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terça-feira, 14 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21168: Historiografia da presença portuguesa em África (219): Tratados, convenções e autos firmados entre as autoridades portuguesas e os representantes dos povos da Guiné (1828-1918) - Parte II (1856 -1881) (Armando Tavares da Silva)




Guiné > Bolama > c. 1912 > Palácio do Governador [Fonte:  Carlos Pereira,” La Guinée Portugaise”, Lisboa, 1914]


Imagem: cortesia de Armando Tavares



1. Mensagem do nosso grã-tabanqueiro de Armando Tavares da Silva: 

[ foto   à esquerda:  (i) engenheiro, historiador, prof catedrático aposentado da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra; 

(iii) "Prémio Fundação Calouste Gulbenkian, História da Presença de Portugal no Mundo" (, atribuído pelo seu livro “A Presença Portuguesa na Guiné — História Política e Militar — 1878-1926”); 

(iv) presidente da Secção Luís de Camões da Sociedade de Geografia de Lisboa]

Date: domingo, 12/07/2020 à(s) 23:42

Subject: Guiné - Tratados



Caro Luís,
Capa do livro
"A Presença Portuguesa na Guiné:
História Política e Militar: 1878-1926”

 Já várias vezes que tenho visto no blogue a afirmação que pouco se conhecia (e conhece) sobre a Guiné. 

Esta falta de conhecimento poderá levar-nos a interpretações ou juízos errados ou precipitados, os quais podem surgir dentro dos mais variados contextos, e que levem a concluir "que precisamos de mais e melhor investigação historiográfica sobre pontos de contacto comuns entre nós, Portugal e a Guiné".

Ora, os Tratados e Convenções que no decorrer dos tempos foram firmados entre as autoridades portuguesas e os representantes dos povos da Guiné inserem-se precisamente naqueles "pontos de contacto". 

 E é para melhor conhecimento daqueles contactos e melhor conhecimento da evolução histórica da relação estabelecida, que elaborei uma lista (que considero exaustiva) daqueles "Tratados e Convenções". 

São 76 no total e tiveram lugar durante quase um Século (entre 1828 e 1918). 

Segue em baixo a respectiva relação [Parte II, de 1856 a 1881]. Os seus textos estão disponíveis em referências conhecidas, e que poderão ser consultadas por quem se interessar por aprofundar aquele conhecimento.

Com um abraço

Armando Tavares da Silva
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Tratados, convenções e autos firmados entre as autoridades portuguesas e os representantes dos povos da Guiné (1828-1918):
lista organizada por Armando Tavares da Silva

Parte II (1856-1881)

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1856, 15 Janeiro Canhabac                               
Tratado entre o governador da Guiné portuguesa Honório Pereira Barreto e os régulos de Canhabac, Tissac, régulo de In-oré, Manuel, régulo de Meneque, António, régulo de Ancataque, entre outros 
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1856, 13 Junho  Bolola                     
Convenção realizada por Honório Pereira Barreto, governador da Guiné com os régulos de Bolola e de Buba no Rio de Bolola, Selemane Jabi e Bissamora Combati Sambu
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1856, 16 Junho                               
Aldeia de Umbaná (povoação de Guinala)                        
Convenção celebrada entre Honório Pereira Barreto, governador da Guiné,  e o régulo e chefes Biafadas de Guinala no Rio Grande, Binti Jassi, Sene Jassi e outros
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1856, 16 Junho            
Ponta Boa Esperança - Rio de Bolola                                       

Convenção celebrada entre Honório Pereira Barreto, governador da Guiné, e o régulo Biafada de Cabuia, Nhamulo Jassi 
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1856, 18 Junho       
Ponta de Londro (Bissasseme)                              
Auto de cedência de terreno a Portugal, na presença de Honório Pereira Barreto, governador da Guiné, por Macadata, um dos régulos de Canhabaque
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1856, 19 Junho
Território de Sabadá,
Rio de Bolola                                
Convenção celebrada entre Honório Pereira Barreto, governador da Guiné, e o régulo Biafada de Cain, Nhamulo Jassi 
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1856, 27 Setembro Cacheu                      
Tratado de paz entre a Praça de Cacheu e os gentios Papéis de Cacanda, sendo presentes de uma parte o governador da Guiné, Honório Pereira Barreto,  e de outra parte Daxurené, régulo de Cacanda e Cancaram, régulo de Pucau 
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1856, 9 Outubro Cacheu                        
Tratado de paz e comércio entre a praça de Cacheu, representada pelo governador Honório Pereira Barreto e os gentios de Nagas, representados por Nhaga, pai do régulo de Naga, Danhar Humpa e Incombe, régulo de Cabi 
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1856, 9 Outubro Cacheu               
Contrato feito por Gregório José Domingues, em nome e como procurador de Honório Pereira Barreto, com os gentios de Bissori
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1857, 6 Março  
Varela                         

Convenção entre o governo português, representado pelo director da alfândega de Cacheu, Francisco Manuel da Cunha, e os felupes de Varela, representados pelo régulo Uleone 


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1857, 23 Novembro  Zeguichor                         
Ajuste de paz entre o delegado administrativo de Zeguichor, Francisco Carvalho Alvarenga,  e os gentios balantas de Jatacunda e aldeias vizinhas por autorização de S. Ex.ª o governador da Guiné
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1861, 19 Abril Varela                         Termo da ratificação e reconhecimento e cessão feita pelos felupes de Varela, representados por Attoquem, perante o governador António Cândido Zagallo
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1861, 7 Dezembro Orango                              Termo de reconhecimento da soberania de Portugal sobre a ilha de Orango, estando presentes Pedro Augusto Macedo de Azevedo, secretário do governo da Guiné portuguesa e, entre outros, os juizes dos grumetes de Bissau e Bandim,  André Gomes, Francisco Fernandes e Gregório Rodrigues, e Orantó, rei da ilha  de Orango 

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1864, 2 Janeiro  Cacheu                         
Contrato feito entre o governador de Cacheu, Joaquim Alberto Marques [, 1864-65] o régulo dos gentios Baiotes do chão de Illia Oguini (Collecção da Legislação Novíssima do Ultramar, Vol.V, 1864 e 1865, Lisboa 1895, p. 1)
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1869,13 Agosto    Jefunco                  Tratado de cessão feito pelos felupes de Jefunco a favor da nação portuguesa perante o governador de Cacheu,   João Carlos Cordeiro [1868-1871],  representados, entre outros, por Ampacabú e e Abajé
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1870, 24 Novembro
Ponta de São Jorge, território de Nalu                        
Auto de cessão que fazem os régulos de Nalu e de todo o seu território ao governo de Sua Magestade Fidelíssima o Rei de Portugal,   legitimamente representado por Alvaro Telles Bandeira, governador da Guiné Portuguesa 

