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sexta-feira, 21 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12874: Memórias da CCAÇ 2616 (Buba, 1970/71) (Francisco Baptista) (4): O respeito pela morte

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 13 de Março de 2014:


Memórias da CCAÇ 2616

4 - O RESPEITO PELA MORTE

O último semestre da CCaç 2616, em Buba, foi um tempo malfadado. Todos os tipos de azares e desgraças, aconteceram. Além dos habituais ataques de armas pesadas ao aquartelamento, que dado os abrigos e valas existentes, não representavam grande perigo, houve toda a sorte de acontecimentos funestos. A Companhia sofreu com tudo isso quatro mortos e cerca de 20 feridos, alguns graves.

Em abono da verdade um morto e muitos feridos pertenciam a um Pelotão doutra Companhia do Comando de Aldeia Formosa que estava a reforçar a nossa. Este acidente foi provocado por uma granada de lança-granadas-foguete que depois de se lhe retirar a segurança para a introduzir na arma, com alguma inclinação a um metro e pouco do chão podia explodir. Foi isso que aconteceu junto à arrecadação do material provocando a morte imediata dum soldado e ferimentos, alguns muito graves, em cerca de quinze outros camaradas. Essa granada, penso que fabricada no Braço de Prata, teve poucos meses de utilização pois terá provocado outros acidentes noutros quartéis.

Houve de tudo, desde minas anti-pessoais e anti-carro a reencontros com a guerrilha no mato a três acidentes graves com diferentes tipos de granadas.
Este rol de desgraças penso que começou quando o Albano morreu e dois amigos dele ficaram gravemente feridos com a explosão de uma granada de mão.
Deste acidente penso que terá havido duas versões pelo que me abstenho de contar qualquer delas. Foi um acidente infeliz como houve tantos na Guiné.

Muitas armas e material explosivo, por vezes pouco seguro, deficiente instrução militar. Meses de relativo relaxe em que parecia que a guerra já tinha acabado, alternados com dias agitados por disparos e rebentamentos. Meses dum sol tropical escaldante alternados com meses de aguaceiros sem fim. A maior parte dos camaradas confinados durante quase dois anos a viver no aquartelamento, sem possibilidade de poderem gozar férias. Tudo isto criava condições propícias a todo o tipo de acidentes.

O Albano era pescador de Setúbal tal como os outros dois camaradas. Era discreto, diligente, trabalhador, popular entre todos os militares do quartel. Era um tipo de homem capaz de se relacionar com todos os outros, acima ou abaixo da sua escala hierárquica ou social, sem fazer concessões a ninguém. Só homens superiores conseguem ter este comportamento, porque para lá dos seus conhecimentos literários, técnicos ou artísticos, conseguem ter a visão correta da miséria e da grandeza dos seus semelhantes.

Tendo a idade da maioria de todos nós revelava já ser um homem mais maduro. A isso não seria alheio o facto de já ser casado e ter duas filhas e como tal ter tido cedo responsabilidades que obrigam um homem a crescer.

Lembro-me do seu corpo estar depositado na pequena capela do quartel a aguardar transporte para Bissau. Penso nisso, no choque que a sua morte provocou em todos e apesar disso na solidão de morte do seu corpo, sozinho na capela, abandonado por todos. Olho para o monitor do computador e parece que me revejo a passar próximo da capela, que ficava ao lado da estrada que levava ao cais, em frente à messe de oficiais, a pensar que o meu comportamento e o dos outros não estava a ser correcto em relação o Albano.

Vinha-me à memória a morte dos meus avós e do meu padrinho, velados em casa sempre com tanta gente à sua volta, toda a aldeia, parentes e amigos das terras próximas a entrar e a sair para nos cumprimentar e rezar pelos morto. Lembrava-me principalmente do meu avô materno Francisco, um homem calmo, meigo, amigo de tratar da horta, e de ir à "venda" beber um copo com os amigos. Para mim foi o melhor homem que alguma vez conheci e sempre ouvi os maiores elogios acerca dele, bom homem e um lavrador dos melhores.

Assisti à sua morte, recordo tudo, desde o quarto em que estava deitado, às rezas antigas, que não conhecia, que a minha avó paterna fez. Recordo também que quando expirou, a minha avó mandou vir um pão (dos grandes pães que a minha mãe cozia) e foi partido em duas partes para dar a dois pobres. Depois do funeral a minha mãe mandou dar um quartilho de azeite a todas pessoas da aldeia que dele precisassem. Não sei ou já esqueci qual o significado daquele pão.

Lembro-me dessas noites longas de velório com a minha mãe, tias, primas e outras mulheres sentadas em redor da urna sempre a rezar terços. Os homens demoravam-se pouco, saiam e depois ficavam na rua a falar das colheitas, dos animais, enfim das vidas em geral.

Na morte do camarada Albano, em Buba, faltou o amor e compaixão das mulheres para dar sentido e dignidade à despedida.
Éramos homens e jovens, não dávamos valor às cerimonias e rituais que existem e sempre existiram em todos os tipos de sociedades e têm um papel importante para repor a paz e a harmonia entre os vivos e os mortos.

As mulheres conhecem todos esses mistérios, sabem falar com os mortos e não têm pudor em chorar e em manifestar as suas crenças e a sua fé. Como dizia o poeta Louis Aragon, a mulher é o futuro homem. Eu diria que ela é o princípio e o fim do homem pois é ela que lhe dá a vida e que no final o entrega e recomenda aos deuses.

Em Buba não tínhamos padre e não me recordo de alguém que o substituísse com uma mensagem de despedida que reunisse todos os militares do quartel ou pelo menos a Companhia. Sei lá, esse ou outro gesto, como toda a Companhia formada em silêncio em frente à capela onde estava o corpo.

Do que recordo, e aceito o contraditório de alguém que tenha memórias diferentes, os corpos dos outros camaradas tiveram o mesmo triste acompanhamento.

Um abraço a todos os camaradas
Francisco Baptista
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Nota do editor

Último poste da série de 27 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12513: Memórias da CCAÇ 2616 (Buba, 1970/71) (Francisco Baptista) (3): Ataques com armas pesadas ao quartel

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12645: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (13): Mafra e Lamego duas cidades que me marcaram (Francisco Baptista)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 21 de Janeiro de 2014:

Durante a vida militar passei por algumas vilas e cidades: Mafra, Lamego, Amadora, Lisboa e Beja. Falarei só das duas mais marcantes, Mafra e Lamego.

Mafra, onde fiz a recruta, foi o assombro, a desilusão e a revolta.

O assombro foi o Convento de Mafra aquele edifício imponente que o rei D. João V, qual brasileiro rico, mandou construir com ouro do Brasil, para sua honra e glória, tal como os "brasileiros" ricos construíram palácios mais modestos naturalmente nas suas terras de origem.
O Convento enorme na parte superior da vila de Mafra parecia ter toda a terra ajoelhada em sua adoração e homenagem. Lembro-me de Mafra com algumas ruas largas que iam desembocar ao largo do Convento, com alguns cafés grandes cheios de recrutas como eu.

Palácio Nacional de Mafra
Foto: Wikipédia, com a devida vénia

A desilusão, foi aquele inverno frio e molhado, a recruta começou em janeiro de 1969, e a instrução na tapada de Mafra, quase sempre com as fardas molhadas, o tenente do pelotão, um transmontano, duro até ao sadismo a obrigar-nos a rastejar na água e na lama, éramos sempre os últimos a regressar ao quartel.
Havia um camarada baixote e um pouco forte, que não sei se teria um metro e meio, muito sofreu, pois o comandante do pelotão queria obrigá-lo a fazer todos os exercícios. Acabou por ser dispensado da tropa antes de acabar a recruta.

Revolta na foz do rio Lisandro, naquela noite fatídica de acção psicológica com todo o batalhão encerrado numa espécie de grande redil, formado por cordas, a ouvir as provocações lançadas por altifalantes, enquanto rebentavam petardos e granadas à nossa volta.
Maus cálculos ou excesso de zelo de algum especialista de explosivos, petardos muito próximos provocaram a morte de alguns cadetes*.
Gritos de cólera e fúria saídos de quinhentas ou mais gargantas encheram a noite dum clamor de revolta imenso.

O regresso ao quartel foi imediato, por iniciativa dos instruendos. Sem qualquer ordem nem enquadramento de oficiais ou sargentos, mais parecia um exército em retirada.
Entre os três mortos estava um camarada que eu conhecia muito bem por dormir próximo de mim na camarata. Era natural duma aldeia de Figueira da Foz, tinha estudado no seminário, era um tipo puro, sossegado, um camarada estimado por todos.

Recordo o ar triste e choroso dos pais dele, com aspecto de gente pobre como no geral eram os portugueses nesse tempo. Nunca esqueci aqueles pais na sua dor e na pobreza que patenteavam, na forma de vestir, no ar humilde, na resignação perante aquela imensa tragédia. Senti-me tão próximo deles.
Os meus pais, seriam um pouco mais altos, talvez um pouco mais bem vestidos mas a dor e a resignação seria a mesma. Na linha da morte os filhos devem preceder sempre os pais, é a lei natural da vida. Pobres pais que tinham sonhado uma vida melhor para o seu filho.
Quando jovens, já na posse de todas as suas aptidões físicas e intelectuais a aceitação da morte torna-se difícil não só para a família próxima mas também para toda a comunidade.

No fim da recruta em Mafra, para testar as minhas capacidades, quis entrar na difícil seleção a nível físico das tropas especiais.

