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sábado, 19 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24567: Os nossos seres, saberes e lazeres (586): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (116): Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (7) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Junho de 2023:

Queridos amigos,
Depois de um dia passado em Bruxelas, impunha-se a explicação de não se ter feito até agora menção a qualquer estrutura portuária, Bruxelas teve e tem porto, com as grandes alterações introduzidas no centro histórico, do século XIX, para a criação dos grandes boulevards, à moda francesa, e estabelecer uma rede ferroviária de ampla cobertura nacional e internacional, o porto de Bruxelas de hoje tem significado mas perdeu qualquer atmosfera como podemos observar nas gravuras antigas, já por ali passeei e com toda a franqueza vê-se uma vez e chega para o resto da vida. E começou a viagem a Antuérpia, não se visitava aquele museu desde 1991, houve para ali obras de tomo, este 11 anos encerrado, tem um acervo impressionante, obras representativas do que há melhor na arte europeia, funciona agora por conjuntos temáticos, assim que vi o nome de James Ensor, nem hesitei, é santo do meu culto, artista profético, admirador dos meus queridos Bruegel e Bosch, torceu, retorceu e distorceu em tudo que começava no fauvismo e pronunciou o surrealismo, um homem sem escola, um admirável solitário. Aqui lhe presto homenagem, a admiração é imensa.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (116):
Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas ! (7)


Mário Beja Santos

À noite, remexendo no punhado de notas do dia em Bruxelas, ocorreu-me que ainda não houve circunstância de vos referir de que Bruxelas teve um porto de grande importância, hoje reduzido a um conjunto de canais, e, há que o confessar perdeu todo o bulício, a atmosfera que encontramos nas imagens até ao momento em que o rio Senne ficou abobadado depois das grandes mudanças operadas no centro da cidade para garantir a criação dos grandes boulevards e o nó ferroviário que permite ligar Bruxelas a todo o país e a muitas cidades europeias. Um dia, num curso que frequentei de três dias (penso que sobre garantias, vendas fora do estabelecimento e cláusulas dos contratos) a entidade organizadora ofereceu aos participantes um passeio pelo porto de Bruxelas, revelou-se-me coisa insípida, andar num batelão rodeado de edifícios modernaços, armazéns e ancoradouros. No centro da cidade ainda há sinais da vida portuária de antigamente, tudo alvo de gentrificação, há para ali uma bonita linha de água, chamada o mercado do peixe, come-se bem e a bom preço, tornou-se uma atração turística. Enfim, deixo aqui esta nota breve sobre o passado portuário e os seus vestígios atuais, nada de deslumbrante.
Imagem aérea do porto de Bruxelas
O mercado do peixe, hoje local gastronómico por excelência, é uma reminiscência do velho porto de Bruxelas, perto da praça de Santa Catarina
Um dos muitos símbolos da opulência arquitetónica da Antuérpia, espécimen da Arte Nova muito bem intervencionado

