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terça-feira, 8 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16699: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (21): Mário Moutinho Pádua, o primeiro oficial português a desertar, em Angola, em outubro de 1961... Será, mais tarde, médico do PAIGC, no hospital de Ziguinchor, entre fevereiro de 1967 e setembro de 1969... Regressou a Portugal em novembro de 1974, e cumpriu o resto do serviço militar... Aposentou-se em 2003 como médico do Hospital Pulido Valente (Juvenal Amado)


Guiné > s/l > c. 1964/66 > Coluna em movimento 

Foto do álbum de Belmiro Tavares, ex-alf mil, CCAÇ 675 (Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), Prémio Governador da Guiné (1966).

Foto: © Belmiro Tavares (2010). Todos os direitos reservados. [Edição; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


Imagem à esquerda: capa do livro No percurso de guerras coloniais, 1961-1969 , de Mário Moutinho de Pádua. 1ª ed. Lisboa: Avante, 2011, 246 p. : il. ; 21 cm. (Coleção Resistência).

1. Texto enviado pelo Juvenal Amado, com data de ontem, e que pretende enriquecer o nosso debate sobre o tema "desertores".


Luís eu tenho em meu poder este  livro do Mário Pádua sobre o qual o Mário Beja Santos já ez recensão para o blogue (*). Comprei-o para oferecer ao Carlos Filipe e depois tive que lho pedir emprestado para o Mário. Também já viajou até Luanda, mas isso são outras histórias...



[Foto à direita: capa do livro do Juvenal Amado
"A Tropa Vai Fazer De Ti Um Homem - Guiné, 1971 - 1974" (Lisboa: Chiado Editora, 2015, 308 pp.;  o nosso camarada foi 1.º Cabo Condutor Auto Rodas, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74]

Mário Moutinho de Pádua (, que eu pensava ter nascido em Angola, mas não, nasceu em Lisboa, ) é um homem politicamente comprometido, julgo porém que essa faceta não deve pesar na análise que se poderá fazer da sua obra, bem do que ele nos conta sobre a sua deserção do BCAÇ  88 estacionado em Maquela do Zombo e as dificuldades que enfrentou,  muito mais difíceis do que ele alguma vez esperava.

Neste livro narra a sua impressionante experiência a seguir à deserção, nomeadamente as prisões e torturas de que foi alvo no Congo, a sua passagem pela Checoslováquia e o seu desencanto com vários aspectos do "socialismo real", a sua participação na construção de uma Argélia recém-libertada do colonialismo, e por fim a sua contribuição como médico na luta travada pelo PAIGC na Guiné

A edição tem um prefácio de Pepetela ( praticamente quatro páginas) que começa assim;

Mário de Pádua foi o primeiro oficial português a desertar em Angola em Outubro de 1961, acompanhado pelo o 1º  cabo Alberto Pinto.

Este seu livro é uma espécie de crónica de vida, onde conhecemos a sua fuga do Norte do país, acompanhado pelo Alberto Pinto, as prisões que conheceram no Congo, então Leopldeville, hoje R P. do Congo onde era inconcebível que soldados portugueses se recusassem a combater contra angolanos.

No livro também são descritas condições e traições entre e dentro dos movimentos de libertação, bem como as alterações das condições nos países de acolhimento, que se alteravam em relação aos militantes do MPLA , após os derrube e morte de líder independentistas como Ben Bella e Pratice Lumumba como exemplo.

Em relação a deserções que tive conhecimento transcrevo aqui parte de um meu comentário a esse respeito.

Desde cedo se falou nas deserções e dos refractários. Eu próprio, estive numa situação delicada sem culpa nenhuma quando destacado numa diligência em Santta Margarida, os responsáveis pelo meu depois batalhão de caçadores 3872 que se estava a formar em Abrantes, andaram mais de 8 dias à minha procura. Quando me apresentei,  vindo directamente de Sta Margarida, ainda levei um raspanete do capitão e tive de explicar onde tinha estado.

Mas em Alcobaça,  logo no início da guerra em 1961, desertou na noite do embarque um individuo filho de um dos mais prestigiados médicos ligados à oposição [, o dr. Lameiras]. Segundo creio, foi apanhado por suspeitas de atitudes conspiratórias clandestinas na universidade e foi incorporado e mobilizado para Angola. Naquela noite desertou e mais tarde se lhe juntou a irmã, também perseguida pelas mesmas razões. Depois do 25 de Abril a irmã regressou e foi dirigente do MDP-CDE mas ele só regressou alguns anos depois. Vim a saber que a sua fuga não foi aceite pela organização no exílio e durante muito tempo esteve entregue à sua sorte, gravemente doente,  a correr perigo de vida. As infiltrações pela PIDE eram temidas e,  assim, quem desertava por sua conta e risco, acabava por passar muito mal sem a solidariedade militante.

Dos casos de Cancolim [, CCAÇ 3489,] já aqui foram mais que falados. Mas Cancolim também veio a receber alguns soldados que,  tendo sido refractários, acabaram por beneficiar de amnistia de Marcelo Caetano e resolveram assim regressar. Também alguns saíram das prisões por delitos vários para serem embarcados e assim serem indultados dos castigos que tinham sido impostos.

Bem,  se ir para a Guiné se poderá chamar de indulto, é discutível .

Também alguns comentários fazem-me pensar nas palavras da “Maria Turra",  que dizia que era o medo que tínhamos dos nossos superiores, que nos levava a combater.

É que algumas deserções são aqui descritas dessa forma. (**)

Um abraço
Juvenal Amado


2. Mário Moutinho de Pádua - Notas biográficas

(i) nasceu em Lisboa a 3/10/1935;

(ii) aos 8 anos emigrou com os pais e o irmão para Angola, tendo a família fixado residência em Benguela;

(iii) aos 10 anos matriculou-se no liceu do Lubango onde se manteve até aos 13;

(iv) transferiu-se então para Portugal; voltou a Angola dois anos depois, desta vez para o liceu de Luanda onde os pais se encontravam;

(v) aos 17 anos iniciou o curso de Medicina em Lisboa que terminou em 1960;
(vi) convocado em janeiro de 1961 para o serviço militar foi enviado para Angola em abril de 1961 com o posto de alferes médico;

(vii) desertou do exército colonial em Outubro de 1961 pedindo asilo político no Congo-Kinshasa, asilo que só lhe foi concedido em fevereiro de 1962, tendo ficado preso até esta data;

(viii) pouco depois tornou-se assistente de especialidade no Hospital de Lovanium;

(ix) do Congo viajou para a Checoslováquia em setembro de 1963;

(x) seis meses depois seguiu para a Argélia onde trabalhou no Hospital de Mustapha até fevereiro de 1967;

(xi) na Argélia fez parte da Frente Patriótica de Libertação de Portugal (FPLN) que operava a rádio "Voz da Liberdade";.

(xii) em fevereiro de 1967 começa a prestar a sua colaboração profissional ao PAIGC; a  maior parte deste serviço ocorreu no "Lar" (Hospital) do Partido,  em Ziguinchor, no Senegal, perto da fronteira
com a então Guiné portuguesa;

(xiii) em setembro de 1969 parte para França, onde durante 5 anos efectua os estudos de especialidade e trabalha num hospital dos arredores de Paris;

(xiv) em novembro de 1974 regressa a Portugal; aqui termina o serviço militar e exerce actividade médica em Centros de Saúde e no Hospital de Pulido Valente em Lisboa de onde se aposenta em 2003.

Fonte: Angola-eBooks.com (com a devida vénia...)
___________________


(**) 7 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16695: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (20): Mais um caso "atípico" ? A deserção do soldado escriturário nº mec 2055276, Carlos Alberto Sousa Emídio, da CCAÇ 3476 (Canjambari e Dugal, 1971/73), em 17/8/1972, e cujo rasto se perdeu desde então...

quinta-feira, 3 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15819: Inquérito 'on line' (39): Camarada, qual a tua opinião sobre os três a cinco principais problemas das NT no TO da Guiné ? 112 de nós já respondemos...E tu ? Podes responder até 6ª feira, dia 4, 17h36



Foto: Belmio Tavares (2010)
OPINIÃO: LISTA DE PROBLEMAS NO CTIG,  LOGO EM 1963 (COM-CHEFE, BRIG LOURO DE SOUSA)... 



Resultados preliminares (112 respostas no blogue, "on line", no canto superior esquerdo):




1. Deficiente instrução das tropas e quadros >

80 (71%)

2. Deficiente equipamento das unidades no terreno > 
70 (62%) 

6. Instalações inadequadas > 
69 (61%)


7. Cansaço das NT, sempre ansiosas por acabar a comissão e voltar para a metrópole >  

69 (61%)


4. Abastecimento (material, munições, víveres e água)  > 
44 (39%)


Votos apurados: 112
Responder até 6ª feira, dia 4, 17h36

_________________

Nota do editor:

Último poste da série > 2 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15816: Inquérito 'on line' (38): Os três principais problemas das NT em setembro de 1963: Deficiência ou inadequação de (i) instrução militar, (ii) equipamento, e (iii) instalações... Nº de respondentes até agora: 61... Prazo de resposta até 6ª feira, dia 4, 17h36

terça-feira, 21 de abril de 2015

Guiné 63/74 - P14497: Lembrete (11): Sessão de lançamento do livro de Dora Alexandre, jornalista e filha de militar da Marinha, "O Outro Lado da Guerra Colonial" (A Esfera dos Livros, 2015): hoje, 3ª feira, dia 21 de abril, pelas 18h30, na loja FNAC do Colombo, Lisboa


Capa do livro "O Outro Lado da Guerra Colonial", de Dora Alexandre (Lisboa, A Esfera dos Livros,  abril de 2015,  336 pp., 17 €) (*)


Convite

A editora A Esfera dos Livros lança no dia 21 de abril pelas 18h30 na loja FNAC do Colombo, [Lisboa, ] uma nova edição sobre o conflito no Ultramar: “O Outro Lado da Guerra Colonial”, de Dora Alexandre, lança um olhar diferente sobre os anos que os militares portugueses passaram no Ultramar. 