Já nos Rangers em Lamego entrei nas provas de seleção dos Comandos onde também consegui entrar.
Nos Comandos apesar da dureza da instrução encontrei sempre graduados, tanto oficiais como sargentos, educados e respeitadores.
Lamego uma terra bela pelo traçado das ruas com um traçado histórico, romano, árabe, medieval e monástico, ruas estreitas do passado, mais largas dos tempos mais recentes A avenida principal, onde em noites quentes de verão os militares passeavam para apreciar as belezas da cidade que se queriam mostrar, dominada a sul por uma colina onde se situava o Santuário de Nossa Senhora dos Remédios e a sul pela Sé, em frente a uma praça com uma rotunda.

Lá conheci o já infelizmente falecido Jaime Neves, Comandante da Companhia de Instrução de Comandos que apesar da dureza da instrução sempre se portou connosco como um autêntico cavalheiro.
Na instrução as provas físicas sempre as fui fazendo. Nunca consegui foi absorver um certo fervor patriótico que devia fazer de mim um guerreiro com uma fé inabalável. Educadamente e sem ressentimentos excluíram-me daquela tropa e eu sem muitas explicações compreendi perfeitamente o motivo.
Tal como o tenente de Mafra, o Jaime Neves também era transmontano mas pelos exemplos e pela comparação cheguei à conclusão que só as origens não bastam para qualificar alguém. O Jaime Neves independentemente das diferenças da mais variada ordem que possa ter havido entre nós, considero-o um chefe militar corajoso, patriota, frontal, como Portugal raramente teve.
Como português, como transmontano, inclino-me perante a sua memória.
Tenho uma dívida de gratidão e camaradagem para com ele e para com todos esses camaradas dos Comandos e dos Rangers, tanto instrutores como instruendos.

Sé de Lamego
Foto: Blogue Asas da Montanha, com a devida vénia

Para acabar esta crónica que já vai longa e para a amenizar com algum humor, vou contar um episódio acontecido em Mafra aquando do terramoto de 1969.
Já era noite alta quando sentimos o edifício do convento a estremecer, acordaram alguns, outros foram acordados pelo alarido. A camarata situava-se no oitavo e último andar. A terra tremia e nós sentíamos a violência desses tremores mas dada a distância do solo julgo que ninguém daquela camarata se aventurou a fugir para rua.
Ficámos todos por lá, cada qual com sua coragem ou com os seus medos. Lembro-me que alguns rezavam e outros choravam mesmo. Nunca esqueci porém o camarada que morava na cama ao meu lado, um tipo alto, forte, bonacheirão, um alentejano típico e bem disposto. Quando havia muitos outros por perto cheios de tremuras, agarrou numa garrafa de brandy que tinha para lá guardada e disse:
- Deixa-me beber antes que seja tarde.

Obrigado camarada alentejano pela tua coragem e pelo teu humor que nunca esqueci!
Um grande abraço a todos os camaradas.                        

Francisco Baptista

OBS: - * - Haverá algum camarada que saiba o número exacto de mortos neste incidente?
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de Janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12639: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (12): Lisboa e Figueira da Foz (António Eduardo Ferreira)

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12614: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (6): Eu fiz "Tropa" em cinco cidades, em Portugal e ainda em Nhacra, Quebo e Nhala, na Guiné Bissau (Manuel Amaro)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Amaro (ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 2615/BCAÇ 2892, Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969 a 1971) com data de 18 de Janeiro de 2014:

Eu fiz "Tropa" em cinco cidades, em Portugal e ainda em Nhacra, Quebo e Nhala, na Guiné Bissau.

Começando pelo Sul, estive em Tavira, cidade que já conhecia desde que nasci e gosto o normal que qualquer cidadão gosta da sua terra natal.

Em Beja quase não tive tempo para conhecer a cidade, pelo que não desenvolvi qualquer relação especial de "amor" pela Pax Júlia.

Já a relação com Évora foi diferente. E foi boa... muito boa.
Apesar ter estado duas vezes em Évora, ambas mobilizado para a "guerra".

Na primeira vez, era para Angola, mas não se concretizou, passado pouco tempo nova mobilização, agora para a Guiné, levada até ao fim.
Em Évora aproveitei algum tempo para visitar a cidade e a nossa relação permanece tão intensa, que periodicamente faço uma visita com ou sem pernoita. Numa das últimas visitas, aproveitei para levar a Florbela Espanca uma mensagem de Sebastião da Gama. (foto anexa).
Gostei muito de Évora


Évora, 18 de Abril de 2012

Lisboa. Quem não gosta de Lisboa?
Lisboa, eu também já conhecia desde o Grande Encontro Nacional da Juventude.
E a "tropa" levou-me à Estrela.
Ao Hospital Militar da Estrela.
Ao Jardim da Estrela.
Aos Fados.
Aos castelos e aos bairros típicos, às tascas, à verdadeira Lisboa.

Logo que terminei o Serviço Militar voltei à Grande Lisboa, em janeiro de 1972, até hoje.
Mesmo que uma parte do tempo seja passada no Algarve, Lisboa faz parte de mim.

Lisboa - Estrela

E Coimbra?
De uma forma diferente de Évora e de Lisboa, mas Coimbra foi tão ou mais importante para mim.
E nós, para não sermos ingratos, temos que amar as "coisas" importantes.
Assim que cheguei a Coimbra, em junho de 1967, fui visitar o Penedo da Saudade. Não vi tudo e voltei no dia seguinte. No regresso passei à porta do Liceu D. João III. Lembrei-me que tinha um exame "pendente" e os livros na mala. Talvez já com o espírito da cidade, prometi ali mesmo, a mim mesmo, que em Setembro, ao abrigo da lei militar, iria fazer aquele exame e iria ficar aprovado. E assim foi. 

Sempre que vou a Coimbra, assim que deixo a autoestrada, mas principalmente depois de atravessar a ponte, sinto uma mudança de espírito. Isto, penso eu, é amor. Eu fiquei a amar Coimbra. Até hoje. 

Coimbra - Penedo da Saudade

Guiné Bissau.
Eu gostei da Guiné Bissau.
Nhacra, a D. Carlota e os seus bifes de macaco.
O "Branco" do Cumeré e o seu camarão, mais barato que os tremoços nas cervejarias de Lisboa.
Eu gostei de Aldeia Formosa (Quebo).
Tudo aquilo era novo.
A minha Escola, os meus alunos.
A assistência médica em Pate Embaló.
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de Janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12611: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (5): Quartéis, Cidades e Vilas por onde passei: Coimbra, Leiria, Trafaria, Tomar, Chaves, Viana do Castelo e Porto (Luís Nascimento)

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12591: Em busca de... (234): Subunidade a que pertenceu Hermínio Dias Gaspar, meu tio, recentemente falecido... Sei que esteve em Nhala e pertenceu ao BCAÇ 2892 (1969/71) (Lúcia Alves, a viver e a trabalhar na Guiné-Bissau)


Guiné > Região de Tombali > Setor S2 (Aldeia Formosa) > Nhala > c. 1973/74 > Aspeto parcial do aquertelamehto e tabanca: cantina à esquerda e enfermaria à direita. Foto do 1º cabo cripto José Carlos Gabriel,  2.ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (Nhala,  1973/741973/74).

Foto: © José Carlos Gabriel  (2011). Todos os direitos reservados.

1. Mensagem da nossa leitora Lúcia Alves, com data de 22 de dezembro último:


Exmo Sr. Luis Graça


Estou actualmente a viver/trabalhar na Guiné Bissau e gostava de tentar recuperar o percurso de um tio que esteve na guerra do ultramar na Guiné. Como faleceu recentemente,  pouco sabemos do(s) local(ais) por onde passou ou onde esteve e em forma de homenagem póstuma gostava de passar nesses locais.

Pesquisando alguma correspondência e fotos,  a única referência que encontro é uma, a localidde de Nhala, de onde escreveu uma carta e uma foto em que está supostamente um colega, frente a um distico/ brasão (perdoe a minha ignorância nesta matéria) de uma companhia de caçadores 2616.

Segundo a pesquisa que fiz,  pertence ao Batalhão [de Caçadores] 2892. Também encontrei alguma referência a uma lista de ex-combatentes mas não consegui abrir o link.

Será que alguém me poderá ajudar? O seu nome era Hermínio Dias Gaspar.

Votos de festas felizes e o meu muito obrigado

Lúcia Alves

2. Comentário de L.G.:

Lúcia, obrigado pela sua mensagem a que só agora nos é possível responder. Deixe-me louvá-la  pela sua iniciativa de ir, em romagem de saudade, aos locais, da Guiné-Bissau, por onde terá passado, durante a sua comissão de serviço, o seu tio Hermínio Fias Gaspar. Só nos deu duas pistas: (i) leu uma carta dele, endereçada de Nhala, no sul da Guiné; e (ii) ele envou uma foto, em que se pode ver, em plano de fundo, o brasão da CCAÇ 2616, subunidade que pertenceu ao BCAÇ 2892 (Aldeia Formosa, 1969/71).

Não é fácil, com os elementos de que dispomos, saber ao certo a que subunidade (companhia) pertenceu o o seu tio. O BCAÇ 2892 (, que esteve sediado em Aldeia Formosa,  tinha três subunidades de quadrícula (CCAÇ 2614, CCÇ 2615 e CCAÇ 2616) e um companhia de comandos e serviço (CSS) que estava em Aldeia Formosa. Ao que parece, todas as três passaram por Nhala. O mais seguro era consultar a sua caderneta militar, que deve estar na posse da família.

