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quarta-feira, 8 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11542: In Memoriam (149): Maio de 1973 - Guidaje - Campo da morte para os: 1.º Cabo Mil Bernardo Moreira Castro Neves e Soldado António Júlio Carvalho Redondo do BCAÇ 4512; Fur Mil Arnaldo Marques Bento e Soldado Lassana Calissa da CCAÇ 14 (Manuel Marinho)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Marinho (ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Nema/Farim e Binta, 1972/74), com data de 2 de Maio de 2013:

Caro amigo Carlos,

Ao vasculhar os meus papéis encontrei uns escritos que foram enviados a um concurso que o DN lançou em 1997, intitulado: “UMA GUERRA CEM PALAVRAS”.

Destinava-se a todos os ex-combatentes (ou não), que quisessem participar, com textos vividos ou ficcionados.

O regulamento entre outras coisas, impunha que os textos enviados não poderiam exceder as CEM PALAVRAS. Está exactamente como o enviei, se vires interesse em publicar, avança.

Eu na altura procurei que eles tivessem a ver com a realidade vivida por mim na Guiné, mandei três textos, claro que não tive prémio, apenas desabafei, e em cem palavras lembrei um momento complicado da minha vida, ao homenagear um camarada morto ao meu lado, depois só escrevi sobre a guerra quando deparei com o nosso blogue.
 
Mas este texto na altura tinha, e tem, destinatário, e porque se aproxima a data de 8 e 9 de Maio, resolvi enviar à tua consideração, pretendendo homenagear o meu camarada 1.º Cabo Miliciano Bernardo Moreira Castro Neves da 1.ª C.ª / BCAÇ 4512 que foi um dos primeiros a tombar por Guidaje, com apenas dois meses de comissão, estava a integrar-se muito bem no nosso 1.º GComb.

Faz agora 40 anos que esta emboscada aconteceu, aproveito também para homenagear os outros nossos três camaradas que tombaram nesse dia:

Soldado António Júlio Carvalho Redondo - 3.ª C.ª / BCAÇ 4512 
Fur Mil Arnaldo Marques Bento - CCAÇ 14 
Soldado Lassana Calissa - CCAÇ 14 


Esta foto foi cedida pelo camarada da minha CCaç, Carlos Cotrim, que está na foto, e foi tirada no bar de Nema. O camarada Bernardo Neves é o primeiro a contar da esquerda.


**********

Texto enviado a concurso 

 A MEDALHA

Avançam de noite tensos e apreensivos, missão – levar mantimentos e armamento ao aquartelamento sitiado. Não conseguirão…

Mobilizado por castigo disciplinar, o Furriel fora integrado recentemente no Grupo de Combate. Tem um pressentimento lúgubre. 
Diz:
- Não sairemos vivos desta. Não voltarei a ver os meus. 

Contempla a medalha estimativa que traz ao peito, aperta-a com força. 
Caem na emboscada nocturna, e breve. A noite é a mais longa da vida. 

Surge a manhã, recomeçam os ataques, o Furriel é atingido com gravidade. Os seus gritos dilaceram os ouvidos. Volta a ser atingido e morre. 

Passado algum tempo, já em terreno minado, são levantados os corpos. 
O Furriel foi reconhecido pela MEDALHA.

Setembro de 1997

Um grande abraço
Manuel Marinho
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Notas do editor

Vd. comentário de Manuel Marinho no poste de 29 DE MAIO DE 2012 > Guiné 63/74 - P9961: Efemérides (96): Guidaje foi há 39 anos: a coluna que rompeu o cerco, em 10 de maio de 1973 (Amílcar Mendes, ex-1º Cabo Cmd, 38ª CCmds, 1972/74)

Último poste da série de 8 DE MAIO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11540: In Memoriam (148): Cândido Perna Tavares, o "República" (1943-2013), CART 730, Bissorã, e Grupo Vampiros, dos Comandos do CTIG, Brá, 1964/66 (João Parreira)

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11458: 9º aniversário do nosso blogue: Questionário aos leitores (25): Respostas (49 e 50) dos nossos camaradas Joaquim Cruz, ex-Sold Cond Auto Rodas da CCS/BCAÇ 4512 (Farim, 1972/74) e Luís Fonseca, ex-Fur Mil TRMS da CCAV 3366 (Suzana e Varela, 1971/73)

1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Cruz (ex-Soldado Condutor Auto-Rodas da CCS/BCAÇ 4512, Farim, 1972/74), com as suas respostas ao nosso questionário:

Amigo e camarada Luís Graça
Como não podia deixar de ser aqui estou eu a dizer persente à vossa solicitação sobre o questionário

(1) Quando é que descobriste o blogue? 
R - Nos finais de 2011. 

(2) Como ou através de quem? 
R - Foi através do nosso camarada Manuel Mendes da Ponte que tal como eu pertenceu à CCS do BCAÇ 4512 que esteve sediado em Farim 72/74. 

(3) És membro da nossa Tabanca Grande (tertúlia)? 
R-Sim desde Julho de 2012. 

(4) Com que regularidade visitas o blogue? 
R - Diariamente só falto se por algum motivo não estiver em casa o que ultimamente tem sido muito raro. 

(5) Tens mandado (ou gostarias de mandar mais) material para o Blogue (fotos, textos, comentários, etc.? 
R - Já enviei um pequeno resumo do que foi a minha passagem pela vida militar, com varias fotos incluídas, oportunamente penso vir a enviar mais alguns episódios que por lá vivi. 

(6) Conheces também a nossa página do Facebook (Tabanca Grande Luís Graça)? 
R - Sim conheço mas não sou frequentador. 

(7) Vais mais vezes ao Facebook do que ao Blogue? 
R - Ao Blogue como é evidente. 

(8) O que gostas mais no Blogue? E no Facebook? 
R - Das histórias que cada um de nós lá viveu, das fotos, de tudo o que nos faz recordar aquela terra, onde apesar dos sacrifícios que por lá passamos, uns mais que outros, acabamos por ficar ligados a ela para sempre. 

(9) O que gostas menos no Blogue? e no Facebook? 
R - De tudo o que se afaste da realidade do que foi a nossa passagem por aquelas terras. Por vezes surgem alguns comentários que eram dispensáveis, estamos entre amigos camaradas que pisamos os mesmos trilhos que tivemos as mesmas vivências, podemos e devemos narrar as nossas histórias de vida sem azedumes dentro do maior respeito entre todos incluindo os nossos antigos IN. Já passaram muitos anos sobre os factos, a memória vai-nos pregando umas partiditas, também é verdade que não podemos pensar todos da mesma maneira e assim sendo há que ser tolerante e seguir em frente deixando para trás aquilo que não nos interessa. 

(10) Tens dificuldade, ultimamente, em aceder ao Blogue? 
R - Não nunca senti qualquer dificuldade em entrar na página. 

(11) O que é que o Blogue representou (ou representa ainda hoje) para ti? E a nossa página no Facebook? 
R - Não frequento o Facebook. 

(12) Já alguma vez participaste num dos nossos anteriores encontros nacionais? 
R - Não ainda não houve essa oportunidade. 

(13) Este ano, estás a pensar ir ao VIII Encontro Nacional, no dia 8 de Junho, em Monte Real? 
R- Não, gostaria muito mas este ano não me é possível. 

(14) E por fim, achas que o blogue ainda tem fôlego, força anímica, garra… para continuar? 
R - Claro que sim, basta pensarmos que somos apenas uma pequeníssima parte de uma enorme quantidade de camaradas que por lá passaram durante o conflito, portanto enquanto estiverem vivos ex-combatentes haverá por certo muitas centenas de histórias por contar. 

(15) Outras críticas, sugestões, comentários que queiras fazer? 
R - Criticas não tenho a fazer, pelo contrário tenho muitos elogios a fazer aos digníssimos Editores, pelo grande empenho esforço e dedicação que tem dedicado a esta grande obra que nos enobrece a todos os que por lá passamos, envio-vos os meus parabéns e um grande abraço. 

J.Cruz

********************

2. Mensagem do nosso camarada Luís Fonseca, ex-Fur Mil Trms da CCAV 3366/BCAV 3846, Suzana e Varela, 1971/73, com as suas respostas ao nosso questionário:


(1) Quando é que descobriste o blogue? 
R - Penso que em fins de 2006 

(2) Como ou através de quem?
R - Por mero acaso por pesquisa na Net 

(3) És membro da nossa Tabanca Grande (tertúlia)? 
R - Desde 23JUL2007 

(4) Com que regularidade visitas o blogue? 
R - Quase diariamente 

(5) Tens mandado (ou gostarias de mandar mais) material para o Blogue (fotos, textos, comentários, etc.? 
R - Sim. Já enviei algum material. 

(6) Conheces também a nossa página do Facebook (Tabanca Grande Luís Graça)?
R - Sim, tenho conhecimento mas não gosto do FB 

(7) Vais mais vezes ao Facebook do que ao Blogue? 
R - Prefiro o Blogue 

(8) O que gostas mais no Blogue? E no Facebook? 
(9) O que gostas menos no Blogue? e no Facebook? 
R - Não se trata de gostar muito ou pouco. Representa, para mim, além de conhecimento adquirido e informação, o recordar de situações passadas pela nossa geração. Pena que material relacionado com zonas do noroeste da Guiné, Norte do Cacheu, sejam pouco visiveis. 

(10) Tens dificuldade, ultimamente, em aceder ao Blogue? 
R - Até ao momento sem dificuldades. 

(12) Já alguma vez participaste num dos nossos anteriores encontros nacionais? 
R - Não. 

(13) Este ano, estás a pensar ir ao VIII Encontro Nacional, no dia 8 de Junho, em Monte Real? 
R - Ainda não é este ano. 

(14) E por fim, achas que o blogue ainda tem fôlego, força anímica, garra… para continuar?
R - Ultrapassdos alguns problemas comunicacionais entre nós, quero acreditar que sim, embora não com a mesma força e dinâmica. 

(15) Outras críticas, sugestões, comentários que queiras fazer? 
R - Quanto a este ponto: Sem comentários a apontar. 