Que realidade encontraram os militares portugueses num continente distante e desconhecido? O que faziam no tempo livre? Que peripécias viveram? A autora entrevistou mais de meia centena de combatentes e também alguns artistas, que partilharam vivências paralelas ao conflito armado: vivências do dia a dia, histórias divertidas, caricatas e insólitas.

O prefácio é do Prof. Adriano Moreira e a apresentação ficará a cargo do Comendador José Arruda (ADFA) e do jornalista Joaquim Furtado, autor da série documental “A Guerra”.



Entre os combatentes entrevistados, contam-se algumas caras conhecidas do meio artístico como os atores Rui Mendes, Vítor Norte, João Maria Pinto, Domingos Machado (Belle Dominique) ou João Mota, e ainda Manuela Maria, Io Apolloni, Rodrigo e Octávio de Matos, que atuaram em África para entreter os militares.



Todos os interessados são bem vindos na apresentação. 






2. Mensagens de Dora Alexandre, trocadas com os nossos editores:

(i) Mensagem de 1 de abril de 2015:




Boa tarde, não sei se se lembra de mim, sou Dora Alexandre, jornalista, e ajudou-me a entrar em contacto com alguns combatentes ligados ao blogue, para um livro.

O livro está finalmente pronto, chama-se "O Outro Lado da Guerra Colonial" e contém histórias de 57 entrevistados.

Gostaria de lhe agradecer e convidar-vos para o lançamento - é dia 21 de abril às 18h30 na loja FNAC do Colombo. Teria muito gosto na vossa presença.

O prefácio é do Prof. Adriano Moreira e a apresentação ficará a cargo do Comendador José Arruda (ADFA) e do jornalista Joaquim Furtado.

Envio um pequeno texto à laia de press release, caso queiram partilhar.

Muito obrigada por tudo! Dora

(ii)  Mensagem de 20/10/12, que o coeditor Carlos Vinhal depois reencaminhou para o correio interno da Tabanca Grande:

Caros senhores,

Sou Dora Alexandre, jornalista, e estou a contactar-vos porque vou escrever um livro baseado em histórias da Guerra Colonial, para uma editora.

Sendo eu filha de militar - o meu pai esteve 4 anos na guerra da Guiné e Angola e reformou-se há pouco tempo da Marinha - e tendo eu própria nascido em Angola, tenho muito empenho em dar o meu modesto contributo para a preservação da memória e para dar mais um pouco de voz a quem serviu o país no Ultramar.

Vou entrevistar ex-militares que estiveram na guerra para saber histórias e vivências. Caso acedam a dar-me uma ajuda, com entrevistas e contactos, poderei dar mais pormenores sobre a abordagem deste livro.

Podem encontrar informação sobre o meu percurso profissional aqui http://www.linkedin.com/in/doraalexandre

Agradeço, desde já, a atenção dispensada e aguardo uma resposta. Saudações cordiais, Dora Alexandre

(iii) Mensagem de 20/11/13



Olá, boa tarde,

Não sei se se recorda de mim, sou jornalista e estou a escrever um livro para a Esfera,  baseado em testemunhos do Ultramar. Ajudou-me ao início com a divulgação do meu pedido para entrevistas. Foi uma ótima ajuda, mais uma vez obrigada!

O trabalho já está adiantado e estou apenas a compor o leque de entrevistados, que já vai em 4 dezenas. Gostaria que fosse minimamente representativo. Ainda não tenho nenhum Ranger e gostaria de contactar o sr. José Romeiro Saúde, de Beja. Pode por favor ajudar-me?

Agradeço desde já a sua atenção. Saudações cordiais, Dora.

(iv) Resposta do nosso editor Luís Graça,com data de  21/11/13



Dora: Estou em Luanda... Aqui vai o contacto do José Saúde  (...) (*)

Um kandando. Luis Graça

______________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 4 de março de  2015 > Guiné 63/74 - P14318: Lembrete (10): Apresentação do livro "As Mulheres e a Guerra Colonial", da autoria de Sofia Branco, hoje, dia 4 de Março de 2015, pelas 19h00, na Associação 25 de Abril (A25A), em Lisboa

(**) Vd. poste de 7 de abril de  2015 > Guiné 63/74 - P14442: Agenda cultural (390): Dora Alexandre, jornalista, apresenta “O Outro Lado da Guerra Colonial” (José Saúde)

(...) Eis a lista de entrevistados (a negrito e a amarelo, camaradas da Guiné, muitos deles nossos grã-tabanqueiros):

Ilustrino Alexandre Júnior, Marinha, Guiné 1971-73 / Angola 1974-75 (PAI); 
Domingos Machado, Exército, Angola 1973-74; 
Octávio de Matos, Artista; 


Belmiro Tavares, Exército, Guiné 1964-66; 
Francisco Nicholson, Artista; 
Carlos Miguel, Exército (Psico), Guiné 1967-69; 
Carlos Pereira, Exército, Angola 1964-65; 

Mário Gualter Pinto, Exército, Guiné 1969-71; 
Carlos Rios, Exército, Guiné 1965-67; 
João Paulo Diniz, Exército, Guiné, 1970-72; 
Manuel Valente Fernandes (Médico) Guiné 1973-74; 
Farinho Lopes, Exército, Moçambique 1970-72; 

José Santos, Exército (Enfermeiro) Guiné 1971-73; 
Fernando Costa, Exército, Guiné 1972-74; 
José Manuel Lopes, Exército Guiné 1972-74; 
Rui Neves, Força Aérea, Angola 1970-72; 

Amílcar Mendes, Comandos, Guiné 1972-74; 
José António Pereira, Comandos, Guiné 1972-74; 
Romão Durão, Marinha, Angola 1968-70 / Angola 1971-75; 
João Maria Pinto, Exército, Moçambique 1969-71; 

Armando Carvalhêda, Exército, Guiné 1972-73; 
António Almeida, Exército, Moçambique 1972-74; 
Alfredo Brás, Marinha, Moçambique 1970-1974; 
João Mota, Exército, Angola 1965-66; 

Vítor Oliveira, Força Aérea, Guiné 1967-69; 
José Pedro Reis Borges, Força Aérea, Angola 1972-74; 

Hugo Borges, Paraquedistas, Guiné 1972-74; 
José Avelino Almeida, Exército, Guiné 1970-72; 
Luís Rolo, Exército (Enfermeiro) Angola 1970-72; 
António Prates da Silva, Polícia Aérea, Angola 1974-75; 

Vítor Norte, Exército (Enfermeiro) Guiné 1973-74; 
Luís Pinhão, Paraquedistas, 1973-74; 
Carlos Vinagre, Comandos, Angola, 1971-73; 

Rosa Serra, Paraquedistas (Enfermeira) Guiné 1969-70 / Angola 1970-71 / Moçambique 1973; António Godinho Luís, Comandos, Angola, 1961-63; 
António Leal, Comandos, Angola, 1961-63; 
Rui Mendes, Exército, Angola, 1962-64; 
Raul Patrício Leitão, Fuzileiros, Moçambique 1966-68 / Missão Hidrográfica N.H. «Carvalho Araújo», Angola e S. Tomé, 1970-75;

José Paracana, Exército, Guiné, 1971-73; 
João Dória, Exército (Médico) Guiné, 1968-70; 
Io Apolloni, Artista; 
António Vasconcelos Raposo, Fuzileiros, Angola, 1973-75; 

Nuno Mira Vaz, Paraquedistas, Angola 1963-65 / Guiné 1966-68 / Guiné 1970-72 / Moçambique 1973-74; 
Rodrigo, Artista;
Mário Henriques Manso, Fuzileiros, Angola 1963-65, Angola 1966-68; 

Nazário de Carvalho, Exército (Capelão) Moçambique 1961-64 / Guiné 1964-66 / Angola 1970-72; 

José Romeiro Saúde, Ranger, Guiné 1973-74; 
Joaquim Santos, Exército, Guiné 1967-69; 
Agostinho Rocha, Exército, Angola 1965-67; 
Manuel Roque dos Reis, Fuzileiros, Moçambique 1968-70; 
José Manuel Parreira, Fuzileiros, Guiné 1964-66 / Angola 1966-69; 

Otelo Saraiva de Carvalho, Exército, Angola 1961-62 / Guiné 1971-73; 
Manuel Lopes Dias, Exército, Moçambique 1970-71; 

António Carreiro e Silva, Fuzileiros, Angola 1967-69 / Angola 1972-74 / Guiné 1974; 
Francisco Guerreiro Soares, Fuzileiros, Angola 1964-66 / Guiné 1969-71 / Guiné 1972-74; 
Carlos Alberto Acabado, Força Aérea, Angola 1963-65 / Angola 1965-70 / Angola 1971-75; Norberto Cardoso, Exército, Angola 1974-75; e

 Manuela Maria, Atriz, Angola e Moçambique 1962, Guiné 1967. (...)

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13082: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (47): CCAÇ 675, "A Gloriosa": "Uma ilha isolada"


1. Em mensagem do dia 26 de Fevereiro de 2014, o nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), fala-nos da sua Unidade como sendo "Uma ilha isolada", pelo que fez enquanto força de intervenção e quadrícula no sector de Farim e pelo que faz na actualidade em prol dos seus ex-militares vivos, não esquecendo honrar os camaradas mortos.




HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES

Resposta a: 

47 - “Uma ilha isolada”

Com muito agrado, acabo de ler (desta vez fora de horas por motivos que não cabem aqui) o editorial do “Jornal de Famalicão” da pretérita sexta-feira, dia 21 de Fevereiro. Entendi não dever calar-me, não para contrariar a Exma. Diretora de tão prestigiado semanário, a minha amiga muito cara, Drª Teresa Mesquita, mas para corroborar a sua opinião, trazendo a lume uma exceção – seguindo o velho ditado em que a “dita” confirma a regra.