De qualquer modo, pelos elementos recolhidos pelo nosso colaborador permanente, José Martins, o BCAÇ 2892 e o seu pessoal andou por diversos sítios da Guiné, com destaque para a região de Tombali. Aldeia Formosa hoje é mais conhecida por Quebo.

Lúcia, sinta-se á vontade para nos voltar a contactar. Entretanto, é possível que apareçam camaradas do seu tio, que tenham estado no BCAÇ 2892. Temos alguns membros do nosso blogue, ou amigos do Facebook [Tabanca Grande Luís Graça]. Siga os links:

(i) Amércio Vicente e Francisco Barroqueiro  (CCAÇ 2614,  Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969/71) [, curiosamente a esta subunidade do BCAÇ 2892, pertenceu o antigo presidente da República da Guiné-Bissau, Henrique Pereira Rosa, falecido em 2013];

(ii)  Manuel AmaroFradique Augusto Morujão (CCAÇ 2615,Nhacra,  Aldeia Formosa e Nhala, 1969/71):

(ii) Francisco Baptista (CCAÇ 2616Buba, 1970/71).

Se um, dia passar por estes lugares, em homenagem ao seu tio, mande-nos notícias e fotos. Boa estadia pela Guiné-Bissau. Gostaríamos, de resto, que aceitasse o nosso convite para integrar este blogue de "amigos e camaradas da Guiné", em memória do seu tio e dos bravos da sua geração.


3. Ficha de unidade:

[Elementos recolhidos por José Martins]

BATALHÃO DE CAÇADORES Nº 2892 [Aldeia Formosa, 1969/71]


Ostentando como Divisa “Poucos Quanto Fortes”, mobilizado no Regimento de Infantaria nº 16, em Évora e, acompanhado das suas unidades orgânicas, embarca em Lisboa a 22 de Outubro de 1969, desembarcando em Bissau a 28 de Outubro seguinte.

Teve como Comandantes o Tenente-coronel de Infantaria Carlos Frederico Lopes da Rocha Peixoto, o Tenente-coronel de Infantaria Manuel Agostinho Ferreira e o Major de Infantaria José Moura Sampaio.

O cargo de 2º Comandante foi exercido pelo Major de Infantaria José Moura Sampaio e Major de Infantaria Pedro Júlio Pezarat Correia, que acumulou com o cargo de Oficial de Informações e Operações/Adjunto.

A Companhia de Comando e Serviços esteve sob o comando do Capitão de Infantaria Eduardo Alberto de Veloso e Matos e, posteriormente, pelo Capitão Miliciano de Infantaria Francisco José dos Reis Neves,

O batalhão assume a responsabilidade do Sector S2, instalado em Aldeia Formosa, abrangendo este e os subsectores de Empada, Mampatá, Nhala e Buba.

Desenvolve e coordena acções de contra penetração nos eixos de reabastecimento do IN, diversas acções ofensivas, patrulhamentos e emboscadas, assim como reacções aos ataques aos aquartelamentos. Procurou promover a promoção socioeconómica das populações, tentando garantir a segurança e a defesa das mesmas.

No decorrer das acções que coordenou capturou diverso material, destacando-se 1 metralhadora pesada, 2 pistolas-metralhadoras, 5 espingardas, 303 granadas de armas pesadas, 29.657 cartuchos de armas ligeiras e 63 minas.

Foi rendida no Sector S2 pelo Batalhão de Caçadores nº 3852, regressando a Bissau a 27 de Agosto de 1971.


Companhia de Caçadores nº 2614 [Bissau, Nala e Aldeia Formosa, 1969/71]



Sob o comando do Capitão Miliciano de Infantaria José Manuel Baptista Rosa Pinto, cede dois pelotões para cooperar no dispositivo de segurança e protecção das populações da área de Bissau, na dependência do Batalhão de Artilharia nº 2866.

Segue, a 29 de Outubro e 7 de Novembro de 1969, para Nhala, para substituir a Companhia de Caçadores nº 2464. Em 10 de Novembro de 1969 assume a responsabilidade de subsector e, em cooperação com o subsector de Mampatá, tentar a interdição do corredor de Missirá.

A 21 de Novembro de 1970 troca com a Companhia de Caçadores nº 2615, e assume a responsabilidade do subsector de Aldeia Formosa até 26 de Agosto de 1971, data em que é rendido pela Companhia de Caçadores nº 3399 e regressa a Bissau.

Companhia de Caçadores nº 2615 [Nhacra, Aldeia Formosa, Nhala, 1969/71]

Sob o comando do Capitão Miliciano de Infantaria António Miguel Ramalho Pisco e na dependência do Batalhão de Artilharia nº 2866, substituindo a Companhia de Artilharia nº 2340 e assumindo a responsabilidade do subsector de Nhacra com destacamentos em Dugal, Safim, Ponte Ensalmá, João Landim e Fanha.

Entre 5 e 16 de Dezembro de 1969 segue por escalões para Aldeia Formosa onde, onde substitui a Companhia de Artilharia nº 2614, nas funções de intervenção e reserva do sector. Realizou acções nas zonas de Contabane, Cansembel, Bungofé, entre outras, e escoltas a colunas entre Buba e Aldeia Formosa.

Em 8 de Abril de 1970 a intervenção no sector passa para a Companhia de Artilharia nº 2521, enquanto a Companhia de caçadores nº 2615 assume a responsabilidade do subsector de Aldeia Formosa, destacando um pelotão para Nhala, para protecção e segurança dos trabalhos da instalação do aldeamento.

Entre 15 e 21 de Novembro de 1970, as Companhias de Caçadores nºs 2615 e 2616, trocam entre si, ficando a primeira com a responsabilidade do subsector de Nhala e a segunda com a responsabilidade do subsector de Aldeia Formosa.

Em 26 de Agosto de 1971, data em que é rendida pela Companhia de Caçadores nº 3400 e regressa a Bissau.

Companhia de Caçadores nº 2616 [Nhala, Aldeia Formosa, Bissau, Buba, 1969/71]

Embarca sob o comando de um oficial subalterno, o Alferes Miliciano de Infantaria Vítor Manuel Cristina Aleixo, sendo o comandante, o Capitão de Infantaria Artur Bernardino Fontes Monteiro que, mais tarde,  veio também a ser substituído pelo Capitão de Infantaria José João David Freire.

Cedeu, para cooperar no dispositivo de protecção e segurança das instalações e população da área de Bissau, ficando os mesmos na dependência do Batalhão de Artilharia nº 2866, até 7 de Novembro de 1969

A 29 de Outubro e 9 de Novembro de 1969 segue, em dois escalões, para Buba onde, em 10 de Novembro de 1969, assume a responsabilidade do subsector de Buba, rendendo a Companhia de Caçadores nº 3282.

Foi rendida pela Companhia de Caçadores nº 3398, em 26 de Agosto de 1971, regressando a Bissau.

O Batalhão e as suas unidades orgânicas, iniciam a sua viagem de regresso a 6 de Setembro de 1971.

16 de Janeiro de 2014

José Marcelino Martins

[Imagens dos brasões,  de colecção particular, aqui reproduzidos com a devida vénia: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.]

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Nota do editor:

Último poste da série >  29 de dezembro de 2013 >  Guiné 63/74 - P12520: Em busca de... (233): Pessoal do Destacamento Avançado Móvel de Intendência nº 664 (Moçambique, Tete, 1964/66) (António Ferreira Carneiro, o "brasileiro", ex-1º cabo magarefe, DFA, residente em Custoias, Matosinhos, e membro da Tabanca de Candoz)

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12513: Memórias da CCAÇ 2616 (Buba, 1970/71) (Francisco Baptista) (3): Ataques com armas pesadas ao quartel

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 20 de Dezembro de 2013:


Ataques com armas pesadas a Buba

No primeiro ano que estive na CCAÇ 2616 em Buba sofríamos normalmente um ataque de armas pesadas por mês. O quartel de Buba comparado com a maioria dos quartéis da Guiné poderia ser considerado uma praça forte. Tinha uma Companhia de Caçadores, um Destacamento de Fuzileiros, uma Secção de Morteiros, e uma Secção de Obuses comandados por um alferes.
Tinha três obuses 14 e alguns morteiros. Tinha muitas valas e bastantes abrigos.
O inimigo tinha já a pontaria bem afinada para o perímetro do quartel pois as granadas rebentavam com frequência dentro dele. A nossa artilharia respondia com muito barulho mas pouca eficácia.

O alferes Baptista dos obuses, outro Baptista que não eu, nunca conseguia atingir o alvo. Era um camarada com bom carácter, calmo, cheio de bonomia. Tinha pouco trabalho e ainda bem porque ele era mais do género meditativo do que activo, pois só tinha que orientar o fogo dos obuses uma vez por mês. Mas era tão bom nisso como eu a fazer tiro de a G3, sempre fora do alvo.

Foto: © Benito Neves

Já na CART 2732, em Mansabá, havia dois obuses 8,8 com o tiro bem afinado segundo me pareceu. Em parte não admira porque era uma Companhia de Artilharia e todos percebiam um pouco dessas armas. Recordo-me de conversas do capitão Abreu, na altura comandante do COP 6, do Bento e do Rodrigues, ambos alferes sobre a regulação do tiro dos obuses.
Lá fui uma vez surpreendido por uma flagelação tendo procurado uma vala ou abrigo que não encontrei. Se me recordo bem, acho que esse ataque durou pouco tempo porque o inimigo foi alvejado ou esteve perto disso. Mas apesar dos palpites do capitão e dos alferes o mago da regulação dos obuses seria o furriel Branco, comandante dos mesmos que eu saúdo se ele me puder ouvir.