O dia de hoje é reservado a Antuérpia. Pelas minhas contas, visitei este museu em 1991, durante a Europália Portugal, aqui se exibiu uma exposição portentosa, denominada “Feitorias”, deu catálogo de luxo, à altura do património riquíssimo e que surpreendeu nacionais e estrangeiros, era inevitável um referência à feitoria de Antuérpia (de que há alguns vestígios) mas a mostra era surpreendente, ali se anunciava um primórdio da globalização, as trocas entre Portugal e a Flandres, da pintura à tapeçaria as marcas de um novo mundo tricontinental. O museu, obra do início do século XIX, conforme se pode ver na imagem, é um gigantesco edifício neoclássico, prima pelo seu acervo monumental de obras de Rubens, e possui uma impressionante coleção de obras de arte desde Foquet até à modernidade. Esteve durante 11 anos em obras, o meu amigo Mathieu de há muito sugeria que aqui viesse, assim aconteceu, comboio da gare central de Bruxelas para Antuérpia, autocarro até às proximidades do museu, descobre-se no regresso que já não há autocarros para a gare ferroviária, aproveita-se para fazer alguns quilómetros para rever a cidade, é fascinante, multicultural, goza de prodígios arquitetónicos, sintetizo tudo numa imagem.
Elementos escultóricos à entrada do Museu Real de Belas Artes de Antuérpia
Pormenor da fachada do Museu Real de Belas Artes de Antuérpia
Alguns elementos decorativos do átrio principal do Museu Real de Belas Artes de Antuérpia, criado no início do século XIX, esteve agora 11 anos em restauro, conheceu profundas alterações no seu interior, mas mantém-se inalterável a decoração dos tempos da criação.
Elemento novo introduzido para conforto dos visitantes.
O museu não está organizado diacronicamente, isto é, não começamos pelos primitivos e, etapa por etapa, chegamos ao nosso tempo. É um museu de organização temática, e assim que vi a referência às salas dedicadas a James Ensor, não houve hesitação, comecei a visita por aqui, quero informar o leitor que também não há diacronia nestas imagens, e explico porquê. Ensor é santo do meu culto, palpita nos seus trabalhos o anúncio de diferentes correntes artísticas, sente-se a formação académica, a palpitação impressionista, uma certa devoção a monstros sagrados como Bruegel e Bosch, há também indícios indutores do expressionismo e do surrealismo. Lê-se que era um homem reservado, mas não se pode esconder a admiração por todo o trabalho que vai desenvolver em torno das máscaras carnavalescas, mero pretexto para representar com a maior das elasticidades a crítica social, de que é exemplo expressivo o seu quadro A Intriga. Estes primeiros quatro quadros permitem fazer notar o poder da experimentação de Ensor, desde o fauvismo ao surrealismo.
Até chegarmos a este último quadro, A Intriga, mais uma mão-cheia de exemplos de pesquisa, de arte atormentada, de experiências na cor, revoluções na forma. Não será por acaso que Ensor, um belga de ascendência inglesa e flamenga, é considerado um expoente da pintura universal do século XIX, um artista profético, anunciador de alvoradas e escolas, e, no entanto, foi um peculiar solitário que muito novo ganhou asas, a partir do impressionismo, e por vezes de forma arrepiante, parece convocar as grandes tendências que abalaram a pintura do século XX. E feita esta grande saudação a Ensor, vamos palmilhar outras salas, que o leitor fique informado que aqui há largos quilómetros de importantíssimas obras de arte.
(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE AGOSTO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24551: Os nossos seres, saberes e lazeres (585): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (115): Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (6) (Mário Beja Santos)

sábado, 12 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24551: Os nossos seres, saberes e lazeres (585): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (115): Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (6) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Junho de 2023:

Queridos amigos,
Tive o dia por minha conta, foram mesmo saudades sem conto a serem satisfeitas, andarilhar por lugares e espaços familiares, a febre das compras e o sonho da pechincha, bisbilhotar boa arte africana, remexer em caixotes pejados de álbuns, traquitana de alguém cujos filhos e netos chamaram um quinquilheiro e venderam por atacado, desde o clister à caixa com os carrinhos de linhas, a correspondência, os álbuns de viagem, as louças da cozinha; e percorrer Marolles, os seus cantinhos típicos, ver as vitrinas das queijarias ou lojas de candeeiros ou até mesmo bazares onde se pode encontrar uma poltrona Napoleão III; deliciar-me com batata-frita (o que me remete para a saudade do fish and chips, aqui a batata é de gomos grossos e deve ser avinagrado), percorrer lojas de livros de segunda-mão, entrar num museu que me é igualmente familiar, sentar-me a beber um café pertos das Halles de Saint-Géry, foi bom enquanto durou, o melhor é descansar as pernas pois amanhã vamos até Antuérpia, ainda não sei, mas iremos percorrer a cidade por inteiro, isto depois de me maravilhar com o fantástico acervo do Museu de Belas Artes de Antuérpia, preparem-se.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (115):
Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (6)