Peço mil desculpas aos muitos e mui dignos leitores do referido jornal por voltar a falar dum tema que já aqui foi, em parte, largamente escalpelizado, quer por mim quer pelo amigo JERO, o meu querido companheiro de armas – “hermano de sables”, como se diz do outro lado da paliçada -; eu lutei de espingarda na mão e ele usou, quase sempre apenas, a seringa. Ele sabe o que isto significa! Hoje aproveito a oportunidade que surgiu, a talho de foice – como soe dizer-se – para expor uma não menos heróica faceta da nossa CCaç 675, a Gloriosa.

A esta unidade que combateu incansavelmente, na Guiné Bissau, de 1964 a 1966, pertenceu um brioso famalicense, Álvaro Manuel Vilhena Mesquita, que lá faleceu, a 28 de Dezembro de 1964; era irmão da Exma. Diretora do J.F. Por ele por todos nós a CCaç 675 portou-se digna e heroicamente, durante os dois anos de dura luta; no após guerra, a gloriosa tem vindo a provar que, sem espingardas na mão, continua a ser uma unidade de elite, exemplar e diferente de todas as outras unidades, sem desprimor para ninguém. Não é essa, juro, a nossa intenção.

Há tempos, escrevendo para ex-alunos do Colégio de Oliveira de Azeméis (estabelecimento de ensino que frequentei) eu defendi que a minha “ida à guerra” foi uma das coisas boas que me aconteceram na vida e apresentei as seguintes razões:

1º Lá aprendi muito e, como ser humano, cresci bastante – no respeito pelo próximo, na disciplina, na camaradagem, etc.
2º Como consegui sobreviver tenho matéria quase infinda para transmitir e o bom Deus deu-me vida para levar a cabo esta complicada tarefa;
3º Naqueles dois anos intermináveis vividos à sombra de tremendas intempéries e no meio de desmedidos perigos constantes – 60 minutos por hora e todos os dias – entre inimagináveis dificuldades e carências de toda a sorte, tivemos oportunidade (e aproveitámo-la da maneira mais conveniente) de edificar um numeroso agregado familiar de mais de 160 membros, amigos de todas as horas (antes quebrar que torcer) e sempre prontos a enfrentar os maiores sacrifícios para safar o companheiro do lado de qualquer situação calamitosa em que se encontre.

Isto só foi possível porque fomos superiormente comandados e ensinados por um oficial (capitão) rico em qualidades sublimes. Não uso mais adjetivos porque, mesmo que citasse todos os qualificativos do mais completo dicionário da nossa língua, todos não seriam suficientes para classificar com rigor tão destacada figura de homem e de militar. Alguém já disse que nós “endeusamos” aquele capitão (há anos que é general) mas fazemo-lo em plena consciência de que ele merece todo o nosso carinho e reconhecimento e que ele sente o mesmo por nós. A CCaç 675 foi célebre na Guiné, fomos a unidade mais badalada de todas durante aqueles dois anos porque:

- “Limpámos” completamente a nossa zona;
- Conseguimos trazer do Senegal largas centenas de portugueses que ali se refugiaram para escapar às represálias dos “independentistas” que os espoliaram de seus bens. Passada a fronteira, no regresso, eles diziam: “não temos nada a não ser a fiança do capitão”!
- Por solicitação, devidamente fundamentada, do célebre “capitão do quadrado” (como os adversários o apelidaram) o Governador-geral, Sr. General Arnaldo Shulz forneceu toneladas de arroz e amendoim para semear, toneladas de arroz para comer e 100.000$00 para adquirir alimentos para aquela gente;
- Beneficiámos estradas e reconstruímos pontes que haviam sido queimadas para impedir a nossa passagem;
- Construímos duas pistas de aterragem;
- Edificámos uma escola onde umas dezenas de crianças nativas aprendiam a ler e a escrever na língua de Camões e contratámos, a expensas nossas, um “professor” para as alfabetizar.

Um belo domingo, cerca de 30 crianças, alinhados por alturas, compareceram junto à sede da Companhia para assistir respeitosamente ao hastear da Bandeira; enquanto Ela subia garbosa ao longo daquela haste tosca e informe, as crianças cantaram jubilosamente o Hino Nacional – uma agradável surpresa para todos nós.

- Construímos um posto de enfermagem e a nossa equipa médica preparou um eficiente grupo de “enfermeiros” que ali tratavam com desvelo assinalável os seus familiares e amigos;
- À volta da nova aldeia construímos CREB (circular regional exterior de Binta) entre o arame farpado e o casario; militarizámos uma série de jovens que, sob a nossa supervisão, faziam a defesa da tabanca;
- Custeámos a transladação dos nossos mortos para que as famílias pudessem fazer o funeral condigno;
- A cereja no topo do bolo – pusemos a funcionar as aulas regimentais (certamente caso único) e 32 militares que tinham apenas a 3ª classe de adultos, fizeram, em Farim, o exame da 4ª classe;
- O indomável capitão de Binta pretendia que os seus rapazes estivessem permanentemente ocupados com tarefas válidas e úteis para que não pensassem em coisas tristes, o que os desencorajaria. Regressámos da Guiné, em Maio de 1966, e a nossa obra continuou, agora em moldes diferentes:
- Conseguimos os endereços completos de toda a gente; foi a primeira tarefa bastante complicada… mas conseguiu-se;
- Todos os anos, no primeiro ou no 2º domingo de Maio, a companhia reúne-se; no 1º ano éramos 24 elementos, mas chegámos a reunir 150 pessoas. É um encargo complicado juntar tanta gente, tendo em conta que temos militares em todas as províncias e na Madeira, apenas não tínhamos representação nos Açores. Se um companheiro não tem condições para pagar o almoço, pouco importa e alguém há-de pagar:
- todos os presentes o fazem sem regatear. Antes do almoço rezamos missa pelos nossos já 43 mortos;
- Temos vindo a colocar lápides nas sepulturas de todos os que já partiram;
- Os familiares de alguns dos nossos falecidos reúnem connosco;
-Conseguimos alguns empregos para companheiros ou familiares em dificuldades;
- No meio disto surgiu uma briga (uma boa briga) na nossa companhia; como todos somos adultos e pessoas de bem a contenda foi resolvida a contento. É caso para dizer: entre nós não há casos insanáveis; se surgem… ultrapassam-se sem molestar ninguém.

Um dos nossos “colocadores” de lápides alegava ter celebrado um contrato válido com o S. Pedro, segundo o qual ele ficava autorizado a viver até aos 120 anos, para colocar as lápides nas sepulturas de todos os companheiros; logo surgiu um desmancha-prazeres a “puxar a brasa à sua sardinha”: Não! Não! O último sou eu! Vimos a cara dele e todos concordámos, pois o seu nome é nem mais nem menos, este: Firmino António Carola Padre Eterno! Vejam só o que nós temos na CCaç 675!

- Surge agora a última obra de longo alcance que continuará a fazer-nos diferentes; vai ser agora divulgada para confirmar o editorial do Jornal de Famalicão da passada semana, sendo a exceção que confirma a regra. A CCaç 675 é agora também uma Associação se Socorros Mútuos.

Tivemos conhecimento que um dos nossos elos estava em dificuldades com o fisco; foi aconselhado a aceitar a divisão da dívida em parcelas suaves e temos vindo a colaborar no seu pagamento para que não vão “sobre a sua casa” o seu único bem material.

“Vejam agora os sábios da escritura / que segredos são estes da natura!”

Parece que não restam dúvidas que a CCaç 675… É realmente diferente de todas as outras.

Lisboa, 26 de Fevereiro de 2014
BT
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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12700: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (46): Ocupação dos tempos livres

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12700: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (46): Ocupação dos tempos livres

1. Em mensagem do dia 23 de Dezembro de 2013, o nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), fala-nos da ocupação dos "tempos mortos" e da actividade da sua Unidade para combater o stress do pessoal.


HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES

46 - Ocupação dos “Tempos Livres”

Uma das primeiras regras ordenadas pelo nosso capitão versava o tema dos “tempos mortos”; os oficiais foram “aconselhados” a acompanhar os seus soldados o mais possível e de sol a sol para que eles não se isolassem cada um em seu canto pensando em coisas tristes.
Podiam jogar a tudo e a nada; podiam escrever à namorada, à família, aos amigos e às madrinhas de guerra; era permitido contar anedotas, cantar e até assobiar; enfim: deviam estar sempre ocupados com qualquer tarefa.

Uma coisa era absolutamente proibida: passear em Bissau enquanto por lá estivemos, para não serem negativamente influenciados pelos boatos e aldrabices que circulavam vivamente entre a tropa da capital para que não partissem para o mato já “vencidos”.

Chegámos ao mato a 29 de Junho, dia de S. Pedro, à tarde; ao cair da noite, um pelotão fez uma caminhada de 3/4 km para incendiar umas “moranças”, já abandonadas (fogueiras de S. Pedro) avisando os independentistas da nossa chegada e das nossas boas intenções.

Iniciou-se logo, com grande azáfama a limpeza e a defesa do aquartelamento e o alojamento de todo o pessoal. Estas tarefas, porém, não se sobrepunham à actividade operacional.
Ao quarto dia, fizemos a primeira visita à “casa” do inimigo: fomos recebidos a tiro; houve mortos e feridos (do lado deles) e uma aldeia foi riscada do mapa.
O quinto dia foi célebre! Um imponente “baptismo de fogo” (ponham imponência nisso!) que nos marcou positivamente para o resto da comissão. O chamado pelotão de acompanhamento foi “desmantelado”; o pessoal (e respectivas armas) foi distribuído pelos outros pelotões que passaram a chamar-se “grupos de combate” (GComb).