Com um Kasumai
Luís Fonseca
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Nota do editor:

Último poste da série de 24 de Abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11453:9º aniversário do nosso blogue: Questionário aos leitores (24): Respostas (nº 45/46/47): Victor Garcia ( CCAV 2639, Binar, Bula e Capunga, 1969/71), José Carlos Neves (STM, Cufar, 1974]), Sousa de Castro (CART 3494, Xime e Mansambo, 1971/74)

sábado, 8 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10352: Memórias de Joaquim Cruz (3): A minha passagem pelo BENG 447

1. Final da publicação das Memórias do nosso camarada Joaquim Cruz* (ex-Soldado Condutor Auto-Rodas da CCS/BCAÇ 4512, Farim, 1972/74), que fez parte da sua comissão integrado numa Brigada do BENG 447, mas por ironia do destino, sempre bem perto da sua Unidade de origem.


MEMÓRIAS QUE O TEMPO NÃO CONSEGUE APAGAR (3)

Sou Transferido para o Batalhão de Engenharia 447

Um certo dia sem que eu esperasse sou chamado à presença do nosso Comandante de Batalhão, o já falecido Ten Cor António de Vaz Antunes e este pergunta-me se eu tinha alguém influente que tivesse feito com que eu fosse chamado para Bissau. Fiquei surpreendido com a notícia, respondi-lhe que não, que desconhecia por completo a razão, e perante a pergunta que me fez se eu estava interessado em ir eu respondi-lhe que sim, apercebi-me pelas suas palavras que se eu não quisesse ir ele resolveria o problema de outra forma, mas para quem estava ali quase há um ano e de ter passado por momentos complicados ir para Bissau era um prémio caído dos céus. Bem me enganei.

E assim foi, passados uns dias conseguiram-me um lugar numa avioneta civil que nos visitava de longe a longe, que ao mesmo tempo me proporcionou o meu batismo de voo, que começou da pior forma possível, comigo iam mais três ou quatro passageiros, entramos para o interior da avioneta e quando o piloto tenta colocar o motor em marcha este não arranca. Depois de varias tentativas e já quando não víamos qualquer esperança de levantarmos voo, alguém com autoridade, penso que o oficial de dia, se lembrou com a anuência do piloto de chamar o 1.º Cabo Mecânico do nosso Pelotão Auto, o Piedade, se não estou confundido no nome, foi este nosso camarada que resolveu o problema, mas para quem voava a primeira vez, eu confesso que fui a viagem toda meio arrepiado, a olhar para as matas e a pensar para comigo quando é que o motor se vai lembrar de parar e nós vamos esmagarmo-nos lá em baixo. Felizmente tudo correu bem e lá me apresento eu no BENG.

Já no BENG petiscando na companhia dos camaradas Flamínio, à esquerda, e Barrelas à direita.

Aqui já com a nova ferramenta de trabalho

Só eu sei quantas vezes me arrependi, primeiro quando descubro a razão da minha presença ali no BENG mas já era tarde para voltar a trás, nada a fazer nestes casos, segue-se em frente e enfrentam-se as adversidades com o maior rigor possível; segundo quando venho a saber que no principio do ano o Alf Mil Paiva e Pona Comandante do Pelotão-Auto procede à troca dos condutores, os que estiveram no primeiro ano no quartel ocupam o lugar dos que tinha calcorreado as picadas, não tiveram estes também tarefa fácil, já que acionaram algumas minas e tiveram envolvidos em emboscadas na perigosa zona de Lamel entre eles os nossos camaradas Simão, que saiu ileso duma violenta emboscada em que lhe passou uma roquetada perfurante por baixo do banco da Berliet que este conduzia, o Vieira e o Rui da Eira, mais conhecido por (Espite) entre outros, que no primeiro ano foi o condutor do nosso Comandante de Batalhão e no segundo acabou por vir evacuado na sequência do rebentamento de uma mina que teve a infelicidade de acionar.

Logo nos primeiros dias na Engenharia sou informado que se está a formar uma brigada para abrir uma nova picada para Guidaje, e que por falta de manobradores desta arma foram às várias Unidades buscar elementos para completar essa brigada, então como eu era o único condutor dos elementos rebuscados, foi-me distribuída uma motoniveladora que para quem conhece trabalhos de terraplanagem, é só uma das mais trabalhosas. Depois de um pequeno estágio onde ainda passei uns dias em Tite, mais uns trabalhos para adaptação nos arredores de Bissau e ficamos prontos a partir.

Embarcamos toda a maquinaria numa LDG, como mostra a foto, e com a proteção de um navio patrulha que com umas varredelas do tarrafo e matas junto às margens nos foi acompanhando, subimos o Cacheu e lá chegamos a Binta sem problemas de maior.

A viagem na LDG de Bissau a Binta subindo o Cacheu

Eu com a máquina em plena atividade

As máquinas eram normalmente duas de cada tipo, para que trabalhássemos alternadamente, ou seja um dia de trabalho alternado com um dia para manutenção da máquina e o merecido descanso, só que a outra niveladora que tinha sido a um manobrador pertencente à Engenharia, passados uns dias, para meu azar, teve uma avaria na caixa de velocidades, ao tempo que surgiu um problema numa perna, um pouco abaixo do joelho, ao dito manobrador, e lá vai o nosso amigo Varandas, de seu nome, evacuado para Bissau.

Nunca mais lá voltou como era de esperar, então o serviço que estava programado para dois manobradores passou inteiramente para mim, é que mesmo já passados, naquela altura mais de seis meses da luta travada ali entre Binta e Guidaje, o nome impunha respeito, mesmo a quem por lá não tinha passado.

Iniciamos os trabalhos, adianto que o traçado da nova picada raramente coincidia com a picada antiga, passamos razoavelmente afastados dos restos das viaturas que ali na zona de Genicó tinham sido destruídas pela nossa FA, lá estavam vários destroços espalhados por uma vasta área, procurando seguir o mais reto possível, lá fomos progredindo em direção à tristemente célebre bolanha do Cufeu. Para quem por lá passou naquela época hoje é muito fácil certificar o que aqui descrevo através do Google, pois nota-se perfeitamente a linha da nova picada que ali construímos.

A parte que me tocava no desenvolver dos trabalhos era deveras árdua, todo o trabalho era feito no interior duma enorme nuvem de poeira levantada pelos camiões, que de um lado circulavam carregados de saibro e pelo outro vazios, num vaivém continuo desde que começávamos logo pela manhã até à meia tarde sensivelmente, ainda com a agravante de até meio do percurso mais ou menos, termos que levar e trazer as máquinas para o destacamento, quando terminávamos as tarefas e nos banhávamos para tentarmos comer alguma coisa, o que era de todo impossível porque o organismo já não respondia, a qualidade da alimentação também não ajudava e a salvação eram umas cervejolas bem frescas. Daí resultou que ainda hoje o fígado se ressente desses maus tratos, foi já na parte final que as máquinas passaram a ficar no local de trabalho devidamente protegidas, todos os dias era feita a picagem do trajeto, assim como da zona de trabalho. Foram no decurso dos trabalhos detectadas e levantadas enumeras minas mercê da perícia de um ex-Fur Mil que fazia parte do Pelotão de Sapadores que também foi constituído com elementos de várias Unidades.

Além destes eramos protegidos por duas Companhias que garantiam a segurança para que pudéssemos realizar os trabalhos, mas das muitas minas que foram desativadas ouve uma anticarro que não foi detectada e que viria a ser acionada por mim, como adiante explicarei.

A primeira operação que eu fazia ao chegar à frente de trabalho era limpar a chamada caixa para que os camiões começassem a vazar os montes de saibro, depois vinha para trás e procedia ao seu nivelamento. Fiz este trabalho durante bastante tempo, mas cheguei a uma altura que derivado ao cansaço, tive que recorrer à compreensão e boa vontade do Comandante da Brigada, o ex-Alf Mil Ferreira, se não estou em erro com o nome, e este acedeu a que eu fosse alternadamente para poder ter algum tempo de descanso.

Quando eu não estava, era um camarada e quem chamávamos Faísca, natural do Algarve, que com um D4 fazia o que lhe era possível, facilitando-me um pouco a tarefa. Com esta alternância calhei a não estar presente quando houve uma emboscada à coluna, mas desnecessário será dizer que no dia em que lá estava. Esforçava-me ao máximo para conseguir levar a contenda a bom termo.

E é assim nesta azáfama que recebemos a noticia do 25 de Abril, continuamos a trabalhar como se nada se tivesse passado, e por ironia do destino, no dia 1 de Maio sensivelmente por volta das nove da manhã, precisamente à entrada da celebre bolanha do Cufeu onde a nova picada se sobrepôs com a antiga, no sentido de Binta Guidaje onde o terreno fazia um pequeno declive, ao proceder à rotina habitual da limpeza da caixa na frente de trabalho, passo a primeira vez, sempre com algum receio, passo uma segunda já mais descontraído, e à terceira passagem explode debaixo da roda do meio do lado esquerdo um valente caixote de trotil, que no dizer dos entendidos tinha ficado ali desde o conflito do ano anterior e a época das chuvas tinha-se encarregado de tapar com uma vasta camada de areia.

O estado em que ficou a máquina depois do rebentamento da mina

O Bulldozer D6


É a robustez da máquina e a lamina que ia perpendicular a esta que evitam que a mesma tombe. O estrado onde eu de pé vou a manobrar, fabricado em chapa xadrez de razoável espessura impede que os estilhaços me atinjam mas fica bastante abaulado, eu recebo um violento choque que se tivesse ali perecido. Não tinha chegado a aperceber-me de nada, tal foi a violência da explosão, mas passados uns segundos reagi, com a ajuda do bom amigo e camarada Barrelas, Sapador que fazia parte do pelotão ali destacado de apoio à construção da picada, que é o primeiro elemento a chegar junto a mim, que me agarra e pergunta insistentemente como é que eu estou. Por incrível que pareça apenas fiquei com um ligeiro ferimento na testa e claro com o corpo todo dorido e completamente todo coberto com pó negro e terra, como só poderão imaginar aqueles camaradas que viveram situações semelhantes.

Passados os primeiros momentos verifico que me consigo movimentar, sou de imediato transportado para a enfermaria de Binta, mas não há necessidade de ir para Bissau, passo duas semanas a recuperar, talvez as únicas em que estive em verdadeiro descanso. E passados esses dias, como não havia niveladora operacional, ainda dei uma ajuda aos outros camaradas manobrando um D6 na saibreira, até que foi dada por terminada a missão.

