mas a memória está pujante de vida. A caminho da Holanda, ele recorda uma aldeia queimada, é um registo que não nos pode deixar indiferentes:

“Havia um cheiro adocicado, enjoativo, quando se aproximaram do que fora Lenguel, aldeia balanta, sinais de chamas recentes, devastação, e o povo escondido no mato. Tropeçou na carcaça calcinada de um boi cujos ossos amarelados se desconjuntaram, no meio de cinzas e destroços, pilões lambidos pelo fogo, cabaças enegrecidas, restos de primitivas enxadas de madeira, os gigantescos potes com as grandes bocas negras como os rombos enormes nos seus ventres vazios, e as paredes em ruína das cubatas sem tecto. Extensa, a bolanha estendia-se diante da aldeia queimada, a bolanha empapada, escaldante, febril, onde o arroz apodrecia na ponta dos calos amarelos a tombarem para a água”. O figurante pensa que a sua guerra é interminável, os seus pensamentos deslizam por uma corrediça tão extensa que chega à infância, à casa do tio João, mas cedo se embebe naquela floresta virgem, naquela terra de formigas pretas e de uma infinita saudade de gente que dá pelos nomes de Amadu, Gibril, Bubacar ou Malã.

O jovem escritor Álvaro Guerra revela-se pródigo em imagens que nos transferem sons, nos chegam aos sentidos, como se todo o corpo da guerra se tivesse colado à fisiologia. Por exemplo: “Com as pontas dos nervosos dedos, ele acariciou a granada suspensa de cobre da cavilha presa ao botão do casaco camuflado, sobre o peito, sobre o coração, a baloiçar a cada passo, de modo que ele podia permanentemente concentrar a atenção nesse levíssimo ruído das pancadas certas da granada contra o peito, ruído abafado, interior, só perceptível exteriormente pelo roçar do metal no botão da algibeira”. São imagens, convenhamos, de alguém na casa dos vinte anos que ainda não pôde filtrar tudo aquilo que é obra do tempo. Veja-se esta outra imagem de uma emboscada, vai ficar para todo o sempre: “Caiu em cima deles a surpresa, uma chuva de ferro, estampidos e silvos de ar vergastado quedas e ramos partidos e pragas e explosões e gargalhar fantasmagórico das rajadas matadoras e o homem ao lado dele com o sangue no ventre e nas mãos que disse “Ai, mãe!” e morreu”. Um sofrimento para toda a vida, porque são poucos os momentos desta tragédia, são instantes que vão ressoar no ser humano, por natureza mnésico, fraterno, comovido pela dor que pôde aliviar ou a morte que pôde obliterar. Esta a sinceridade de um tempo de disfarce, alguém que anda por Paris e veste uma mortalha, num mundo onde não se pedem explicações, parece que só os exilados é que têm direito à dor. Contido, o jovem escritor Álvaro Guerra deixou-nos esta memória discreta, efabulando uma mágoa tão poderosa que os seus amigos exilados até pensavam que era menor que a deles.

É pena falar-se tão pouco de Álvaro Guerra e do que ele escreveu sobre a Guiné onde se feriu, onde combateu, e cujo combate ele não escondeu.
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Nota de CV:

Vd. poste de 14 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5817: Notas de leitura (66): Armor Pires Mota (8): A Cubana Que Dançava Flamenco - O amor é mais forte do que a guerra (Beja Santos)

terça-feira, 28 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1323: Bibliografia de uma guerra (15): Os Mastins e o Disfarce, de Alvaro Guerra (Beja Santos)


Foto de Álvaro Guerra e Capa do livro Os Mastins, seguidos de O Disfarce, 3ª ed. Lisboa: O Jornal. 1986. A capa é da autoria de João Segurado.

Texto, enviado em 24 de Outubro de 2006, pelo Mário Beja Santos, ex-alferes miliciano, comandante do Pel Caç Nat 52 (Missirá e Bambadinca, 1968/70), e actualmente assessor principal do Instituto do Consumidor.

Caro Luís, caros tertulianos:

O blogue está a ganhar qualidade e densidade histórica, para júbilo de todos. Acho que chegou o momento de aprovarmos a admissão na nossa Família, a título honoris causa, do escritor Álvaro Guerra (1936-2002), e pelas seguintes razões.

Primeiro, o Álvaro Guerra combateu na Guiné, entre 1961 e 63. Ferido em combate, parte para França em 1964, onde estudou publicidade na École des Hautes Études de Sorbonne. A sua primeira obra literária intitula-se Os Mastins (1967), a que se segue Disfarce (1969), porventura a obra onde ele mais investiu, descrevendo os combates na guerra. Duas obras subsequentes aludem inequivocamente à experiência guineense: A Lebre (1970) e Memória (1971), que é uma colectânea de contos.