Foto: © José Teixeira

Em Buba o Baptista mandava para lá bojardas só barulhentas como quem faz girândolas de foguetes morteiros em dias de festa. Cumprimentos de cá e de lá porque felizmente da nossa parte também nunca houve feridos graves. Os ataques eram bastante intensos, durante largos minutos as granadas de morteiros e de canhões rebentavam com estrondo bem perto de nós. Quando o ataque acabava todos nós suspirávamos de alívio. Tínhamos sobrevivido a mais um e não havia mortos nem feridos a lamentar.
A tensão acumulada desde o último ataque, baixava e todos nós relaxávamos. Apesar do perigo relativo que representavam eram também um acontecimento que quebrava um pouco a monotonia da rotina diária do quartel.
Havia por vezes até episódios bizarros como aquela vez em que um alferes periquito ao ouvir o estrondo da primeira granada, com a pressa de se proteger, apareceu na vala próxima dos quartos dos oficiais tal como veio ao mundo, todo nu, sem uma parra a cobri-lo.

Habituados à periodicidade mensal desses ataques todos nós começávamos a ficar mais nervosos se algum ataque se atrasava demasiado. Isso seria sinal que estariam a preparar um ataque maior que os anteriores. Aconteceu a primeira vez que fomos bombardeados com misseis terra-terra. O ataque em si não terá sido muito maior que os outros mas trazia essa nova arma que além de provocar mais deslocação de ar fazia também um estrondo maior, mais aterrador.
Antes desse ataque o capitão recebeu uma mensagem cripto a avisar que o quartel seria atacado com armas pesadas no dia seguinte. Na manhã desse dia chamou um alferes a quem comunicou o teor da mensagem e disse-lhe que de tarde antes das cinco, hora provável do ataque, teria que estar com o pelotão num local donde supunha que o inimigo atacaria. Os ataques do inimigo eram normalmente depois das cinco da tarde, pois a partir dessa hora os Fiat's já não descolavam para os alvejar.

Lisboa > Museu Militar > O foguetão 122 mm ou a arma especial Grad (na terminologia do PAIGC). Era uma arma de artilharia, de bater zona e não de tiro de precisão, com alcance máximo de 11.700 metros para 40º de elevação. Segundo um relatório do PAIGC a distância maior a que se efectuou tiro, teria sido contra Bolama, em 4 de Novembro de 1969, a 9800 metros. O foguete dispunha de um perno (assinalado a vermelho) que, percorrendo o entalhe em espiral existente no tubo, imprimia uma rotação de baixa velocidade a fim de estabilizar a vôo. As alhetas só se abriam depois do foguete sair do tubo.

Foto (e legenda): © Nuno Rubim (2007). Todos os direitos reservados.

Soube-se depois que o alferes não cumpriu essa ordem porque às cinco da tarde o quartel estava a ser atacado com canhões, morteiros e misseis pela primeira vez. Atacado precisamente do local onde devia estar o pelotão a essa hora. Nunca compreendi muito bem essa ordem do comandante da companhia pelas seguintes razões: os ataques de armas pesadas a Buba tinham sempre um potencial de fogo muito razoável. Ora isso implicava da parte do inimigo muitos homens para o transporte das armas e munições. Para fazer segurança a esse importante transporte naturalmente teria que haver muitos combatentes pois o inimigo não gostava de se arriscar a perder armas pesadas.
Terá o alferes feito estes cálculos? É provável.

Penso que este episódio terá sido conhecido por muita gente mas pouco comentado. Que eu saiba o capitão nunca confrontou o alferes pelo não cumprimento dessa ordem. Seria muito mau para ele se lhe fosse levantado um auto disciplinar, provavelmente seria a despromoção e a prisão.
Pelo reconhecimento feito no dia seguinte calculou-se que teriam vindo cerca de cem guerrilheiros ou mais, uns para o transporte das armas pesadas e outros para fazer a segurança. Ora o pelotão já com 15 meses ou mais de Guiné, estava bastante reduzido, talvez com 15 homens mais 5 milícias africanos. Se o alferes tivesse cumprido a ordem o confronto seria inevitável e dada a superioridade numérica o pelotão seria destroçado.

Segundo me apercebi e aceito o contraditório de outros camaradas, havia uma cadeia de comando operacional no terreno, na zona de combate, que era o alferes, miliciano quase sempre, o furriel também miliciano e o primeiro cabo. A responsabilidade da condução da maior parte das acções ofensivas ou defensivas fora dos quartéis era deles. Acima havia os que davam as ordens, boas ou más, equilibradas ou prejudiciais porque o perigo e a responsabilidade da execução nunca era deles, resguardados nos gabinetes dos quartéis ou no ar condicionado de Bissau.

Os traumatizados no corpo e na alma, os que tiveram a sorte de voltar e hoje se juntam para fazer terapia em grupo e para coçar feridas que demoram a cicatrizar são os que passavam dias e noites, nas florestas e bolanhas, ao calor, à chuva e ao frio noturno. Não é justo generalizar esta critica porque houve alguns capitães e outros oficiais acima que eram verdadeiros operacionais.
No outro prato da balança também há a considerar as vidas familiares e afectivas dos militares do quadro, por vezes com vários anos de ultramar e com filhos com pais ausentes e casais separados pela distância. Quando os filhos precisavam também do pai para os ajudar a crescer e o casal do convívio quotidiano para manter vivo o seu projeto de vida em comum.
Em 1974 quem resolveu acabar com a guerra foram as mães dos milicianos que não quiseram ter mais filhos mortos e as mulheres dos capitães que estando casadas se recusaram a viver mais como viúvas.

Houve mais ataques ao quartel de Buba.
Houve um grande ataque, foi o maior de todos, possivelmente em princípios de Maio de 1971. Esse ataque tal como mais dois outros um ao quartel de Tite e a um outro quartel que não recordo, comandados segundo se constou pelo Nino Vieira, que era o comandante militar da zona sul do PAIGC, antecederam o ataque fantasma a Bissau em que o Nino ou algum subordinado dele disparou alguns misseis que foram cair no mar ainda longe do cais.
Terá sido feito a pedido dos nossos guerreiros burocratas de Bissau, para justificar os tais 100% de zona de guerra?
Temos que ter também em atenção que muitos combatentes do PAIGC também iam passar férias a Bissau.

Nesses ataques infelizmente morreram dois alferes em Tite, apanhados por uma granada no quarto ou perto dele. Esse grande ataque de Maio a Buba teve uma duração excessiva, talvez mais de meia hora e um potencial de fogo enorme. Explosões sucessivas e em simultâneo das granadas de morteiro, canhões e dos misseis. Ouvíamos os rebentamentos e víamos os clarões bem perto das valas e abrigos. O ataque foi subindo de intensidade e por alguns minutos Buba esteve debaixo de uma autêntica trovoada de bombas que atordoavam os céus com clarões que iluminavam tudo em redor. Parecia até que o Nino além das armas já referidas tinha também os famosos katiusha ou órgãos de Estaline, essa arma terrível que fez tantos estragos aos alemães durante 2ª Guerra Mundial.

Durante esses minutos a nossa artilharia calou-se por falta de condições de alguma segurança para ripostar. Por fim o ataque terminou porque as munições do inimigo se terão acabado. Meios atordoados depois daquele festival de bombas saímos das valas e abrigos e fomos verificar os estragos. Houve apenas alguns feridos ligeiros, sem necessidade de evacuação para Bissau. A caserna dos fuzileiros tinha dois grandes buracos sem mais consequências.
Fomos beber umas cervejas aos bares e brindar, a vida continuava.

Por algum tempo continuaríamos à espera de outros ataques, enquanto ouvíamos diariamente os ataques aos quartéis do sul, sobretudo de Guilege essa terra martirizada junto à fronteira que em 1971 sofreu 35 ataques durante um mês, uma pressão enorme que praticamente obrigava esses camaradas a viver quase sempre como toupeiras dentro dos abrigos.

Por ter falado nos milicianos, de repente veio-me à memória o poema "Canto às mães dos milicianos mortos" de Pablo Neruda que não sei se enquadraria bem neste texto que já vai longo, nem se a sua reprodução seria autorizada. Recomendo a sua leitura a quem me ler assim como recomendo a leitura de outros poemas.
Um poema é como uma oração que alimenta e purifica a alma.
Os poetas são os mortais mais próximos dos deuses.

Um grande abraço camaradas
Francisco Baptista

OBS: Selecção e inclusão de fotos da responsabilidade do editor
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Nota do editor

Último poste da série de 26 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12347: Memórias da CCAÇ 2616 (Buba, 1970/71) (Francisco Baptista) (2): Aníbal: um inadaptado, um marginal ou um anarquista?

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12347: Memórias da CCAÇ 2616 (Buba, 1970/71) (Francisco Baptista) (2): Aníbal: um inadaptado, um marginal ou um anarquista?

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 17 de Novembro de 2013:

Podia-se chamar António, Joaquim, José, Francisco que são nomes vulgares, mas ele era original, o nome já não o recordo, como tal vou chamar-lhe Aníbal o nome dum grande general cartaginês.

Cerca de dois ou três meses antes da CCaç 2616 deixar Buba, em fim de comissão o soldado Aníbal apresentou-se na Companhia e veio reforçar o meu pelotão que estava bastante desfalcado. De estatura média, um pouco forte, sem ser gordo, tinha um aspecto saudável, confiante e simpático e um sorriso pronto.