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1872, 27 Junho 
Bissau                       

Convenção da paz feita com os gentios balantas d'Inhacre [, Nhacra], representados por Inhan'ha, régulo de Intê, e Hiameti, Inchalemá e Ialá, na presença do governador Antonio José Cabral Vieira

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1873, 24 Fevereiro Geba                                    Termo de juramento de vassalagem e obediência que presta o régulo Donhá, Senhor das terras de Ganadú, à coroa de Portugal representada pelo chefe do presídio de Geba, capitão Alfredo Carlos Barboza 
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1873, 10 Março Geba                      
Termo de juramento de vassalagem e obediência que presta o régulo Ioró-Fim, Senhor das terras de Mancrosse, à coroa de Portugal representada pelo chefe do presídio de Geba, capitão Alfredo Carlos Barboza
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1873, 10 Março  Geba                            
Termo de juramento de vassalagem e obediência que presta à coroa de Portugal o régulo de Gofia, Donhá, perante o chefe do presídio de Geba, capitão Alfredo Carlos Barboza
_____________________________________
1879, 3 Junho 
Bordo do Guiné                      
Tratado feito pelo governador Agostinho Coelho com o régulo de Canhabakc [, Canhabaque,] Tichac
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1880, 15 Fevereiro  Bolama                    Tratado de amizade entre o governo português representado pelo governador Agostinho Coelho e o régulo da ilha de Pissich, Ambrósio, e seu filho Joaquim
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1880, 1 Junho   Buba                            Tratado de paz entre os régulos Beafares e Sambel Tombom, régulo principal do Forreá, na presença do comandante militar de Buba, Thomás Pereira da Terra
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1880, 20 Setembro Bolama                             Auto de vassalagem de Sambel Tombom perante o governador Agostinho Coelho
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1880, 27 Setembro  Bolama                                            Tratados de paz entre Sambel Tombom, régulo do Forreá, e Sambá Mané, fula do território de Buba 
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1880, 21 Dezembro Geba                      
Tratado de paz e amizade  com o régulo principal dos fulas Moló e o régulo de Ganadú, Ambucu, na presença do comandante militar de Bissau, Pedro Moreira da Fonseca
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1880, 21 Dezembro Geba                                             Termo de juramento e obediência que presta à bandeira nacional o régulo de Ganadú Ambucú
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1881, 22 Janeiro Bolama                       
Termo de ampliação e ratificação do tratado feito em 16 de Junho de 1856, na aldeia de Umbaná, entre o governo do distrito da Guiné e o régulo e chefes Biafares de Guinalá e Buduck - na margem direita do "Rio Grande"
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1881, 3 Julho Bolama                       
Tratado de Paz entre o governo português e os régulos fulas-forros e futa-fulas do Forreá e do Futa-Djalon


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(Continua)

[Atualizámos a grafia de alguns topónimos comhecidos, como pro exemplo Ziguinchor, Canhabaque, Xime, Cossé, Cacine; vêm indicados entre parênteses retos. O editor LG]
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Nota do editor:

sexta-feira, 21 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19906: Historiografia da presença portuguesa em África (163): Ainda a viagem, ao Indornal (na atual Gâmbia), em março de 1883, do alferes Francisco António Marques Geraldes, cmdt do presídio de Geba, para ir resgatar duas mulheres cristãs, raptadas em São Belchior (Cherno Baldé / Armando Tavares da Silva / Mário Beja Santos)



Parte V - De Catedi (dia 15) a  Indornal (dia, 16)


Parte IV - De Salicocum (dia 14,) a  Catedi (dia 15, pernoita)



Parte III - Menino Cundá (dia 13, pernoita) a Salicocum (dia 14, pernoita)



Parte II -  De Sede  Cundá (dia 12)  Menino Cundá (dia 13, pernoita)



Parte I - De Geba, dia 11 de março de 1883, a  Sede Cundá (dia 12, pernoita)



Percurso seguido pelo alferes Francisco Marques Geraldes entre Geba e o Indornal, de 11 a 16 de março de 1883 (feita a partir da Carta original conservada na Sociedade de Geografia de Lisboa)





1. Comentários (ao poste P19905),  de Cherno Baldé, Armando Tavares da Silva e Mário Beja Santos (*):

(i) Cherno Baldé:

Caro amigo Armando da Silva,

No dia 17 do corrente fiz um comentário num Poste de Luís Graça sobre a região de Ganadu/Joladu e do seu primeiro régulo Fula, Mbucu ou Umbucu, contemporâneo do ten Marques Geraldes, nos seguintes termos:

Luís,

O Régulo de Joladu que é o mesmo que dizer Ganadu, seria da linhagem do régulo M'bucu ou Umbucu que, em 1886, ofereceu a logística e o serviço dos seus homens para apoiar o ten Marques Geraldes na Batalha de Fanca (Sancorlã) contra os homens de Mussa Molo, rei de Fuladu, com a capital em N'dorna ou Indornal (grafia portuguesa), tendo mudado mais tarde para Hamdalaye, localidades situadas entre o rio Gambia e o rio Casamansa.

Mbucu ou Umbucu era de ascendência Fula-Forro e por isso as suas relações com o Mussa Molo, rei de Fuladu, de ascendência Fula-preto, não eram muito amistosas pelo que a sua aliança com a administração portuguesa através do presídio de Geba era uma forma subtil de recusar a vassalagem ao Mussa Molo, rei do Fuladu que tinha destronado o seu tio, Bacar Demba (vulgo Dembel). De notar que o mesmo (estes conflitos de poder) não acontecia na época de Alfa Molo, pai de Mussa Molo e fundador do reino, que respeitava muito e permitia uma larga autonomia aos Fulas-forros a quem ele próprio tinha entregado a gestão de vastos territórios, muitos dos quais ainda por conquistar às mãos dos mandingas / soninques como era o caso de Joladu.

Abraços,

Cherno Baldé
17 de junho de 2019 às 17:31


Observando atentamente o conteúdo do Poste de hoje e a descrição do percurso seguido até Ndorna (Indornal), a capital do império de Fuladu ou Firdu (ver parágrafo seguinte).

"Prosseguindo viagem atravessam as povoações de Duricundá, Chume-Cundá, Sede-Cundá, Sincho, Nhama-Dicundá, Menino-Cundá, Banco, Quinheto, Cuento, Salicocum, Caredi-Cundá, Pate-Cundá, o rio de Farim, as povoações de Mori-Cundá, Camaco-Geba, Tambuiel, Cotedi, o rio de Selho, e as povoações de Culijan-Cundá, Cutetó e Ille-Cundá".