A partir do baptismo de fogo, em dias alternados, dois GComb actuavam em qualquer recanto da zona. Ao fim de duas semanas (aproximadamente) alterávamos o ritmo actuando em dois dias consecutivos… para “enganar” o in., quebrando rotinas.

- Domingos e feriados eram diferentes… apenas porque se hasteava a bandeira.
- Nos dias livres (saída para o mato) continuávamos a preparar a defesa e a beneficiar as instalações.
- A Gulbenkian ofereceu-nos uma pequena biblioteca.
- De vez em quando, líamos jornais de há três ou quatro meses… mas líamos!
- Sempre que possível também líamos uns livros. Eu levei apenas os dicionários de alemão (correspondia-me com uma qualquer Merkel) e Os Lusíadas, o meu livro de cabeceira.
- Em Bissau só havia livros de guerra: J. Larteguy e L. Uris; comprei do que havia.
- Também dávamos lugar à música; a rádio Bissau emitia durante algumas horas em dois períodos; podíamos ouvir dezenas de vezes por dia o “Tango dos Barbudos” o disco que todos pediam – incrível!
- Também pescávamos, caçávamos e petiscávamos com os amigos; Mais tarde tivemos nativos (as) que regressaram no exílio forçado no Senegal; elas vieram embelezar as imediações do quartel
- Dedicámo-nos a construção civil:
- Reconstruímos pontes – beneficiámos estradas e picadas (uma picada com doze quilómetros passou a estrada)
- Construímos, partindo do nada, duas pistas de aterragem (uma era o aeroporto internacional de Binta)
- Ajudámos a reconstruir duas tabancas;
- Construímos o nosso estádio e a nossa igreja;
- Demos nomes às ruas (avenida Marginal, Avenida Capitão de Binta, Avenida do aeroporto, Rua Pathé Baldé, Largo “tomada da pastilha”, Rua 4 de Julho, etc.)
- Construímos uma escola para os miúdos “retornados”
- “Contratámos um professor (que não fazia greve) para leccionar a primária

NOTA: Para grande surpresa nossa, os alunos daquela escola, descalços e semi-nus, alinhados por alturas, assistiram ao hastear da bandeira e cantaram, orgulhosamente, o Hino Nacional (ainda com canhões).
Nesse dia, a nossa verde/rubra (ainda tinha o vermelho) “tremeu”, heroicamente, por ter mais aqueles dedicados filhos.


Reprodução das páginas 4 e 5 do trabalho do nosso camarada José Eduardo Oliveira (JERO), ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 675, intitulado "O Sabre - 47 anos depois do regresso - Ontem e Hoje"

- Durante cerca 6/7 meses funcionaram eficientemente as aulas regimentais (prova que a nossa CCAÇ 675 se comportava como um grande Regimento) e trinta e duas praças, com apenas a 3ª classe de adultos, fizeram lá a 4ª classe.
- Quando nos acontecia um trágico acidente, no dia seguinte a companhia saía toda para o mato, ficando o quartel entregue ao 1º sargento (por vezes ao médico), aos “não operacionais” e doentes.
Dávamos assim cumprimento a duas teorias:
Primeira: se caíres de um cavalo monta logo outro cavalo;
Segunda: se formos todos para o mato os turras não têm a preocupação de vir procurar-nos ao quartel, pois estamos lá, perto deles.
- A nossa actividade operacional começou a diminuir - lentamente - a partir dos quinze meses porque já tínhamos a zona completamente limpa, e também porque seria humanamente impossível manter aquele ritmo durante os dois anos.
- Quando um alferes entrava de férias, os furriéis faziam o mesmo e o GComb só fazia serviço de escala; os soldados tinham assim as suas férias.
- Todos escreviam cartas e bate-estradas; alguns abusavam; eu escrevia e recebia 15 a 20 cartas por semana.
Como podem depreender, ali havia tempo para tudo e os “tempos mortos” eram quase, quase, quase nulos, graças ao nosso heróico e admirável capitão, o maior sábio da tropa àquela época que pretendia que o seu pessoal estivesse sempre ocupado. Penso que por isso mesmo nenhum dos nossos elos veio a sofrer do dito stress de guerra.

Valeu a pena!
Lisboa, 23 de Dezembro 2013
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Nota do editor

Último poste da série de 26 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12637: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (45): Carta de condução

domingo, 26 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12637: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (45): Carta de condução

1. Em mensagem do dia 27 de Junho de 2013, o nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, QuinhamelBinta e Farim, 1964/66), enviou-nos mais algumas das suas curiosas histórias, desta vez subordinadas ao tema carta de condução:


HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES

45 - Exame de condução
(Complementando o texto do Zé Castro Lopes.)

Em tempos idos fazer exame de condução era uma aventura tremenda, tendo em conta o exame em si e a competente preparação, culminando com a deslocação até terras de longe.
Eu tirei a minha carta (militar) na Guiné em Abril de 1966; no fim do mesmo mês, embarquei de regresso a Lisboa, no navio Uíge, o mesmo que me havia levado para a Guiné, dois anos antes.

Outro alferes e eu deslocámo-nos de avião até à capital da província (por via terrestre era impensável, pois a estrada Farim/Bissau estava em boa parte do percurso, totalmente vedada ao turismo vedada ao Turismo).
Aqui chegados dirigimo-nos ao QG para fazer a inscrição de candidatura ao tal exame.

Os camaradas que nos proporcionaram os papeis que havíamos de preencher, tiveram o especial cuidado de nos informar, em off, que só havia dois oficiais examinadores: um capitão e um alferes. Transmitiram também que o capitão examinava todos os oficiais candidatos; o alferes ocupava-se da maior parte dos menos graduados (sargentos e praças).
Soubemos também, pela mesma fonte, que em cerca de 16 meses de comissão, aquele capitão havia reprovado, todos os oficias que lhe haviam aparecido pela frente, à primeira vez.
Ficámos um tanto alarmados!

Uma outra fonte, na messe de oficiais, confirmou que aquela informação era absolutamente verdadeira. O alferes Mendonça, meu companheiro de infortúnio, na Guiné, no mato e no exame de condução – já conduzia o carro do pai, lá na sua quinta em Felgueiras; às escondidas, arriscava, de vez em quando, uma escapadela pelas estradas da região, para se exibir perante as garotas.
Nunca foi apanhado pelas autoridades. Entre os oficiais subalternos da nossa companhia (a CCaç 675) ele era, portanto, o mais experimentado naquelas lides.

A minha única experiência de condução, antes da tropa, foi com carros de bois, pois a minha aldeia, antes da “bronca” (leia-se revolução dos cravos) não era servida por qualquer estrada digna desse nome. No mato, depois da “pacificação” total da nossa zona, os oficiais “podiam” (um pouco às escondidas) usar as viaturas militares para se embrenharem na arte da condução.
A companhia dispunha de 3 jeeps (da 2.ª Grande Guerra), 10 ou 12 Unimogs e 3 ou 4 Mercedes, viaturas de maiores dimensões.
Como os jeeps raramente estavam disponíveis, eu, com a mania das grandezas, habituei-me a conduzir uma caminheta Mercedes, uma viatura anormalmente grande, mas já com direção assistida, uma maravilha!

Perante as informações surpreendentes e assustadoras colhidas no QG, eu tomei logo uma decisão que considerei ser a mais acertada: fazer exame de condução usando um caminhão militar, uma Mercedes que requisitei na Intendência. Deliberei deste modo, por dois motivos:
- 1.º eu estava habituado a conduzir, quase em exclusivo, carros grandes, especialmente a Mercedes;
- 2.º considerei que poderia ser uma boa maneira de escapar ao exame com aquela fera (o capitão). - 3.º era mais económico que alugar um carro na Escola.

Sem perda de tempo, contactámos uma Escola de Condução (a única em Bissau) para adquirir um pouco de prática em estradas civilizadas (leia-se alcatroadas, com passeios laterais, com sinais de trânsito e movimento. Conduzi um “velho carocha” durante meia hora e uma viatura pesada, durante hora e meia. Esta segunda parte foi extremamente útil; o instrutor civil “levou-me” a todos os locais por onde o capitão costumava passar durante o exame. Elucidou-me também sobre as “armadilhas” que ele usava habitualmente: mandar entrar em rua de sentido proibido, ultrapassar com sinal sonoro junto a um hospital, estacionar em local proibido, etc.
Informou também que ele ordenaria que entrasse em determinada rua estreita e que voltasse na primeira à esquerda, entrando numa rua perpendicular e também acanhada.
Chegados a este cruzamento ele mandou parar e explicou: "há apenas uma maneira de sair daqui! Se não fizer como vou ensinar-lhe, não consegue concluir o exame; como vou transmitir-lhe, sai com uma pequena manobra”.

Conduzi como ele ensinou e… tudo bem! Dei a volta ao quarteirão e voltei ao mesmo local para repetir a manobra agora sem ajuda – nenhuma complicação!
De seguida, juntamente com o alferes Mendonça, percorremos, a pé, todas as ruas por onde o capitão haveria de nos “levar” para nos familiarizarmos com os sinais (no mato não havia disso): aqui podemos entrar, ali não, acolá não podemos estacionar, além não podemos voltar à direita, etc.

No dia e hora aprazados, compareceram mais de 20 candidatos dos quais 3 eram alferes; um dos oficiais era candidato apenas à carta de mota. Uns 7 ou 8 chumbaram antes da condução: uns na prova escrita, outros na oral e alguns nos testes psicotécnicos. Qualquer destes exames “parciais” era eliminatório.
Os três oficiais superaram a 1.ª fase, passando à condução. O alferes Mendonça foi o primeiro a ser chamado para ser examinado num “carocha” que alugara na Escola. Entrou na viatura e aguardou a ordem do examinador:
- Ligue o motor! - Se está tudo bem, inicie a marcha!

