– Eu vou ser o último Mansa – disse ele.
Quando a guerra com o Futa Djalon (19) começou, Djanqui Uali enviou ao Futa Djalon uma embaixada, na qual se incluía um representante de cada um dos 32 Reinos sob o seu domínio, ou com os quais tinha alianças, mas a sua chegada ao Futa Djalon não foi bem aceite, e questionaram a embaixada:
– Como se atrevem a colocar um pé nas nossas terras, não sendo muçulmanos? Vão morrer por isso!
Perante o massacre dos embaixadores Djanqui Uali compreendeu que a guerra era inevitável, e reunido com os Mansas dos diversos Reinos emnCansalá, questionou-os:
– Como vamos responder a terem morto os 32 representantes que enviámos? – mas eles nada responderam, pois nenhum queria avançar para a guerra.
Segundo os marabus, quem derramasse o primeiro sangue em Cansalá perderia a guerra. Assim os fulas engendraram um plano, para que o primeiro sangue em Cansalá fosse derramado pelos mandingas.
Os fulas apanharam um macaco de cor avermelhada (orangotango), o qual deixaram vários dias sem beber, depois deram-lhe água numa tigela, mas a água tinha um mésinho misturado que o transformava num homem, embora as pessoas apenas vissem um macaco. Assim, após ele beber a água, bateram-lhe nas costas e disseram-lhe:
- Vai para Cansalá e sobe ao poilão sagrado.
Quando o macaco subiu ao poilão sagrado de Cansalá, causou grande confusão e temor, sendo confundido com um espírito maligno, pois nunca ninguém tinha visto um macaco daquela cor. Pensaram então que a sua presença no poilão sagrado, era uma ameaça para os espíritos que
protegiam Cansalá.
As pessoas perguntavam-se:
– O que trouxe este macaco aqui?
– O que trouxe este macaco ao nosso poilão?
Djanqui Uali disse-lhes:
– Não se preocupem. Este macaco vem do Futa Djalon, é o símbolo da sua traição, não vamos fazer-lhe mal.
Contrariando a vontade de Djanqui Uali, um tiro foi disparado contra o macaco, e o seu sangue foi derramado em Cansalá, traçando-se assim o fim do Império de Cabú.
No Futa Djalon, a água da tigela onde o macaco tinha bebido, tornouse vermelha, e os homens do Futa Djalon souberam que tinha sido derramad sangue em Cansalá.
Após algumas incursões, os fulas do Futa Djalon
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Djanqui Uali era também um poderoso feiticeiro e as serpentes eram o animal da sua magia. Foram elas que o avisaram, que um poderoso exército fula estava a caminho de Cansalá.
Djanqui Uali enviou um dos seus filhos, para saber quais eram as forças do inimigo, para se poder preparar para a batalha, ao mesmo tempo que enviava pedidos de ajuda aos diversos reinos, dos quais nunca teve resposta.
– Os homens do Futa Djalon são tantos quanto os grão de areia deste monte, se alguém conseguir contá-los saberemos o seu número.
Djanqui Uali ainda enviou o seu sobrinho com a mesma missão, mas a resposta foi a mesma.
Face à desproporção de forças em confronto, Djanqui Uali optou por se defender em Cansalá. Na verdade as incursões anteriores dos fulas tinham bloqueado o acesso a Cansalá, e além disso, os seus irmãos mandingas, membros do clã Mané com quem estava em conflito, tinham-se aliado aos fulas.
Djanqui Uali preparou-se para a batalha e para morrer. Assim deu ordens para que pequenos grupos de várias profissões abandonassem Cansalá, pois queria preservar a sua história, o seu saber e a sua cultura.
Djanqui Uali sabia que não conseguiria vencer o exército fula, mas iria fazer pagar caro a sua derrota. A sua sorte seria também a dos atacantes, seria a destruição total, o fim da sementeira, o que na língua mandinga se designa por turubam.
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Durante vários dias, os mandingas combateram com bravura e mataram muitos dos atacantes, mas o número destes era demasiado grande para poder ser contido, e os fulas começaram a transpor as rudimentares muralhas, construídas de madeira e lama.
Djanqui Uali perante a derrota iminente, chamou os seus filhos, e disse-lhes:
– Vou mandar abrir os portões, e quando os fulas entrarem todos, incendeiem a pólvora dos paióis.
Os portões foram abertos, e quando os fulas entraram, os paióis explodiram e todos os defensores morreram, mas os 40.000 soldados do exército fula ficaram reduzidos a 40.
Os 40 elementos do exército fula que
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Apesar da derrota, os mandingas referem-se ao turubam Cansalá com orgulho, dada a valentia dos defensores de Cansalá.
Perto de onde era Cansalá, os portugueses ergueram a cidade de Nova Lamego, hoje em dia chamada Gabu, sendo a terceira maior cidade da Guiné-Bissau.
O local onde foi travada a batalha é agora um local sagrado, árido e infértil, onde vivem os espíritos.
O Império de Cabú caiu com a invasão fula, mas a sua história e a sua grandeza não foram esquecidas, e a sua cultura contínua viva e a ser transmitidas ao mundo, nomeadamente através de uma das suas invenções, o corá (20).
Esta é a lenda dos valentes guerreiros mandingas, que morreram em Cansalá (**). É uma das muitas lendas existentes, mas é uma versão mandinga da mesma, e como manda a tradição é cantada ao som do corá.
[Adaptação, revisão/fixação de texto e inserção de fotos e links para efeitos de edição deste poste no blogue: LG]
Notas do autor;
Rei ou Imperador, por vezes, por lisonja os súbditos chamavam ao Rei, de Grande Rei, apesar de não o serem. Também existem referências a Imperadores chamando-lhes apenas de Mansa, o que é usual.
Os portugueses chamavam a todos eles de “Régulos”, o que significa pequenos reis.
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(*) Último poste da série > 5 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22433: "Lendas e contos da Guiné-Bissau": Um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte V: A lenda de Sundiata Keita
20 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22390: "Lendas e contos da Guiné-Bissau": Um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte III: Lendas bijagós
10 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22359: "Lendas e contos da Guiné-Bissau": Um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte II A: Comentário adicional sobre os balantas: "Nhiri matmatuc Fortunato. Nhiri cá ubabe. Nhiri god mara santa cá cum boim. Udi assime?"...Traduzindo: "O meu nome é Fortunato. Eu sou branco, não sei falar bem balanta. Percebes o que estou a falar?"... Uma conversa com Kumba Yalá, em Bissorã, a dois dias da sua morte, aos 61 anos
9 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22354: "Lendas e contos da Guiné-Bissau" : um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte II: Ficha técnica, prefácio de Leopoldo Amado, lendas balantas (pp. 1-14)
8 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22349: "Lendas e contos da Guiné-Bissau" : um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte I: Vamos dar início a uma nova série, um mimo para os nossos leitores
(**) Vd. também poste de 15 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11255: Notas de leitura (465): Texto policopiado e publicado pelo Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa - Ultramar (3) (Mário Beja Santos)