Deve ter havido algum mal entendido nesta descrição, pois as localidades de Saré-Minine (Menino-Cunda), Banco e Solucocum (Salicocum) que ainda existem e habitadas, estão localizadas na margem direita do rio Farim e não na margem esquerda como esta aqui descrito. Com a Convenção Luso-Francesa de 1886, Solucocum estaria mesmo junto à linha da fronteira e perto de Sitato, entre as localidades de Cuntima e Cambaju.

É muito interessante notar que alguns meses após a passagem do ten Marques Geraldes ao Indornal, mais precisamente a 3 de Novembro de 1883, o mesmo Mussa Molo assina um tratado de amizade e de protecção com representantes da França presentes no presídio de Sedio (Selho) e deste modo garantir o apoio das forças francesas para destronar o seu tio (Bacar Demba) e afastar o irmão Dicory Cumba, também pretendente ao trono. Mas, daí para a frente estaria em guerra permanente com os régulos Fulas-Forros de Sancorlã, Joladu e de Gabu/Forreá que, aliando-se aos portugueses em Farim e Geba, não reconheciam a autoridade de Mussa Molo sobre esses territórios.

Estou a terminar um texto sobre esta parte menos conhecida da história da Guiné e de Casamança, conhecida como o reino de Fuladu, ou a tentativa da construção do último império na África ocidental.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé
20 de junho de 2019 às 13:29

PS - Há uma grande probabilidade de a designação de Ganadu ter a sua origem a partir da localidade de Saré-Gana, onde residia o régulo Mbucu, aliado dos portugueses, em detrimento de Joladu, a antiga designação do regulado


(ii) Armando Tavares da Silva:

Caro amigo Cherno Baldé,

Obrigado pelos comentários. Eu já tinha notado que a carta com o itinerário seguido por Marques Geraldes contém alguma incongruência. Creio que esta deriva do facto de quem desenhou a carta (que terá participado na expedição ?) ter confundido o rio de Pateá pelo rio de Farim, de que é afluente. Penso que é o rio de Pateá que se encontra assinalado na carta como rio de Farim.

As guerras contra os régulos fula-forros empreendidas por Mussá Moló estão largamente referidas no meu livro, para as quais foram arrastadas as autoridades portuguesas, interessadas na “manutenção do sossego” no território, indispensável para que o comércio progredisse, bem como o papel dos franceses nestas contendas. E até conduziram à tentativa de realização de um tratado de paz com Mussá Moló em Abril de 1887, já depois da Convenção Luso-Francesa de 1886.


Em 1901 escreve o governador Judice Biker referindo-se a Mussá Moló: foi um ”grande chefe-de-guerra que expulsou os beafadas e os mandingas, antigos senhores do território, dividindo este, depois, por diferentes cabos-de-guerra seus. Alguns destes cabos-de-guerra tornaram-se independentes de Mussá Moló, procurando o auxílio do nosso governo, e a maior parte conservou-se-lhe fiel. Daqui a origem das guerras constantes em Geba – o Mussá procurando bater os que lhe não eram fiéis, o nosso governo auxiliando-os e procurando bater os que se conservavam fiéis àquele”.

“Com o tempo e as derrotas que foi sofrendo, Mussá foi perdendo o prestígio e, de 1892 para cá, Geba tem-se conservado sensívelmente sossegada, o que não quer dizer que aquele não conserve ainda alguma influência e não possa incomodar-nos mandando reunir gente para realizar alguma correria no nosso território”.

A operação de 21 de Setembro de 1886 empreendida por Marques Geraldes, em que participou o régulo Umbucú e todos os seus filhos, e em que as forças de Mussá Moló são atacadas em Fancá (San Corlá) está, entre outras, também, detalhadamente relatada no meu livro.

Uma questão: a povoação de Caramtabá (ou Carantambá) ainda existe? Fiz uma cuidada tentativa de a encontrar nas cartas actuais, sem sucesso. Pode o Cherno dizer-nos alguma coisa sobre isto?

Com um abraço amigo,

Armando Tavares da Silva
20 de junho de 2019 às 18:06


(iii) Cherno Baldé:

Caro amigo Armando,

Nao posso confirmar a existência da localidade de Carantaba na zona de Ganadu, parece que já não existe com esse nome no mesmo sítio onde, em contrapartida, existem outras com designações diferentes em língua fula, tais como Saré-Banda e Sincha Sutu.


Todavia, no conjunto da regiao do nordeste guineense, existem muitos Carantabas descendentes e espalhadas pelo território e que em mandinga significa literalmente "a árvore do saber".

A parte II do percurso traçado corresponde a minha zona (Cansonco/Fajonquito), onde passei toda a minha infancia, pastando gado bovino nas matas e que conheço melhor, e posso confirmar a existência das seguintes localidades citadas: Sanecunda (Sede Cunda), Saré-Minine (Menino Cunda), Banco, Quenhato (Quinheto) e Solucocum (Salucocum). Poderão verificar, consultando o mapa de Colina do Norte, inserido neste Blogue, subindo de sul para norte na carta.

Saré Minine esta perto de Saré-Jamara e que foi um dos destacamentos das companhias que passaram por Fajonquito na estrada para Canjambari-Jumbembem-Farim.

Muito agradecido pela simpatia e carinho no meu dia de aniversario. Um bem haja para todos os Editores e Colaboradores do Blogue.

Um forte abraço,

Cherno Baldé
20 de junho de 2019 às 19:05

(iii) Mário Beja Santos

Prezados confrades, é da mais elementar justiça relevar quem foi destemido e zelador pelas vidas alheias, como lhe cabia. Todo este episódio já aqui foi referido no blogue e permite-me acentuar que a carta que o governador Pedro Inácio de Gouveia, sobre o assunto, enviou para Lisboa, possui finura literária, foi este documento que conduziu à elevada condecoração deste militar que, infelizmente, anos mais tarde irá ter problemas disciplinares muito graves, que lhe mancharam a carreira.