Em Binta com os camaradas Luz o do meio e o Barrelas em primeiro plano.

Em Binta, junto à jibóia que ali se deixou agarrar, com camaradas da 1.ª C.ª do 4512 e da Brigada de Engenharia


Na saibreira junto à bolanha do Cufeu com alguns dos camaradas que comigo participaram na construção da nova picada, nunca mais tive contacto com qualquer deles e os nomes já não consigo recordar.

Em Binta no banquete do dia de Páscoa de 1974

Em Binta, aliás como nos outros destacamentos, fui sempre bem recebido como o provam estas imagens onde estou com camaradas do Pelotão Auto da 1.ª C.ª do meu Batalhão em que oficiais sargentos e praças partilhavam das mesmas patuscadas. Reconhecem-se à esquerda, sem camisa, o ex-Alf Mil Morais e à direita, fardado, o ex-Alf Mil Oliveira.

Passados uns dias procedesse ao embarque novamente numa LDG de toda a maquinaria e chega-se à conclusão que desta vez não cabem todas, não cheguei a perceber porquê. O certo é que em Binta ficou a aguardar embarque precisamente a motoniveladora do manobrador que há muito estava em Bissau. Por decisão do Ex-Alf Ml Ferreira, ficava o Cruz até que a máquina fosse recolhida. Por muito que me custasse, compreendi eu era o único que manobrava aquela ferramenta.

Os dias foram-se passando e eu preocupado: - O meu Batalhão qualquer dia faz as malas e eu, o que é que faço à máquina? Então socorri-me dos bons serviços do 1.º Cabo Mecânico da 1.ª C.ª sediada lá em Binta, o nosso camarada e amigo Neto, oriundo de Portalegre se não estou enganado, e ele abriu a caixa de velocidades da máquina e conseguiu que esta funcionasse, coisa que os mecânicos da Engenharia, integrados na Brigada, acho que nem tentaram. Não estava a cem por cento mas para já resolvia o problema.

Primeiro experimentei-a na reparação das zonas envolventes das tabancas, pelos trabalhos prestados angariei algumas cicés que eram prata fina comparado com o que comíamos às refeições, uma pequena galinha bem barrada com gindungo fazia a refeição de meia dúzia de amigos com uma boa quantidade de bazucas para constantemente refrescar a boca, tal era o picante bem conhecido de todos nós que passamos por aquelas bandas.

Depois houve que pedir autorização ao comandante da 1.ª C.ª para me deixar ir para Farim, obtida essa autorização desloquei-me para lá e o primeiro passo já estava dado.

A raspagem do campo de bola de Farim o edifício à direita era o nosso dormitório

Aqui estou junto à maquina em que viajei de Binta a Farim e daí a Bissau.

Entretanto o comandante do Batalhão já era outro, este não me conhecia, mas sempre aproveitou a máquina para dar umas raspadelas nos campos de futebol e depois com muito jeito lá consegui autorização para viajar para Bissau e entregar a dita máquina no BENG.

O conflito tinha terminado e não havia que ter receio. Estaríamos nos meados de Julho mais ou menos e uma bela manhã atravesso o Geba na nova jangada e ai vou eu a caminho de Bissau; encontrei pelo caminho dois grupos de militares do PAIGC, abrandei fiz-lhe um gesto de cortesia o qual eles retribuíram e prossegui até ao meu destino, senti um enorme alívio quando entrei com a máquina e me dirigi ao oficial de dia e lhes fiz a entrega da máquina. Nunca mais vi ou tive contacto com o alferes que me deixou em Binta com tal fardo, mas quem sabe se um dia ainda vou ter o privilégio de trocar umas palavras com ele.

Apresento-me de novo na minha Unidade, em Farim, e como estava bastante folgado, tinha trabalhado pouco durante a comissão e não deveria haver por lá camaradas disponíveis, entregam-me a viatura que servia de ambulância e toca de viajar para Bissau para transportar as senhoras dos oficiais e sargentos que residiam em Farim e que se despunham a ir às compras à capital.

Depois ainda voltei às Berliet, fiz uma última coluna a Cuntima onde assisti à entrega do quartel ao PAIGC e pouco depois preparamo-nos para a partida, talvez pelos bons serviços prestados no primeiro ano de comissão, no dia em que saímos de Farim para Bissau fui premiado com três viagens consecutivas, e na última de regresso para deixar a viatura junto ao rio onde estavam alguns militares da Unidade que nos rendeu, cruzei-me com as últimas viaturas já muito próximo de Mansabá. Foi o então comandante da CCS na altura Ten. Almeida Ferreira que voltou para trás e me levou no seu jeep para Bissau. Fui portanto o último condutor da Companhia a terminar funções, na verdade a fava tinha que calhar a alguém, mas logo eu que tinha sido um privilegiado, enfim para tudo é preciso ter sorte e reconheço que apesar de tudo por que passei, outros houve que tiveram muito menos sorte do que eu.

Peço-vos desculpa se me alonguei demasiado, mas os camaradas publicarão aquilo que entenderem ser de maior relevância para ajudar a completar a história da guerra em que participamos, e em que alguns episódios nos marcaram de tal forma, que jamais os esqueceremos até ao fim dos nossos dias.

Acrescento que todas as fotos são do meu espólio, noutra ocasião posso enviar-vos mais se tal for conveniente.

Envio um forte abraço a todos os ex camaradas
Joaquim Cruz
____________

Nota de CV:

(*) Vd. postes da série de:

15 DE AGOSTO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10267: Tabanca Grande (354): Joaquim Cruz, ex-Soldado Condutor-Auto da CCS/BCAÇ 4512 (Farim, 1972/74)
e
3 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10321: Memórias de Joaquim Cruz (2): Chegada à Guiné, deslocação para Farim e os dias trágicos vividos em Guidaje

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10321: Memórias de Joaquim Cruz (2): Chegada à Guiné, deslocação para Farim e os dias trágicos vividos em Guidaje

1. Continuação da publicação das Memórias do nosso camarada Joaquim Cruz* (ex-Soldado Condutor Auto-Rodas da CCS/BCAÇ 4512, Farim, 1972/74), desta feita lembrando os acontecimentos de 1973 em Guidaje que ele também viveu de perto:


MEMÓRIAS QUE O TEMPO NÃO CONSEGUE APAGAR (2)

Foi durante a viagem no Uíge que o nosso Alferes do Pelotão Auto começou a distribuir por cada um de nós as viaturas que já sabia existirem em Farim, local para onde seguimos, depois da passagem pelo Cumeré e ai nos terem ministrado um pequeno estágio no que à condução e versatilidade das Berliet dizia respeito. Tínhamos portanto à nossa espera em Farim cinco Berliet e eu fui um dos cinco elementos escolhidos para a condução das mesmas.

Os restantes camaradas e bons amigos foram o Ribeiro, o Bombeiro, o Pontes (que veio a ser evacuado para o continente na sequência dos ferimentos que sofreu em Guidaje) e o malogrado Ludgero que aí viria a perder a vida como adiante explicarei; além destas viaturas tínhamos ainda destinadas ao serviço exterior ao quartel três Unimog que nos acompanhavam nas constantes colunas e que eram conduzidos pelos camaradas Milheiro, Vieira e Carrasqueira. Esta era a composição da equipa que no primeiro ano circulou pelas picadas do setor de Farim, no interior do quartel com outras atribuições tínhamos os restantes elementos que faziam parte do Pelotão Auto.

Aqui nesta foto com os camaradas Milheiro ao centro, e o Ribeiro.

Nesta foto dando a minha ajuda aos camaradas mecânicos. Reconhecem-se ao meu lado o estofador, no chão à direita: o Milheiro, Piedade e o Carrasqueira, à esquerda o Oliveira e o nosso camarada guineense de quem não recordo o nome.

O trabalho a que estávamos sujeitos nunca tinha fim, todos os dias estávamos em movimento, eram o transporte do Pelotão de Sapadores, ou dos grupos de combate para patrulhamentos, colunas de reabastecimento de víveres e munições, ao K3 (onde havia que atravessar na antiga jangada onde era preciso ter alguma perícia para não cair ao rio, que mais tarde, durante a nossa comissão veio a ser substituída por outra mais moderna e essa sim não havia que manobrar entrava-se por um lado e saía-se pelo outro)

Esta foi a velha jangada que encontramos em Farim 

Imagem daquela que foi a segunda jangada 

Colunas a Binta, Jumbembém ou Cuntima, estas quase sempre premiadas no regresso com o transporte de vacas para Farim com o inconveniente da sempre obrigatória lavagem da viatura no final da viagens, quase sempre compensadas com cinquenta pesos dados pelo proprietário das vacas e que sempre ajudavam a refrescar a garganta.

Fazíamos ainda o transporte de cibes da mata para o cais junto ao rio, para depois seguirem nos batelões para outros destinos, (a psícola como lhes chamávamos), onde com a segurança de um pequeno grupo de milícias nos embrenhávamos pelas matas onde creio que o PAIGC só não nos apanhava porque simplesmente não estavam interessados em tal.

Depois de mais um transporte de cibes uma pequena pausa 

Antes da partida para mais uma coluna. Um camarada Alf Mil que não estava previsto ficar na foto, cujo nome não consigo lembrar.

Isto para além da prevenção para transporte de reforços aos postos avançados na periferia do quartel de Farim, serviço esse que fazíamos sempre que o mesmo era flagelado com foguetões e não havia que hesitar, quem estava de serviço avançava com a sua viatura em plena chuva dos ditos, conduzindo e olhando para o céu pensando que talvez não nos acertassem, era tudo uma questão de sorte e lá procedíamos à distribuição dos camaradas pelos sucessivos postos.

A propósito desses postos avançados, acrescento aqui que apenas me tocou em todo o tempo de tropa fazer dois reforços de arma na mão, uma vez que aos condutores estavam confiadas outras missões e foi logo na primeira ou segunda semana de sobreposição com a camaradagem que fomos render, foram os dois no posto conhecido pelo da bolanha do lado da saída para Binta, tinha junto a ele uma árvore de grande porte, que estava infestada de morcegos e durante a noite era um chilrear que incomodava bastante quem não estava habituado a tal festim.