Mário Beja Santos

O que prometi a mim próprio é-me devido, hoje Bruxelas está por minha conta, uma mistura de reminiscências, de passeios de andarilho, de encontrar um tesouro na feira da ladra, entrar em espaços que conheci há volta de 40 anos e de que nunca me desabituei.
É inevitável, primeiro a feira da ladra, viajo em estado de excitação no metro, será que hoje encontro um prato Companhia das Índias, um belo álbum de fotografias antigas, uma gravura, uma pintura a óleo? Entro neste espaço com imensas cautelas, quem viaja em low cost tem fatais limitações de bagagem, já lá vai o tempo em que entrei no avião com uma caixa com um belo candeeiro Arte Deco desmontado ou com um quadro de um metro por metro. Foi uma safra curiosa, a de hoje, encontrei um álbum deterioradíssimo com fotos de alguém que tirou estudos numa escola de administração na Flandres, se empregou em Bruxelas, imagens de convívio, depois de casamento, filharada em férias. Regateei até deixar o vendedor em fúria, paguei 3€, desfiz o álbum, ainda tenho centenas de fotografias metidas em subscritos, quem sabe se não tenho aqui ideia para um romance? Sentado num banco, fui retirando as fotografias do álbum apodrecido e chamou-me a atenção de que as páginas dedicadas à guerra já não tinham fotografias, será que eram comprometedoras? Entretanto, comprei um calhamaço de Piero della Francesca, ainda com capa de plástico, uma pechincha que fez com que andasse com a mochila às costas bem ajoujada durante o dia, mas foi compensador. Regalado, invisto pelas ruas de Marolles, nunca me canso.

Três imagens do meu amanhecer na feira da ladra.
Marolles presta-se a surpresas. Daquilo que li quando todo este centro histórico foi profundamente alterado para abobadar o rio e criar a circulação ferroviária entre Bruxelles Central e Bruxelles Midi fazendo desaparecer os bairros ainda de feição medieval, ficou uma grande superfície ocupada por edifícios do século XIX e espaços a descer para os grandes boulevards que foram posteriormente urbanizados. Esta é uma das surpresas da fronteira de Marolles, trata-se de um lugar, pelo que me foi dado a observar, onde vivem muitos emigrantes, mulheres a trajar à muçulmana, africanos e seus descendentes, os homens e os rapazes conversam em árabe. Não acredito que existe uma cidade mais multiétnica que Bruxelas.
Aqui sim, é o Marolles típico, rue Haute, gostei desta surpresa, ver ao fundo o poderoso torreão do Palácio da Justiça, conheço-o sempre em obras, aquela cúpula dourada brilha ao sol.
Observo que há cuidados em Marolles na criação de espaços de convívio, outrora era um largo estéril, agora tem equipamento que assegura convivência, o leitor pode ver ao fundo o elevador que permite viajar até ao nível do Palácio da Justiça e da roda gigante.
Hergé e o seu Tintin são hoje uma frutuosa empresa e o ícone sagrado tem lugar de honra no Centro de Banda Desenhada, espero na próxima viagem fazer-vos o relato. E há heterodoxos, artistas que exploram atrevidamente a vida sexual de Tintin, como aqui se mostra num estabelecimento comercial em Marolles.
Chegou a hora de cometer um delito nutricional, Bruxelas caracteriza-se por uma excelente culinária, onde pontifica o mexilhão e mais popularmente a batata-frita. Meti-me numa bicha, quero um pacote médio com bastante maionese, e vou bebericar conjuntamente com uma cerveja trapista, o café fica para depois. Dizia-me o meu saudoso amigo Dr. Emílio Peres, autor de uma campanha de educação alimentar como jamais se repetiu em Portugal, que é tolerável prevaricar muito de vez em quando; e confesso que estas batatinhas (muito de vez em quando) são um regalo, tal como os pralinês, inesquecíveis, um perfeito atentado a quem como eu tem peso volumoso. Amesendado, vou fazer uma visita de médico ao Museu Real de Belas Artes e História de Bruxelas, é só subir o Grand Sablon.
Escultura de um morto pelo grisu, de Constantin Meunier. O grisu é uma das formas de carbono fóssil, distingue-se do gás natural pela sua composição e formação, sendo composto com mais de 90% de metano, é gás invisível e inodoro que se liberta do carvão.
Pintura de Constant Montald, A Barca do Ideal, Montald foi um dos grandes pontífices do simbolismo belga, venho aqui referenciá-lo por esta e pela pintura seguinte, não conheço melhor no âmbito desta corrente artística.
A Fonte da Inspiração, quadro de Constant Montald
Pormenor do grande átrio do Museu Real de Belas Artes e História, Bruxelas. É bem curioso comparar imagens dos museus desta época, há gritantes semelhanças, dispunham de um formato quase de templo ou de palácio de grande reverência.
Vim matar saudades à Galeria Bortier, houve tempos em que aqui comprava livros quando ia tomar o comboio para o aeroporto, maravilhava-me com livros antigos, mapas, havia mesmo um espaço em que se vendia originais de Magritte, cometi a enorme asneira de não ter aberto os cordões à bolsa e ter comprado três cartazes publicitários deste génio do surrealismo. Vejo que a galeria já viveu dias melhores, a explicação é sempre a mesma, houve o covid e o interesse pelo livro diminuiu, verdade ou mentira, esta galeria, para mim mítica, e que me fala tanto dos anos passados, caminha para o ocaso.
Obelisco do antigo mercado do peixe das Halles de Saint-Géry. Quando me aboletei num hotel chunga que tinha nome pomposo, Hôtel George V, a algumas centenas de metros daqui, umas boas décadas atrás, este espaço que era de mercado permaneceu um longo tempo em obras, e quando reabriu foi um sucesso imediato, é hoje um local de convívio, tem exposições permanentes promovidas pelas autarquia, foi aqui que me vim recolher para desfazer o álbum apodrecido, havia ali perto um casal de namorados que me olhava interrogativamente, o que é que aquele doido estava a fazer, talvez a rasgar as recordações da família.
Exterior das Halles de Saint-Géry, os belgas não perdem a oportunidade de cavaquear em dias de sol
Um dos meus templos de visita obrigatória, o alfarrabista Pêle-Mêle Bruxelas, no Bd. Maurice Lemonnier n.º 59
Uma pintura mural a caminho da Grand Place
Pormenor de edifícios da Grand Place representativos de corporações
Voltei a casa, deve ser da primavera cálida, as cerejeiras ornamentais começaram a dar flor, dentro de um mês estas ruas da Cité du Logis, em Watermael-Boitsfort enchem-se de cor, anunciam o verão. Venho cheio de fome, feliz pelos resultados deste dia e já a antever as alegrias de amanhã, vamos em grupo até Antuérpia, o Museu de Belas Artes que esteve em obras um ror de anos, está à nossa espera. E aviso-vos desde já que foi um passeio de arromba.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 5 DE AGOSTO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24535: Os nossos seres, saberes e lazeres (584): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (114): Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (5) (Mário Beja Santos)