Aqui se reproduz o que veio publicado no nosso blogue, em 30 de julho de 2014, segue o link (***):


https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2014/07/guine-6374-p13449-biblioteca-em-ferias.html

Um abraço aos dois, Mário Beja Santos

21 de junho de 2019 às 12:43
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Notas do editor:

(*) Vd. último poste da série > 20 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19905: Historiografia da presença portuguesa em África (161): Viagem do alferes Francisco Marques Geraldes, de 11 a 17 de março de 1883, de Geba ao Indornal, feito que lhe valeu a atribuição, por el-rei D. Luís, do grau de cavaleiro da Torre e Espada (Armando Tavares da Silva)

(**) Vd. poste de 30 de julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13449: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (1): Francisco Marques Geraldes, um herói militar português na Guiné

(...) No Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa vem reproduzida a carta que o governador Pedro Inácio de Gouveia dirigiu a partir do palácio de Bolama, em 4 de Maio de 1883 ao Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar. A carta reza o seguinte:

Ilustríssimo e excelentíssimo senhor,

Em princípios de Março, os Fulas Pretos agrediram a pequena povoação de São Belchior, na margem direita do rio Geba, onde existiam alguns grumetes de Bissau, gente pacífica e inerte, que faziam algum comércio com os poucos recursos que dispunham.

Os Fulas Pretos, capitaneados por Deusá [Dansa, segundo Cherno Baldé], queimaram as cubatas, levando prisioneiros dez homens e duas mulheres, todos cristãos.

Este ponto fica sob a jurisdição imediata do presídio de Geba e do concelho de Bissau.

Depois deste ataque à povoação, foi Deusá com a sua corte para os lados de Geba, e parece que receando-se de algum agravo da parte do governo português, que ultimamente não tem poupado os díscolos, apresentou-se ao comandante do presídio de Geba o alferes Francisco António Marques Geraldes, levando-lhe um presente de vacas e não lhe falando em nada do ocorrido.

Aquele oficial, sabendo então do procedimento do chefe em São Belchior, recusou-lho e exigiu-lhe os prisioneiros que ele conservava em seu poder; o chefe intimidou-se e entregou os homens, pois as duas mulheres iam a caminho do Indornal, que fica pouco mais de um dia proximamente ao SE de Gambia e dois proximamente ao NE de Selho.

Aquelas mulheres iam fazer naturalmente parte do serralho do régulo gentílico Dembel, potentado entre os Fulas Pretos, e a que todos obedecem, e pai [, irmão, segundo Cherno Baldé,] do agressor do Deusá, ou então trocadas por vacas, conforme os usos do gentio.

Deusá desculpou-se com o chefe do presídio de Geba, por atacar aquela povoação, dizendo ignorar que São Belchior [, na margem direita do Rio Geba Estreito,] pertencia aos portugueses, entregando três dias depois os prisioneiros, explicando a impossibilidade da entrega das duas mulheres, aliás que lhe seriam também apresentadas.

Aqui principia a fase brilhante e digna do alferes Francisco António Marques Geraldes, comandante do presídio de Geba; participa o ocorrido para o seu imediato chefe, o comandante militar de Bissau, e dizendo que ia buscar as mulheres, estivessem onde estivessem, pedindo para ser relevado de não esperar autorização superior pelo receio de que, esperando, chegasse tarde, receio fundado, pois no dia seguinte à sua chegada ao Indornal já estariam trocadas por vacas, segundo os ajustes feitos.

Põe-se este oficial a caminho, acompanhado apenas de um enfermeiro ao serviço na praça, António Mendes Rebelo, de José Lopes, comerciante em Geba, e quatro grumetes para conduzir a pequena bagagem da expedição, levando fazendas, tabaco e cola na diminuta importância de 35 mil reis, para lhe facilitar a passagem nos caminhos das diferentes povoações que tinha de atravessar.

Aí vai este oficial, convencido da sua nobre causa, em condições excecionais, sem cómodos, sem força, levando a ideia inabalável de que devia exigir e havia de trazer as duas mulheres cristãs, que, abusiva e violentamente, foram arrebatadas dos seus lares. Chegada à tabanca do régulo Umbucú, apresentou-se-lhe completamente uniformizado, dizendo quem era e qual o seu destino. Este régulo, bastante poderoso e dominando o território vizinho de Geba, recebeu-o admiravelmente, e ofereceu-lhe três cavalos para fazer a jornada e quatro Fulas armados para o acompanharem, e seu filho para lhe servir de guia e obviar a algumas dificuldades de ocasião, que em seu trajeto lhe aparecessem.

Andando nove a dez horas por dia, percorreu aquele trajeto (cerca de 54 léguas) sob um sol ardente, bebendo má água, seguindo tranquilo e cônscio de que realizava a sua nobilíssima ideia. Atravessou o rio Farim no dia 15, dois dias a jusante desta praça, onde é estreitíssimo e obstruído de paus, de difícil navegação, e no dia seguinte o rio Casamansa, a maior distância de Selho [Sedio, no atual Senegal, segundo o Cherno Baldé], também a jusante, chegando no dia 16 às oito horas da noite ao Indornal.

No dia seguinte, expôs ao régulo de Dembel o fim da sua visita, declarando-lhe as boas relações que têm havido entre o governo português e os da sua raça; que não podia acreditar que ele, régulo, permitisse as correrias dos seus, o que aliás obrigava o governo português a usar de represálias, como já tinha procedido para com os Fulas Forros, Beafadas e todos que praticassem violências para com gente sossegada, que apenas trata do seu comércio, concluindo por exigir as duas mulheres e uma indemnização para aqueles que sofreram na agressão em São Belchior.

O régulo ouviu no mais profundo silêncio a peroração do oficial, e considerou-a caso tão melindroso que só depois de conferenciar com os seus “maiores” lhe poderia responder. No dia seguinte, mandou-o chamar e disse-lhe que estava pronto a entregar as duas mulheres que seu filho tinha mandado para ali; que a indemnização aos roubados não podia ser a que ele entendia dever satisfazer, pois havia pouco tinham sido devoradas pelas chamas duas povoações importantes, como o próprio oficial presenciou, e daí grandes despesas a fazer para abrigar os seus vassalos; que também ia mandar cavaleiros buscar o seu filho para o repreender e proibir-lhe de fazer guerra sem ordem dele, e nunca que pudesse indispô-lo com o governo português.

Convidou-o a esperar pelo regresso do filho.

No dia 24, apareceu o filho de Deusá, e foi severamente repreendido pelo pai, entregando este as duas mulheres e 40.560 reis para distribuir pelos prejudicados de São Belchior.

O oficial saiu no dia 26 do Indornal, sendo acompanhado por Mussá, sobrinho e sucessor do régulo Dembel e seu primeiro-cabo de guerra, em quem deposita toda a confiança (***). A este ofereceu o alferes Geraldes uma espingarda de repetição que possuía, como presente dos seus bons serviços. Mussá declarou que, em quaisquer circunstâncias que o governo português carecesse dos seus serviços, que podia contar com ele e toda a sua gente, cuja força é superior a 6 mil homens.