O posto era considerado o mais perigoso, onde de vez em quando lá suavam umas rajadas, mas normalmente o que lá surgia não era o IN já que este flagelava-nos sempre à distancia com os célebres foguetões que sentíamos o som logo que eram disparados para de seguida voltar a infiltrar-se no Senegal, eram antes as vacas que a população levava a pastorear durante o dia para fora do arame farpado e depois ao recolher ficava uma ou outra para trás e em plena noite quando tocavam nos arames não havia que perguntar quem vinha lá, e nos dias seguintes sempre havia uns estilhaços para misturar ao arroz que nos era servido diariamente meses a fio, com exceção das messes de oficiais e sargentos onde o tratamento era normalmente diferente para melhor.

Fui despejado no dito posto e tocou-me fazer a vigilância com dois camaradas em fim de comissão, os chamados velhinhos que trataram de me colocar nas piores horas avisando-me dos perigos que poderíamos correr, eu como podem imaginar passei ali um mau bocado, mas quando foi a vez de eles estarem de vigília eu continuei sem pregar olho e apercebi-me que pela sua descontração e até pelo seu ressonar não deveria haver ali tanto perigo como me quiseram fazer crer, enfim eram as partidas que de boa-fé pregávamos uns aos outros.

Desde o início que sempre ouve um excelente relacionamento entre nós condutores, estabelecemos com a anuência dos nossos superiores desde o início, que faríamos uma rotação em todas as circunstâncias, nas colunas da nossa Companhia, cada vez tocava a um de nós ir e regressar na frente, em Farim não utilizávamos rebenta minas ou seja o estrado da cabine da viatura repleta de sacos de areia, se a coluna era de uma das outras Companhias do Batalhão e se na mesma era incorporada uma nossa viatura para reforço desta, como o regresso só se fazia quando houvesse nova coluna, o processo era idêntico de cada vez tocava a um a permanência nesses destacamentos.

Passei alguns desses períodos em Jumbembém sede da 2.ª Companhia onde fiz algumas colunas a Canjambari integrado nas colunas dessa Unidade, guardo até na memória um pequeno episódio que se passou na pequena caserna dos condutores onde eu estava hospedado, a camaradagem e a boa amizade arranjavam sempre espaço para mais um amigo.

Com a porta aberta aparece-nos por ali um solitário cabrito, depois de darmos as boas vindas ao intruso, nas quais eu também colaborei, os preparativos para o banquete correram bem, o petisco ainda melhor, o problema surgiu quando pelo facto de a terra estar muito dura, alguém teve a ideia de pedir ao padeiro que de madrugada ao acender o forno queimasse o que sobrava do bicharoco e entre os despojos estavam uns chifres já bem grandotes, devem imaginar o cheiro que ficou a pairar por todo o destacamento e o receio com que ficamos que se viesse a descobrir a origem deste, mas felizmente tudo acabou em bem.

Um momento de descontração com os camaradas Condutores. Ao meu lado o Vieira, Simão e o Espite.

A viatura pesada Berliet

Do mesmo modo passei algumas semanas intercaladas em Cuntima sede da 3.ª Companhia, é numa dessas estadias que me encontro quando rebenta o conflito de Guidaje.

Não posso precisar a data certa mas terá sido nos últimos dias de Abril de 73 que ao chegar a Farim com mais uma carga de cibes, estava nesse dia uma coluna da 3.ª Companhia quase pronta para partir e nela uma Berliet da CCS que era nada menos que a do nosso amigo Bombeiro, só que acontece que por rotação era eu que devia seguir nessa coluna e assim foi, trocamos de viatura e eu segui para Cuntima com a viatura dele e o amigo Bombeiro, ficou com a minha.

Em Farim no transporte de um GComb da CCaç 14 

Farim com um exemplar que se deixou apanhar

Tenho que aqui reconhecer que ele estava sempre pronto para seguir no lugar de um de nós, facto que eu nunca aceitei, é a minha vez sou eu que vou, da mesma forma que também nunca pretendi ir no lugar de ninguém.

No dia 8 de Maio é formada a 1ª coluna com destino a Guidaje e nesta vão duas Berliet da CCS conduzidas uma pelo Ribeiro e a outra pelo Bombeiro esta a que me estava distribuída, a terceira Berliet assim como o Unimog que compunham a coluna pertenciam à 1.ª CCAÇ Nema/Binta (estas foram as viaturas que acabaram destruídas pela nossa força aérea) os acontecimentos vividos nessa coluna tem sido aqui variadíssimas vezes descritos e eu não estive lá portanto apenas acrescento que os meus camaradas Ribeiro e o Bombeiro ficaram bastante afetados, o Bombeiro chegou mesmo a ser evacuado para Bissau, mas felizmente não tinha nada de grave, ambos na sequência dessa emboscada, do que ai sofreram estiveram vários dias sem voltar à atividade.

No dia 9 estava eu em Cuntima como já tinha referido e mesmo à distância que estávamos em relação ao local onde se deu a emboscada conseguimos ouvir o imenso estrondo que foi o bombardeamento das viaturas feito pela nossa aviação, não sabíamos o que se passava mas umas horas depois somos informados que íamos seguir de imediato para Nema.

Partimos de Cuntima, já escurecia, até Jumbembem não ouve picagem o então capitão da 3.ª CCAÇ deve ter pensado que o melhor seria preservar a sua viatura e então fui colocado na frente da pequena coluna que era composta apenas por duas Berliet, a que eu conduzia e uma pertencente à 3.ª CCAÇ cujo nome do condutor que a conduziu já não consigo recordar. Como não houve picagens avisei o pessoal para se segurarem e prego a fundo, haja sorte, eu já tinha alguma experiência de circular nas picadas não me fiz rogado sempre que possível os rodados não iam dentro das rodeiras, iam por fora o que se conseguia fazer na época seca com alguma facilidade, passamos por Jumbembém sem paragem dai já tinham seguido também reforços com o mesmo destino, Ponte Lamel, uns minutos em Farim que deu para receber o correio que o meu amigo Simão me guardava nas minhas ausências e fomos pernoitar a Nema. No dia 10 quinta-feira ainda era madrugada dirigimo-nos para Binta e ai demos inicio aquela que viria a ser a 2.ª coluna de apoio a Guidaje e a primeira a romper o cerco.

Na cabeça da coluna ia a Berliet conduzida pelo malogrado Ludgero um pouco mais atrás seguia o Pontes e salvo erro em 5-º ou 6-º ia eu conduzindo a Berliet na qual ia instalada a Secção do Pelotão de Morteiros 4274, já tenho lido alguns excertos de camaradas que pertenceram a esta Unidade, pois para que se recordem fui eu que conduzi a viatura que os transportou naquela difícil viagem ao inferno de Guidaje e que felizmente para mim e para eles teve regresso, o que desafortunadamente não sucedeu com outros nossos camaradas. A descrição do que vivemos durante a viagem também já tem sido vastas vezes relatada daí que apenas foco algumas passagens tais como a nossa passagem muito próxima do que restava das viaturas semidestruídas da 1.ª coluna, os corpos dos camaradas que ali perderam a vida, os abatizes atravessados na picada, o saltarmos constantemente para o chão para que os Fiat procedessem ao bombardeamento na nossa frente.

O infortunado 1.º Cabo Comando que saltou do Unimog para o chão, acionando a mina que lhe decepou o pé, o que sucedeu na minha frente e que infelizmente presenciei, é mais um dos tristes episódios que nunca mais esquecerei, o malogrado camarada da 3.ª Companhia que aciona a mina já no Cufeu e que perde ali a vida, o matraquear dos confrontos entre as CCAÇ 3 e CCAÇ 19 com os elementos do PAIGC, o passarmos junto aos vários corpos tombados junto à picada e finalmente a chegada a Guidaje.

Na minha primeira noite sem me aperceber do perigo que corria não me lembrei de outro local para tentar descansar que não fosse o estrado da Berliet, nessa noite fomos bombardeados e entre o rebentamento das granadas do IN e o som das nossa respostas quer pelos obuses quer pelos morteiros que se confundiam, eu lá sobrevivi sem pregar olho mas sem me aperceber do verdadeiro perigo a que tinha estado exposto, o que vim aperceber-me na manhã seguinte as granadas tinha caído perto, havia até algumas viaturas com estragos, uma delas com o radiador furado pelos estilhaços, durante o dia sexta-feira 11 e depois de sabermos que não podíamos regressar sem que chegassem reforços para assegurar que a população não abandonava a povoação, havia que procurar outro local para passar a noite.

Então juntei-me ao pessoal dos morteiros e por ali fiquei. Mais fogachal durante a noite com a nossa resposta sempre pronta e lá chegamos a sábado. Nos dias em que lá permanecemos não comi qualquer alimento confecionado no interior do quartel, penso até que a cozinha nem funcionou, mas se lá cozinharam algo nesse período a mim não me tocou nada, enfim fomos mordiscando alguma coisa das rações que tínhamos levado, o desânimo era tal, nuns mais que noutros, que muitos de nós comentavam que não sairíamos dali vivos e um deles eu nunca mais vou esquecer, foram talvez das últimas palavras que ouvi prenunciar ao nosso infeliz camarada Ludgero, que teve a fatalidade de encontrar ali a morte, recordo-me de lhe ter dito para não pensar nisso e que haveria de aparecer uma solução, e finalmente ela surgiu, quando vimos aparecer no sábado à tarde uma coluna com duas viaturas, uma Berliet da 1.ª Companhia conduzida pelo camarada Chaves e um Unimog da CCS pelo camarada Milheiro, ladeadas pelos Fuzileiros que conseguiram fazer essa coluna sem terem qualquer contacto com o IN.

Aproximou-se a noite e começamos cada um a instalar-se para passar mais uma noite de tormento agora um pouco mais animados porque no dia seguinte partiríamos de regresso. O quartel estava circundado por valas em ziguezague, o pessoal instalou-se por ali como pôde, mas eu já havia detectado que por trás do edifício salvo erro do refeitório, havia uma pequena trincheira que não teria mais que uns 50 a 60 centímetros de largura que deu em tempos acesso a um abrigo já desativado, a vala estava repleta de ervas, houve que amassá-las com as botas e ao mesmo tempo também eliminar algumas das muitas formigas que ali estavam instaladas. Chamei para junto de mim o camarada recém-chegado, o amigo Milheiro, que de início pensou em juntar-se na vala principal aos nossos camaradas condutores Pontes e Ludgero que tinham a seu lado o Soldado Comando José Raimundo e o Soldado Condutor do CAOP, David Viegas, que infelizmente ali viriam a encontrar a morte e muitos outros de outras Unidades já que a densidade era tal que pouco espaço sobrava.