Segundo, como a sua literatura espelha, ele é um camarada da Guiné. Recorrendo a uma trama de ficção em que se joga em permanência o passado e o futuro, Álvaro Guerra é seguramente um dos primeiros grandes escritores que denunciou os horrores dos combates na selva e, reconhecido pela crítica, o maior de todos. Acresce que os seus romances históricos são uma permanente tensão de lutas (de classes, invasões napoleónicas, liberais e absolutistas e praticamente um século da história de Portugal em torno da triologia Café Central, Café República e Café 25 de Abril. Perfeccionista na escrita, diplomata emérito, jornalista respeitado, Álvaro Guerra foi um narrador espantoso de paixões, da violência incontrolada e até da tauromaquia, um pouco ao sabor dessa paixão ribatejana que ele tanto admirava.

No texto que se segue faço o louvor de Álvaro Guerra, pedindo a sua entrada por unanimidade nesta academia de camaradas da Guiné.

Abraços, Mário.

Ao Álvaro Guerra, porque lutando é começar (1)por Beja Santos

Mesmo que mais ninguém escrevesse sobre a guerra na Guiné, considerando aqui a escrita um voo picado sobre a crueldade, recorrendo à ficção e aos dotes da memória, o legado do Álvaro Guerra tem um valor inultrapassável, pesando no juízo de tal valor o facto de os seus escritos serem anteriores ao 25 de Abril. O Disfarce é retintamente autobiográfico. Estão ali registados os seus ferimentos, os tambores da guerra, o inferno da selva, o crepitar das metralhadoras, os momentos de fraternidade, o relâmpago das emboscadas e depois a vida em Paris com a memória sempre a latejar as dores que ficaram depois dos trópicos.

Apelando ao ingresso deste escritor de Vila Franca de Xira no nosso blogue, tornando-o companheiro de uma história em progressão, recordo algumas das suas páginas mais brilhantes, hoje traduzidas em várias línguas. Por exemplo: "O sol engolira as trevas num ápice e a manhã nublava-se de calor. No arrozal, à saída da aldeia, um casal de grus coroados adejava num bailado grotesco; evaporava-se rapidamente a água concentrada durante a noite nas folhas das árvores ainda brilhantes, cheirava a terra, o cheiro intenso e enjoativo daquela terra que ele espreitava por entre o calcar incerto das botas militares e a sombra esguia e movediça do seu corpo. Caminhavam em fila indiana. O prisioneiro levava as mãos atadas atrás das costas e o soldado que vinha a seguir dava-lhe pontapés, de vez em quando".

Mais adiante :"Uma aldeia queimada, havia um cheiro adocicado, enjoativo, quando se aproximaram do que fora Lenguel, aldeia balante, sinais de chamas recentes, devastação, e o povo escondido no mato. Tropeçou na carcaça calcinada de um boi cujos os ossos amarelados se desconjuntaram, no meio de cinzas e destroços, pilões lambidos pelo fogo, cabaças enegrecidas, restos de primitivas enxadas de madeira, os gigantescos potes com as grandes bocas negras como os rombos enormes nos seus ventres vazios, e as paredes em ruína das cubatas sem tecto. Extensa, a bolanha estendia-se diante da aldeia queimada, a bolanha empapada, escaldante, febril, onde o arroz apodrecia na ponta dos cales amarelos a tombarem para a água, cansados de esperar quem os viesse colher... Timidamente, mulheres com os filhos às costas, crianças nuas e meia dúzia de homens válidos surgiram do mato, rápidos olhares furtivos nos seus rostos sérios, e foram-se reunindo, muito juntos e silenciosos, no meio da aldeia devastada - era o povo de Lenguel diante das suas casas queimadas".

E por fim, o horror da emboscada, notavelmente descrita: "Caiu em cima deles a surpresa, uma chuva de ferro, estampidos e silvos de árvore vergastado e quedas e ramos partidos e pragas e explosões e o gargalhar fantasmagórico das rajadas matadoras e o homem ao lado dele com o sangue no ventre nãos mãos que disse 'Ai, mãe!' e morreu... Quando o combate acabou ou suposeram que tinha acabado, porque a lamúria dos feridos se tornara mais nítida na imobilidade e silêncio da trégua, uma voz escondida anunciou a morte do 38 que, somado ao cadáver de ventre e mãos sangrentas e fora o 71, perfazia dois números a riscar naquela danada matemática" (...).

A obra de Álvaro Guerra aparece impregnada da saudade da casa e das noites imemoriais do soldado de África que ele foi. O protagonista que ele criou anda ferido em Paris e o seu ajuste de contas com os demónios da memória é ferida por sarar. Ele disfarça mas não cura. Não chora mas a guerra de África mantém-no comovido. Bastaria o vigor desta escrita para ele ter lugar entre os camaradas da Guiné que somos e seremos (2).

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 17 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1285: Bibliografia de uma guerra (14): Rumo a Fulacunda, um best seller, de Rui Alexandrino Ferreira (Luís Graça)

(2) Comentário de L.G.: Esta é uma tertúlia de vivos, não... o panteão nacional.