No dia 26 saiu às seis horas da tarde do Indornal, seguindo o mesmo itinerário, tendo sido, tanto na ida como no regresso, admiravelmente recebido pelos povos onde passou.

Causou espanto no Indornal à aparição do oficial, pois ali nunca esteve um europeu, chegando a pedir-lhe para descalçar as botas, duvidando se também o corpo era branco,

Excelentíssimo senhor, um oficial que assim procede, nas condições e fim nobre como realizou esta expedição, parece-me merecedor de uma remuneração condigna, que à munificência régia lhe apraza conceder. Este oficial levou a sua abnegação a querer custear as despesas à sua custa, não obstante os seus pequenos vencimentos, e só instado é que se resolveu a mandar para a junta da fazenda a despesa feita, que importa apenas em cerca de 70 mil reis.

Pedindo toda a atenção de vossa excelência para o serviço relevante que o alferes Francisco António Marques Geraldes acaba de prestar ao país, entende cumprir o meu dever levando ao conhecimento de vossa excelência tão relevante serviço.

Deus guarde a vossa excelência.

(***) Segundo o nosso especialista em questões etnolinguísticas, o Cherno Baldé (*), (...) "sabe-se que o Dembel assim como Bacar Demba eram irmãos de Alfa Molo, rei de
Firdu, que fez a Guerra aos soninques / mandingas de Gabu e em consequência disso eram sérios pretendentes ao trono que acaba por ser arrebatado pelo filho, o Mussa Molo, o mesmo que acompanhou o Marques Geraldes no seu regresso ao Geba e, mais tarde, em 1886 estarão frente a frente na batalha de Fanca onde o Mussa e seus numerosos partidários são destroçados por M. Geraldes, tendo ao seu lado poucos homens (menos de 200 homens armados)."

quinta-feira, 20 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19905: Historiografia da presença portuguesa em África (162): Viagem do alferes Francisco Marques Geraldes, de 11 a 17 de março de 1883, de Geba ao Indornal, feito que lhe valeu a atribuição, por el-rei D. Luís, do grau de cavaleiro da Torre e Espada (Armando Tavares da Silva)



Imagem nº 1 > Guiné > Carta de 1889 da Comissão de Cartografia. Detalhe



Imagem nº 2 > Guiné > Carta de 1889 da Comissão de Cartografia. Detalhe:  assinalado o percurso de Marques Geraldes e as povoações por onde transitou.


Parte III 


 Parte II
Parte I





Imagem nº 3 > Percurso seguido por Marques Geraldes entre Geba e o Indornal, de 11 a 16 de março de 1883 (feita a partir da Carta original conservada na Sociedade de Geografia de Lisboa).


1. Mensagem de Armando Tavares da Silva



Data - Domingo, 16/06, 00:12 (há 1 dia)



Assunto - Marques Geraldes: De Geba ao Indornal


Luís,

Anexo um texto, já em tempos prometido, relativo a uma diligência de Francisco Marques Geraldes, chefe do presídio de Gebam que o levou de  Geba ao Indornal. 


É um texto que dedico ao Cherno Baldé, por ocasião do  seu próximo aniversário, e que gostava que fosse publicado no dia 20 de
Junho. 


Seguem também 3 imagens, sendo 2 reproduções parciais da Carta da Guiné da Comissão de Cartografia de 1889, destinadas a ilucidar o percurso realizado na referida diligência.

Com um abraço, agradece,
 

[ (i) Membro da Tabanca Grande; tem cerca de 5 dezenas de referências no nosso blogue: 

(ii)engenheiro, historiador, prof catedrático aposentado da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra; 

(iii) "Prémio Fundação Calouste Gulbenkian, História da Presença de Portugal no Mundo" (, atribuído pelo seu livro “A Presença Portuguesa na Guiné — História Política e Militar — 1878-1926”, vd. imagem da capa a seguir); (iv) presidente da Secção Luís de Camões da Sociedade de Geografia de Lisboa]



2. No meu comentário de 16 de Janeiro do ano passado, em resposta a um comentário do Cherno Baldé, ao meu post P18216 de 15 de Janeiro de 2018, prometi que mais tarde iria falar de uma diligência de Marques Geraldes – o chefe do presídio de Geba ‒ junto do régulo Dembel. Esta diligência iria ter lugar em sequência das muitas correrias de Densá, que era filho daquele régulo, e que estavam já a causar dissidências entre os próprios fulas-pretos.

É o que agora faço por ocasião do aniversário do Cherno Baldé (*)  e como singela homenagem que lhe presto pela sua participaçãp neste blogue e seus comentários sempre muito apropriados e elucidativos.

Sucedera que em Março de 1883 a pequena povoação de S. Belchior, situada na margem direita do rio Geba, tinha sido atacada pelos fulas-pretos capitaneados por Densá, sendo aprisionados todos os cristãos, e as suas casas reduzidas a cinzas.

Densá, de pouca idade, filho do régulo Dembel, que ainda não havia muitos meses fizera um tratado de amizade com o governo, envia ao comandante do presídio de Geba, alferes Francisco Marques Geraldes, uma vaca de presente, ao mesmo tempo que diz dedicar-lhe amizade. Porém, Marques Geraldes ordena-lhe a entrega, “sem mais delongas” dos cristãos aprisionados, ao mesmo tempo que devolve “o presente”. 


Decorridos 3 dias, são apresentados dez dos cristãos aprisionados, tendo o cavaleiro que os acompanha pedido desculpa do acontecido em S. Belchior, pois Densá ignorava que esta povoação estivesse sob a protecção do governo português. Faltavam, contudo, duas mulheres que tinham sido enviadas para o Indornal.

Marques Geraldes, que tinha “a vontade de salvar as duas desgraçadas cristãs que seguiram para o Indornal, onde em breve iriam ser vendidas para a Gâmbia a troco de cavalos, e o desejo de acabar com as dissidências que já iam lavrando entre os fulas-pretos por causa das demasias praticadas por Densá”, decide empreender uma “tão longa e quão espinhosa viagem ao Indornal, tendo em vista o ser útil ao [seu] país e aos povos que administrava”.

Assim, larga de Geba a 11 de Março, e enceta uma longa caminhada a cavalo, acompanhado de um intérprete e de um enfermeiro (que conhecia as línguas mandinga e fula), e de quatro grumetes para carregadores. Começa por atravessar as povoações Calicundá, Bindangar, San-Jenó, e chega a Carantabá, onde o rei de Umbucú se manifesta cansado de “aturar os despotismos e roubos de Densá”, e lhe pede para interceder junto do régulo Dembel para que este mande recolher seu filho Densá ao Indornal, sem o que se poderia dar “de um momento para outro […] uma guerra entre fulas-pretos”.