sábado, 5 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24535: Os nossos seres, saberes e lazeres (584): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (114): Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (5) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Junho de 2023:

Queridos amigos,
Estava bem intencionado em fazer o roteiro de todas estas opulentas igrejas barrocas, nem a energia nem a concentração são hoje o que foram, o roteiro ficou incompleto, isto a despeito, posso dizer com orgulho, de ter cirandado por locais do maior interesse, logo o Museu Hof van Busleyden, a catedral, Nossa Senhora para lá do Dyle, a igreja de S. Pedro e S. Paulo, a basílica Hans Wijk, a igreja de Nossa Senhora do Vale de Lys, por fim o Museu do Holocausto, há razões para querer voltar, gostei da catedral, da visita de médico à igreja de S. João Baptista e S. João Evangelista, Malines é uma cidade aprazível, consorcia muito bem a arquitetura antiga e as experiências modernas, é desafogada e impressiona as preocupações da preservação patrimonial. Já um tanto derrancado, como recomenda a idade, ponho-me a caminho da estação ferroviária, tenho o dia de amanhã por minha conta, a secreta esperança de que vou dormir bem e amanhã vou de novo conquistar Bruxelas, digo sem nenhuma prosápia que mantenho com esta urbe um diálogo infindável, estou cada vez mais convicto que o meu amor pelo sonho europeu aqui se cimentou, com o entusiasmo e as inquietações do costume. E que o leitor tenha complacência, vou começar o dia na feira da ladra, vou pagar bem caro uma pechincha de tomo, uma edição de quilos da obra de Piero della Francesca, novinho em folha, bem regateado, o castigo veio depois, andar o dia todo com aquele trambolho às costas.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (114):
Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (5)