O local onde os camaradas estavam não distava em linha reta do nosso mais que uns 3 a 4 metros, depois de já estarmos instalados ainda com a ajuda do meu companheiro de quarto, fomos buscar um capô de uma GMC que por ali estava abandonado e que nos iria proteger do cacimbo da noite.

Foi quando já todos estávamos quase em silêncio, por volta das nove da noite, que o IN inicia mais um bombardeamento, por fatalidade a primeira granada de morteiro acerta no bordo da vala, precisamente onde estavam os nossos camaradas condutores, após o primeiro rebentamento ouvem-se gemidos de dor, de imediato salto da vala e vou em auxilio dos feridos juntamente com o Milheiro logo seguido por outros camaradas, o primeiro que ajudo a retirar é o Pontes que chora e geme com as dores provocadas pela quantidade de estilhaços que lhe penetraram no corpo e que infelizmente viverá com alguns deles o resto da vida, de seguida tento levantar o Ludgero mas este já não tem reação, o mesmo se passa com os outros dois camaradas o José Raimundo e o David Viegas que tiveram morte imediata.

Ajudei a transportar o Pontes para a enfermaria, outros camaradas transportaram os restantes feridos, incluindo o Ludgero que vim a saber depois que chegou à enfermaria ainda com vida mas veio a falecer na madrugada do dia 13, domingo, dia do nosso regresso.

Finalmente havia condições para sairmos dali para fora, ao organizarmos a coluna para a partida surgiu um problema a viatura da cabeça da coluna, não tinha condutor pois infelizmente o mesmo tinha falecido

A ânsia de sair dali para fora era enorme havia que resolver o problema da viatura que não tinha condutor, fui eu que tomei a iniciativa uma vez que o condutor pertencia à CCS portanto à minha Companhia, fui falar com o nosso Oficial de Operações, o Capitão Beato, e a pergunta foi: Quem é que vês que pode conduzir essa viatura? Então lembrei-me que na coluna de Cuntima tinha vindo connosco um Mecânico da 3.ª Companhia e dei essa informação ao Capitão e este incumbiu-me de transmitir essa ordem, o que fiz.

Fui procurar esse camarada que não me recordo o nome e transmiti-lhe a ordem: Levas a viatura do falecido Ludgero. Foi um choque tremendo para alguém que não estava habituado, e logo na frente da coluna. O tempo passava e eu insistia com o improvisado condutor para que alinhasse a viatura para que se formasse a coluna seguindo as ordens do Capitão Beato, mas o nosso camarada nunca mais se dispunha a alinhar a viatura junto a porta de saída.

É então que eu tomo uma decisão, salto para cima da viatura e arranco com ela em direção à saída, ao mesmo tempo sem me aperceber começamos a receber mais umas morteiradas. Vi de facto gente a correr por todo o lado mas não parei, a pressa de sair daquele inferno para fora era mais forte que tudo o mais, confesso que não o fiz por valentia ou com alguma ideia de heroísmo, tal como por espontaneidade socorri os camaradas nas véspera em pleno ataque sem me lembrar de mais nada, assim o fiz só com uma ideia vamos tentar sair daqui para fora, ato esse que acabou por ser reconhecido pelo Capitão Beato e pelo Comandante do Batalhão como consta na Ordem de Serviço n.º 257 de 23 de Novembro de 1973.

Finalmente lá saímos, mais um dia penoso debaixo de um sol ardente sem alimentos nem água, a viatura que seguia na frente parava frequentemente e para arrancar era a que a precedia que a empurrava, tal era o nervosismo do nosso camarada que a conduzia. Novamente a passagem juntos aos corpos ali tombados no dia 10 e mais à frente o que restava dos caídos no dia 9 com as imagens dos abutres que quem presenciou nunca mais consegue esquecer, e mais não acrescento pois a descrição da viagem de regresso também já aqui tem sido vastas vezes retratada e não me quero que tornar repetitivo.

Não consigo esquecer o quanto sofreram para além de nós os que vínhamos ativos, os camaradas que feridos suportaram essa viagem deitados nos estrados das Berliet, alguns deles ao lado dos companheiros já mortos, debaixo de um sol abrasador sem água para beber. Ao chegar a Binta, saltei da viatura e corri junto a uma das viaturas que transportavam os feridos e ao perguntar ao Pontes como é que ele estava, este bastante desidratado apenas prenunciava a palavra água, algo que eu também não tinha, são tristes passagens que nunca mais se esquecem.

Depois de três noites sem dormir e praticamente sem comer tenho por fim uma noite de descanso, dia 14, segunda-feira, pela meia tarde o nosso 1.º Sarg Carvalho do Pelotão Auto informa-me que no dia seguinte vou partir novamente para Guidaje. Nunca mais esquecerei as palavras que lhe dirigi, assim como lhe fiquei eternamente grato por ter compreendido a minha mais que justa razão para as ter proferido. Ao receber a notícia que voltava novamente para Guidaje eu pronunciei as seguintes palavras: Meu sargento, será possível não existir aqui em Farim mais ninguém que consiga conduzir uma Berliet a não ser eu? E o bom homem olhou para mim, compreendeu e disse-me: Vou ver o que posso fazer. Verdade é que no meu lugar foi um condutor africano pertencente à CCAÇ 14 que felizmente regressou são e salvo.

E foi com este pequeno episódio que durante 1973 eu não voltei a Guidaje, é verdade que trabalhei imenso nesse período porque a azáfama no sector era grande, ainda me tocou transportar elementos da 38.ª CComandos para Mansoa onde pernoitei uma ou duas noites. Não houve descanso, foi um período terrível para todos os que ali estivemos envolvidos, pois dos cinco Condutores das Berliet da CCS, durante o conflito de Guidaje cheguei a estar operacional apenas eu, o trabalho redobrou mas eu nunca virei a cara à luta e assim prossegui até aos princípios de Dezembro quando me acontece algo de inesperado.

(Continua)
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Nota de CV:

(*) Vd. primeiro poste da série de 15 DE AGOSTO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10267: Tabanca Grande (354): Joaquim Cruz, ex-Soldado Condutor-Auto da CCS/BCAÇ 4512 (Farim, 1972/74)

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10267: Tabanca Grande (354): Joaquim Cruz, ex-Soldado Condutor-Auto da CCS/BCAÇ 4512 (Farim, 1972/74)

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano Joaquim Cruz (ex-Soldado Condutor Auto-Rodas da CCS/BCAÇ 4512, Farim, 1972/74), com data de 7 de Agosto de 2012:

Bom tarde caro camarada Luís Graça
Começo por te dizer que já há bastante tempo que sou um frequentador muito assíduo do blogue.
Depois de muito ler sobre tudo o que se escreveu e se continua a escrever sobre a guerra do ultramar, em especial com o relacionado com a Guiné e sobretudo com o fatídico cerco a Guidaje no qual eu também estive envolvido, pois fiz parte da segunda coluna que conseguiu furar o cerco no dia 10 de Maio de 1973. Como isso não bastasse, em Janeiro de 1974 voltei para lá para colaborar na construção de uma nova picada.

Depois de algumas hesitações, finalmente decidi apresentar-vos um resumo do que ali vivi durante a comissão de serviço, mas antes de entrar nesse período permitam-me que recue uns meses atrás para tentar explicar como o destino, a má sorte ou o que lhes queiramos chamar não permitiu que a minha comissão na Guiné tivesse sido bem diferente do que veio a suceder...


MEMÓRIAS QUE O TEMPO NÃO CONSEGUE APAGAR (1)

Depois ter feito os psicotécnicos no CICA 3 em Elvas, passados uns meses sou chamado para assentar praça no dia 7 de Agosto de 1972 no CICA 2 na Figueira da Foz.

Feita a recruta, eu e pouco mais de uma dúzia de mancebos recebemos guia de marcha para nos apresentarmos no RAP 3 que ficava ali a pouco mais de uma centena de metros, fomos a pé sem qualquer superior a acompanhar-nos e coube-me a mim inclusive transportar debaixo do braço um enorme envelope que continha os documentos respeitantes à nossa transferência. Ai juntamo-nos a mais umas largas dezenas de recrutas que entretanto tinham chegado dos diversos CICAS dispersos pelo país, e demos início à especialidade.

Quando estávamos sensivelmente a meio da especialidade, fomos informados do destino que nos estava reservado, portanto não havia escapatória possível, estávamos todos mobilizados para o ultramar, e os que não iam para a Guiné seguiriam para Moçambique.

Terminada a especialidade, recebemos guia de marcha para o R15 em Tomar onde o BCAÇ 4512 já se encontrava em formação com destino à Guiné. Dos condutores destinados ao Batalhão, quatro de nós tínhamos sido escolhidos para a promoção a cabo, portanto seria um por cada Companhia, tendo sido eu um dos escolhidos para a promoção (assim consta na caderneta militar) e em sorte sou colocado na CCS. Dadas as informações que tinha de quem já vivera essas experiências, para começo não estava de todo mal, já que em princípio me safava às constantes e perigosas colunas com as indesejáveis minas sempre à espreita, pois para além dos serviços inerentes a um cabo condutor sediado na sede do batalhão, estava-me reservado o lugar de fiel do armazém do fardamento e sempre receberia mais uns trocos ao fim do mês.

Quis o destino que tudo saísse ao contrário, então, eu e os restantes três elementos escolhidos para cabos nas restantes Companhias do Batalhão, por não termos tempo de tropa suficiente, pelo menos esta foi a informação que nos chegou, fomos substituídos por Cabos já com algum tempo de tropa, também com o prejuízo destes que já não contavam com tal má sorte.

Embarcámos no dia 6 de Dezembro de 1972, e um dia depois ou seja no dia 7, completámos 4 meses de tropa (usando um provérbio popular isto foi de atar e pôr ao fumeiro).