Quando o pelotão se reunia junto da arrecadação de material, antes das frequentes saídas para o mato, muitas vezes fui encontrar o Aníbal a falar no meio de uma roda de camaradas atentos, qual Jesus Cristo a falar aos apóstolos nas parábolas que depois foram transcritas nos evangelhos.

Foram muitas estórias que também me foram contadas que eu jovem e inconsciente como a maioria não anotei e esqueci.
Penso que na Guiné nunca conheci um homem tão feliz, tão alegre, tão bem adaptado ao meio. Um homem em paz com ele e com o mundo.
O Aníbal foi uma lufada de ar fresco que ajudou o pelotão a passar os últimos tempos da comissão.

Era um simples, um marginal, um anarquista? Um espírito livre que dificilmente conseguia acatar as regras sociais e muito menos o regulamento de disciplina militar?

As minhas interrogações são porque nunca encontrei justificação para o facto dele ter passado mais de quatro anos na Guiné ou em liberdade ou na prisão.
Gostaria de viver lá, pelo clima, pelas gentes e por outro lado não teria raízes, como acontece a tantos desamparados da sociedade, que o motivassem a regressar?
Era calmo, prestável, educado, disciplinado, enfim tinha todos os atributos para ser um bom soldado e foi-o durante o tempo em que esteve connosco em Buba.

Há aqui algumas contradições mas para mim o Aníbal foi um enigma que nunca consegui decifrar.
A aventura ou proeza que recordo dele foi quando certa vez, preso em Bissau, se evadiu com outros para ir a um baile a Bafatá.

Na Guiné, emboscadas, minas, encontros fortuitos com a guerrilha, a poucos quilómetros de Bissau, quem teria a coragem de se deslocar 150 quilómetros para ir a um baile a Bafatá?
Baile que logicamente seria de africanos/as, já que não me consta que houvesse comunidades europeias tão longe para fazer tais festividades.
Revela também o quanto o nosso camarada estava africanizado e integrado nas comunidades locais. Hoje penso que um desenraizado, talvez fosse o caso dele, que se deixasse embalar no convívio e afectividade, mais espontânea e natural das etnias locais se deixaria facilmente conquistar por elas.

Talvez ele, quem sabe, tivesse uma namorada em Bafatá e por ela estivesse disposto a correr todos os perigos para a poder abraçar.
Por tudo o que já disse acerca dele, propus ao capitão um louvor ao Aníbal para o ajudar a regressar a Portugal com a companhia. O capitão aceitou.
Penso que ele veio com a companhia, espero que tenha sido feliz no regresso, assim como todo o pessoal do meu pelotão e da  CCaç 2616, que não tiveram uma estadia fácil lá longe.

Mas sobre isso falarei outro dia.

Até lá um abraço a todos os camaradas
Francisco Baptista
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Nota do editor:

Último poste da série de 16 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12161: Memórias da CCAÇ 2616 (Buba, 1970/71) (Francisco Baptista) (1): Falando de colunas de reabastecimento e de amizade

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12186: Blogoterapia (239): O meu primeiro contacto com a África selvagem e misteriosa (Francisco Baptista)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista*, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 15 de Outubro de 2013:

Nos idos de Março de 1970 desembarquei em Bissau, tendo ido no navio misto de carga e passageiros "Alfredo da Silva", propriedade da CUF que à época era a empresa monopolista do comércio e da indústria da Guiné e Cabo Verde.

Apresentei-me no Quartel General e entretando a aguardar destino e transporte terei ficado talvez oito dias em Bissau.

Durante esses dias alojaram-me numa suite abarracada, com 60 ou 80 camas, sobrepostas, (penso que grupos de duas ou três), onde estariam mais 20 ou 30 guerreiros lusitanos, a que os mais velhos chamavam "Biafra"

"Alfredo da Silva" - Imagem: Navios no Sapo, com a devida vénia

Sempre achei que Biafra era um nome inapropriado, porque essa palavra, não vale a pena recordar a sua história agora, porque é do conhecimento geral, evocava muita fome, miséria extrema e morte. No nosso caso somente a qualidade das instalações estava em causa.

Conheci algumas casernas tanto por cá como na Guiné, aquela era a pior. Deve ter sido algum tenente-coronel militarista, que ainda os havia nesse tempo, que por gostar pouco dos milicianos, a mandou construir assim tão miserável. No filme "A Vida é Bela" há uma semelhante, num campo de concentração.

Era destinada aos alferes em trânsito, vindos de Portugal, em rendição individual, e a outros que estando no mato tinham que se deslocar a Bissau por qualquer motivo. Tenho a certeza que no interior da Guiné havia muitos camaradas instalados em tabancas em piores condições, porém nos quartéis onde eu estive as casernas eram melhores.

Messe dos Oficiais em Bissau
Fotos: © António Teixeira (2011). Todos os direitos reservados

Ou porque o calor era muito ou porque os "velhos", guerreiros experientes na arte da guerra, queriam informar os "periquitos" (éramos 3 ou quatro) sobre os horrores que os esperavam, somente já tarde, depois de muita brincadeira e algazarra, se conseguia dormir.

Dentre todos destacava-se um mais cómico e folgazão que era assim a modos que chefe de orquestra da barulheira. Uma noite descobriu numa cama de um alferes que tinha regressado ao mato aerogramas da namorada dele. Eram muitos, ela devia escrever-lhe todos os dias.

Acto continuo pôs-se a lê-los, alto e bom som, perante senão o aplauso pelo menos o agrado quase geral. Por mim sem aprovar propriamente o acto, calei-me pois um periquito não tinha direito a opinião naquela distinta assembleia. Os aerogramas eram muito inocentes, enfim uma moça a contar o seu dia a dia ao namorado, pouco romântica, nada sensual, nada erótica. Era uma jovem à moda dos anos sessenta no Portugal do Estado Novo, tímida, reservada e recatada. A libertação sexual só se generaliza em Portugal com o 25 de Abril. Lembro-me que algum tempo antes de partir estive numa aldeia próxima da minha, cerca de 2 horas a falar com a professora primária da terra, ela debruçada à janela e eu de pé na rua. Menina bem comportada. Sei que passado um ano ou dois casou com um médico muito conceituado e rico da vila.

No geral as raparigas do nosso tempo, exceptuando algumas da classe alta e outras já sintonizadas com a revolução cultural e sexual que soprava da Europa, não eram muito diferentes em relação à virgindade, das bajudas fulas ou mandingas que fomos encontrar na Guiné. O tabu existia na religião católica, como na islâmica. O alfero Cabral esse "grande feiticeiro e médico" essa madre Teresa de Calcutá do chão manjaco, se quisesse abrir consultório nas nossas tabancas não lhe faltaria trabalho. Preferiu a Guiné por amor às bajudas enquanto as nossas, as mais endinheiradas, segundo constava na altura, iam a Espanha, a clínicas especializadas, fazer uma estética invisível, que iria esconder horas de calor e entusiasmo clandestino compartilhado com amigos ou namorados. As que não tinham recursos ou liberdade para se deslocarem, sofreriam, por vezes por muitos anos as consequências desse "pecado".

Muitos meses depois voltei a Bissau a uma consulta médica que o Pedrosa, bom médico e bom camarada (era do Pombal) me marcou. O alojamento continuava a ser o mesmo e o ambiente um pouco festivo, um pouco louco como sempre.

O estado de espírito mais comum a todos era de não valorizar muito os azares e desgraças que iam acontecendo nas zonas onde estavam aquartelados e a dar mais realce a aspectos cómicos que também os havia. Havia também sempre um ou outro que falava da guerra, duma forma um pouco jornalística, para não perturbar o ambiente que se queria descontraído.

Cada um, no seu intimo, devia questionar, o que fazia, naquele lugar do mundo, tão diferente e tão distante da terra onde tinha nascido. A África mais selvagem, misteriosa, com aquele cheiro forte difícil de definir, mas que se entranha no corpo e na alma de quem lá vive, sempre enfeitiçou os europeus. As moiras encantadas de que falavam as histórias das nossas avós vieram da África do norte para a Península Ibérica

Um encanto próprio a que não seria alheio o estado de guerra em que se vivia. A guerra desperta no homem instintos primitivos, já que o seu passado ancestral nunca foi de paz, mas de guerra, mais ou menos violenta conforme as armas que foi inventando.

Porque é que o desejo de retaliação, a desforra, a vingança, empolgam tanto os homens?
Porque ficam tão embriagados com o tinir das espadas, o som das metralhadoras, o troar dos canhões?

Quando a raiva e uma mistura estranha, talvez adrenalina, nos aquecem a cabeça, estamos a deixar de ser racionais. e modernos e a regressar aos primórdios da humanidade, quando Caim matou Abel.

Diferente de quase todos, conheci um soldado já com 4 anos de Guiné, sem vir alguma vez a Portugal, foi talvez o jovem mais sorridente e feliz que lá conheci.
Mas essa é outra estória.

Um abraço a todos
Francisco Baptista
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Nota do editor

(*) Vd. poste de 16 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12161: Blogoterapia (237): Falando de colunas de reabastecimento e de amizade (Francisco Baptista)

Último poste da série de 18 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12167: Blogoterapia (237): Descansa em paz, Luís Faria (1948-2013), meu amigo, meu camarada (António Matos, ex-Alf Mil Minas e Armadilhas, CCAÇ 2790, Bula, 1970/72)

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12024: Blogoterapia (234): É muito difícil para mim falar da guerra da Guiné (Francisco Baptista)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 6 de Setembro de 2013:

É muito difícil para mim falar da guerra da Guiné.
Porque eu não quis essa guerra nem as das outras colónias.