O Mendonça “arrancou” de tal ordem (os pneus derraparam, levantando poeira a rodos) que o capitão gritou que parasse imediatamente e, com voz doce, informou sarcasticamente:
- Desligue o motor se faz favor e vá à sua vida! O seu exame terminou agora! Com isto não se brinca!

O outro alferes foi chamado para o exame de mota; não sei o que se passou; voltaram pouco depois, e… não conseguiu levar a carta.
Chegou a minha vez!

O capitão ordenou que entrasse e ligasse o motor – de nada serviu o meu estratagema – e se tudo está em ordem siga em direcção à Baixa.
Tudo correu de acordo com os sábios ensinamentos do instrutor civil. Que sorte! Regressados ao QG ordenou que arrumasse a viatura de marcha atrás, num barracão ali existente, entre duas outras que lá se encontravam.
De seguida ordenou que aguardasse. Eu tinha a “certeza”(?) que não tinha cometido qualquer atropelo… mas a minha preocupação era enorme; creio que era mais terror que outra coisa.
Pouco depois, um soldado, por ordem do examinador, informou-me que voltasse depois do almoço e que trouxesse duas fotos tipo passe para a carta de lista branca (penso que era branca) que me seria entregue nesse mesmo dia, mediante pagamento da módica quantia de 10$00 (pesos).

Usei-a durante uns anos; em 1972, quando saí da tropa, troquei-a pela carta civil. Em cerca de 16 meses fui, portanto, o único oficial a conseguir a carta à primeira tentativa… graças aos ensinamentos pertinentes do instrutor civil. Acontecia que àquela data, eu tinha bem mais de 30.000km de condução em estradas e “picadas” onde o que aparecesse estava destinado ao abate.

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Outra estória

Em 1961, conheci em Coimbra, um estudante, natural de Lamego (Britiande) que no ano anterior vivera na mesma casa na qual eu estava hospedado e aparecia lá com certa frequência.
Ele foi chamado a cumprir serviço militar em Mafra (EPI) no início de 1963; em Agosto do mesmo ano eu “bati com o costado” naquela mesma Escola Prática. Ele foi mobilizado para Angola e, pouco depois, eu embarquei para a Guiné.

Em Junho de 1966, regressado da Guerra, fui colocado no Colégio Militar, onde esperava preparar-me para concluir o curso. Em Outubro, o Walter Carvalho, o tal companheiro de Coimbra, encontrou-se lá comigo. Como aos dois faltava fazer quase as mesmas cadeiras, logo combinámos que estudaríamos juntos. Em primeiro lugar tentaríamos duas cadeiras mais simples. Havia um DL que permitia aos ex-combatentes fazer exame em qualquer época do ano; de seguida, já mais ambientados ao estudo e já “esquecidos” das complicações bélicas, tentaríamos uma cadeira nuclear para aquilatar as nossas capacidades psíquicas e psicológicas para continuar os estudos a sério, depois dum interregno de 3 anos em grande parte passados na Guerra de África – outros chamam-lhe colonial.

Um ano mais tarde, o Walter decidiu “tirar” a carta; adquiriu os papeis, preencheu-os e foi entregá-los na D.G.V.
Ao conferir os documentos, um funcionário extremamente zeloso e cumpridor informou, emproado:
- Oficial miliciano não é profissão!
- É disso que eu vivo! Mas se não é aceite… eu sou estudante!
- Também não é profissão!
- Não tenho outra! Estudo e recebo salário como oficial miliciano! Será que não posso obter a carta para se profissional de condução?
- Claro que não!

Devolveram-lhe a papelada! Preocupado com o que estava a acontecer-lhe, decidiu contactar uma Escola de Condução para que tratassem dos documentos de candidatura ao tal exame. Recolheram logo os elementos considerados necessários, mas não perguntaram pela profissão e sugeriram que voltasse no dia seguinte para assinar.
Curioso, logo foi verificar qual a profissão que lhe haviam atribuído. Ao certificar-se que era “agricultor”, comentou, sorrindo:
- Não tenho nada contra os agricultores, mas é tão verdade como afirmar que sou médico ou engenheiro.
- Na verdade, ou aceita ser agricultor, ou outra profissão que não necessite de comprovativo académico (carpinteiro, pedreiro, etc.) ou não pode habilitar-se à carta de condução.

Assinou! Foi essa a sua profissão (apenas na carta) enquanto o documento foi de cartolina; agora, com o cartão substituído por plástico, será diferente.

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Mais uma 

Um jovem frequentava o Liceu em Goa, quando, em finais de 1961, a União Indiana decidiu anexar a, até então, Índia Portuguesa (Goa, Damão e Diu, bem como, os enclaves de Dadrá e Nagar Haveli, escreve-se assim?).

O jovem, com a sua família “sem armas e com pouca bagagem” rumou à capital do Império onde concluiu o curso liceal, matriculando-se de seguida na Faculdade de Medicina. Ainda antes do fim do curso candidatou-se ao exame de condução; seria de bom-tom que o Sr. Doutor conduzisse a sua viatura.

Preencheu os impressos necessários e entregou-os na DGV; solicitaram que apresentasse o diploma da 4.ª classe, habilitação” mínima “exigida na Lei.
- Não possuo tal documento! Fiz esse exame em Goa e, na hora da “anexação” no meio da grande azáfama e perigo, trouxe apenas o que tinha… ali à mão. Estou prestes a concluir o curso de medicina; posso apresentar o certificado do 7.º ano que concluí no Liceu Camões!
- Eu quero apenas o comprovativo da 4.ª classe! O resto é conversa! Não interessa!

É certo que o futuro “galeno” conseguiu a sua carta de condução, mas viu-se obrigado a mover influências – as tradicionais e sempre atuais “cunhas” – para que alguém” sugerisse” ao zeloso funcionário que fizesse o “favor” de não exigir o tal documento… mas ninguém teve coragem de o informar que tinha… vista curta!
Se o candidato tivesse mais habilitações que as “mínimas”...tanto melhor.

Como dizem os nossos irmãos do outro lado do Atlântico: “o que abunda (ou a bunda?) não prejudica”.
Os burocratas esqueciam que era possível tirara um curso superior sem fazer a quarta classe...
Questões… de mangas de alpaca!
Ainda há disso a rodos… nas repartições públicas e Câmaras Municipais emperrando todo o sistema!

Saudações colegiais
Junho 2013
BT
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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE ABRIL DE 2013 > Guiné 63/74 - P11496: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (44): A gloriosa CCAÇ 675 foi realmente única

domingo, 19 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12608: Locais e povoações onde gastámos dois anos das nossas curtas mas valiosas vidas - CCAÇ 675 (Belmiro Tavares)

1. Mensagem do nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), com data de 15 de Março de 2013:

Caro Luís Graça:
Atendendo à tua solicitação para aumentar a lista de povoações da Guiné onde gastámos – bem ou mal – dois anos das nossas curtas mas valiosas vidas, envio o meu singelo contributo.

Quanto à longevidade, não tenho que me lamentar, pois tenho um acordo celebrado de boa fé com o S. Pedro, segundo o qual viverei, de boa saúde, até aos 120 anos, porque me foi confiada uma missão importantíssima – colocação de lápides nas sepulturas dos ex-combatentes da Gloriosa CCaç 675. 

Duas povoações da minha zona já constam da lista:
Binta, sede da companhia e Guidage que foi o alvo apetecido no aproximar do fim da Guerra.

Cito outros nomes da minha zona e de terrenos limítrofes:
- Uália
- Sambuiá
- Sambuiadim
- Malibolon
- Udasse
- Santancoto – aqui foi ferido o então Cap. Tomé Pinto
- Banhima *
- Mansália
- Fajonquito
- Quenhato
- Buborim – limite oeste da nossa zona
- Sansancutoto – aqui deixámos um cunhete de munições armadilhado; levaram-no mas nunca soubemos o que aconteceu
- S. João – nossa primeira operação com tiros
- Genicou Mandinga** – a dois passos daqui reconstruímos uma ponte onde deixámos uma placa informativa: “atenção – há armadilhas” – funcionou em pleno
- Genicon Mancanho **
- Lenquetó – o batismo de fogo da CCaç 675
- Massacundá**
- Caurbá
- Faer
- Temanto
- Dungal
- Ufudé
- Fodé Siraia
- Sanjalo
- Tambandinto
- Tambato
- Cansenha – aqui morreu o nosso guia Pathé Balde
- Caurdim
- Canicó
- Fátima
- Tancroal
- Olossato
- Safim
- Cuntima (colina do norte)
- Cajambari
- Barro

 * - já desactivadas quando lá chegámos
** - destruídas pelo PAIGC nas brigas intestinas

Nota: - As povoações que eles não destruíram, nós riscámo-las do mapa; em contrapartida, reconstruímos a Grande Binta – Vila Capitão de Binta – e repovoámo-la com as pessoas que se haviam refugiado no Senegal e que regressaram quando se aperceberam que nós dominávamos a situação; também (re)construímos Guidage.

Aquele abraço
BT

domingo, 28 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11496: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (44): A gloriosa CCAÇ 675 foi realmente única

1. Mensagem do nosso camarada Belmiro Tavares, (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), com data de 15 de Abril de 2013:

Caro Carlos Vinhal, Será isto uma doença?
Caso afirmativo… não tenho cura!

Somos levados a concluir que a gloriosa CCaç 675 foi realmente única; não, é claro, por não haver outra com este número, mas porque ela foi realmente diferente, para melhor, em comparação com a grande maioria das unidades que “guerrearam” (sem ódio) nos três teatros de operações.

O Jero, eu e outros temos apregoado intensamente que fomos e continuamos a ser ímpares – perdoem a nossa vaidade. A verdade é como o azeite: vem sempre à superfície.

Quem leu os nossos textos no blogue e os deliciosos livros do Jero ficou a conhecer, em parte, as razões do nosso orgulho.