Cais de Alcântara e a triste despedida dos familiares

Já no Uíge em pleno oceano a caminho da Guiné

Envio um forte abraço a todos os ex-camaradas
Joaquim Cruz

(Continua)

* * * * *

2. Comentário de CV:

Caro camarada Joaquim Cruz, bem-vindo à Tabanca Grande e a esta tertúlia de ex-combatentes da Guiné.

Finalmente saiu a tua apresentação e o início da publicação de um trabalho que enviaste, subordinado ao tema "Memórias que o tempo não consegue apagar", que como combinámos terá seguimento em próximos postes, já que é muito extenso.

Dei uma vista de olhos ao trabalho, profusamente ilustrado com as tuas fotos legendadas, devidamente integradas no texto. Parabéns.

Posto isto, resta-me deixar-te um abraço de boas-vindas em nome da tertúlia, editores e demais camaradas que zelam para que este Blogue continue activo e interessante.

Recebe um abraço do camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 4 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10228: Tabanca Grande (353): Humberto Martins Nunes, ex-Alf Mil Art.ª, CMDT do 23.º Pel Art.ª (Gadamael Porto e Cuntima, 1972/74)

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10219: Bibliografia de uma guerra (59): Prece de um Combatente - Nos Trilhos e Trincheiras da Guerra Colonial, de Manuel Luís Rodrigues Sousa

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Sousa* (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74, actualmente Sargento-Ajudante da GNR na situação de Reforma), com data de 27 de Julho de 2012:

Envio para todos os meus contactos o link que suporta o livro que acabei de editar, em situação de pré venda na livraria online de www.sitiodolivro.pt.

Em breve estará à venda quer neste site, quer na livraria "Leya na Barata", na Av. de Roma, nº 11, Lisboa.

Vejam a apresentação do livro. Oportunamente, em breve, enviar-vos-ei uma apresentação mais detalhada do livro em pps.

http://www.sitiodolivro.pt/pt/livro/prece-de-um-combatente/9789892030685/

Cumprimentos
Manuel Sousa

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2. "PRECE DE UM COMBATENTE - Nos Trilhos e Trincheiras da Guerra Colonial"

Sinopse

Pela Pátria…

· Fomos arrancados ao convívio dos entes queridos, interrompendo e adiando promissores projectos de vida;

· Vivemos a pungente despedida do zarpar lento de um navio, pejado à proa de lenços brancos a acenar para outros que se agitavam no cais, pairando a incerteza de, um dia, podermos ali voltar;

· Aportámos em terras de África, cujo clima nos causticou a pele e nos tornou pasto fácil para turbilhões de insaciáveis insectos;

· Estreitámos relações com as populações nativas e as suas crianças que, no dia a dia, nos surpreendiam com os seus rituais, a sua cultura;

· Não resistimos à beleza das bajudas, (raparigas) vivendo com elas romances de “amor em tempo de guerra”;

· Calcorreámos trilhos e picadas, ora sob poeira asfixiante e calor intenso, ora sob chuvas tropicais diluvianas;

· Transpusemos linhas de água e pantanosas bolanhas que quase nos submergiam;

· Passámos fome e sede, bebendo, muitas vezes, a água insalubre das bolanhas;

· Fomos acometidos de doenças tropicais;

· Vimos rebentar minas sob viaturas e companheiros de armas, as quais deixavam rasto de destruição e de morte;

· Rastejámos e irrompemos sob o fogo intenso inimigo, debaixo do arrepiante sibilar das balas e dos estilhaços das granadas, ora a atacarmos, ora a defendermos;

· Como toupeiras impregnadas de pó ou de lama, abrigámo-nos do fogo inimigo nas labirínticas trincheiras dos quartéis, defendendo essas nossas posições;

· Vimos companheiros no campo de batalha a agonizar, balbuciando as últimas palavras que guardamos na alma como fiéis depositários;

· Disparámos para não morrermos;

· Pairaram sobre nós vorazes abutres, atraídos pelo sangue que nos jorrava da carne rasgada;

· Honrámos o nome dos companheiros que tombaram em combate, gravando-os de forma indelével em singelos monumentos, autênticas obras d’arte disseminadas no chão colonial africano;

· Sofremos mazelas físicas e psicológicas que nos vão acompanhar durante o resto da vida;

· Tivemos saudades que desfiámos em longas missivas na troca de correspondência com os familiares, namoradas e madrinhas de guerra, além do célebre “adeus até ao meu regresso”, difundido através da Rádio Televisão Portuguesa na quadra natalícia;

· Fomos irreverentes, brigámos, brincámos, rimos, cantámos e chorámos;

· Finalmente chegámos de regresso ao cais onde ternos abraços de saudade nos cingiram, contrastando com o drama daqueles que não tiveram a mesma ventura de abraçar os nossos companheiros, em cujo navio os seus lugares vieram vazios.

· Enfim, com sublime abnegação, tudo isto foi, por ela,

…LUTAR!


Ficha Técnica:

Editora: Edição do Autor
Colecção:
Data de Publicação: 08-2012
Encadernação: Capa mole - 398 páginas
Idioma: Português
ISBN: 9789892030685
Dimensões do livro: 149 x 210 mm
Capa / Paginação: Marco Martins / Paulo Resende
Depósito Legal: 343300/12

(Com a devida vénia a Sítio do Livro)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 21 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8310: As Nossas Madrinhas de Guerra (5): Avé-Maria do Soldado (Manuel Sousa)

Vd. último poste da série de 22 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9250: Bibliografia de uma guerra (58): Pequenas partes do Lugares de Passagem aqui juntas com algum sentido (José Brás)

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10005: (Ex)citações (185): Respostas a interrogações de Luís Graça, ainda sobre o tema Guidaje (2) (José Manuel Pechorro)

1. Segunda parte da mensagem do nosso camarada José Manuel Pechorro (ex- 1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19, Guidaje, 1971/73) com data de 1 de Maio de 2012, respondendo às perguntas formuladas por Luís Graça no seu comentário deixado no Poste 9960*.

11 de Maio de 1973, Sexta-feira
A noite foi fria e cheia de humidade. Pelas 06h05, e vindos da neblina matinal recolheram ao aquartelamento os dois Alf Atir Inf Mil José Manuel Levy da Silva Soeiro e José Manuel Nogueira Pacheco, e um cabo africano da CCaç 3 (que nunca os abandonou…), vindos do Cufeu. Pernoitaram escondidos na mata, aguardando pelo dia seguinte.
O Alf Pacheco, doente, com ataque de paludismo e esgotado, chegou a dizer aos outros dois para o abandonarem… Andou perdido, somente acompanhado pelo 1.º cabo africano, até conseguir encontrar-se com o seu camarada José Soeiro. Os mortos, da CCaç 19 serão comidos pelos abutres:

Quem não se lembra deles? O jagudi (necrosyrtes monachus), sempre em bandos. Atrevidos, estavam sempre presentes na tabanca à espera das sobras… e não só pois eram grandes larápios.
Foto cortesia de http://pt.wikipedia.org

A coluna devia regressar hoje a Farim, mas não aconteceu devido à forte pressão exercida pelos soldados e graduados da CCaç 19, e alguns civis. Intuindo o perigo de ficar Guidage, apenas com mais 2 GComb brancos, como reforço. Os referidos ameaçaram seguir com a coluna, como é natural a população ia atrás. Alguns populares chegaram a fazer as malas e andaram com as trouxas à cabeça.

Foi enterrado entre o arame farpado e a vala, próxima da caserna do 1.º Pelotão o Soldado Manuel Geraldes da BCaç 4512, que ontem morreu na coluna.

O cantar do BUM! BUM! Pelas 19h15 nova flagelação com morteiro 82, durante 10 minutos; 1 ferido ligeiro. Repetem pelas 20 e 21 horas, na população 1 ferido ligeiro. Resto sem consequências.

As bases dos fogos situam-se a 2,5/3 km de distância, nas zonas: FACÃ – SAMOGE e BISSAKAL (Senegal), de FAJONQUITO e QUENHATO. Está bem dirigido, cai na zona dos espaldões dos obuses, dentro do quartel e tabanca. Devem ter postos de observação que vão regulando o tiro por meio de rádios. Flagelam de Bissakal, respondemos ao fogo, imediatamente atacam de Quelhato (lado oposto), etc, não nos deixando quase sair da vala ou dos abrigos. As NT no entanto têm-se portado bem.

Hoje chegou a vez do aquartelamento de Binta. Foi flagelado com morteiro 82 e RPG`s. Do lado de lá do rio. Pelas 19 horas sem consequências. Segundo se comentou, e salvo erro, nesta flagelação os nossos soldados ao tentarem responder com os nossos morteiros 81, encontraram os mesmos com terra no seu interior, impedindo que as granadas picassem e emergissem dos canos!... BIGENE continua a ser atingido com canhões sem recuo e de vez em quando com foguetões. Aqui em Guidage ouvem-se, são uns atrás dos outros. De noite tornam-se nítidos os clarões das saídas e as trajectórias, tendo por fundo o céu estrelado.

Em homenagem aos soldados da CCaç 19, uma foto do soldado mais velho da companhia que transitou da CCaç 3, em Guidage. Por mais que tente não consigo lembrar o seu nome.
Do blogue SPM0018 do ex-Fur Mil João Félix Dias. Com a devida vénia

Pergunta: Tu saíste alguma vez do aquartelamento? Em princípio, não... Como 1.º cabo cripto, não podias correr o risco de ser apanhado à mão (o que para o exército seria um cenário pior do que seres... morto)

Resposta: Até Abril de 1973 ia-se buscar água em bidons, colocados em cima de viaturas, para as necessidades do aquartelamento à nascente da bolanha de Guidage. A maioria das praças deslocava-se a esta nascente na bolanha, entre o Senegal e a pista de aviação para tomar banho. Com uma lata das conservas de fruta, apanhava a água que brotava limpa, ensaboava e tirava o mesmo atirando água para a cabeça e resto do corpo...
Dizia-se que a nascente já era Senegal! Até esta data íamos todos os dias lavar-nos lá... Depois passamos a ter o furo e água canalizada no quartel!
Zona perigosa, nas flagelações diurnas o IN flagelava esporadicamente este local. Numa destas flagelações, num Domingo e na hora da sesta, ficaram feridas gravemente duas bajudas (raparigas solteiras) que lavavam roupa. Uma delas com o pé estropiado... Evacuadas por via aérea para Bissau. 