Louvo a iniciativa e a oportunidade do Beja Santos, ao evocar aqui a figura de um camarada de armas da Guiné, desconhecido ou pouco conhecido da maior parte dos nossos tertulianos... Mais do que uma recensão bibliográfica, é um acto de justiça: sem dúvida que o Álvaro Guerra é um dos nossos, e para mais é um grande escritor... Mais ainda: um escritor pioneiro, no que diz respeito à temática da guerra colonial... Mas, infelizmente, estando já desaparecido - tal como Salgueiro Maia e outros que já nos deixaram e que também escreveram livros - eu tenho pessoalmente alguma relutância em apropriar-me do seu nome, da sua vida e da sua obra...

Ao criar ao blogue, não previ nenhum quadro de honra para os amigos e camaradas da Guiné, mas podemos vir a criá-lo se for essa a vontade da maioria de nós... Sou capaz, todavia, de antever algumas dificuldades quanto à obtenção de consensos - já não falo na impossível unanimidade em matéria de opiniões - sobre as figuras que podem e devem nele figurar... por causa da honra (honoris causa) (4).

Eu sei que o Beja Santos fá-lo por um impulso de generosidade e de justiça. Mas eu não posso secundar a sua acção - aliás, já lho comuniquei e ele compreendeu e aceitou muito bem as minhas razões- , utilizando um argumento de autoridade...

A verdade, meu caro Mário, é que uma grande parte de nós nunca leu (ou ouviu falar sequer do de) o Álvaro Guerra... Se ele tivesse vivo, poderíamos convidá-lo a entrar na nossa tertúlia... Já não estando entre nós, acho abusivo ou até pretensioso... Acho sempre abusivo - para dizer hipócrita - a apropriação que se faz, neste país, dos nossos escritores e artistas que só são grandes e reconhecidos depois de mortos (Camões, Amadeo Sousa Cardoso, Fernando Pessoa ou, mais recentemente, Mário Cesariny...).

A melhor homenagem que podemos prestar ao nosso ilustre camarada Álvaro Guerra, ribatejano de Vila Franca de Xira, é ler os seus livros e falar deles, na nossa 'caserna virtual', e sermos dignos do seu exemplo Recordo o aqui as palavras que ele escreveu para o curto prefácio desta edição de O Jornal:

"Os textos que se seguem foram escritos quando escrever em Portugal era lutar pela liberdade contra a ditadura, pela livre expressão contra a censura, pela dignidade contra a humilhação(...).

"Se o bem mais precioso que um escritor, no seu trabalho, pode desejar é a liberdade de expressão, será oportuno reconhecer que esse é um bem no activo do que mudou em Portugal" (Álvaro Guerra) (4).

...Enfim, gostaria de ouvir a opinião dos amigos e camaradas da Guiné sobre este assunto.

(3) O que quer dizer honoris causa ?

(...) "Os graus académicos constituem o reconhecimento por parte da Universidade de que o graduado atingiu determinados patamares do conhecimento científico. Bacharelatos, licenciaturas, mestrados e doutoramentos são esses graus académicos. O doutoramento é o grau mais elevado da formação científico-académica, grau esse que normalmente se obtém após anos e anos de muito estudo e intensa investigação, anos de trabalho duro e de espírito de sacrifício.

"Qual o sentido então de um doutoramento honoris causa, de um doutoramento justificado pela honra e não directamente pelo estudo e saber científico? O sentido está em a universidade reconhecer desse modo que actos, obras e vida de uma pessoa atingem e ultrapassam o melhor que nela se consegue. A universidade associa-se à excelência que determinada pessoa alcançou na sua área de saber, na sua profissão, no serviço prestado à comunidade. Mesmo nos casos em que são cientistas os distinguidos com o doutoramento honoris causa, a universidade honra toda uma obra que em muito ultrapassa os limites das exigências académicas.

"Tive a fortuna de assistir em 18 de Setembro passado à cerimónia em que a Universidade de Harvard deu o doutoramento honoris causa ao Presidente Nelson Mandela. Era o lutador pela liberdade do seu povo, pela democracia e paz de uma nação, que aquela universidade americana honrava. Honrava a obra e a vida de um homem de oitenta anos, de que vinte e sete tinham sido passados na cadeia. Mas também a mesma universidade havia dado em 1996 um doutoramento honoris causa a uma mulher de 86 anos cuja vida fora passada a lavar roupa. Essa mulher, Oseola McCarthy, havia doado todo o dinheiro que acumulara ao longo da sua vida à Universidade do Missippi do Sul para a ajuda de estudantes negros necessitados.

"Um doutoramento testemunha um saber científico específico, mas um doutoramento honoris causa reconhece a sabedoria de uma obra" (...).

Fonte: António Fidalgo > Crónicas > Corte na Aldeia > Jornal do Fundão > 9 de Outubro de 1998 > Honoris Causa


(4) Alguns sítios na Net sobre o Álvaro Guerra:

In Memoriam Álvaro Guerra (1936-2002)

Público > Colecção Mil Folhas > Tiragem de 100 mil exemplares > Razões de Coração, de Álvaro Guerra

Citador > Leituras > No Jardim das Paixões Extintas [2002], de Álvaro Guerra