Mário Beja Santos

Confesso a singularidade desta visita a Malines, em tudo se distingue dos aliciantes e atrativos que encontro, por exemplo, na lista bem alargada dos museus de Bruxelas, pelo menos sete dezenas de hipóteses de ir conhecer instrumentos musicais, brinquedos, comunicações, arquitetura, publicidade, indústrias do trabalho, pintores como Camille Lemonnier, cervejas, museus locais de Belas Artes como o de Ixelles, a casa de Erasmo, o Museu Real de África Central, e fico-me por aqui. A ida ao departamento de turismo aqui em Malines acicatou-me a curiosidade: a que se deve este fausto, esta opulência da antiga capital da Burgúndia/Borgonha dos Países-Baixos Meridionais com tal enaltecimento do barroco? À procura de resposta, entrei no roteiro das igrejas históricas, já conversei com o leitor confessando que este estilo entre o barroco austero e o rococó exuberante não é santo do meu culto, isto sem querer negar algumas respostas estéticas que me deslumbram, os trabalhos em madeira, a pintura de Rubens, as soluções para as capelas laterais, por exemplo. E aqui estou, na segunda e última fase da viagem pelas igrejas de Malines, às vezes já troco os nomes, e momento houve em que julguei que entrava ali pela primeira vez e já ali tinha estado de manhã.

Estamos agora na igreja de Nossa Senhora para lá do Dyle, o tal rio que atravessa a cidade, há falta de dotes fotográficos, e dado que o templo tem a sua fachada numa rua apertada, preferi seccionar as imagens. Trata-se da segunda maior igreja gótica de Malines e caracteriza-se por 28 guildas e corporações da cidade, cada uma delas dispor ali um altar; além do mais, é aqui que podemos ver o admirável quadro de Rubens, A Pesca Milagrosa.
Chamo a atenção do visitante que neste embrechado de gótico e barroco há por vezes a surpresa de ainda se poder ver pintura antiga, como é o caso desta parede junto um órgão lateral.
Um dos órgãos de Nossa Senhora para lá do Dyle.
Altar-mor tendo como tema pictórico A Última Ceia.
Uma das capelas laterais alusivas a guildas e corporações.
O grande órgão da igreja, classicamente implantado no coro.
Quadro, A Pesca Milagrosa, de Rubens.
Já arrasto os pés, desisto de cumprir em rigor o roteiro, tinha esperança de visitar a igreja gótica de Santa Catarina, tem a particularidade deter uma abóbada de berço em madeira e escultura de dois grandes artistas de Malines, Lucas Faydherbe e Nicolaas van der Veken, já não estou em condições físicas e ainda tenho o Museu do Holocausto para visitar, pelo caminho paro na basílica de Hans Wijk, tem uma bela cúpula, ornamentação exuberante, prima por este belo contraste entre o branco e o dourado. E fico muito agradecido a Malines de ter conhecido este belo barroco (para quem gosta), a visita que mais me preencheu, digo abertamente, foi a catedral de S. Rumoldo, inesquecível.
Novo edifício do Museu do Holocausto e dos Direitos do Homem, Malines

A caserna Dossin, dedicada ao Holocausto e aos Direitos do Homem, possui dois edifícios, aquele onde, de 1942 a 1944, os nazis o utilizaram como campo de convergência dos judeus e ciganos que foram deportados para Auschwitz em 28 transportes, apenas 5% deles sobreviveram. A caserna abriga atualmente um lugar de recolhimento, o Memorial. Possui um impressionante centro de documentação com informação específica sobre o Holocausto e não menos impressionante é o banco de imagens que contem os retratos dos deportados e as respetivas listas de transporte para a morte; há um novo edifício, frente à antiga caserna, reservado à história da perseguição e deportação na Bélgica, possui um acervo impressionante de imagens sobre histórias de exclusão, de discriminação, e de resistência, e aqui igualmente se abordam as violações dos direitos do Homem no passado e no presente.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE JULHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24515: Os nossos seres, saberes e lazeres (583): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (113): Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (4) (Mário Beja Santos)