Três ou quatro anos antes de ser mobilizado comecei a fazer uma reflexão sobre a sua justiça e sobre a sua utilidade e cheguei à conclusão que humanamente não era justa nem sequer útil para Portugal.

Para esse estudo baseei-me em jornais e revistas menos afectos ao regime que a censura permitia e nalguns livros poucos, recordo um livro escrito por um exilado romeno que defendia as ideias do regime (ainda tenho esse livro, na aldeia, já não sei onde). Nesse tempo nunca pertenci a nenhum grupo politico ou associação ideológica de qualquer tipo. As conclusões a que cheguei foram pois independentes e autónomas, naturalmente influenciadas pelas leituras que fiz.

Atendendo a isso travei uma batalha muito desgastante comigo mesmo para decidir qual a melhor atitude a tomar. Quando não se toma nenhuma atitude, os outros tomam-na por nós. Foi o que me aconteceu, obrigaram-me a ir para a tropa e a ir para a Guiné lutar por uma causa que eu considerava perdida.
Outros já tinham entendido o mesmo e muitos outros entenderam isso depois, incluindo estrategas políticos e militares.

Foram muitos, que eu não conheci, que fugiram para a Europa livre, muitos por caminhos difíceis de contrabandistas.
Alguns deles só por medo, e outros porque resolveram votar (e ter voz) da única forma que o regime lhes permitia, com os pés.
Estes últimos admirei-os a par dos outros, esses foram um milhão ou mais, que na década de sessenta fugiram em massa à miséria a que estavam condenados.
Outros houve, encontrei alguns na Guiné, que com mil pretextos ou cunhas procuraram a paz e a segurança de Bissau, não eram maus tipos, talvez só tivessem medo e não tivessem tido a coragem de fugir para a França.
Por causa desses, tendo eu já 17 meses de "mato" em Buba, quando a CCAÇ 2616 regressou, fui empandeirado para a CART 2732 em Mansabá.

Na altura não me queixei porque talvez eu não quisesse mesmo ficar em Bissau, a aturar os burocratas da guerra, Não gostei foi do abuso e falta de consideração das chefias de Bissau.
Aos beneficiários "activos" desses atropelos das regras, sem os apreciar tolero-os.

Lisboa > 4 de julho de 2012 > A lista infindável de mortos... 1969, 1970, 1971, 1972...
Foto: © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados.

A minha homenagem vai sobretudo porém para todos os camaradas que morreram ou ficaram estropiados no fogo cruzado do regime e dos movimentos de libertação, alguns deles pouco crentes nessa luta.
Vai igualmente para todos os outros combatentes que, por convicção própria, se bateram com coragem por Portugal pois foi como um chamamento da Pátria que entenderam a sua ida para as várias frentes de combate. Muitos deles pertencentes às tropas especiais também por lá ficaram e outros regressaram com marcas terríveis duma guerra atroz.

Continuo a pensar em todos eles com muito respeito e admiração.

Um abraço a todos
Francisco Maria Magalhães Baptista
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Nota do editor

Último poste da série de 25 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11868: Blogoterapia (233): A Bem da Nação!... A Medalha Comemorativa das Campanhas das Forças Armadas Portuguesas, Guiné 1968/70... (António Azevedo Rodrigues, Comando de Agrupamento 2957, Bafatá, 1968/70)

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11957: Tabanca Grande (408): Francisco Maria Magalhães Baptista, ex-Alf Mil Inf.ª da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72)

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano Francisco Maria Magalhães Baptista*, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 8 de Agosto de 2013:

Pretendo escrever uma breve história da minha passagem pela Guiné, mas entretanto, há poucos dias estive com uma irmã, mais nova que eu dois anos, que me que me surpreendeu com uma história do meu regresso, que eu não lembro de todo, e passo a contar pela impressão que me causou e pelo facto de a ter apagado completamente da memória.

A minha história da Guiné começa pelo fim.
Regressei a Lisboa, de avião, em 19 de Março de 1972, integrado na CART 2732, onde estive os meus últimos oito meses de comissão.
Depois do desembarque tínhamos que passar por um corredor, envidraçado dum lado, que nos separava duma sala com poucas condições (mais parecia um curral), onde estavam os nossos familiares e amigos que nos esperavam. Não podíamos contactar com eles logo pois tínhamos que ir primeiro cumprir certas formalidades que hoje não recordo.
O meu pai e esta irmã foram esperar-me.

Ainda antes do nosso desembarque, segundo a minha irmã, entrou nessa sala uma jovem senhora muito chorosa e revoltada, querendo saber o que teria acontecido ao marido, que era da companhia que chegava. Ela face a elementos e desconfianças que não são claros hoje, não acreditava muito na morte dele nem na versão oficial que lhe tinham dado. Punha até a hipótese de ele estar vivo e preso por lá. Queria falar com camaradas dele para se informar devidamente, pois não queria acreditar nas explicações dadas.

Nessa idade deve ser muito difícil acreditar que alguém que amamos, que praticamente faz quase parte da nossa identidade morreu. Porque essa pessoa vive em nós pois o amor confunde corpos e almas sobretudo quando se é jovem. Compreende-se a atitude de descrença dessa jovem senhora na morte do marido. Além do mais ela de certeza que não viu o seu homem morto um aspecto muito importante para se puder fazer o luto. Até nisso as viúvas e familiares dos nossos camaradas mortos nas antigas colónias foram duplamente castigados, pois penso, que nunca podiam confirmar essa notícia.
Na opinião da minha irmã essa jovem senhora era muito bonita.

O nosso pai terá ficado muito nervoso e sensibilizado, pela dor e pela beleza da jovem e querendo ajudá-la disse-lhe que o filho vinha nesse avião e possivelmente lhe daria informações.

Quando passamos no corredor essa senhora terá tentado falar comigo, através da divisória de vidro, não sei se conseguiu, a minha irmão não se recorda.
Posteriormente quando pudemos contactar os nossos familiares, o meu pai ter-me-à pedido para eu falar com ela. Eu não terei acedido ao seu pedido, tendo até ficado aborrecido com a sua insistência.
O meu pai viveu mais 5 anos e terá perguntado algumas vezes pelo nosso camarada, marido dessa senhora. As minhas respostas terão sido lacónicas e evasivas.

Olho para trás e não me reconheço porque eu tenho muitos defeitos mas sempre fui solidário como qualquer pessoa normal e este comportamento é até pouco humano
Desde o meu regresso já se passaram cerca de 43 anos, é natural que o tempo vá apagando muitas coisas da memória mas há acontecimentos como este que deviam deixar marcas quase perenes mas eu não recordo nada desta história triste, é natural que algum camarada ou familiar se tenha apercebido do que se passou, não sei. Pelo conhecimento que tenho da minha irmã tenho a certeza que esta senhora existiu, mas talvez pelo tempo já passado os pormenores poderão estar esbatidos ou um pouco alterados pela imaginação dela. Oxalá esta jovem senhora tenha conseguindo respostas satisfatórias às suas perguntas de forma a poder aliviar a enorme dor que terá sentido com a morte do marido.

Fui convidado pelo amigo Carlos Vinhal, com quem estive oito meses na CART 3732 e reencontrei neste blogue, a aderir a esta tertúlia e como me identifico com os seus ideais e objectivos, decidi apresentar a minha candidatura, pois será uma honra pertencer a este grande batalhão que cobre Portugal e a Guiné inteira, comandado com muito mérito pelo Luís Graça e outros camaradas que colaboram, entre os quais o Carlos.

Uma saudação fraterna a todos os camaradas, pois nalgum tempo e espaço, já todos fomos irmãos, nas vivências; no sol quente e por-dos-sóis multicolores, nas paisagens maravilhosas do mar, das florestas e bolanhas, nas chuvas sem fim que alagavam os dias e as terras, nos fados da Amália e baladas do Zeca Afonso, em noites de nostalgia e bebedeira, nos medos das minas, das emboscadas e bombardeamentos, na dor e na raiva dos camaradas mortos e feridos.
Mas julgo que todos nós conservámos as qualidades primordiais que fazem com que o jovem que cada um era, não se deixasse degradar demasiado com o passar dos anos e não perdesse o que deve ser perene na alma humana, a solidariedade, a amizade, enfim a boa camaradagem.

A todos um grande abraço
Francisco Baptista


2. Comentário do editor CV

Caro camarada e amigo Francisco
Em boa hora me contactaste, descobrindo-me através deste Blogue, que é maior que o Mundo, onde os ex-combatentes da Guiné se vão encontrando e convivendo.

Vens juntar-te, no Blogue, a mim, ao ex-1.º Cabo Inácio Silva, que estava instalado no "condomínio/abrigo" da Mancarra e ao ex-Cap Mil Jorge Picado que teve a honra e o privilégio  de comandar a nossa CART durante sensivelmente 3 meses. Vê tu que até foi a Fátima a pé nesse espaço de tempo. Vê o recorte da carta de Binta:

Fátima, localizada a leste de Madina Mandinga. Carta de Binta

Tens aqui uma foto dos felizes condóminos da Mancarra. Em primeiro plano, de cócoras o ex-1.º Cabo Ornelas, apontador do morteiro 60, da minha secção/3.º Pelotão do ex-Alf Mil Bento, de quem te deves lembrar, e sentado, o Inácio Silva que tinha seu cargo uma Breda para contrariar as investidas dos nossos indesejáveis vizinhos. O Ornelas, como não podia enviar as suas granadas de dentro do abrigo, fazia-o cá fora ao ar livre. Homens valentes, estes madeirenses.
No teu tempo já o Inácio Silva estaria impedido na secretaria do COP 6.
Ainda hoje, felizmente, mantenho contactos regulares com ambos.