Local da Nascente. 
Foto ©: Adquirida ao 1.º Cabo Radiotelegrafista Janeiro, Alentejano

Em 26.3.1972, de Domingo
Pelas 20h30 Guidage sofre ataque de 40 a 50 elementos, que se dividiu em 2 locais de ataque, um dentro da Guiné e outro no Senegal, do lado de lá da bolanha. Comandou Fai Sissé. Utilizou 2 metralhadoras pesadas, morteiro 82, Rpg`s 7 e 2, e armas ligeiras PPSH e Klaschnikov. Procurou alvejar os obuses e o posto de comando durante 20 minutos. Consequências: NT sem baixas e do IN desconhecem-se.

No dia seguinte, Segunda-feira 26, uma força armada de cerca de 15 militares atravessou a bolanha para fazer reconhecimento aos locais do fogo atacante, fui com eles! Por mais que tente não consigo recordar os nomes. O nosso Cap Inf Afonso José Carmona Teixeira pediu voluntários, assistindo perguntei se também poderia ir, respondeu sorrindo que sim.

Nesta foto, de óculos o Cap Inf Afonso José Carmona Teixeira da CCaç 19 e de bigode O Cap Carlos Ricardo da CCaç 3. Janeiro ou Fevereiro de 1972.
Foto recebida do Fur Mil João Félix Dias da CCaç 3.

Detectamos onde estiveram, avistamos as cápsulas das munições e um ou outro equipamento que esqueceram ou foram obrigados a deixar…

Os guerrilheiros com armas ligeiras dispararam com os pés enterrados na água da bolanha, fugindo ao nível da maioria do nosso fogo que lhes passou por cima…

Pela primeira e única vez atravessei a bolanha, para o Senegal, com água pelo peito e com a G3 nas mãos, no meio da coluna, atrás ou à frente do Furriel. Em certo local, sendo o mais baixo do grupo fiquei com àgua perto do pescoço. Imprudência ou insensatez a minha!…

Morei com os meus pais na Ribeira de Santarém, no verão quase todos os dias ía tomar banho no Rio Tejo…

 
Foto ©: Retirada do sítio Luís Graça & Camaradas da Guiné, com a devida vénia

Não foi a única saída do aquartelamento. Num determinado Domingo, já perto das 16h30 / 17 horas, com o capim muito alto e verdejante que chegava aos taipais da viatura, integrei um grupo de 6 elementos (2 brancos e 4 negros), que foi buscar dois porcos do mato (javalis), abatidos por um soldado mandinga caçador nativo da CCaç 19, que nos indicou o caminho…

Fomos de Berliet, e andamos cerca de 6 kms, ou mais! No percurso interroguei o Soldado se ainda faltava muito, respondendo: “É já ali. É já ali…” O ruído da viatura, a distância do quartel e a nossa força muito diminuta, só com a G3 na mão… Cheguei a ter receio de sermos detectados pelos guerrilheiros… Admirei a perícia do condutor (o Braima Djaura?), que atingiu velocidade excessiva, desviando-se das árvores… Regressamos mesmo a acabar o dia, já a escurecer.

Foi na região entre Quelhato e o Fajonquito … Também não recordo o nome dos que foram nesta acção. Saí porque o soldado disse ao nosso Cap Mil Inf José Vicente Teodoro de Freitas, a quem pedi autorização para sair, afirmou que os porcos estavam muito perto a cerca de 500 a 1000 metros e em zona de onde nunca tínhamos sido atacados. A companhia comprou o resultado da caça e a sua carne revelou-se bastante saborosa…

Um abraço a todos,
José Pechorro
Ex-1.º Cabo Op Cripto
CCaç 19
1971/73
Uidage - Guiné
____________

Nota de CV:

(*) Vd. postes de:

29 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9960: (Ex)citações (179): A actuação da FAP em Guidaje (José Manuel Pechorro)
e
5 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10000: (Ex)citações (184): Respostas a interrogações de Luís Graça, ainda sobre o tema Guidaje (1) (José Manuel Pechorro)

terça-feira, 5 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10000: (Ex)citações (184): Respostas a interrogações de Luís Graça, ainda sobre o tema Guidaje (1) (José Manuel Pechorro)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Pechorro (ex- 1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19, Guidaje, 1971/73) com data de 1 de Maio de 2012:

Respostas às perguntas formuladas pelo Luís Graça no seu comentário deixado no Poste 9960* (1)

Comentário de Luís Graça

Camarada: 

Talvez nos possas ajudar a compreender melhor certas coisas que por aí aparecem escritas... 
Naturalmente que respondes só ao que quiseres (e puderes..., se bem que a guerra, dizem, já tenha acabado há 38 anos).

Pergunta: Por exemplo, quantos mortos teve a CCAÇ 19? E quantas dessas baixas mortais ocorreram no período de 8 de maio a 8 de junho em que costumamos (alguns...) balizar a batalha de Guidaje?

Resposta: Ficaram enterrados em Guidage 23 corpos, 8 brancos metropolitanos e 15 negros naturais da Guiné. Alguns foram mortos ou ficaram feridos: no quartel, na estrada, ou no ataque a Kumbamory, acabando por morrer no aquartelamento alguns dos feridos.

Os mortos da CCaç 19, foram sete:

Os 5 que ficaram no Cufeu e 2 no quartel, feridos graves do abrigo na madrugada do dia 25 de Maio 73:

- ANTÓNIO DOS SANTOS JERÓNIMO FERNANDES, Fur Mil AP, NM 0948627, CCaç 19
- ANTÓNIO TALIBÓ BAIO, Soldado At NM 82081071, CCaç 19, Morcunda – N. Sra da Graça – Farim.

Pergunta: Porquê só dois mortos no quartel ?

Resposta: Ocupavam as 4 casernas abrigo e os cerca de 5 abrigos que existiam. - Ser uma companhia amadurecida na guerra e habituada a flagelações e ataques ao quartel.

Pergunta: Havia malta da CCAÇ 19, nomeadamente camaradas nossos guineenses, entre os cadáveres espalhados nas imediações da bolanha do Cufeu, quando por lá passaram a 38.ª CCmds e depois a CCP 121/BCP12?

Resposta:

10 de Maio de 1973, Quinta-feira 

01,15 h da manhã, acordados com morteiro 82. Sem consequências.

É organizada uma nova coluna auto com 15 viaturas (a segunda), traz granadas de obus, morteiros, munições, e géneros alimentares. Transporta água para ceder aos soldados que dela precisem, o que não é fácil devido à posição estratégica e rigorosa que cada um ocupa no terreno e que pode ser distante… Este movimento saiu de Binta, ao amanhecer pelas 5,30 h.

Escolta:

2.º Gomb/1.ª CCaç/BCaç 4512 de Nema,
1 GComb da 2.ª CCaç/BCaç 4512 de Jumbémbem,
2 GComb da CCaç 14 de Farim,
1 GComb da CCaç Africana “Eventual” (milícia especial) de Cuntima,
2 GComb da 38.ª de Comandos (2.º e 4.º)
e 1 Sec/Pel Mort 4274.

Foi comandada pelo Cmdt do BCaç 4512,  de Farim (Ten Cor António Vaz Antunes) e 2 capitães, acompanhados pelo Sr Ten Cor Cav António Valadares Correia de Campos (“Águia”),  comandante do COP 3 e o seu adjunto Sr Fur Mil Infor e Op Inf do Cop3 Carlos Jorge Lopes Marques Pereira (“Lobo”). Bigene ficou sob o comando do Sr. Cap. Jaime Simões da Silva (Cmdt interino por morte do Maj Mariz).

Ao encontro da acção logística e para manter segurança, ao longo da via,  saem de Guidage 4 GCOMB: 1 bi grupo da CCaç 3 e outro da CCaç 19 (Os pelotões dos Alf Mil Leitão e Luciano Diniz). O da CCaç 3 marcha nas bermas, seguindo atrás e executando a picagem da estrada, o da 19 até ao Cufeu. O bigrupo da CCaç 3 progredindo proponha-se fazer a picagem até ao contacto com a coluna!...

Estas colunas (apeadas e auto) avançam ao compasso da lentidão dos “picadores”, podem ser alvo fácil da guerrilha que por vezes está emboscada muito perto, podendo o confronto armado acontecer repentinamente. Os condutores esforçam-se por pisar o rasto do carro da frente. Acontecendo o mesmo com os soldados, pisam onde o da frente pisou… A tensão é grande! As minas no terreno podem não ser detectadas…

Entre o UJEQUE e o CUFEU accionam uma mina anti-pessoal, cerca das 9h40, causando 1 ferido grave e 1 ligeiro.

Pouco depois, na vanguarda a CCç 3, passada a ponte no Cufeu, avista o IN contra o qual investe, encurralando-o na bolanha que corta a estrada; causando baixas prováveis ao adversário. Foi por pouco tempo… São atacados por grupo estimado em 100 turras que passa ao assalto, mostrando boa preparação e fazendo bom uso dos RPG, morteiro 60 e armas ligeiras  (armamento russo).  Elementos das NT afirmam que foram alvejados com canhão sem recuo, o que é provável. Já com escassez de munições não resistem e debandam as nossas forças. Os 2 Cmdts brancos, os Alf Mil At Inf José Soeiro e o José Pacheco, bem tentaram desesperadamente deter o avanço adversário: Notou-se na conversação via-rádio…

Esfarrapados, cansados e abatidos, os militares foram chegando ao quartel de Guidage e a Binta.

Mais atrás, a CCaç 19 não vai em auxílio da 3. Separados em consequência do accionamento da mina. Aguarda emboscada e montando segurança que a coluna chegue até eles.

Acaba por receber ordem de retirada, a marcha forçada, para Guidage, mas foi tarde… Emboscados na beira da estrada, avistam o IN e hesitam se seriam os da CCaç 3… Deu-se um contacto muito forte, com grupo de cerca de 70 a 100 elementos (?).  Sofreu 3 embates. Separados pela estrada. O último foi o mais violento, tendo os guerrilheiros avançando a descoberto, em terreno não favorável, procurando envolver-se com as NT para fugir ao bombardeamento da FAP, que procurava oportunidade para actuar, dificultada pela dispersão dos militares da CCAÇ 3, fugidos e perdidos na mata. Os nossos,  executando tiros de precisão,  alguns (principalmente os que morreram, pois acabaram envolvidos…) não aguentam o forte potencial de fogo adverso (morteiro 60, RPG e armas ligeiras) e dispersam, com baixas: 5 baixas africanos, que ficaram no terreno; 7 feridos graves e 16 ligeiros.