O rei de Umbucú oferece a Marques Geraldes três cavalos e põe à sua disposição o seu filho Sambel e 4 fulas armados. A expedição foi assim composta de 4 cavaleiros e 8 homens de pé, estando, do total de 12, apenas 6 armados com espingardas e os outros somente de espadas.

Prosseguindo viagem atravessam as povoações de Duricundá, Chume-Cundá, Sede-Cundá, Sincho, Nhama-Dicundá, Menino-Cundá, Banco, Quinheto, Cuento, Salicocum, Caredi-Cundá, Pate-Cundá, o rio de Farim, as povoações de Mori-Cundá, Camaco-Geba, Tambuiel, Cotedi, o rio de Selho, e as povoações de Culijan-Cundá, Cutetó e Ille-Cundá.


No dia 16, depois de atravessar o rio de Selho, chega pelas 8 da noite ao Indornal.

No dia seguinte realiza-se, na tabanca do régulo Dembel, que se apresenta “cercado pelos seus grandes”, uma longa interpelação de Marques Geraldes, em que este, entre outros aspectos, lembra que o próprio régulo Dembel tinha estado em Geba, não havia ainda 5 meses para consolidar o tratado de paz e boa amizade feito por Moló, seu antecessor. Recorda ainda os sacrifícios que o governo português tinha feito em Buba, por causa da protecção concedida aos fulas-pretos – o mesmo governo que não tivera dúvida, em 1880, de se declarar abertamente contra os fulas-forros – e pede-lhe para mandar recolher ao Indornal o seu filho Densá, “onde ele não aparecia havia um ano, tirando-lhe ao mesmo tempo a gente de guerra que o acompanhava”.

No dia seguinte, dia 18, depois de se ter aconselhado com os seus grandes, Dembel, considerando o exigido pelo governo, comunica que iria mandar entregar as duas mulheres de S. Belchior e, ao mesmo tempo, intimar Densá a recolher ao Indornal “sob pena de ser expulso do território dos fulas, não querendo obedecer”. No entanto, só a 24 Densá chega à presença do pai e procede à entrega das duas mulheres.

Marques Geraldes, no seu circunstanciado relatório apresentado ao governo, acrescenta que o régulo Dembel, de cerca de setenta anos, é de carácter “bastante pusilânime”, o que poderia dar azo a que houvesse alguma ocorrência desagradável, se não fosse Mussá, seu sobrinho, de 30 anos, que lhe haveria de suceder no governo, “bastante enérgico e idolatrado pelos fulas-pretos”. Diz ainda que: “É ele o principal cabo-de-guerra, a quem em tempo de guerra, velhos e moços, todos à porfia lhe obedecem”.

E continua, referindo que no Indornal, onde encontrou muita gente conhecida de Buba e Geba, viviam em perfeita harmonia, os mais variados povos: mandinga, fula-forro, futa-fula, seruá, soninqué, entre outros. E acrescenta que foi “belíssimo” o tratamento recebido, e a “muitos causava admiração o ter chegado àquele lugar, [pois] era a primeira vez que um branco ali tenha ido”.

No dia 26, pelas 3 horas da tarde, Marques Geraldes sai do Indornal de regresso a Geba, onde chega no dia 31 pelas 8 horas da noite. Na partida, Mussá e alguns guerreiros vieram despedir-se dele, dizendo-lhe aquele que “o governo português podia contar com ele sempre [que] tivesse precisão”. E Marques Geraldes oferece a Mussá como presente uma espingarda de repetição que possuía.

Tinha sido uma viagem calculada em 160 léguas, de “10 horas de marcha por dia, sob um calor abrasador”. Em resultado do relevante serviço que acabara de prestar ao país, a 7 de Junho de 1883, El-rei D. Luís atribui a Marques Geraldes o grau de cavaleiro da Torre e Espada.

Mais tarde, já no final do ano, Marques Geraldes é levado a nova intervenção junto do régulo Dembel. Sucedera que este, estando em inimizade com “os mouros de Bigine e os beafadas de Cossé” e desejando “reduzi-los à fome para assim os vencer”, mandara fechar os caminhos que conduziam ao presídio de Geba, impossibilitando que nele entrassem géneros alimentícios. E parece que esta intervenção terá tido os seus resultados pois, a 1 de Dezembro, enviados de Dembel, ao afirmarem que este régulo “estivera sempre de boas relações com o chefe [alferes Marques Geraldes], a ponto de lhe mandar dizer que tudo quanto ele precisasse lhe seria fornecido, bem como ao juiz do povo”, anunciam que aquele régulo “dera ordens precisas para que os caminhos ficassem imediatamente livres”, pedindo somente para que o chefe fizesse “com que os de Bigine” não fossem ao seu território.


A expedição de Marques Geraldes ao Indornal não teve a importância e o reconhecimento que alguns anos antes havia tido a expedição de Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens, que exploraram o interior de Africa entre Angola e Moçambique. Mas insere-se, com a sua dimensão própria, entre aquelas que portugueses realizaram para melhor conhecimento de Africa.

A atestar a sua importância para o conhecimento do interior da Guiné, temos o facto de, a seguir à mesma, a carta da Guiné editada pela Comissão de Cartografia do Ministério da Marinha e Ultramar, na sua edição de 1889, ter passado a incluir as povoações por onde tinha transitado Marques Geraldes, assim como o caminho por este percorrido.


Anexa-se uma imagem com o percurso seguido por Marques Geraldes entre Geba e o Indornal (feita a partir da Carta original conservada na Sociedade de Geografia de Lisboa)(Imagem nº 3).

Anexa-se ainda uma imagem com parte da carta de 1889 da Comissão de Cartografia onde se encontra assinalado o percurso de Marques Geraldes e as povoações por onde transitou.

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quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Guiné 61/74 - P19393: A presença portuguesa no mundo (1): Nyanmar e Bangladesh (Armando Tavares da Silva)



"Os olhos de um António, lisboeta birmanês"


"Uma Dona Maria da Piedade, beirã do Irrawady"


"Um Sr. José, algarvio do rio Mu"

Fotos (e legendas): do fotógrafo Joquim Magalhães de Castro (2009). Fonte: Blogue Combustões, de Miguel Castelo Branco



"James Swe quer que a comunidade de descendentes de portugueses no Myanmar conheça essa herança cultural. O seu livro sobre os portugueses que por lá passaram durante a primeira dinastia birmanesa vai ter lançamento em língua portuguesa no próximo ano". 