Prestem atenção: 

- 1º - Tivemos um capitão sem par! Grande parte da nossa obra é consequência disso mesmo.

- 2º - Limpámos completamente a nossa zona e mantivemo-la sem “intrusos” até ao fim da nossa comissão.

- 3º - Os nossos militares distinguiam-se, no aquartelamento, no mato ou na cidade, pela sua valentia, coragem e pelo seu comportamento e disciplina.

- 4º - Recuperámos milhares de civis que, para fugirem à guerra, se refugiaram no Senegal vizinho; voltaram quando se aperceberam que ali já havia paz e condições “ótimas” para viver.
Por ação direta, dedicada e intensa do nosso capitão conseguimos sementes para as suas “lavras”. Tiveram uma colheita “astronómica”; foram “ensinados” que era necessário semear e colher o máximo para alimentar também os que ainda haviam de voltar – e vieram muitos.

- 5º - Mais de três dezenas de militares habilitados apenas com a 3ª classe de adultos frequentaram, nos intervalos a guerra, as “nossas aulas” regimentais e concluíram em Farim a 4ª classe.

- 6º - Construímos uma Igreja e duas pistas de aterragem.

- 7º - Para uso dos nativos, edificámos um posto de Primeiros Socorros e preparámos pessoal de enfermagem; construímos uma escola para a miudagem nativa.
Um dia, Domingo, os miúdos, alinhados por alturas compareceram frente ao comando da companhia; enquanto a Bandeira subia garbosa, ao topo daquela haste tosca, eles cantaram, donairosos, o Hino Nacional. Não se tratou de ordem ou sugestão nossas; foi decisão do professor “improvisado” que trouxemos de Farim.

- 8º - Transformámos uma singela e ruim picada de 12Km em estrada e reconstruímos duas pontes.

- 9 - Custeámos a trasladação dos nossos três mortos em combate.

- 10 - Além de vários louvores e condecorações individuais, a CCaç 675 recebeu dois merecidos louvores coletivos.


Depois do regresso, continuámos a nossa senda de diferenças: 

A) Todos os anos, em Maio, sem falha, realizamos o nosso almoço de confraternização sem esquecer a missa pelos nossos mortos, de lá… e de cá.

B) Nos intervalos dos almoços anuais tem havido as chamadas “mini 675”, com 3; 5; 10; 20 ou mais de sessenta convivas.

C) Desde a 1ª hora, os nossos familiares participam nas nossas reuniões; os familiares de alguns dos nossos mortos fazem questão de confraternizar connosco.

D) Há alguns anos, iniciámos a colocação de lápides nas sepulturas dos nossos “elos” falecidos. Este rol, longo, mas por certo, incompleto, veio a lume na sequência do lembrete para requerer as medalhas em epígrafe; acontece que todos nós, oficiais, sargentos e praças somos detentores de tais insígnias que nos foram presenteadas pela própria CCaç 675, a gloriosa.

Belmiro Tavares e José Eduardo Oliveira (JERO) juntos de um "Elo" falecido

Eis mais um tema que não consta do rol.
Obrigado, Carlos, pelo tempo roubado, mas no que à CCaç 675 diz respeito, nós sentimos sempre ganas de agarrar o mote.
Não nos levem a mal por isso!

Aquele abraço!
BT
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Notas do editor:

- Quem quiser conhecer a história da CCAÇ 675, além de ter de ler o livro do nosso JERO, "Golpes de Mãos - Memórias de Guerra", podem ler aqui no Blogue as Histórias e memórias de Belmiro Tavares e Histórias do JERO

Último poste da série de 7 DE ABRIL DE 2013 > Guiné 63/74 - P11355: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (43): Eu, aprendiz de perfeito, apresento-me

domingo, 7 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11355: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (43): Eu, aprendiz de perfeito, apresento-me

1. Em mensagem do dia 25 de Fevereiro de 2013, o nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, QuinhamelBinta e Farim, 1964/66), enviou-nos mais uma memória do seu tempo de estudante.


HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES

43 - Eu, aprendiz de prefeito, apresento-me!

Em Setembro de 1960, fiz, em Aveiro, a minha última cadeira do 7º ano, Literatura Portuguesa, ficando, assim o curso liceal concluído. No mês seguinte candidatei-me a caloiro na Faculdade de Letras de Coimbra; o exame de aptidão correu mal e… mandaram-me voltar lá no ano seguinte.
Uma grande injustiça! Digo eu, claro!

Para me preparar para o mesmo exame de aptidão à Universidade, em Janeiro de 1961, voltei ao COA. Entendi que não seria necessário passar lá um ano lectivo completo, pois o meu trabalho – aprender mais umas coisas de Inglês e Alemão – o suficiente para não borregar de novo, não exigiria – imaginei – tanta dedicação, tanta azáfama que me ocupasse todo o tempo de que dispunha, entre as 07h e as 22h; claro que neste espaço de tempo estava incluído o tempo de recreio e para comer. Mesmo assim, haveria tempo para uma qualquer ocupação extra-curricular que pudesse proporcionar-me algum benefício material.

Conversei com o Sr. Almeida – Homem que sempre admirei, mesmo tendo em conta as duras regras que nos eram impostas – e por quem tive sempre grande admiração, estima e respeito. Dada a minha maneira muito pessoal de transmitir factos, poderá haver quem pense o contrário por essa minha pecha ou por esconsos motivos indecifráveis.
Seja como for, o melhor é conversar e pôr os pontos nos ii.

Propus (roguei) ao Sr. Almeida que me arranjasse um “tacho” mesmo que pequeno, pois um grande “tacho” não estaria disponível para mim. A sua resposta foi imediata e precisa, de tal maneira que me passou pela cabeça que ele já teria ponderado aquele assunto; certamente, não teria, mas ficou mesmo essa imagem.

Eis a sua douta decisão:
- Ficas como adjunto do Sr. Correia, substituindo-o, na sua ausência, se estiveres disponível; sempre que no salão de estudo houver mais alunos que lugares, principalmente das 17h00 à 19h00, tomas conta de um grupo de alunos mais novos numa das salas da Primária, no piso de cima; depois do almoço, enquanto o portão dos rapazes estiver aberto, ficas incumbido de não permitir que os alunos se aglomerem lá, implicando com as alunas que por ali vão passando; em contrapartida, não pagas alojamento nem alimentação – Está bem assim?

Respondi que concordava com as condições propostas e que iria cumpri e fazer cumprir as regras habituais emanadas da direcção.
Ordenou que o acompanhasse e, na minha presença, transmitiu ao Sr. Correia, o prefeito, as condições acordadas… verbalmente. Tudo funcionou, talvez melhor, do que se houvesse papel passado – nada melhor do que a boa fé entre as partes envolvidas.

Pareceu-me que o negócio não era mau de todo, embora eu, pessoalmente nada ganhasse com ele; o único beneficiado era o meu pai que deixou de pagar determinada verba. Mas… avante!

O mais interessante das minhas incumbências era afastar a rapaziada dos terrenos próximos do portão para que não molestassem as garotas com os seus despropositados (ou não) piropos. Eu sentava-me numa fiada de pedras mais afora da parede do edifício principal e, no cumprimento da minha superior missão, fumava (apenas queimava) o meu cigarro (felizmente nunca soube o que era o vício do fumo); logo apareciam uns voluntários para me fazer companhia – “lavavam” ali os olhos e fumavam sem ser obrigados a deslocar-se ás instalações sanitárias.
Lembram-se, certamente, que, apenas os alunos do 3º ciclo e os mais crescidos do 5º ano, podiam fumar… mas apenas nas instalações sanitárias.

Antes da construção do ginásio, havia um sanitário único para todos os alunos; ficava na parte mais alta do antigo recreio, frente ao salão de estudo, e de “costas voltadas” para o quintal com laranjeiras (e que boas eram aquelas laranjas!) do senhor arquiteto Gaspar; era um dos mestres simpáticos e divertidos e que um dia me disse que o meu desenho “estava com iterícia”; teve a sua graça – pois… toda a gente se riu!

Ao fundo do edifício ficava a “sala de fumo”. Os próprios alunos mais velhos não permitiam que a malta mais nova fumasse – outros tempos! Fumar fora daquele local era absolutamente proibido… arriscado e ninguém ousava sair do ritmo.

Logo estabeleci que só podia estar junto de mim um aluno de cada vez. Fumava o cigarrito e logo dava o lugar a outro. Quando foi acrescentado mais um piso ao internato, eu passei a dormir lá com não sei quantos alunos. Deste modo foi “inventado” o quarto adjunto do velho Correia (e também este temporário).

É justo recordar que o Sr. Almeida nunca me chamou a atenção (repreendeu) por qualquer desmando, desvario ou incumprimento do contrato verbal entre nós estabelecido.

Como aluno universitário visitei o COA várias vezes; cumprimentava os nossos directores e tinha “direito” a almoçar ou jantar lá e creio que uma vez também lá dormi.

Em meados dos anos 70, depois da revolução dita dos cravos (ou dos cravas) passei pelo COA.
A menina Dina, na sua Livraria e Papelaria, informou-me da recente transformação do colégio em Liceu. Solicitei-lhe o endereço do Professor Santos e visitei-o também; senti-me lisonjeado porque ele logo me reconheceu; puxou-me para junto a janela (a vista já não ajudava) e, com alegria, logo comentou:
- “Tu és o Belmiro”! Sem tirar nem pôr.

Saudações colegiais
Fevereiro 2013
BT
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 24 de Março de 2013 > Guiné 63/74 - P11305: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (42): Desporto no COA - Outras modalidades

domingo, 24 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11305: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (42): Desporto no COA - Outras modalidades

1. Em mensagem do dia 25 de Fevereiro de 2013, o nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, QuinhamelBinta e Farim, 1964/66), enviou-nos mais uma memória do seu tempo de estudante.


HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES

42 - Desporto no COA

Outras modalidades

Há poucas semanas, vários ex-alunos recordaram e transmitiram o de que se lembravam sobre o desporto no COA, citando os nomes mais representativos no futebol, basquetebol e voleibol; mas praticaram-se ainda outras modalidades.

Recordo que na sala por cima do velho laboratório do Dr. Vide - mais tarde era da Dª Maria? Odete - foram colocadas umas mesas de pingue-pongue, creio que emprestadas pelos bombeiros, e ali foram disputados uns tantos jogos. Era a mesma sala onde o Zé Alberto nos presenteou com a exibição de um vídeo muito bem elaborado aquando do almoço de 2012.
Não recordo o nome de nenhum jogador dessa modalidade mas talvez alguém se lembre.

A partir daqueles jogos, no salão de estudo, fazíamos uma “réplica” do ténis de mesa; a carteira dupla dos alunos internos tinha um tampo horizontal e servia de mesa, um livro ou um caderno servia de raqueta; a bola era normal.

Além dos desportos citados praticou-se também, e em larga escala, um outro desporto característico do Norte do país – joga-se também no sul, mas não com a mesma intensidade. Exige dura preparação física, muita concentração e também boa memória, inteligência acima da média; é um desporto de equipa (2 de cada lado) e exige, também treino assíduo. Refiro-me, claro, à “sueca”.

Iniciei-me neste duro desporto no COA. No meu 2º ano, noite após norte, jogávamos na camarata, à luz da vela, até alta madrugada; não recordo se alguma noite fizemos uma “directa” mas, certamente andámos lá perto. Logo que o velho Correia (não é ofensa) se deitava “armávamos a tenda” no canto da camarata, à entrada à esquerda; prendíamos um lençol na janela, na parede e no bloco de cacifos, servindo de quebra-luz; acendíamos uma vela e iniciávamos a jogatina. A nossa camarata ficava ao fundo do corredor, à direita, frente à do prefeito.

Jogávamos a dinheiro vivo! – Ai de mim se o meu pai soubesse! Não me recordo quanto se perdia em cada partida; ganhava quem completasse quatro vitórias.

Recordo que uma noite eu perdi 1$60 (o Valdemar Coutinho conta que só perdi 1$20); o que interessa é que perdi! Na noite seguinte, triste que nem um peru em véspera de Natal, transmiti aos restantes jogadores que desistia de jogar porque, na noite anterior, havia perdido quase uma fortuna.

Lembro que estávamos no início dos anos 50, do século XX e nessa altura o dinheiro não abundava nas nossas magras algibeiras.

Outro membro da minha equipa, o Valdemar Coutinho, e os adversários, ficaram desolados, furibundos; insistiram que eu voltasse à lide. Mantive a minha posição em não jogar. Eles conferenciaram e apresentaram-me a seguinte proposta:
- Nós devolvemos-te o dinheiro que perdeste e tu vens ”trabalhar” connosco. Certo?

Perante tanta insistência e tendo em conta que recuperava o meu dinheiro, dei o dito pelo não dito e voltei às lides. Pode depreender-se que a malta… já estava viciada, ou para lá caminhava.

Os meus adversários arrependeram-se profundamente da sua atitude pois, naquela noite, a “vaca” andava à solta e estava do meu lado. Ganhei, nessa noite 2 ou 3$00; quase ficava rico naquela madrugada.

O Valdemar e eu jogávamos sempre juntos; éramos companheiros inseparáveis… na sueca e não só.

Quando frequentava o 3º ano, entraram no COA vários alunos provenientes da região de Espinho/Vila da Feira; entre eles veio o Hec Sá Rosas (acompanhado pelo irmão mais novo, o “Rositas”) e o Pais Loureiro; estes dois frequentavam o 5º ano. Tomaram conhecimento da nossa nomeada na batota e decidiram desfiar-nos para uma “suecada”; de bom grado aceitámos o repto. Era uma situação nova e complicada para nós; eles eram mais velhos e jogavam juntos (equipe entrosada e batida) havia uns tempos. Medo não tínhamos! E como dizem lá na santa terrinha: - quem nasce bom… é sempre bom.

Iniciado o jogo, logo verificámos que havia equilíbrio de forças. Pouco depois, após a distribuição das cartas, olhei para o meu jogo e só “via duques”; não tinha na mão qualquer carta de valor; apercebi-me que o meu companheiro – sinalética própria da batota – estava também na penúria. Nisto, o Américo, que até tinha bom jogo, cometeu um erro crasso que foi a nossa salvação. Num inglês macarrónico, dando às palavras um tom profundamente gutural, perguntou ao Rosas:
- How many “trunfs” have you?
- I have four! - Replicou o Sá Rosas
- I have six! - Foi a resposta concludente do Américo

Como eu frequentava o 3 ano e portanto já sabia umas tretas de Inglês, coloquei “as cartas na mesa”, alegando:
- Tu perguntaste ao teu companheiro quantos trunfos ele tinha; ele respondeu que tinha 4 e tu acrescentaste que tinhas 6. Isso até é verdade pois nós não temos nenhum. A sueca foi inventada por quatro mudos! Vocês falaram… perderam o jogo! Vitória nossa!

Nos jogos seguintes a “sorte” passou definitivamente para o nosso lado e ganhámos por larga margem. Escreveu-se direito... por linhas tortas. Mas a sorte não era tudo!

Algum tempo depois o Sá Rosas (mano velho) apercebeu-se que o Valdemar e eu éramos companheiros inseparáveis, perguntou:
- Vocês são irmãos? É que nunca vos vi um longe do outro!

Eu respondi:
- Nós somos apenas “meio-irmãos”!

Perante a sua estupefação eu esclareci:
- Somos meio-irmãos porque o meu pai namorou com a mãe dele e o pai dele namorou com a minha mãe; entretanto mudaram de campo; eis a razão porque somos apenas meio-irmãos.

A nossa dupla desfez-se já lá vão uns bons anos!

Na Guiné, nos intervalos da Guerra, joguei bastante, com outro parceiro, claro! Para não haver confusão de galões e divisas, eu jogava com um dos meus furriéis e a outra dupla era também formada por um alferes e um furriel; o prémio era uma cerveja para cada um; uma cerveja “à melhor de três”. Para quem não está familiarizado com a linguagem, eu troco por miúdos: a equipa que ganhasse duas partidas seguidas ou alternadas, recebia duas cervejas, uma para cada jogador.
Acontece que eu não bebia cerveja. Quando perdia pagava ao “cantineiro”; se ganhava ficava crédito da minha conta-corrente. O cantineiro controlava.

Quem bebia o que eu ganhava, eram os meus soldados que não recebiam o suficiente para beber uma cerveja por dia. Para que não haja dúvidas, é bom esclarecer que cada um de nós recebia apenas 1/3 do salário; 2/3 ficavam cá. Mas mesmo assim era uma miséria!

O Valdemar, ainda hoje, é um acérrimo”suequista”. Todos os sábados e domingos, ele desloca-se (1Km) até à taberna do irmão (Mário) e ali passa uma tarde/noite bem passada à volta de uma mesa com as cartas na mão. Ali, a sueca é rainha! Não há por lá um café onde se não pratique este desporto, extremamente exigente, física e intelectualmente. Só não sabe isto quem não joga!

Saudações colegiais!
Fevereiro 2013
BT
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 17 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11268: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (41): O Chissóia e tantos outros que fomos obrigados a abandonar

domingo, 17 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11268: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (41): O Chissóia e tantos outros que fomos obrigados a abandonar

 

1. Em mensagem do dia 21 de Fevereiro de 2013, o nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, QuinhamelBinta e Farim, 1964/66), volta a aflorar o doloroso fim de muitos dos camaradas africanos que lutaram ao nosso lado e que foram abandonados à sua sorte aquando da independência dos territórios ultramarinos.



O Chissóia

Este título encabeçava um texto que me foi enviado, há já algum tempo, via mail, por um amigo de longa data que reside, há anos, para lá da outra margem do Atlântico. Logo pensei escrever sobre tão desgraçado tema; eu estava, porém, assoberbado com outro longo assunto… trabalho do dia-a-dia, e o tempo foi passando, inexoravelmente.

Como assunto escreveu: “Homenagem de gratidão ao Chissóia e a tantos outros que fomos obrigados a abandonar”. “Malhas que o Império teceu”!

Faço agora duas perguntas:
- Quem terá sido obrigado a abandonar?
2ª - Foi obrigado por quem?

De seguida relata: extraído do livro "Quinda" de Carlos Acabado, da coleção Império, nº 3.
Mais abaixo, transcreve algumas passagens das páginas do autor acima referido, narrando um pouco da vida dos Chissóias, pai e filho

O progenitor fez-se pisteiro e caçador de elefantes - saber de experiência feito - para proteger (e não só) as culturas do povo da sua aldeia que - sabe-se lá porquê - ficavam na zona de passagem dos paquidermes, à procura da água do rio Lungwebungo, destruíam ou danificavam seriamente, em trânsito, as lavras dos seus vizinhos; com os seus estragos lançavam às malvas o trabalho estrénuo de meses. Destruídas as culturas, o povo pagava as favas… com meses de fome.

Ao mesmo tempo que protegia as sementeiras do seu povo, o pai Chissóia acompanhava também os abastados colonos da região na caça aos elefantes; a carne, às toneladas, era distribuída pela população da aldeia de Lucusse; apenas os dentes, depois de extraídos dos maxilares - tarefa de que o pai Chissóia, de bom grado, se encarregava - eram entregues aos colonos que haviam abatido os animais de… tromba.

Naqueles tempos conturbados - estávamos no início da Guerra Colonial - um grupo de gente armada, pessoas desconhecidas naquela aldeia, entrou em Lucusse para conversar com o soba. Perante a “incompreensão” daquela autoridade gentílica e até de alguma pretensa e/ou manifesta “hostilidade”, o chefe do bando armado, sem mais delongas, e perante a população aterrorizada, fuzilou o soba por ser um “chefe corrupto”; o velho Chissóia foi também barbaramente abatido, por ser “lacaio dos colonialistas”.