Os 5 mortos:

- Abdulai Mané, de Barro/ Bigene/ Farim,  1.º Cabo At, NM 820863/71, CCaç19/Cart 3521, enterrado em Guidaje;
- Jacom Turé, de Samba Condé/N.Sra. da Graça/Farim, Sold At, NM 82084271;
- Mamudu Lamine Sanhá, de Perim/ N.Sra. Fátima/ Catió, Sold Aux Enf, NM 82120372;
- Sadjó Sadjó, de Morcunda/ Canicó/ Farim, Sold At, NM 82080371;
- Suleimane Dabó, de Morcunda/ Canicó/ Farim, 1.º Cabo At, NM 82080471.

Obs: - Segundo o Braima Djaura, Soldado Condutor Auto, escondido, observou com o Soldado Mecânico Auto Ridel, após ter sido morto, o Mamudu Lamine Sanhá foi degolado e a cabeça colocada em cima de um tronco de árvore…

13 de Junho de 1973, terça-feira

A pedido dos Soldados da CCAç 19 e considerando não haver perigo o Maj Inf Carlos A.W. C. Campos ordenou o levantamento dos corpos dos 5 camaradas deixados para trás no Cufeu, foi um momento de grande emoção e foram dignamente enterrados junto das campas dos outros soldados anteriormente sepultados...

O 1.º Cabo Comando Amílcar Mendes,  da 38.ª CCmds, numa postagem no sítio da Internet do Luís Graça,  afirma que os 2 GComb da 38.ª C.Cmds enterraram 2 corpos que alegam pertencer à 19. Poderá tratar-se de 2 baixas do IN...

O PAIGC não se apercebeu da entrada em Guidage, ontem, vindos via corta mato, da zona de Samoge onde montavam patrulhamento e segurança, dos 2 GComb da CCaç 3 e pagou caro este facto, pensou estar a enfrentar apenas os 2 GComb da CCaç 19…

O IN retirou também, fortemente combalido: 10 a 12 a mortos que sofreu, e nove feridos. Segundo várias fontes de informação LERPOU o seu comandante (Solo Danfá?). Ao abandonarem a zona terão levado alguns dos seus mortos. Sentindo o aproximar da coluna fugiram também.

Viveram os contactos o 1.º Cabo Radiotelegrafista Joaquim Janeiro e o Soldado Trms Inf Carlos Alberto Valentão, este chegou esgotado ao aquartelamento. A aviação não acorreu rapidamente. Temos que ser compreensivos, a distância… Mas a nossa impaciência, leva-nos provavelmente a sair da realidade operacional… Foi requisitada para ajudar a CCaç 3 e acabou a tentar intervir, nos confrontos com a CCaç 19…


Cadáveres de soldados africanos da CCAÇ 19, abandonados no campo de batalha. 

Foto ©: Amílcar Mendes, ex-1.º Cabo Comando/38.ª CComandos. Com a devida vénia


Soldado atingido numa perna amparado

Foto ©: http://tantasvidas.blog.pt/2006/4/ do ex-Alf Mil Comando V.Briote) Com a devida vénia.

Entretanto a coluna de auxílio progrediu com andamento acelerado, sempre que possível. Pelas 14h05, entre o GENICÓ e CUFEU accionou mina anti-pessoal de que resultou 1 ferido grave e 3 ligeiros. Contornou abatizes, ao longo do percurso. Num fornilho, situado perto da ponte no CUFEU, sofreu um morto: o Soldado At NM 06471572 Manuel Maria Rodrigues Geraldes, da 2.ª CCAÇ/BCaç 4512/72, de Vale Algoso, Vimioso …

Chegados os militares, do bi-grupo da CCaç 19 que sofreu os confrontos na estrada, a guarnição ficou abalada, alguns chegaram em estado de choque e em pânico, que se pegou a outros que estavam no aquartelamento… As minhas tentativas em tentar acalmar e dizer que o auxílio acabaria por chegar, não davam resultado…

Na CCaç 19 nota-se a falta de um Comandante do Quadro, um oficial miliciano não é a mesma coisa.

Valeu, em parte, a calma do Fur Mil do SIM António Hermínio Camilo Sequeira que procurou conter a quebra dos restantes. Tomou a iniciativa de entrar em contacto com o Comando-Chefe, expondo a situação e pedindo o auxílio de Tropa Especial, de preferência pára-quedistas. A emoção aumentou, entretanto, com o choro das mulheres pelos mortos, em conjunto na tabanca.

Muitos não crêem que seja possível à coluna auto passar no CUFEU. A falta de esperança levou alguns a levantar a hipótese do abandono do posto fronteiriço, seguindo a corta mato para Farim, durante a noite. Se tal se concretizasse, teria sido um “suicídio” ou passaríamos por um pesadelo.

No meu entender não estávamos em condições de fazer uma marcha destas, com um efectivo pouco numeroso, para transportar os feridos e proteger a população, na mata. Os observadores do IN, davam pelo acontecido e possivelmente o PAIGC caía-nos em cima…

Em virtude destas atitudes, queimei toda a correspondência, parte do arquivo e o material cripto que estava a aguardar a destruição (algum que guardava para trazer para a metrópole, por me parecer interessante…). Envolvi o dinheiro que dispunha em plástico e alguns apontamentos sobre os acontecimentos de Guidage… enchi os bolsos de munições, preparando-me para seguir atrás deles, caso se concretizasse! Temia que a coisa fosse repentina…

É ordenada a separação auto e o avanço veloz, ao bigrupo da 38.ª CComandos, para Guidage. Ao atingir a povoação esta imagina tratar-se de viaturas dos turras e foi mais um sobressalto!..

É o primeiro grupo da coluna auto a atingir GUIDAGE e a quebrar o cerco, através da estrada!

Foi com muita alegria que os vimos entrar e a esperança voltar aos nossos espíritos.


Viatura a entrar em Guidage.

Foto ©: Adquirida ao 1.º Cabo Radiotelegrafista Janeiro Alentejano

Estes comandos brancos estão equipados com material capturado ao PAIGC. Na estrada e na berma avistaram alguns dos nossos mortos e do PAIGC, não os levantaram por suporem serem do IN, ou estarem armadilhados…

Integrado na 38.ª, vinha um ex-companheiro e amigo de adolescência, de alcunha “Cachucho”, da Ribeira de Santarém. (Tomei conhecimento que outro companheiro de infância e do Cachucho, o Joaquim, também faz parte mas não veio por estar doente…).

Chegaram com uma viatura com o pneu rebentado por uma mina, um ferido grave decepado de um pé ao saltar da viatura e num Unimog que estacionou ao lado da antena do Posto de Rádio e próximo deste, com um morto envolvido num poncho.

Por volta das 18h, somos flagelados com morteiro 82, durou 10 minutos. Atingida a enfermaria que se encontrava a abarrotar de feridos. Não houve baixas. De realçar que as granadas alcançaram vários edifícios.

Pouco depois chegou a coluna, dando entrada para regozijo de todos, tropas e civis. Tendo havido gritos e vivas de contentamento. Foi uma festa-relâmpago.

O Ten Cor Cav António Correia de Campos (foto à direita), com um revólver à cintura, de galões, botas dos fuzos e bengala na mão, fez o percurso quase todo a pé.

No Posto de Comando, na presença dos oficiais, declarou que era ele que comandava o aquartelamento!

O Cmdt da coluna, do Batalhão de Farim (Ten Cor António Vaz Antunes) e 2 capitães, deitaram-se no dormitório do pessoal de transmissões, anexo ao Posto de Rádio, debaixo de chapa de zinco.

Um soldado condutor da Companhia de Transportes, de nome Dinis, é natural de Santarém. Saíu de Bissau para Farim e foi parar a Guidage… Foi meu colega na JOC. Passada a surpresa do encontro, perguntou-me onde poderia deitar-se em “sossego”? Disse-lhe que na minha cama não podia ser, pois estava no Centro Cripto. Indiquei-lhe o paiol, poderia deitar-se entre as caixas (cunhetes) de munições; tinha placa e paredes muito grossas em betão armado… mas rindo não ligou, dizendo que poderia ir pelos ares, talvez pensando que brincava… Eu falava a sério! Dormiu no banco da Berliett, na parada: Durante a flagelação das 22h40, cansadíssimo nem deu pelos rebentamentos, só acordando de manhã.

A CCaç 3 tem 6 homens desaparecidos: Os 2 alferes brancos José Manuel Levy da Silva Soeiro e o José Manuel Nogueira Pacheco; um 1.º cabo e 3 praças africanas negras.

A certa hora da noite um soldado da CCaç 19 atravessou a luz exterior e o arame farpado. Afirmou que foi apanhado pelos turras que o mandaram embora, depois de despido e completamente nú!… Não será um elemento do IN infiltrado nas nossas tropas? Não consigo lembrar o seu nome.

A escuridão é completa, para se andar é quase às apalpadelas…

Perto das 22h30 o Alf Mil Atir Inf José Manuel Levy da Silva Soeiro, da CCaç 3 contacta via rádio que se encontra perto do quartel do lado de Quelhato. Informa que grupo IN se aproximou e montou base de artilharia e se preparava para flagelar Guidage… Cerca das 22h40 somos atacados e reagimos bem. O Alferes da CCaç 3 observador e camuflado na mata em contacto com o Ten Cor Cav Correia de Campos, que veio para fora do posto de comando com o rádio na mão demonstrando coragem, foram dirigindo o fogo da nossa artilharia para cima deles… Embora com muita dificuldade de comunicação em virtude estarem muito perto do IN e ao que parece com pilhas fracas ou sem antenas, que se soltaram, devido às correrias por entre o matagal… Parte do nosso fogo passou por cima dos guerrilheiros.

(Continua)
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9960: (Ex)citações (179): A actuação da FAP em Guidaje (José Manuel Pechorro)

Vd. último poste da série de 3 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P9991: (Ex)citações (183): Comparandos os dois G, Guidaje e Guileje... (António Martins de Matos, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)