Foto e legenda: Jornal Tribuna de Macau, 18 de dezembro de 2017 (com a devida vénia...)



1. Mensagem do nosso amigo e membro da Tabanca Grande, Armando Tavares da Silva, engenheiro,  historiador, prof catedrático aposentado da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, "Prémio Fundação Calouste Gulbenkian, História da Presença de Portugal no Mundo" (, atribuído pelo seu livro “A Presença Portuguesa na Guiné — História Política e Militar — 1878-1926”), presidente da Secção Luís de Camões da Sociedade de Geografia de Lisboa.


Data: 24/12/2018, 14:24


Caro Luís,

Esta é talvez uma boa altura para se publicar o texto anexo, a que junto os meus votos de um Santo e Feliz Natal para todos os gran-tabanqueiros. Não fala da Guiné, nem de África, mas fala da Ásia e da presença portuguesa no Mundo. Talvez funcione de lenitivo para os cépticos e descrentes...

Fêz-me recordar o que ouvi dizer a um guineense com quem me cruzei, não há muito tempo, com grande orgulho e satisfação: “Eu sou português!”. E também o que escreveu em missiva para o governador, em 1891, o chefe beafada Mamadú D’jolá (ou Mamadú Jolá), a propósito de desinteligências com negociantes franceses: “Eu sou português e não francês, porque estou debaixo da bandeira portuguesa!”. Abraço, A.


2. A presença portuguesa no mundo: Nyanmar e Bangladesh

por Armando Tavares da Silva


Passou há pouco um ano sobre a visita do Papa Francisco a Myanmar e ao Bangladesh, o que deu origem a que surgissem na imprensa e outros media notícias de descendentes de portugueses que no século XVI se deslocaram para aquele país com intuitos comerciais. A existência destes descendentes é (era) desconhecida da maior parte dos portugueses. Apenas aqueles que se dedicaram a estudar a presença portuguesa na Ásia teriam dela conhecimento, como é o caso do historiador Miguel Castelo Branco.

A visita do Papa a Myanmar decorreu entre 26 e 30 de Novembro de 2017 e durante ela o Papa celebrou uma missa campal em Rangum na presença de cerca de 150 mil  católicos e uma outra para jovens na Catedral de Santa Maria.

As notícias que vieram a lume contam-nos que a chegada dos primeiros portugueses ao reino que é agora o Myanmar,  não foi fruto de um processo organizado. Como exemplo é referido o caso de Sebastião Tibau, um militar que depois de ter chegado à Índia desertou para procurar fortuna para os lados de Arracão, hoje o estado birmanês de Rakhine. Este é o estado onde tem ocorrido uma perseguição aos rohingya – minoria muçulmana –, e pelos quais o Papa procurou interceder junto das autoridades birmanêses durante a sua visita.

Segundo aquele historiador, Sebastião Tibau “tranformou-se lentamente num rei pirata da ilha de Sundiva, que depois de muitas traições e mudanças acabou por ser destruído pelos birmaneses”. Houve mais tarde o “famosíssimo Rei do Sirião, ou rei do Pegú, que é um Filipe Brito de Nicote, que era também um mercenário, e que ganhou tanto relevo que acabou por ser investido como Senhor do Sirião”.

Ainda segundo aquele historiador, os portugueses – que eram designados por “portugueses à solta” – geravam espontâneamente comunidades, casando com mulheres locais, e cujos filhos recebiam educação portuguesa, incluindo a sua religião. Estas comunidades originavam ”bandéis” inteiramente ocupados por esta população mista luso-birmanesa, a qual tinha uma função especializada no quadro das monarquias locais, sendo soldados e intérpretes.

Constituiam um grupo social estratégico, desempenhando, ao longo de 300 anos, funções administrativas relevantes no palácio, no comércio internacional e no exército.

Em Merguy, Tavoy e Dagon (hoje Rangum, capital histórica do Myanmar), principais portos de mar, a função de shabandar, ou seja, de capitão portuário, foi sempre desempenhada por estes católicos habilitados para o uso das duas línguas francas então usadas no Sudeste-Asiático, o malaio e o português. Depois, com a afirmação do poder britânico a partir de meados do século XVIII, passaram a dominar o inglês e ganharam uma nova competência; transformaram-se em tradutores e intermediários em todas as embaixadas enviadas pelos britânicos à corte birmanesa, assim como em agentes comerciais e diplomáticos dos governantes birmaneses. Não é, pois, de estranhar que a sua influência fosse crescendo, ao ponto de um dos últimos reis da dinastia Konbaung ter tomado como uma das suas mulheres uma rapariga luso-birmanesa.

Mas foi como comunidade marcial que os nossos luso-birmaneses ganharam notoriedade. Nas lutas com o Sião, com o império chinês e, finalmente, durante as três guerras com os ingleses – primeira guerra anglo-birmanesa (1824-1826), segunda guerra anglo-birmanesa (1852-1853) e terceira guerra anglo-birmanesa (1885) – as unidades católicas do exército real birmanês, armadas à europeia, transformaram-se na espinha dorsal do dispositivo birmanês. Para além de unidades de atiradores, constituíram-se unidades de artilharia de campanha cuja eficácia foi repetidamente

Mas não foi só em Ragum que o Papa Francisco celebrou missa perante descendentes de portugueses durante aquela viagem. Depois de visitar Myanmar, o Papa deslocou-se ao Bangladesh, onde permaneceu entre 30 de Novembro e 2 de Dezembro, país onde o cristianismo chegou através dos portugueses do século XVI, e onde existe igualmente uma pequena comunidade de católicos.

Igreja de Santo Rosário, Daca, Bangladesh

Papa no cemitério católico, em Daca


O Papa com estudantes da universidade católica de Daca

Viagem do Papa Francisco  ao Banglasdesh 
(30 de novembro a 2 de dezembro de 2017)

Fotos: recolha de Armando Tavares da Silva (2019)



E é de referir que uma das igrejas onde o Papa esteve presente foi a igreja do Santo Rosário em Daca, capital daquele país, construída pelos missionários agostinhos portugueses em 1677. Nesta igreja o Papa reuniu-se com sacerdotes, religiosos(as), seminaristas e noviças, tendo visitado o cemitério contíguo onde estão sepultados muitas dezenas de missionários e fiéis. De realçar que esta igreja foi objecto de reconstrução no ano 2000, patrocinada pela Fundação Calouste Gulbenkian, no âmbito de um notável esforço de recuperação dos traços da presença de Portugal no mundo, iniciado em 1995, e que mereceu a atenção prioritária da Fundação pela sua importância histórica e religiosa, pois se trata do único edifício do tempo dos portugueses existente na capital da antiga província de Bengala Oriental, que a partir de 1947 foi o Paquistão Oriental e, desde 1971, o Bangladesh independente.