O filho Chissóia fugiu à pressa, embrenhando-se na selva protetora e conseguiu chegar a pé, são e salvo, à capital do distrito; procurou o chefe militar português a quem transmitiu a malvada notícia. De seguida, um destacamento militar fixou-se na aldeia e o jovem Chissóia foi colaborador dos militares, ficando para “sempre” ligado à nossa tropa; os seus conselhos e atuação eram cada vez mais imprescindíveis. Veio a ser condecorado com a Cruz de Guerra, por atos heróicos em combate, e, durante a cerimonia, ouviu do general que lha colocou no peito:
- Portugal sente orgulho por ter filhos como tu.

Os anos passaram… lentos; chegou a não menos sangrenta fase de transição para a independência; de novo ocorreram os ajustes de contas, talvez ainda em maior quantidade e, por certo, também mais atrozes.

Alguns elementos da aguerrida equipa de Chissóia foram selvaticamente abatidos; as chacinas generalizaram-se; outros companheiros, porém, tiveram tempo de se proteger na mata, às escondidas, com elevadíssimo risco, mantinham contacto com o chefe.

O Chissóia conseguiu chegar ao comando militar da zona, onde um “tenente de barbas”, depois de saber o seu nome, lhe transmitiu que isso “tinha de acontecer aos lacaios do imperialismo e traidores do povo”. O indígena sentiu o mundo cair dos eixos sobre a sua cabeça; ficou descoroçoado!

No Comando Militar, ele pensava ser absolutamente protegido; afinal ouviu do tal ”tenente de barbas” o mesmo que disseram ao seu pai antes de o fuzilarem: 
- Lacaio dos colonialistas.

Ao seu interlocutor, um militar da FAP, o Chissóia, incrédulo, referiu: 
- Mas, no caso do meu pai, os matadores eram negros… um tenente branco, ao serviço do Exército Português, não podia dizer-me o mesmo! Será que já fui riscado do rol dos portugueses para ser livremente abatido pelos africanos independentistas?!

Solicitou ao mesmo interlocutor o especial favor de, em meio aéreo, o colocar - bem como à sua família ali presente e mais duas mulheres - em determinada pista militar próxima da fronteira e já abandonada; dali eles partiriam, através da mata, ao encontro dos seus companheiros que haviam conseguido debandar antes de serem abatidos. Tinha a certeza que um dos “movimentos” estaria disponível para aproveitar a sua experiência e o seu saber fazer. Com desmedido perigo para as duas partes envolvidas na arriscada viagem, até à dita pista, o Chissóia foi ali colocado e, em poucos segundos, despareceu no soturno silêncio da brava selva africana que a todos, irmãmente, protege.

No dia seguinte, ao proceder-se à limpeza habitual do aparelho voador, alguém encontrou, por baixo do banco usado pelo Chissóia, uma Cruz de Guerra com a qual aquele herói tinha sido agraciado, anos antes. Tê-la-á perdido involuntariamente? Ou terá sido abandonada intencionalmente? Só ele e Deus o sabem. Aquela condecoração poderia ser um elemento comprometedor, pois confirmaria a sua íntima e longa ligação às Forças Armadas Portuguesas.

E mais não disse!

Como português, fiquei profundamente magoado - e como me doeu! - por ficar a saber (aliás já sabia de acontecimentos semelhantes) que alguns portugueses, embora de cor (o que nada significa) fossem maltratados, molestados, abatidos, selvaticamente chacinados, sendo tão portugueses como nós.

Quem assim agiu ou permitiu que se obrasse seria português apenas no BI ou até talvez isso; no coração a nacionalidade seria outra.

Neste momento, apetece-me perguntar às chefias, aos responsáveis no terreno, daquela época:
- Quantos Chissóias criámos nos três teatros de operações durante os longos e funestos anos da nossa guerra do Ultramar, para, no fim, serem cobardemente abandonados à sua triste sina?

A nova força africana... O major Fabião, na altura (1971/73) comandante do Comando Geral de Milícias, e o gen Spínola, passando revista a uma formatura de novos milícias.
Autor da foto: desconhecido. (Reproduzidas com a devida vénia)

Guiné-Bissau > Região Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Missirá > 1970 > Pel Caç Nat 54 >
Foto: © Mário Armas de Sousa (2005). Todos os direitos reservados.
 
Militares da 1ª Companhia de Comandos Africanos, comandada pelo Capitão João Bacar Djaló
Foto retirada do nosso Blogue - Poste 6149

Estou a escrever para um blogue de ex-combatentes da Guiné. A esses eu pergunto de outro modo:

- Quantos Malans viveram, lutando sabiamente, corajosamente, lado a lado connosco, como portugueses de rija têmpera? O seu sangue, independentemente da cor da pele, que nada importa, era tão rubro, tão português como o nosso!

Quem saberá informar o que, na verdade aconteceu aos valorosos e portuguesíssimos militares do célebre Batalhão de Africanos, aquartelado em Bissau?

Citei o nome Malan, não só por ser comum na Guiné, mormente entre os mandingas, mas principalmente porque era o nome do brioso, ousado e valente guia da nossa gloriosa CCaç 675; no fim da Guerra terá sido cobardemente abandonado à sua sorte e veio a ser desumanamente fuzilado (sem qualquer sombra de julgamento) no Senegal onde se refugiara, tentando fugir ao destino que lhe traçaram.

Antes da Guerra, por ser muito conhecido e benquisto na região de Farim, o PAIGC tentou arrebanhá-lo. Impossível! O seu puro portuguesismo não o permitia!

Profundo conhecedor da maior parte do território a norte do Cacheu e de boa parte do Oio tornou-se guia da CCaç 675, a primeira companhia a sediar-se em Binta, que ficava a escassa meia dúzia de quilómetros da sua aldeia natal, Genicó Mandinga. Esta tabanca fora incendiada pelos independentistas, bem no início da Guerra e a mãe do guia foi ali cruamente abatida, porque o filho, o nosso querido Malan, não aceitou bandear-se.

Foi uma figura marcante, preponderante, e a ele devemos uma boa parte dos extraordinários sucessos operacionais da sua e nossa CCaç 675.

Com o acordo do então comandante da companhia, eu tentei conseguir, no QG, em Bissau, a necessária autorização para que o Malan pudesse vir passar seis meses na Metrópole, a expensas nossas; o Governo Português apenas seria sobrecarregado com as viagens de ida e volta em navios de transporte da tropa. O requerimento foi indeferido, alegadamente, por “motivos operacionais”. Nada mais se podia fazer!

Nos últimos dias de 1964, o indómito capitão Tomé Pinto decidiu “invadir e destruir” a base de Sambuiá, sita na Península com o mesmo nome (Península porque ficava entre os rios Sambuiá e Malibolon que são tributários do Cacheu); esta era sem dúvida a base inimiga mais poderosa a Norte do Cacheu. Deste modo, o nosso ilustríssimo capitão pretendia vingar a morte do furriel Vilhena Mesquita, abatido pelo rebentamento de uma poderosíssima mina anticarro, no dia 28 de Dezembro de 1964. Já em Janeiro de 1965, a bordo de um Dornier, o Cap. Tomé Pinto fez o reconhecimento aéreo da dita península.

O piloto Honório, homem já muito experimentado nestas andanças apercebendo-se das enormes movimentações de combatentes fortemente armados, perguntou:
- Que efetivos vão atuar nesta zona?
- A minha companhia! - Respondeu secamente o nosso valente comandante.
- Apenas uma companhia? Isso é uma temeridade!

No dia 5 de Janeiro, a CCaç 675, reforçada com alguns homens da frágil guarnição de Guidage (havia ali apenas um pelotão) calcorreou livremente (quase) aquela Península de lés-a-lés; o sucesso da operação só não foi estrondoso (como previsto) porque algo muito grave aconteceu; o Pelotão de Morteiros 980, a quem cabia a missão de proteger (impedir a fuga) a ponte de Malibolon sofreu um gravíssimo revés: um terrível naufrágio em que oito militares, na flor da idade, perderam ingloriamente as suas vidas nas revoltas águas turvas do Cacheu. Assim aquela ponte ficou sem vigilância e foi por ali que os “corajosos” donos da Guerra da base de Sambuiá se escapuliram apressadamente, antes que fosse tarde, colocando-se a seguro em terrenos próximos de Bigene ou no Senegal, ali ao lado.

Anos mais tarde, houve nova tentativa de aniquilar aquela base. O General Spínola apareceu a meio da operação para transmitir mais confiança às tropas. O governador ficou tão agradado coma a atuação do nosso guia, Malan Sissé, que de seguida o galardoou com o Prémio Governador da Guiné - um mês de férias na Metrópole (no Puto).

Os africanos beneficiários daquela benesse ficavam instalados no DGA e faziam ma série de visitas programadas para ficarem a conhecer os locais e os monumentos mais significativos da História de Portugal.
Ao segundo dia da sua estada em Lisboa, o nosso famoso guia foi “raptado” no DGA; durante uma semana ficou “adido” em minha casa; depois andou de mão em mão, sempre acompanhado pelos seus indefetíveis amigos da CCaç 675. Voltou ao DGA na véspera do seu embarque de regresso à Guiné.

Mal tu imaginavas, meu caro Malan, depois de tantos sacrifícios, tanta guerra, tanta manifestação de puro portuguesismo, que virias a ter o mesmo trágico e cobarde fim de tantos outros Malan's... e Chissóia's.

Ficam as perguntas atrás formuladas. Quem saberá responder convenientemente?

A todos um alfa bravo muito cordial neste início de novo ano (já vai ficando velho) de 2013.

Fevereiro 2013
BT
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 10 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11228: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (40): O sr. Dr. Matos