Era esta a malta do abrigo da Mancarra que assegurava a defesa de Mansabá no sector Norte do aquartelamento
Foto ©: Inácio Silva

Para guardares, deixo-te também aqui uma vista aérea de Mansabá, do nosso tempo. Vê se te lembras onde era o teu quarto.

Vista aérea de Mansabá
Foto ©: Carlos Vinhal

Tive o imenso prazer de te reencontrar em Leça da Palmeira, naquele famoso restaurante, propriedade de um colega de escola primária da 1.ª à 4.ª classe do ensino primário. Vê tu, onde me fizeste passar pela vergonha de me homenageares pelo trabalho que aqui faço, com imenso prazer. Valeu-me a presença de alguns amigos comuns para que não ficasse de todo inibido.

Quanto à tua história, a misteriosa senhora que queria falar contigo poderá ter sido quem pensamos, mas não podemos confirmar, logo ficamos por aqui. Já agora fica aqui declarado por quem sabe, eu, que tu não estavas em Mansabá na altura daquele funesto acontecimento.

Como este poste já vai longo, quero deixar-te um abraço em nome dos editores e da tertúlia, e os votos de que remexendo no fundo das tuas memórias, encontres matéria para nos enviares histórias passadas nas duas unidades em que militaste.

Abraço do camarada e amigo
Carlos Vinhal
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Notas do editor

(*) Vd. postes de:

26 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11873: O Nosso Livro de Visitas (167): Francisco Maria Magalhães Batista, ex-Alf Mil, integrado na CART 2732 em Setembro de 1971 (Carlos Vinhal)
e
29 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11882: Blogpoesia (351): "Conversas sem pressas", por Maria de Lourdes dos Anjos (Francisco Batista)

Último poste da série de 9 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11919: Tabanca Grande (407): José Fernando dos Santos Ribeiro, ex-1º Cabo de Transmissões da CCS do BCAÇ 2912 (Galomaro-Cossé), 1970/72

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11578: In Memoriam (150): Henrique Rosa (1946-2013), ex-fur mil inf, Op Esp., CCAÇ 2614 / BCAÇ 2892 (Nhala e Qubeo, 1969/71), e ex-presidente da República da Guiné-Bissau, interino (2003/05) (Francisco Barroqueiro / Manuel Amaro)


Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > CCAÇ 2614 (1969/71) > O fur mil ifn, op esp, Henrique Rosa, na margem esquerda  do Rio Corubal, nas proximidades de Aldeia Formosa.



Um homem, um empresário, um cidadão, um político que deixa saudades na Guiné-Bissau


Fotos: © Francisco Barroqueiro (2013). Todos os direitos reservados.



1. Mensagem de 15 de maio, do nosso leitor (e camarada) Francisco Barroqueiro, amigo do Facebook. vivendo em Castelo de Vide:


Henrique Pereira Rosa 1946-2013

Natural de Bafatá;
Residente em Bissau:
Cidadão Luso-Guineense:
Falecido hoje na cidade do Porto após doença prolongada.
Ex-fur mil,  CCa. 2614 / BCaç 2892, Guiné 1969-1971
Ex Presidente da República da Guiné Bissau.


Caro Luís,

De facto, assim foi, estivemos na Guiné, eu, tu e o Henrique Rosa que foi a pessoa mais marcante que conheci naquelas andanças.

A ideia é mesmo publicar a notícia no blogue. Poucos o conhecem mas é justo que a notícia chegue a alguns mais. Haveria muito a dizer, mas por manifesta incapacidade tenho que deixar isso para outros mais capazes. Se o Manuel Amaro aqui estivesse, daria uma ajuda. É só uma notícia pequena, para memória, num sítio digno e relevante como é "nosso" blogue.
Creio que a legenda da foto (um sítio lindo) e o texto marcado são suficientes para a edição. O restante texto é pessoal.

Um abraço.
Francisco Barroqueiro


2. Mensagem do nosso tabanqueiro Manuel Amaro (ex-fur mil enf da CCAÇ 2615/BCAÇ 2892, Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969 a 1971), em resposta a um pedido de esclarecimento meu, sobre o Henrique Rosa:

Meu Caro Luís Graça:

O Henrique Rosa, falecido no dia 15 de maio de 2013, no Hospital de S. João, no Porto, era um cidadão guineense, de origem portuguesa.

Foi Furriel Miliciano de Infantaria, com a especialidade de Operações Especiais,  da CCAÇ 2614 / BCAÇ 2892 (Nhala e Quebo, 1969/71).

Conheci-o em Évora, antes do embarque [do batalhão]. E aí começamos a construir uma relação de amizade, que se manteve ao longo de toda a comissão de serviço.

Era um jovem desportista, com uma cultura política e social muito acima da média, no nosso escalão etário. Gerador de consensos, coisa tão necessária, naquele tempo, tal como hoje.

Nas minhas memórias da “Tropa”, anotei os nomes de alguns cidadãos de excecional qualidade humana: Henrique Rosa, Zé Teixeira e José F. Boita, são os primeiros.

Terminado o serviço militar, o Henrique Rosa regressou à sua vida familiar e empresarial, na Guiné. Em 2003 os autores do golpe de Estado que derrubou Kumba Ialá, convidaram-no e ele aceitou, a desempenhar o cargo de Presidente da República, interino, no período de transição até às eleições de 2005.

Desempenhou esta missão, como todas as outras, ao longo da sua vida, com grande competência e dedicação. Em 2009 e 2012, contra a sua vontade, acedeu à vontade dos amigos e candidatou-se, mas não foi eleito.

Um problema grave de saúde, que tratava em Portugal, há vários meses, levou-lhe a vida, no dia 15 de maio de 2013. Um dia destes, o corpo de Henrique Rosa fará a última viagem entre Portugal e a Guiné Bissau.

Um Abraço

3. Comentário do editor:

O blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné apresenta à sua família, em Portugal e na Guiné-Bissau,   bem como aos seus antigos camaradas de batalhão sentidas condolência pela perda do homem bom, cidadão de referência e saudoso camarada que foi  o Henrique Rosa.

Infelizmente não temos ninguém, aqui na Tabanca Grande, a representar a CCAÇ 2614. Temos o Manuel Amaro, da CCAÇ 2615, que foi seu amigo, tendo esatdo juntos em Évora e depois em Aldeia Formosa. E podemos vir a ter o Francisco Barroqueiro se ele aceitar o nosso convite para formalizar a sua entrada nesta grande família bloguística que se reúne à sombra de um velho, mágico, frondoso, fraterno, solidário e protetor poilão, o da camaradagem criada e cimentada na Guiné, nos idos tempos de 1961 a 1974. (**)

A CCAÇ 2614 pertencia ao BCAÇ 2892 (Aldeia Formosa, 1969/71), partiu para a Guiné em 22/10/1969 e regressou em 6/9/1971. Esteve em Nhala e Aldeia Formosa. Foi seu comandante o cap mil inf José Manuel Baptista Rosa Pinto.

___________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 8 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11542: In Memoriam (149): Maio de 1973 - Guidaje - Campo da morte para os: 1.º Cabo Mil Bernardo Moreira Castro Neves e Soldado António Júlio Carvalho Redondo do BCAÇ 4512; Fur Mil Arnaldo Marques Bento e Soldado Lassana Calissa da CCAÇ 14 (Manuel Marinho)

(**) Em 12/8/2011, o Francisco Barroqueiro mandou-nos a seguinte mensagem:
"Caro Amigo: Só há minutos descobri o blogue. Incrível! Trabalho fantástico. Lá está o camarada Manuel Amaro,  da 2615. Bons tempos! Maus momentos. Ou nem tanto. Tenho uma encomenda para ele, será possível obter o contacto do professor? Um Abraço."

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10399: As Nossas Tropas - Quem foi quem (10): Ten Cor Manuel Agostinho Ferreira, o "metro e oito", comandante do BCAÇ 2879 (Farim, 1969/71) e BCAÇ 2892 (Aldeia Formosa, 1969/71) (Paulo Santiago / Carlos Silva / Manuel Amaro)

1. Mail de Paulo Santiago [, foto à direita], de 15 de janeiro de 2008:

Camaradas: Acabei de ler o poste do Carlos Silva "de Abrantes para Farim" (*) onde aparece como comandante de batalhão [, o BCAÇ 2897, ] o ten-cor Agostinho Ferreira, chamado de Metro e oito, o qual tive o prazer de conhecer, numa visita ao Saltinho, em 1971, visita mencionada numa das minhas Memórias, sendo na altura comandante do batalhão de Aldeia Formosa [, o BCAÇ 2892].


Foi no mesmo dia que conheci o, na altura, cap mil Rui Alexandrino Ferreira, [o nosso] Ruizinho, comandante da CCAÇ 18, também na Aldeia Formosa. Aliás, no livro Rumo a Fulacunda, o Rui fala, em termos elogiosos, do seu comandante de batalhão, o ten-cor Agostinho Ferreira.


Porque saiu de Farim para Aldeia ? Terá sido alguma chicotada psicológica do Spínola ? O Carlos Silva que explique este desfasamento.

Abraço, Paulo Santiago

P.S.- Não descobri o mail do Carlos Silva para dar conhecimento.




Ten cor inf Manuel Agostinho Ferreira, comandante do BCAÇ 2879 (Farim, 1969/71) e do BCAÇ 2892 (Aldeia Formosa, 1969/71), popularmente conhecido como o "metro e meio". Faleceu em 2003, com o postod e major general. Foto de Mário Pinto.