A cerimónia de reabertura da igreja decorreu no dia 17 de Dezembro de 2000, na presença de cinco bispos, vinte padres e cinco mil e quinhentas pessoas, representando uma manifestação de fé cristã em país muçulmano, e que decoreu num ambiente de “alegria esfuziante e fervor religioso”.

Acrescente-se que, quer em Daca quer em Chittagong (duas das principais cidades do país), se notam traços visíveis da presença portuguesa, tanto nos nomes dos mortos gravados nas pedras tumulares dos cemitérios, como nos dos vivos (todos os sete bispos do Bangladesh têm nome de família Rozário, Gomes ou Costa…). Por outro lado, há igrejas dos tempos dos portugueses nos arredores da capital – uma delas, a capela de Santo António de Panjorá, tem bem à vista, no alto da fachada, uma legenda: «Missões Portuguesas de Bengala», a data de 1906 e o escudo da monarquia portuguesa.

Nesta procura do que resta da presença portuguesa no oriente é indispensável mencionar o trabalho do escritor, jornalista e fotógrafo Joaquim Magalhães de Castro, autor do livro ”Os Filhos Esquecidos do Império” (2014). Este, em 2002, percorreu a Birmânia (Myanmar) em busca dos vestígios da minoria portuguesa-católica bayingyi, que ainda sobrevive no vale do rio Mu, afluente do Irrawady. O resultado deste notável trabalho de campo foi, a todos os títulos, inesperado. A sensibilidade do artista captou com intensidade os rostos dessa gente que orgulhosamente ainda exibe os traços do sangue e herança portugueses. Quatrocentos anos de obstinada resistência, apego à memória, práticas gastronómicas, indumentária, farrapos de língua e uma profunda demarcação religiosa transformaram em relíquia antropológica a comunidade remanescente do trânsito de aventureiros, comerciantes e missionários vindos da Roma do Oriente (Goa) a caminho de Malaca e Macau.

Um livro onde se desvenda a presença portuguesa na Birmânia, mais de 500 anos depois, é o livro de James Myint Swe, "Cannon Soldiers of Burma", e aí se pretende divulgar o papel de exploradores, comerciantes e soldados vindos de Portugal a partir do século XVI na estrutura actual da Myanmar. Com primeira edição em inglês em 2014, deste livro espera-se uma versão portuguesa a ser lançada pela Gradiva.

Ouçamos este birmanês descendente de portugueses, formado em ciência política pela Universidade de Western Ontario, Canadá, onde vive desde 1976, em entrevista à Lusa, a propósito do seu livro:

"É extraordinário que, na mesma zona onde os portugueses se estabeleceram pelo ano de 1633, em Ye U, uma localidade situada entre os rios Chindwin e Mu [norte da Birmânia], as populações continuem a sentir-se portuguesas", sem qualquer contacto e a mais de nove mil quilómetros de distância.

"Não se sabe ao certo a dimensão destas populações... cerca de 200 a 300 pessoas por aldeia, o que nas localidades maiores poderá ir até às duas/três mil. As autoridades estão a tentar fazer um levantamento para saber quantas aldeias existem e quantas pessoas ali vivem", acrescentou James Swe, que nasceu Chan Tha Ywa, na zona de Ye U, em 1947.

As pessoas desta zona "parecem europeus, o cabelo e a pele são mais claros, alguns têm olhos verdes" e são maioritariamente católicos, disse, lembrando que, nos anos 1970, o Governo não reconhecia esta população como birmanesa, considerando-a estrangeira.

À medida que a aposta das autoridades no ensino cresce no país e que os acessos à zona melhoram, os elementos mais jovens destas comunidades deslocam-se para as cidades para entrar nas escolas e "esta relação com Portugal começa a perder-se", alertou.

Mas este afastamento já vem de longe e está retratado na declaração atribuída pelo investigador ao capitão António do Cabo que, em 1628, em Ava, no norte birmanês afirmou: "Muitos de nós nascemos em Portugal, ou pelo menos em Goa [Índia]. Passámos muitos anos aqui na Birmânia. Sempre nos sentimos como prisioneiros, ou hóspedes, ou visitantes. Agora chegou a altura de aceitar que a Birmânia é o nosso país. Ainda somos portugueses, mas nunca voltaremos a ver Portugal. Alguns de vós nunca viram".

"Com as armas que trouxeram e as alianças que cimentaram com os reinados Mon, Arakan [Rakhine, na actualidade] e Bama/Birmanês, os portugueses foram determinantes na construção da actual Birmânia", sublinhou James Swe.

Os 300 anos que medeiam entre a chegada dos portugueses (1500) e os ingleses (1800) foram quase eliminados da história oficial do país, acrescentou.

"Eu só conheci estas histórias porque, durante as férias do verão, os meus avós falavam da vida de Paulo Seixas ou Luísa de Brito", afirmou, referindo-se a alguns dos longuínquos protagonistas de guerras, alianças, traições e comércio no país, que faz fronteira com a China, o Bangladesh, o Laos e a Tailândia.

"Foi no Canadá que descobri que a História e aquilo que os meus familiares contavam coincidiam", disse, sublinhando as dificuldades de estender a pesquisa realizada ao longo de dez anos entre o Reino Unido, o Canadá e Portugal, aos arquivos birmaneses, fechados desde 1962 pelo regime militar. Impedido de entrar nos últimos 40 anos na Birmânia, Swe contou com a ajuda de amigos e familiares no país para investigar a história dos seus ancestrais. Neste período, voltou pela primeira vez a Myanmar, em 2012.

James Swe voltou novamente ao seu país natal para estar presente durante a visita do Papa Francisco, e em entrevista concedida na altura, depois de reconhecer o contentamento dos católicos birmaneses com aquela presença e de assegurar que as aldeias católicas do Myanmar estavam vazias por esses dias, comenta que se os bayingyi estivessem ainda nas suas aldeias, é muito possível que estivessem a fazer chouriço, iguaria que é uma das poucas heranças gastronómicas que sobrevive dos seus antepassados.

Sobre a sorte que teve em visitar Portugal, James Swe diz: “A primeira sensação que tive quando cheguei a Portugal foi de reunificação. Há 400 anos que os meus antepassados não sabiam se alguma vez voltariam a Portugal, mas passado este tempo todo, eu, enquanto herdeiro espiritual, estava a regressar a Portugal. Foi isso que senti. Posso não parecer português, mas sinto-me português, foi como regressar a casa”.