2. Nota do Carlos Silva, que foi apresentado á nossa  Tabanca Grande em 20 de julho de 2007 [Foi fur mil at armas pesadas inf, tendo pertencido à CCAÇ 2548 (Jumbembem, 1969/71), do BCAÇ 2879 (Farim, 1969/71).


O ten cor Manuel Agostinho Ferreira, falecido a 29-10-2003, com a patente de Major-General, ficou conhecido pela rapaziada do Batalhão pelo “metro e oito “. Distinto oficial, inteligente e corajoso, que, sendo comandante de batalhão, não se poupava a esforços nem a sacrifícios, assim como não hesitava em participar nas operações, a fim de poder apreciar in loco a justeza dos factores de planeamento, quantas vezes abstractos, que os manuais forneciam. 

Esta postura do nosso comandante que, por um lado, era altamente louvável, por outro incutia na rapaziada uma confiança que fazia ultrapassar o medo que porventura existisse. Tal atitude granjeou-lhe da nossa parte uma grande simpatia e admiração que ainda hoje se faz sentir e há-de perdurar ao longo dos tempos até ao último sobrevivente do Batalhão. expressão de tal sentimento resulta bem claro nos almoços de confraternização do Batalhão (*). 


3. Resposta à pergunta do Paulo Santiago, que ficou mais de quatro anos por responder:
Excerto do poste 8 de outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5075: Não-Estórias de Guerra (1): O Furriel Enfermeiro de Quebo (Manuel Amaro)  [, foto atual, à direita]:
 (...) Quando cheguei a Aldeia Formosa (Quebo) no final de 1969, aquilo era assim quase um paraíso.

Tínhamos feito um mês de estágio em Nhacra (englobando Safim, João Landim, Cumeré e Dugal). Aqui no Dugal, o Pelotão do Alferes Caçador ainda foi presenteado com uma rocketada que levantou as chapas da cobertura.

A viagem em LDG, via Bolama, até Buba, foi desagradável. A coluna Buba/Aldeia de uma qualidade indescritível.

Mas em Aldeia Formosa não havia guerra. Diziam os mais velhos que isso se devia à acção de alguns Comandantes que por lá passaram, nomeadamente o major Azeredo e o major Fabião. E também devido à existência do Cherno Rachid Djaló. Mas… como não há bem que sempre dure…

Entre 20 de Março e 30 de Abril de 1970, Aldeia Formosa foi duramente castigada pelo inimigo. Tanto com emboscadas no mato, de que resultaram três mortos, como ataques ao quartel.

Os ataques do PAIGC a Aldeia Formosa incomodaram tanto o General Spínola que este tomou a decisão de substituir o Comandante do BCAÇ 2892, nomeando para o cargo, o Ten Cor Manuel Agostinho Ferreira.

O novo Comandante, mal tomou posse reuniu com o 2.º Comandante, o Oficial de Operações, Comandantes de Companhia, Oficiais e Sargentos. Falou muito e ouviu pouco. De seguida, sentou-se naquela mesa enorme, na Sala de Operações, e, olhando para os mapas, questionava o oficial de operações:
- A CART 2521 tem o pessoal todo operacional?
- Sim, tem, meu Comandante.
- E a CCAÇ 2615 tem o pessoal todo operacional?
- Sim, tem, meu Comandante - repetiu o Major... Mas hesitou e corrigiu…
- Bem, quer dizer… o Furriel Enfermeiro está destacado no Posto Escolar.

O Comandante deu um salto e gritou:
- É isso… não pode ser. O pessoal de saúde tem que estar integrado nas suas Unidades Operacionais. Esse Furriel cessa funções hoje. Amanhã já está integrado na Companhia. Nomeia-se outro Furriel, Amanuense ou de Transmissões, para a Escola.

O Tenente Lopes, que dava os últimos retoques no stencil da Ordem de Serviço, ainda conseguiu incluir o texto do Despacho, que foi publicado e distribuído, nesse dia, já noite dentro.

Esta foi a grande decisão do novo Comandante. E a decisão foi cumprida

No dia 6 de Maio de 1970, quando o Pelotão (aqui apetece-me chamar-lhe Grupo de Combate) saiu para a Operação de rotina, já integrava o Furriel Enfermeiro, de camuflado, carregando uma bolsa tradicional, mas de G3 a tiracolo. Esta cena teve assistência, mirones, assim uma coisa semelhante à apresentação do Cristiano Ronaldo, em Madrid…

Saliente-se que esta decisão e a sua imediata implementação, foi tão importante que, quando o Pelotão que fazia a segurança nocturna, no exterior do quartel, regressava a casa, já se cruzou com o gila, informador do PAIGC, que ia a caminho da fronteira, para transmitir a novidade.

Nino recebeu o mensageiro que chegou com ar cansado da viagem, mas feliz por cumprir tão importante missão informativa:
- O novo Comandante de Quebo já tomou uma decisão. O Furriel Enfermeiro que estava na Escola passou a operacional. A partir de hoje, cerca de 15% das operações na área de Quebo terão a sua participação.

Nino, que de início parecia tranquilo, começou a dar sinais de impaciência e algum nervosismo. Para disfarçar, começou por acariciar a sua kalash com a mão direita, mas a esquerda, mais difícil de controlar, começou a coçar a cabeça. Quando o Nino coçava a cabeça já se sabia que alguma coisa estava a correr muito mal.
- Isso é mau. E logo agora que tínhamos algum controlo na zona.

Nino pensou, pensou… mas não demorou mais de cinco minutos para ordenar aos seus adjuntos o que fazer de imediato:
- As armas pesadas cumprem o plano até esgotar as munições... O grupo do GB, até ordem em contrário, não faz as emboscadas previstas na zona de Quebo.

E a ordem foi cumprida. E a vida continuou. Até que uns dias depois, ainda em Maio, o gila aparece de novo e informa:
- Camarada Comandante Nino, o Furriel Enfermeiro deixou a zona operacional. Agora só faz colunas de reabastecimento Quebo/Buba/Quebo. É que os outros enfermeiros não gostam de fazer colunas e ele gosta de ir a Buba comer peixe grelhado e cumprimentar os amigos que tem em Buba e Nhala.

Nino pareceu não dar muita importância à informação, mas logo que o gila se afastou, ordenou, até ordem em contrário, a paragem da colocação de minas na estrada e/ou ataques às ditas colunas. E a ordem foi cumprida.

Mas a vida no teatro de guerra é muito agitada, mesmo para quem não faz a dita. Ainda decorria o mês de Junho e já o gila estava a solicitar nova audiência.
- Camarada Comandante Nino´, lembra-se do Furriel Enfermeiro de Buba, que foi ferido e não foi substituído? Está no Hospital em Lisboa, com uns centímetros de intestino a menos…

Nino não entendeu a razão desta conversa, mas replicou:
- Em Buba os colonialistas têm um médico.
- Pois - concordou o gila -, mas o médico vai de férias a Portugal. O Camarada Nino imagina quem vai substituir o médico durante esse tempo?... O Furriel Enfermeiro do Quebo.

Nino soltou um palavrão. (Que eu não repito, porque eu não escrevo palavrões, mesmo quando são ditos por outros). E depois ordenou:
- Até ordem em contrário, o Grupo do MS não executa ataques na zona de Buba.

E a ordem foi cumprida.... Em Outubro lá estava de novo o gila informador, o que era um incómodo para Nino, porque estas informações eram pagas, mas ao mesmo tempo eram informações válidas e sempre credíveis, portanto úteis, para a operação do PAIGC.
- Então que notícias temos de Quebo? - perguntou Nino.
- Coisa grande, Camarada. A Companhia de Nhala vai para Quebo e a de Quebo vai para Nhala.

Nino não entendeu a razão da importância desta informação e argumentou:
- Mas isso é uma simples troca, não altera nada.
- Altera, sim, camarada Comandante. É que o Furriel Enfermeiro, agora, vai ficar em Nhala, até ao fim da comissão, em Setembro do ano que vem. – sentenciou o gila.

Nino, que até ali estivera de pé, durante toda a conversa, sentou-se, baixou a cabeça, colocou-a entre as mãos e, em vez do tradicional palavrão, disse baixinho:
- … Dasse… dasse… dasse…

Passados uns minutos levantou-se, passou as mãos pelo rosto, alisou o cabelo e ordenou a todos os seus comandantes:
- Até Setembro de 1971, não haverá qualquer acção contra os militares colonialistas instalados em Nhala, incluindo o quartel, a estrada e os carreiros.

E a ordem foi cumprida.... Em Setembro de 1971, o Furriel Enfermeiro do Quebo e Nhala regressou à Metrópole. O gila emigrou e é estivador no porto de Marselha. O Nino… bem, sobre o Nino toda a gente sabe tudo.

A maior parte dos protagonistas desta não-estória já faleceram e não poderão confirmar o que aqui está escrito. Mas o nosso Camarada José Martins, recorrendo a todas as suas fontes de informação, poderá confirmar que todas as ordens de Nino, aqui referidas, foram cumpridas. (...)

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Nota do editor:

(*) Poste de 15 de Janeiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2440: História do BCAÇ 2879, 1969/71 (1): De Abrantes para Farim (Carlos Silva) ]

Útimo poste da série > 25 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10193: As Nossas Tropas - Quem foi quem (9): Marcelino da Mata, 1º cabo, Gr Cmds Diabólicos (1965/66) (Virgínio Briote)